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“SÓ TE PEÇO UMA COISA, QUE ME AMES!”: BREVE ARTICULAÇÃO ENTRE UM CASO DE HISTERIA E A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
 
 
Maior abandonado
 
Eu tô perdido
Sem pai nem mãe
 
Eu tô pedindo
A tua mão
Me leve para qualquer lado
Só um pouquinho
De proteção
Ao maior abandonado.
(Cazuza; Frejat)
 
Resumo
 
O presente trabalho tem como inspiração o caso de uma paciente ao qual nomearei aqui de senhora A, tal mulher chega à instituição devido a uma causa orgânica, no entanto sua maior questão se dá pela necessidade em se tornar aquilo que não é, e não consegue ser: “amada e desejada!”. Essa breve análise surge do desejo do analista, função essa que exerço no setting, a de desejar continuar escutando a paciente, para que talvez, algum dia ela também possa se ouvir. Com isso, utilizarei como “bengala” para o disposto trabalho o auxílio da arte, essa que nos salva, sujeitos e sujeitas no laço social.
 
 
 
Assim como letra da música acima, a senhora A atribui as dores de sua vida ao abandono de seu pai e mãe, pedindo, através de sua fala não somente proteção, mas que alguém a ame e deseje. Em “Édipo: O complexo do qual nenhuma criança escapa”, Nasio (2007), afirma que, ao ouvir uma mulher, deve-se pensar sempre na relação desta com quem exerceu a função de mãe. A paciente em questão tem sua mãe retirada de si aos quatro anos, logo quando estava atravessando o complexo de édipo, sua queixa nas primeiras sessões é de que está não “voltou para buscá-la” quando pôde, assim, atribui a mesma as mazelas de não ter auto amor, autoestima, autoconfiança, “auto... auto... auto...”, até esbarrar no Eu. Um “Eu” do senso comum pouco investido, desamparado de um maior abandonado.
A Senhora A narra seu incômodo em se “arrastar” na vida, a qual diz não andar, e atribui tal culpa ao pai, segundo ela “dizem” que foi este que a deixou na condição física que se encontra hoje. Apesar de falar muito pouco desse homem, a paciente narra algo incomum entre seu pai e todos os homens com quem se relacionou na vida. Todos são “militares”, detém o Falo que a paciente busca ter. Por detrás de seu discurso de impotência perante a vida, senhora A impõe seu “amor-próprio” ao se colocar em primeiro frente aos Outros, não aceita esperar, passando por cima de quem estiver à frente, não aceita o atraso, não aceita o lugar do analista de suposto-saber. “O pênis não a interessa, e, às vezes, inclusive a repugna; o que interessa e apaixona é o poder que ela lhe atribui e que a deixa com inveja”. Deve-se destacar, pois, que inveja aqui não é sinônimo de desejo e sim de um sentimento pueril de uma criança “magoada, vingativa e nostálgica”, que quer recuperar a todo custo o símbolo de poder que acredita ter sido despossuída. (NASIO, 2007, p. 53)
Nesse novo cenário, o qual Nasio (2007), denomina de “Tempo do Édipo: a filha deseja o pai”, o pai que é doravante o grande detentor do Falo, se torna o refúgio e o consolo dessa “menininha” magoada, mas não somente isso, ela quer também reivindicar seu poder e sua potência. E diante da negativa de seu pai sobre o pedido, o qual na cena edipiana nega a filha não somente o poder, mas também a existência desse. Perante isso, ela não se resigna, ao contrário lança-se com toda a sua fúria nos braços do pai, e se antes queria ter o Falo, agora quer sê-lo, ela quer ser “a coisa do pai”, e é a partir da sexualização de seu pai, que a menina entra efetivamente no Édipo (p. 55).
 
Nem sei porque você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus, não pude dar
Você marcou em minha vida
Viveu, morreu na minha história
Chego a ter medo do futuro
E da solidão que em minha porta bate
 
Eu corro fujo desta sombra
Em sonhos vejo este passado
E na parede do meu quarto
Ainda está o seu retrato
Quero ver pra não lembrar
Pensei até em me mudar
Lugar qualquer que não exista
O pensamento em você
 (Tim Maia)
 
Nasio (2007), afirma que, na cena edipiana, a filha torna-se para seu pai “seu mais temível rival, e ele, para ela, seu mais intolerável espelho”, fato esse mencionado na fala de senhora A, quando para além da semelhança em escolher como parceiros homens militares, assim como seu pai era; cita similarmente a sua própria escolha em usar sempre coturnos e declarar certa vez uma escolha que denomina feita pelo “subconsciente” do calçado “verde militar”. Como afirma Nasio (2007), “O histérico vive seu parceiro não como homem ou uma mulher, mas como uma criatura castrada onipotente” (p. 118). Seu último parceiro nomeado por senhora A de “narcisista maligno”, “a estudou, usou e depois descartou”, ou melhor, abandonou. Apesar de desde o início do relacionamento, o homem que nomearei de príncipe de aquário, deixou bem claro que “dormia com uma mulher apenas uma vez, e que depois não visualizava, respondia e bloqueia as mulheres com quem saia”, mesmo assim senhora A atribui ao que achava ser o príncipe que viria a “salvar, carregar, desejar e amar”, num fantasioso conto de fadas, a demanda de amor do objeto fantasmático de sua trama edipiana.
A senhora A se mantém em relações semelhantes sem saber o porquê, “desempenhando um papel de vítima infeliz e constantemente insatisfeita”. O histérico para atenuar a sua angústia, mantém, eternamente em suas fantasias e em sua vida um estado perfeito de insatisfação. O ganho que sua doença o promove é o de se manter sempre a espreita e protegido do perigo que é vivenciar a satisfação de um gozo máximo, tal gozo, se vivenciado, poderia o fazer “enlouquecer, dissolver-se ou desaparecer”, por isso mantém sua insatisfação como sua melhor guardiã, barreira protetora contra o perigo absoluto do gozo. Como a senhora A repete em toda sessão, “meu medo é de que ele me mande uma mensagem e eu ceda novamente”, referindo-se ao príncipe de aquário, com quem já não mais mantém um relacionamento. (NASIO, 1991, p. 15)
 
Amor da minha vida
Daqui até a eternidade
Nossos destinos foram traçados
Na maternidade
 
Eu nunca mais vou respirar
Se você não me notar
Eu posso até morrer de fome
Se você não me amar
 
Exagerado
Jogado aos seus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado
 (Cazuza)
 
 
Nomear esse outro de amor da minha vida, é a forma como a paciente utiliza para continuar vivendo, incluindo nas suas fantasias o amor que gostaria de receber, exagerada e capaz de quase morrer caso seu objeto de amor não a enderece o mesmo afeto, senhora A adora um amor inventado, como a mesma afirma diversas vezes “eu fantasio demais”. Sustentar no setting, ser chamada de “o amor da minha vida”, é permitir ser incluída nas séries amorosas da paciente, é permitir que o vínculo da transferência seja estabelecido, é permitir que a libido que tomou a via de regressão, ou seja inconsciente, dê notícias, mesmo que de maneira comedida, das imagos infantis, tornando-as novamente acessíveis à consciência. (FREUD, 1912)
 
Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos como nossos pais
 (Elis Regina)
 
 
Como na canção “Como nossos pais” de Elis Regina, aceitar a dor de perceber que apesar de termos feito, recalcado e convertido no corpo a angústia de castração, e que mesmo assim vive-se como nossos pais, é o que Nasio (1991), intitula de travessia da prova de angústia. É estar frente a frente com a experiência primeva do prazer excessivo e traumático, é escolher não mais afugenta-lo por uma amnésia ou DesAndar” na vida, mas permitir atravessar e ser atravessado pela angústia. Que a senhora A suporte compreender que do lado de lá dessa travessia, o risco continuará parcial, e a perda, inevitavelmente sofrida. E que “quando o outro vai, a gente fica com a gente”, “que cair do pedestal de que ocuparíamos o lugar mais precioso davida do outro é uma tarefa árdua. Mas é o único caminho possível para que seja possível encontrarmos uma maneira autêntica de nos ligarmos à vida”; e que mirar no amor e acertar na solidão talvez seja a melhor resposta para todas as suas demandas. (SUY, 2022, p. 100-104)

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