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LABORATÓRIO DE ARTES VISUAIS – AUDIOVISUAL E ANIMAÇÃO AULA 1 Prof. Matias Peruyera 2 CONVERSA INICIAL A ilusão do movimento nos fascina de várias maneiras. Nos primórdios, fascinava-nos pela surpresa e pela técnica. Atualmente, quando não nos surpreendemos mais com a existência de tecnologias que conseguem captar imagens e reproduzi-las em uma tela, fascinamo-nos com os diferentes recursos narrativos disponíveis para contar uma história. As possibilidades narrativas do audiovisual foram se aproveitando das tecnologias, assim como algumas mudanças tecnológicas surgiram pela vontade de conseguir uma narrativa melhor. A possibilidade de trocar uma câmera de lugar, de cortar um pedaço de película e colá-lo em outro, de usar diferentes fontes de luz, entre outras, permitiram a existência de um código, de um conjunto de lugares comuns – chamados por alguns autores de tropos – que nos ajudam a compreender o que está sendo mostrado e o que deveríamos sentir ao assistir a essa cena. E tudo isso ainda é perpassado pelas técnicas de produção, que também foram sendo aperfeiçoadas até se estabelecerem nas que vamos apresentar mais adiante. Para entender essa evolução, vamos começar traçando um breve histórico da animação e da produção audiovisual, desde os primeiros aparelhos até a atualidade, pensando nas interseções entre técnica, indústria e arte. Já pensou o porquê de o Mickey Mouse ser pintado de preto? Então. Lembre-se que esses assuntos também no livro de Peruyera (2020). Os temas que vamos abordar são: • História do audiovisual: primórdios do cinema. • História da animação. • História do audiovisual: principais movimentos. • Diferentes narrativas: gêneros de filmes. • Audiovisual e animação na atualidade. TEMA 1 – HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL: PRIMÓRDIOS DO CINEMA Os irmãos Lumière colaboraram com muitos desenvolvimentos na área audiovisual, como os autocromos, que permitiam obter fotografias coloridas já em 1903. Aqui a que nos interessa, porém, é a ilusão do movimento que nos interessa aqui, que é ilusão baseada na persistência retiniana. As primeiras 3 imagens cinematográficas de um trem chegando na estação se baseavam na ilusão de movimento causada pela sequência das imagens. Há relatos de que pessoas saíram apavoradas dessa primeira exibição. Essa exibição, que aconteceu em 1895, foi consequência do desenvolvimento do cinematógrafo (Figura 1) pelo também francês Léon Bouly, que por sua vez se baseou no kinetoscópio (Figura 3), desenvolvido em 1891 nos Estados Unidos por William Dickson, assistente do famoso “inventor” Thomas Alva Edison (Science, 2020). Nos anos seguintes, vários kinetoscópios foram instalados em vários lugares do mundo, o que o caracteriza como um sucesso comercial. O kinetoscópio era um aparelho que mostrava uma sequência de imagens dando uma ilusão de movimento; porém, essa sequência acontecia dentro de uma caixa, e quem quisesse vê-la precisava colocar o olho em um buraco. O cinematógrafo projetava as imagens (Figura 2) em uma superfície, o que fazia dos filmes uma experiência coletiva. O primeiro filme exibido registrava a saída de funcionários da empresa dos Lumière, em Lyon. Essa exibição aconteceu em 22 de março de 1895. Mais tarde, em dezembro do mesmo ano, aconteceu a famosa exibição da chegada do trem. Figura 1 – Simulação tridimensional do cinematógrafo dos Lumière Créditos: J J Osuna Caballero/Shutterstock. 4 Figura 2 – Cenas de Monkeyshines, o primeiro filme produzido nos Estados Unidos, estrelado por Fred Ott, um funcionário de Thomas Edison Créditos: Everett Collection/Shutterstock. 5 Figura 3 – Um dos primeiros kinetoscópios de Edison. Os modelos disponibilizados ao público ficavam dentro de caixas de madeira Créditos: Everett Collection/Shutterstock. Saiba mais Em 2020, o russo Denis Shirayaev usou recursos de inteligência artificial para gerar imagens com maior resolução e maior quantidade de quadros a partir de vários filmes antigos. Você pode ver essa nova versão aqui: <https://www.youtube.com/watch?v=EqbOhqXHL7E>. Acesso em: 25 maio 2021. Os primeiros anos do cinema são chamados por muitos pesquisadores de fase dos primeiros cinemas (Peruyera, 2020, p. 21), porque foram várias as motivações e experimentações, como filmar peças de teatro, eventos esportivos, e cenas do dia a dia. Os primeiros efeitos especiais não demoraram a aparecer. Georges Méliès, conhecido, então, pelo seu trabalho como ilusionista, viu no cinema uma ferramenta para expandir as possibilidades da ilusão, produzindo centenas de 6 filmes com uso de espelhos e outras trucagens (Peruyera, 2020, p. 23). A obra mais conhecida de Méliès é Viagem à lua, de 1902, um curta-metragem que narra uma expedição humana à lua, 67 anos antes da Apolo 11. Procure na internet e assista, e tente observar quais técnicas podem ter sido usadas. Há, inclusive, técnicas de animação. Na década de 1910, o cinema já podia ser considerado uma indústria, principalmente na Europa. A indústria cinematográfica dos Estados Unidos demorou mais para se desenvolver, e conseguiu alcançar a Europa depois da Primeira Guerra Mundial (Science…, 2020). O cinema já trabalhava para contar histórias, e surgiram muitas figuras importantes, como os diretores Fritz Lang e Robert Wiene, com seu trabalho fortemente impressionista em filmes como Metrópolis (1927) e O gabinete do Dr. Caligari (1920), ou clássicos que até hoje são considerados entre os melhores filmes da história, como O encouraçado Potemkin (1925), de Serguei Eisenstein, ou A Paixão de Joana d’Arc (1928), do dinamarquês Carl Theodor Dreyer. Esse último filme se caracteriza pelo uso de diferentes tipos de planos, o que era inovador para a época. Figura 4 – Produção cinematográfica Créditos: Everett Collection/Shutterstock. Outras mudanças foram o uso de trilhas sonoras sincronizadas com o filme, o que possibilitou que, além de música, os filmes tivessem diálogos 7 falados. O pioneiro a usar esse recurso foi o longa O cantor de Jazz (1927). Em um primeiro momento, eram usados discos ou cilindros gravados, e depois a trilha sonora e diálogos passaram a ser armazenados oticamente, no próprio filme, o que garantia a sincronização de som e imagem. Começava, então, a era dos talkies – apelido para os filmes falados. Duas décadas depois, o problema da transição para o cinema falado foi retratado no filme Crepúsculo dos deuses (1950). Outro ponto importante foi o surgimento de técnicas para projetar filmes coloridos. Houve alguns esforços para colorir os filmes à mão, e tentativas como as da empresa Technicolor, que usavam filtros e vários rolos de filme sendo expostos simultaneamente – o que implicava na necessidade de projetores especiais, para projetar esses vários rolos simultaneamente. A popularização dos filmes coloridos foi atrasada pela Grande Depressão pós-1929, que exigiu cortes nos orçamentos. O processo de três cores da Technicolor foi lançado em 1932, e em 1939 foram lançados os que talvez sejam os pioneiros mais conhecidos: E o vento levou e O mágico de Oz. Os anos 1930 e 1940 foram o ápice da “era de ouro” do cinema – ou seja, de Hollywood, que já havia se tornado o principal polo da indústria cinematográfica. O cinema se estabilizava. As durações dos filmes se padronizavam, a maneira de contar histórias também, se tornando cada vez mais industrial. Depois, vieram novos movimentos, como a Nova Hollywood dos anos 1970, com diretores como Francis Ford Coppola e Martin Scorcese, o neorrealismo italiano pós Segunda Guerra Mundial, a nouvelle vague francesa. TEMA 2 – HISTÓRIA DA ANIMAÇÃO O princípio da persistência retiniana já era explorado antes da possibilidade de captar imagens fotográficas. Em 1736, o cientista holandês Pietervan Musschenbroek partiu do conceito da lanterna mágica para criar o que é considerada a primeira animação. A lanterna mágica projeta imagens pintadas em vidro em uma superfície plana. Van Musschenbroek pintou imagens em sequência, que causavam a ilusão de movimento (Lucena Junior, 2001). No começo do século XIX surgiram vários brinquedos: o taumatroscópio, o fenaquistoscópio, o estroboscópio e o zootroscópio. 8 Saiba mais O Manual do Mundo tem um vídeo que ensina a montar um zootroscópio – eles usam o termo simplificado zootrópio. Veja aqui: <https://www.youtube.com/watch?v=NOOQrggWHck>. Acesso em: 25 maio 2021. No final do século XIX, começaram a convergir as tecnologias da imagem em movimento, como o kinetoscópio e as experiências do fotógrafo Eadweard Muybridge, que usou fotografia para descobrir se em algum momento do galope os cavalos tiram as quatro patas do ar ao mesmo tempo. Uma consequência do experimento foi poder observar como um movimento tão complexo poderia ser dividido em quadros. Figura 5 – Exemplo de ilustração para fenaquistoscópio Créditos: Vasilyev Maxim/Shutterstock. Os pioneiros na animação de desenhos foram o cartunista James Stuart Blackton, que em 1906 produziu o filme Humorous Phases of Funny Faces. No curta, Blackton aparece fazendo os desenhos com giz em uma lousa, apagando 9 e refazendo cada quadro (Lucena Junior, 2001). Dois anos depois, o cartunista francês Émile Cohl apresentou Fantasmagorie, feito completamente em animação. Assim como Humorous Phases of Funny Faces, são linhas brancas sobre um fundo preto; mas em vez de ter sido feito em uma lousa, foi pintado com tinta preta sobre papel branco, e teve as cores invertidas no processo de revelação do filme. Anos mais tarde, em 1912, na Polônia, o animador Wladyslaw Starewicz produz as primeiras animações quadro a quadro, usando objetos e… besouros! O primeiro foi A linda Lukanida; no mesmo ano, ele lança A vingança do cameraman. Em 1914 é lançado Gertie the Dinosaur, do cartunista estadunidense Winsor McCay. O filme mistura atores com a “dinossaura” Gertie, que faz gracinhas conforme o solicitado. Foram necessários 5 mil desenhos, que incluíam Gertie e também o cenário. O trabalho de desenhar tantos fundos teria sido economizado se já tivesse aparecido a técnica de combinar fundos estáticos com a animação desenhada em acetatos. Em 1917 é lançada Kaiser, do brasileiro Álvaro Marins – mais conhecido como Seth. Infelizmente, da primeira animação brasileira resta apenas um único quadro. Uma outra figura importante dos primórdios dos filmes de animação é a alemã Lotte Reiniger, que produziu mais de 60 filmes animados – além de poesia, aquarelas e desenhos em tinta. Ela produzia suas animações usando recortes em papel, um recorte para cada parte do corpo ou objeto que ela animasse. A cada quadro, ela ajustava as posições dos recortes e fotograva. A produção mais antiga dela data de 1919, e a mais conhecida, As aventuras do príncipe Achmed (Figura 6), de 1926, é o longa de animação mais antigo conhecido (Guerin; Mebold, [2017?]) – há registros de dois mais antigos, do cartunista Quirino Cristiani, mas foram perdidos em um incêndio. Ela se manteve produzindo animações até 1980, um ano antes da sua morte. Saiba mais Você pode ver ela trabalhando, assim como algumas animações, neste documentário: <https://www.youtube.com/watch?v=ZXQPZqOqe58>. Acesso em: 25 maio 2021. 10 Lotte Reiniger dispunha os seus recortes em vidros, e os iluminava por trás. Ela desenvolveu uma técnica de usar vários vidros para criar um efeito de paralaxe e de profundidade. Essa técnica foi patenteada… pelos estúdios Disney, que usava uma versão maior (Lucena Junior, 2001). A câmera multiplano desenvolvida por Reiniger é um exemplo da variedade de técnicas e tecnologias que, assim como aconteceu com o cinema, precisaram se estabilizar para então poder pensar como ganhar dinheiro com animação. Com técnicas consolidadas, era possível tornar o cinema de animação um processo industrial (Lucena Junior, 2001). A grande figura dessa industrialização foi John Randolph Bray, que, para agilizar a produção, concebeu a animação como uma tarefa coletiva, similar a uma linha de montagem. Os desenhos foram simplificados e padronizados – um bom exemplo é o Gato Félix, cujos traços simples e corpo pintado de preto facilitavam o desenho. A simplicidade desses traços inspirou o coelho Oswald, primeiro personagem de Walt Disney, que seguiu o mesmo estilo com outro personagem – que vocês já devem saber qual é. Outros personagens de destaque da época foram Betty Boop e Popeye. Mais adiante, surgiram séries como o Pica-Pau, Looney Tunes, Tom & Jerry, entre outros. Figura 6 – Quadro de As aventuras do príncipe Achmed Fonte: Skwigly Online Animation Magazine, [S.d.]. Um caso interessante sobre a produção de filmes animados é a Hanna- Barbera Productions, que conseguia fazer uma produção mais ágil usando a chamada limited animation, nome que faz referência a uma animação com 11 menos quadros, menos detalhes, mais baseada em diálogos, adequada para a então novidade que era a televisão. Enquanto isso, na Europa o cinema de animação tinha um caráter mais experimental, tanto nas técnicas quanto nos temas. Explorava-se a linguagem da animação quadro a quadro. No Leste Europeu, surgiu em 1956 a chamada escola de Zagreb, de caráter experimental. Em um estilo parecido, caracterizado pela bidimensionalidade dos desenhos, temos a United Productions of America, fundada em 1943, que buscava um estilo diferente para os desenhos. Os anos 1980 se caracterizaram pelo surgimento de séries de animação para promocionar brinquedos – como a Masters of the Universe, conhecida aqui pelas séries He-Man e She-Ra, e por desenhos voltados para um público mais adulto, como Os Simpsons. A presença de computadores na animação começava a aparecer cada vez mais, com estúdios como Pixar experimentando com curtas animados – como Tin Toy, de 1988 até os pioneiros Toy Story (1995) e o pioneiro brasileiro Cassiopeia (1996). Atualmente, as técnicas de animação em três dimensões são usadas inclusive para filmes que parecem ser feitos de maneira tradicional. Para fechar, vamos falar de um último marco, que foi o Macromedia Flash, um programa para produzir materiais interativos que possibilitou que muitas pessoas pudessem produzir suas animações em casa. Como o Flash gerava arquivos muito mais leves do que vídeos, a distribuição desses curtas era viável em tempos de internet discada. Um site que fez sucesso no começo dos anos 2000 foi o Newgrounds, com séries como Salad Fingers. TEMA 3 – HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL: PRINCIPAIS MOVIMENTOS Aqui, vamos partir de cinco perspectivas para entender o cinema (Stam, 2003): • Tecnológica: artefatos e técnicas para a produção. • Linguística: expressão e expressividade do meio, a linguagem. • Histórica: traçado das origens e como a linguagem foi se configurando. • Institucional: a indústria cinematográfica, suas influências, os processos – industriais – de produção. 12 • Processos de recepção: como pessoas, o público, recebe os produtos audiovisuais. Essas perspectivas se cruzam o tempo inteiro. As mudanças tecnológicas, ou descobrir como é possível se apropriar delas, acabaram, em muitos casos, construindo a linguagem do cinema. Simplificando, vamos considerar que em algum momento a câmera foi concebida como um artefato capaz de eternizar peças de teatro – o que de fato aconteceu, mas não pode ser reduzido apenas a isso. A descoberta da possibilidade de fazer cortes – atribuída a cineastas russos (Xavier, 2008) – e de fazer novos enquadramentos foi uma das primeiras mudanças que começou a formatar a linguagem cinematográfica. Logo vieram as possibilidadesde trabalhar o contraste dos filmes, com diferentes métodos de revelação e processamento, gerando recursos para serem incorporados à linguagem, como o alto contraste do preto e branco dos filmes noir. A perspectiva histórica incorporou ao cinema o gênero histórico (Stam, 2003), com filmes de guerra, fatos históricos, biografias. Outros gêneros foram herdados, por exemplo, do teatro, passando pelas mudanças propiciadas por descobertas tecnológicas ou de linguagem cinematográfica, ou, mais provavelmente, por uma mistura das duas. Tudo isso é perpassado pela indústria. Como falamos antes, o cinema se desenvolveu não apenas como arte, mas como indústria, explorando técnicas não só para a realização de filmes, mas também que essa realização fosse mais ágil, mais econômica, e mais lucrativa. Essas mudanças ainda são visíveis na atualidade. Muitas produções recorrem a efeitos especiais não só para pôr dragões em cena – porque eles, feliz ou infelizmente, não existem –, mas para evitar que uma equipe inteira precise se deslocar até uma locação. Entre os primeiros filmes que surpreenderam pelo uso de chroma key – aquela parede verde que é substituída por outro fundo – foram 300 (2006) e Sin City – A cidade do pecado (2005). As perspectivas que servem de base para a análise (Stan, 2003) podem ser usadas para pensar como diferentes movimentos artísticos do cinema foram surgindo, como certas questões técnicas, como quantidade de quadros por segundo – framerate – ou proporções de tela, foram se consolidando e padronizando. Pense, por exemplo, no Dogma 95, movimento que buscava se afastar de “facilidades” como iluminação artificial e tripés, em busca de um cinema mais espontâneo. 13 TEMA 4 – DIFERENTES NARRATIVAS: GÊNEROS DE FILMES As cinco perspectivas de Stan (2003) também podem servir de ponto de partida para pensarmos como os gêneros – no caso, cinematográficos – vão se definindo. Os filmes vão se agrupando por suas semelhanças, e formando conjuntos que, por sua vez, vão inspirando novos produtos, consolidando, assim, gêneros e subgêneros. Os grandes gêneros são (Peruyera, 2020): ação, drama, comédia, policial, épico, fantasia, horror, faroeste, romance, musical, ficção científica e animação. Essa categorização pode servir para anunciar um filme para as pessoas que sabem que gostam de determinado gênero, e sabem o que esperar, que sentimentos o filme vai despertar, e que tipos de enquadramentos ou trilha sonora serão usados. Todas as perspectivas convergem para definir como uma história será contada. Outra maneira de definir gêneros – que podem não ser considerados gêneros por alguns autores – é a autoria. Há diretores que têm traços de direção mais pessoais – ou mais óbvios, como diriam seus detratores. Diretores como Quentin Tarantino, Pedro Almodóvar ou Tim Burton estão entre os mais reconhecíveis – inclusive causando que filmes que não foram dirigidos por eles sejam atribuídos a eles, como Coraline e o mundo secreto (2009), que foi dirigido por Henry Selick, mas é atribuído a Burton por muitas pessoas – talvez você, inclusive. Aqui os traços autorais se entrelaçam com a perspectiva institucional. O filme O estranho mundo de Jack foi baseado em um poema de Tim Burton, mas dirigido por Selick. Nos Estados Unidos, o filme inclui no título o nome de Burton, o que fez muitas pessoas pensarem que o filme era dirigido por ele. Depois, Coraline foi anunciado como sendo “do mesmo diretor” de O estranho mundo de Jack, o que deu continuidade à confusão (Santos, 2016). É interessante começar a observar os traços dos diretores, para refinar o “paladar” cinematográfico. Atores e atrizes também podem definir filmes, inclusive porque muitas vezes são eles que produzem o filme e até o dirigem, tornando-se subgêneros em si mesmos. Os “filmes do Adam Sandler” podem ser considerados um gênero, se excluirmos obras como Embriagado de amor (2002), dirigido por Paul Thomas Anderson, e Joias Brutas (2019), diritido pelos irmãos Josh e Benny 14 Safdie. Neles, Sandler interpreta papéis próximos da comédia, mas distantes do tipo de produto comumente associado a ele. Há, ainda, gêneros definidos pela indústria que os produz, como os filmes indianos, dos quais podemos esperar durações acima de três horas e vários números musicais, ou filmes iranianos, com vários longas que despontaram nos anos 1990, com um ritmo tranquilo, que retratavam dificuldades de pessoas como metáfora das dificuldades da nação. TEMA 5 – AUDIOVISUAL E ANIMAÇÃO NA ATUALIDADE Sempre haverá visões pessimistas sobre a produção criativa do momento. As eras de ouro já passaram, e talvez até estejamos passando por uma, mas é provável que só seja vista como tal depois de umas décadas. Enquanto há pessoas reclamando do excesso de filmes de super-heróis, há pessoas enxergando as qualidades das produções, das histórias, dos cuidados na construção dos personagens. E essas críticas, muitas vezes, são feitas no meio audiovisual; em canais no YouTube, por exemplo. Por outro lado, a existência de filmes de super-heróis, assim como qualquer outra produção milionária da atualidade ou anterior, nunca proibiu a produção de outros tipos de filmes. Há lugar para todo tipo de produção, mais ainda que a internet facilita o contato entre gostos específicos, dentro da ideia da cauda longa (Anderson, 2006), que trata sobre como a internet facilita pessoas que compartilhem nichos de consumo muito específicos se encontrem. Isso inclui pessoas produzindo e pessoas consumindo. Tanto na indústria quanto no âmbito amador, as tecnologias foram se tornando acessíveis. Computadores e telefones celulares facilitaram o acesso a ferramentas de produção de vídeo e animação. Um telefone celular ultrapassado fornece muito mais qualidade em um aparelho muito menor e mais barato do que uma câmera VHS da década de 1980, permitindo produções caseiras e animações quadro a quadro por um valor muito mais baixo e ao alcance de mais pessoas. Você provavelmente tem uma conta e aplicativos de alguma rede social. Veja os filtros do Facebook e Instagram e pense como eles são usados de maneiras criativas – em memes, provavelmente. Pense ainda em todos os efeitos de vídeo em aplicativos como o TikTok. Já pensou tudo o que Georges Méliès faria com esses filtros e efeitos de câmera? Ele seria um ótimo tiktoker. 15 Outra maneira de contar histórias e causar emoções – que é, para a maioria das pessoas, a função do cinema – são os videogames. É uma indústria que se aproveita das tecnologias de outra maneira, e permite contar histórias adicionando o elemento da interatividade, que pode ser explorado de diferentes formas. Assim como o teatro e a música contribuíram para o cinema, os games também tiveram essa colaboração, para partir dela e seguir seu próprio caminho. NA PRÁTICA Procure filmes de Georges Méliès e tente observar quais as técnicas que ele usou para conseguir suas ilusões. Depois, tente reproduzir alguma delas usando apenas seu celular e aplicativos gratuitos. O TikTok oferece vários filtros e efeitos – sem a necessidade de criar uma conta. Não precisa parecer verossímil, só entender os princípios básicos e se divertir. É um bom exercício para fazer com crianças também. Depois, compartilhe os resultados. FINALIZANDO E assim finalizamos uma breve tentativa de resumo dos principais pontos da história do audiovisual. Claro que muita coisa ficou de fora, então considere o que apresentamos aqui como possíveis pontos de partida. O mais importante é compreender a relação entre os diversos fatores que deram forma ao audiovisual como o conhecemos hoje. A partir daqui, é você que pode fazer suas próprias observações. Por exemplo, como a internet modificou os hábitos de consumo? Como foi que empresas ligadas à tecnologia, como Apple e YouTube, tornaram-se produtorasde conteúdo exclusivo? Como mudou o consumo de séries? Antigamente – ou seja, há aproximadamente uma década – acompanhar um seriado implicava em entregas semanais, seja pagando a assinatura de um canal ou esperando a comunidade de fãs disponibilizar – e inclusive traduzir e legendar – o episódio. E agora? Com os serviços de streaming de vídeo monitorando a maneira que consumimos, são oferecidos seriados inteiros para assistirmos como quisermos, e concebidos segundo as informações de nosso consumo. E o que vem depois? Não sabemos, mas podemos ter uma ideia. Ou, melhor ainda, podemos fazê-lo. 16 REFERÊNCIAS ANDERSON, C. A cauda longa. Rio de Janeiro: Campus, 2006. GUERIN, F.; MEBOLD, A. Lotte Reiniger. Women Film Pioneers. Nova Iorque: Columbia, [2017?]. Disponível em: <https://wfpp.columbia.edu/pioneer/lotte- reiniger/>. Acesso em: 25 maio 2021. LUCENA JUNIOR, A. Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Senac, 2001. PERUYERA, M. Laboratório de artes visuais: audiovisual e animação. Curitiba: InterSaberes, 2020. SANTOS, C. Henry Selick, Tim Burton e o reconhecimento artístico. Brasil: Delirium Nerd, 2016. Disponível em: <https://deliriumnerd.com/2016/06/04/henry-selick-tim-burton-reconhecimento- artistico/>. Acesso em: 25 maio 2021. SCIENCE+MEDIA MUSEUM. A very short history of cinema. Reino Unido: Science+Media Museum, 2020. Disponível em: <https://www.scienceandmediamuseum.org.uk/objects-and-stories/very-short- history-of-cinema>. Acesso em: 25 maio 2021. STAM, R. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2003. XAVIER, I. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2008. Conversa inicial Tema 1 – História do audiovisual: primórdios do cinema Tema 2 – História da animação Tema 3 – História do audiovisual: principais movimentos Tema 4 – Diferentes narrativas: gêneros de filmes Tema 5 – Audiovisual e animação na atualidade Na prática FINALIZANDO Referências
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