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Problemas de arte política


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CENTftO PEESnIDOSDE eteNCtAS dURfDICAS 
E·FILOSQFtA.POL1lICA . . 
PROBLEMAS DE ARTE POUTICA 
DJACII. MENEZES 
uTbe art. 01 politics on the constant· principIes 
tmd motiVe8 01 humtm self ·;merest." 
. POLLOK 
1 • .poder, povo, uercfcio; 2. O dilema atual; 3. A oposição 
e as l1UlÍOrias; 4. A vontade de todos e as legitimoções. 
1. Poder. povo, exercido 
Disse Luís Veillot: "Reclamo a liberdade em nome de vossos princípios 
.e D:~a, em . nome dos meus." A claque do regalismo babou-se com o dito 
de~abusado que, no final das contas, à luz de qualquer e&pírito desim~ido, 
não 'passa de wna Jrioleira. 
O dito reflete uma atitude desonesta. Porque, honestamente, não devo 
invocar, em meu benefíciq, princípio que desadoto. Por que não o adoto? 
Porque não o considero autêntico, ou decente, ou ético. Se apelo para tal 
,princípio, perfilhando o p~CÍpio oposto, com o qual pretendo esmagar o 
o adversário, procedo como ~ safardana. 
VeiIlot queira atacar o liberalismo e a democracia reinante na sua 
época. Dizendo melhor, nos espíritos de sua época, o que é outra coisa. 
De então para cá, a história política tornou-se cada vez mais difícil 'e o 
conceito fundamental da "democracia", idem. Os adjetivos que qualificam 
aquele substantivo abstrato se multiplicam terrivelmente, à medida que 
se medita sobre a ~geleza da expressão constitucional de que "todo poder 
vem do povo e em seu nome é exercido". 
Poder, povo, exercício: nestas três palavras ferve toda a dissidência 
política moderna. Mais exatamente - de todos os tempos. 
Já discutimos noutras passagens e noutras ocasiões, o conceito de 
';podQr" _ A,gora,nossa .atenção volta.,.se -para esse soberano que a Revo­
lução Francesa coroou e que não pôde decapitar por ser uma ficção 
policefálica. 
lt. Cí.~l., Rio de 1 aneiro, 19(3):113-118, jul./set. !l976 
Se não fosse o estratagema vigente em todos os sistemas, que permite 
às minorias camuflarem-se de maiorias, seria inteiramente inviável o fun­
cionamento constitucional das democracias. O estratagema providencial é 
precisamente o sufrágio, universal ou não, que permite à minoria, recrutada 
em alta percentagem nas classes superiores, exercitar o poder como repre­
sentativa da soberania. E quanto mais aumenta a "massa" soberanificada, 
mais a democracia, complicada pelas estruturas partidárias, torna-se pesada, 
burra. lenta e difícil. Enquanto, como ensina Ferrero, a monarquia assenta 
no princípio da desigualdade social, necessitando espevitar o respeito do 
povo pelas qualidades e privilégio do estamento de dominação, a democracia 
precisa garantir seu equilfurio na ficção da igualdade como se fosse o prin­
cípio de sua legitimidade. Acontece que a desigualdade é indisfarçável e 
crescente - o que leva o princípio a refugiar-se na filosofia política, onde 
se esvazia no formalismo jurídico. 
A legitimidade monárquica assenta nas leis de sucessão dinástica; a 
legitimidade democrática, no sufrágio universal. A história mostra como as 
duas legitimidades soçobraram várias vezes nos entreveros políticos. Bas­
tardias. concubinatos reais, confusões genealógicas, atrapalham as legiti­
midades dinásticas; revoluções, golpes de Estado e ditaduras interromperam 
as instituições democráticas. 
No ·final das contas não se provou que a eleição ou a hereditariedade 
assegurem a melhor direção política do Estado. Democracia significa 
apenas que as massas que obedecem têm direito de escolher o grupo dos 
que mandam. Mas é a massa que escolhe o grupo de controle? - ou são 
os grupos, que lideram a massa, que operam no processo de escolha da 
competição eleitoral? Onde fundamentar a dec1aração de que o princípio 
eletivo vale mais do que o princípio genealógico? Inteligente é a praxis 
budista. Quando Buda morre, os sacerdotes se esforçam por descobrir, na 
massa infantil, aquele que dá sinais de ser o futuro Buda: e educam-no 
para as funções da eminência sacerdotal. Ninguém hoje enxergaria no 
estratagema qualquer possibilidade de realização. 
Aliás, essa "efetividade" é bem discutível quando a encaramos à luz 
do processo histórico, onde se realiza. Realiza, quer dizer, toma-se real, 
aparece como fato e não apenas como valor ideal. Nesta transmutação, toma 
nova figura. Porque assume conotações concretas, onde a vitaUdade dos 
contrários opera: os grupos, as classes, os indivíduos, esse em.aranhado de 
interesses (que as idéias refletem, mistificam ou deformam). Diante dessa 
"realidade", que o revolucionário ou o teórico idealista imaginou, é que 
muitos capitulam, desanimados, a medir a distância entre o figurino idea­
lizado e a realidade que pretendiam modificar e modelar. 
2. O dilema atual 
A oposição se arvora em "povo" e passa a falar em seu nome. O poder 
assml1C o papel do ":mtipovo". Conforme Ob3:~rvou Ferrero, nas demo­
cracias e nas monarquias, o puder vem do alto, mas a legitimidade de 
114 R.C.P. 3/76 
~·~~1i~~i~~·~~~ 
.. ~. o.~-. 
ambos vem de baixo; o processo de legitimação é que as distingue, porque 
o assentomento passivo das monarquias difere do pronunciamento efetivo 
das democracias. 
A população cresce celeremente, ninguém o ignora. Segundo as esta­
tísticas, os atuais três bi1hões de terrícolas serão o dobro daqui a 35 anos. 
Daí em diante, a cada oito anos, cresce na taxa de um bilhão. Não vamos 
fantasiar o que seria daqui a um século. Fiquemos nas previsões das pró­
ximas três décadas, no período de maturidade dos nossos netos recém­
nascidos. 
Como viverão? A idéia do controle da natalidade é método racional. 
Não se pode contar com a guerra, como elemento eficiente de colaboração 
para equilibrar os negócios humanos. 
O método eleitoral de expressão da "vontade" popular reflete, na 
própria dinâmica do processo, que a unanimidade da opinião pública é 
incompatível com o jogo de forças inerentes à sua formação política. 
Assim resulta da própria natureza das coisas a configuração de uma 
maioria e de uma minoria, o que suscita o problema de apurar se a 
maioria exprime aquela ·'vontade". Até que ponto se pode inferir o seu 
grau de fidelidade? Por outra parte, a relação dialética entre "maioria" e 
"minoria" é que representa aquela "vontade". Ora, desvinculando-se um 
termo, temos uma aproximação variável que, em função das circunstâncias 
políticas, constituem "poder" e "oposição". 
Muito se tem falado sobre o papel da "oposição" numa democracia. 
Toda vez que o poder tenta eliminar a oposição, ensaia-se o tipo ditatorial, 
que tem as mais diversas modalidades. Concluiu-se, pois, que é condição 
essencial das democracias a existência da oposição legalmente instituída. 
Para justificar doutrinariamente a inexistência da oposição às metas 
do poder, o totalitarismo foi obrigado a elaborar ideologia que fizesse a 
interpretação unitária do povo soberano: o nazismo forjou a idéia da 
homogeneidade ,racial; o. bolchevismo, a idéia marxista da classe proletária. 
Ambos os conceitos são dotados de energia messiânica: o Estado é fundido 
na Nação. Deccrto que variaram as técnicas de cada um, mesmo porque 
não são identificáveis senão nos métodos de compulsão política. 
As últimas experiências históricas, com organização de algumas nações 
em regime marxista, comprovaram a incapacidade ingênita do proletariado 
de tomar-se classe governante. O socialismo marxista é apenas uma das 
faces do processo de estatização, conduzindo o capitalismo de Estado a 
frustrar os objetivos apregoados. 
Exaltam-se, neste instante, em várias latitudes políticas, inclusive no 
Brasil, a política desestatizante como reação à ameaça de esvaziar o poder 
público de seus mecanismos financeiros de ação. Com essa diretiva simpa­
tizam os liberais de vários matizes, que formulam seus temores sobre a 
ressurreição do absolutismo estatal ainda latente nas condições econômicas. 
O que se presume, em face das duas pontas do dilema "estatização 
x desestatização"? Isso: vencido certo limíte em qualquer das duas dire.ções, 
no fim do caminho estatizante se depara a autocracia monoc1assista;no 
Arte política 115 
fim do caminho desestatizante, a anarquia policlassista. Ou virulência do 
poder ou exaustão de poder. Ora, neste exame, o que se evidencia é a 
necessidade política de combinar os dois processos segundo as circunstân­
cias objetivas de cada povo. A simplificação de adotar um lema estatizante 
ou desestatizante cerceia as possibilidades de ação do governo, como se 
fosse condenar a marcha com uma só perna, impondo-se-lhe a opção da 
direita ou da esquerda. A oportunidade de combinação, o grau de sua 
dosagem, tudo dependerá da intuição pessoal do estadista, é obra valorativa 
de arte política. 
3. A oposição e as maiorias 
A relação dialética entre "poder" e "oposição" é tão imperiosa no processo 
político que, legalmente eliminada e banida da prática política, o partido 
único, no seu desenvolvimento, vê surgir em seu seio, de forma embrionária 
e tímida, a ala de esquerda, onde se agrupam os dissidentes. O temor da 
repressão e suas conseqüências dita a linha dessa "oposição larvar", que 
ganha as consciências à medida que o processo histórico lá fora se 
agrava nas suas contradições. 
Quase todo mundo leu algo sobre episódios da luta interna do partido 
bolchevista. Há permanente esforço da máquina de dominação para esma­
gar qualquer núcleo de partidários animados do espírito crítico. O "divi­
sionismo", "fracionismo", ou que nome tenha, desperta a mais violenta 
reação por parte dos dominadores. Quem não sabe das vicissitudes por 
que passaram Trotski, Bukharin, Zinoviev, tantos outros, que acabaram 
pagando com as vidas o direito de discordar e pensar por conta própria? 
Ainda agora, são tristes os depoimentos dos escritores dissidentes. 
Nem convém perder tempo em falar, de relance, sobre o assunto. 
Nosso intuito é comprovar, no processo democrático, a necessidade 
essencial da oposição. Dir-se-á que não é essencial, mas acidental, em 
função de fases do desenvolvimento histórico - e, no futuro, com a 
desaparição das dissimetrias sociais, a unidade política será efeito racional 
de harmonia total dos interesses. 
Tal finalidade pressupõe a eliminação da natureza humana, tal qual 
nós a conhecemos, histórica e biologicamente. Ou melhor, sua sublimação, 
raciocinando na linha do conhecimento concreto, que vem do nosso pas­
sado. Conclusão de tal porte enrapola para o plano da utopia, onde se 
pode idealizar, como numa miragem. a sociedade de anjos purgados de 
todas as mais vivas qualidades que movem a própria história - ambição, 
força, vaidade. insegurança, paranóias, santidades e heroísmos ... 
Vale a pena transcrever essas palavras de Ferrero, a respeito do poder 
e da oposição: 
"É preciso que as duas vontades opostas possam manifestar-se e agir 
conjuntamente, sem se entravarem ( ... ) A maioria tem o direito degover­
nar, a minoria, o direito de fazer oposição e criticar a maioria e esforçar-se 
por tornar-se maioria. :E: por tal razão que, nas democracias, a oposição é 
116 
um- órgão da soberania do povo, tãO' vital como o governo. Suprimir a 
OPOMçOO . signifiea -supritnif-· a -sebet'-ania do povo." 
4 .. A, voDiade. de todos •.• 'emtim8ÇÕeS 
Ao aparecer em cena o povo como: soberauo, transferuam-se-lhe pren;o­
gfltiVas. que predicavam o monarca dp absolutismo: a "vontade geral" de 
Rousseau, que tanto se di&cute na- filosofi,a PQlítica. é uma indução analógica 
das praxes do puder pessoal e da· traslação de seus atributos singulares. 
Assim, a vontade geral é sempre' reta, não se engana, é inalienável, 
exprime um dictamen rationis; reflete a soberania do ser coletivo, não tem 
a contingência do "eu" comum, é justa, ética e universal. Emana de todos, 
mas não é somatório de todas as vontades nem dos interesses privados. 
Não sei se poderia dizer que representa a versão da lei da natureza no 
plano da lei da razão. 
A vontade de todos é o pressuposto histórico da vontade geral; mas 
se cada um pode enganar-se, a vontade geral, na acepção de Rousseau, é 
infalivelmente verdadeira, justa e moral. 
A ditadura é a instituição do poder que viola o princípio da legitimi­
dade. Violando-o no nascedouro, pode, eventualmente, legitimar-se. 
Nas exéquias de sua tia Júlia, César fez sua linhagem remontar a 
VênuJl.. Ckero. dizia. que era bom que o nascimento e o gênio dos grandes 
homens públicos fossem considerados de origem divina. Mesmo que essa 
crença seja falsa, pondera Varrão, é útil que eles se julguem descendentes 
dos deuses (Carcopino. Império romano. 128). O ateu mesmo se convence 
depressa de que é um representante carismático da divindade. É a velha 
técnica metafísica e religiosa da legitimidade antes de ser transposta para 
os termos humanos. 
Por sua vez, nos regimes vigentes, a Constituição é o sistema de 
normas fixas que regulam o controle do poder, limitando o exercício de 
seus detentores. Perscrutando nessa direção é que encontramos o centro 
vital do problema: as autocracias suprimem as oposições porque I\ão podem 
coexistir com as áreas de autonomia individual: são os direitos e garantias 
individuais que marcam a sua divisória com as latitudes da democracia. 
A autoridade se origina, socialmente, de um poder que se justifica por 
suas razões, isto é, por suas bases racionais. Quando um homem tem 
autoridade. sabe explicar seu comando ou sua exigência de ser obedecido 
pelas razões que se impõem às demais. A obediência se origina espontanea­
mente na consciência dos que aceitam as razões - e raciocinam no mesmo 
sentido. 
Ora, as "razões" são motivações profundas da conduta - enraízam-se 
no sistema de valores subjacentes, onde residem as condições legitimadoras 
da autoridade. Esta é o poder legitimado. De modo que a autoridade não 
é . a antítese da liberdade, como põe o simplismo demagógico - porque, 
precisamente, se baseia naqueles valores racionalmente aceitos e que levam 
à . obediência. Tudo isso. mostra o estreito nexo eat;re.- razão, auteridade- e 
117 
liberdade. Tanto que somente se enfrenta o problema da liberdade e da 
autoridade nas épocas de crise - a saber, quando aquele nexo exprime a 
erosão dos valores vigentes e transparentes na argumentação racional. 
A crise anuncia a mudança revolucionária, que é a transição de uma 
autoridade que desaparece para outra que aparece. :B a mudança do sistema 
de valores, jamais porém a legitimação da autoridade. A ânsia pela institui­
ção da autoridade é maior ainda no período de seu eclipse - ânsia pela 
legitimidade do que se está construindo e pelo reconhecimento da sua 
validez política. "O delito supremo ou talvez o maior delito contra o Estado, 
como escreveu Hegel comentando a nobreza de princípios de Maquiavel, 
é a instalação da anarquia e do crime." 
Para o Estado, portanto, só há, na verdade, um crime: a insurreição 
contra o Estado. 
o instituto de Organização Racional do Trabalho do Rio 
de Janeiro - IDORT-RJ - como seus congêneres de outros 
estados, propõe-se a realizar e proporcionar a seus associados 
e demais interessados: 
Intercâmbio internacional Revista 
Forum de estudos Biblioteca 
Treinamento Prêmio de organização 
Assistência técnica e administração 
Congressos 
Sede: Rua Prof. Alfredo Gomes, 22 - Rio de Janeiro, RJ. 
118 R.CP. 3/76