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Prefácio (Por José P. Castiano) Die Eule der Minerva beginnt erst mit der einbrechenden Dämmerung ibren Flug1. Estas palavras de foram escritas por G.F.Hegel (1770-1831), o considerado pai da filosofia clássica alemã, no penúltimo parágrafo do prefácio à sua obra Grundlinien der Philosophie des Rechtes2 a 25 de Junho de 1820, data em que o assinava. Na mesma data, em Moçambique, aproximadamente um século e meio depois, Samora Machel proclama a Independência total e completa de Moçambique acto que formalizou a Liberdade política. Se há alguma coisa que o filósofo Ngoenha teria desejado fazer, seria convidar o velho Hegel a assistir a um dos momentos mais importantes da caminhada do povo moçambicano para a sua Liberdade. Mas ao invés disso, Ngoenha obsequeia-nos com a visita da coruja da Minerva por via deste livro no vigésimo ano da Independência de Moçambique, ano das terceiras eleições multipartidárias para o Parlamento e Presidência da República. A coruja é a ave que a Minerva envia para anunciar as boas novas. Quando ela levanta o seu voo e o povo a vê chegando, sabe que é prenúncio da luz da esperança. Algo vai mudar? No mesmo parágrafo, antes desta frase, Hegel escreve: “Enquanto pensamento do mundo, [a filosofia] aparece no tempo só depois da realidade ter consumado o seu processo de formação e esteja realizada3”. A ideia é que a Filosofia, como amor pela sabedoria, é um Gedanke (pensamento) sobre os fundamentos dos fenómenos da natureza, da sociedade e do pensamento. Entre os quais estão os fenómenos políticos. A Filosofia para este pensador, é o resumo do tempo no pensamento, por isso só pode chegar ao “entardecer” depois de tudo acontecer durante uma jornada. Para Hegel, neste sentido, a Filosofia é contemplativa e é o ponto de chegada reflectiva. Ngoenha se propõe com este livro fornecer os fundamentos para o pensar filosófico sobre a Democracia moçambicana. Chegou tarde demais como a coruja da Minerva? Ou chegou ainda a tempo de, com o livro, espalhar uma luz do olhar filosófico sobre o processo político em Moçambique? Ele próprio diz que as questões que trata neste livro foram suscitadas há quase quatro anos atrás. De lá para cá lhe perseguiram nas suas reflexões e conversas. O convite da Academia Filosófica na Matola em 1999 foi o ponto de partida e pretexto para pensar e escrever sobre o papel da Filosofia, particularmente da Filosofia Política, em Moçambique. O convite foi nas vésperas das eleições legislativas e presidenciais de 1999. Ngoenha vem responder quase cinco anos depois ... por sinal [?] nas vésperas de outras eleições gerais. Tarde como a coruja da Minerva? Sim porque as eleições que eram a ocasião do questionamento já se realizaram. Mas Ngoenha precisava de tempo para reflectir sobre os fundamentos. E pensar sobre os fundamentos precisa de prudência porque pomos em evidência e pensamos sobre os erros, conflitos, lutas e disputas do passado com os olhos postos no futuro. Mas Ngoenha tem uma visão interventiva e não contemplativa da Filosofia. Tal como o jovem Marx, ele defende que a Filosofia não só deve interpretar o Mundo – o que 1 “A coruja da Minerva só levanta o seu voo quando chega o crepúsculo” (tradução minha). Há pelo menos uma boa dezena de traduções diferentes desta frase de Hegel, alterando, naturalmente, ligeiramente o seu sentido. Em algumas traduções portuguesas se emprega o termo mocho e não coruja e ainda o termo entardecer ao invés de crepúsculo. Atenas ou Minerva era a deusa da cidade de Atenas, da coruja e da oliveira e da civilização, era a encarnação da sabedoria, da razão e da pureza. 2 Fundamentos da Filosofia do Direito. 3 “Als der Gedanke der Welt erscheint sie [die Philosophie] erst in der Zeit, nachden die wirklichkeit ihren Bildungsprozeβ vollendet und sich fertig gemacht hat”. (Hegel, F., Philosophie des Rechtes. Vorrede, Bd. 7,9p.) Hegel até aí fizera –mas ela deve sobretudo transformar o Mundo procurando oferecer aos homens melhores alternativas de interpretar e agir sobre a sua História. Por isso acho que, para além de ter pensado na Filosofia em Geral, Ngoenha personalizou a questão. Entendeu e bem que a sociedade moçambicana através dos membros da ACAFIL, lhe estivesse a questionar «qual é o teu papel como filósofo em Moçambique? ». Naturalmente que, assim colocada a questão, os proponentes queriam manifestar, através de Ngoenha, o desejo de ver nos intelectuais moçambicanos, um maior engajamento teórico-crítico e mais intervenção nos processos políticos nacionais, se é que estes têm a pretensão de ser intelectuais moçambicanos. E Ngoenha responde a este apelo com ousadia e arrojo que testemunham o seu ímpeto de querer ser mais interventivo no processo moçambicano. Por exemplo, numa das passagens, escreve o seguinte: “digo muitas vezes que lamento ter nascido tarde e não poder ter aderido naquela luta [de libertação] que continua a ser nos meus olhos justa”. Mas ao escrever a presente obra Ngoenha socializa a questão, isto é estende o convite de reflexão para outros intelectuais como ele, desafiando-os desta feita a trazerem as suas reflexões sobre as seguintes questões fundamentais para Moçambique: qual é o sentido actual de lutar pela Liberdade no nosso país democrático? Como devemos militar e lutar por este sonho da Liberdade? Quais são as nossas armas e que são hoje os inimigos da Liberdade dos moçambicanos? Numa linguagem menos militante podemos formular a questão desta forma: Quais são os constrangimentos de hoje à Liberdade dos moçambicanos e qual é o papel da Filosofia na maximização das liberdades democráticas dos indivíduos e povos assim como na sua participação política? Vista neste ângulo, a coruja não chegou tarde porque nunca o sentimento de falta de liberdades esteve tão presente como hoje nos países africanos; e a filosofia africana nunca como hoje se sentiu tão chamada a mostrar luzes que iluminam o caminho dos povos africanos para a sua liberdade. Aliás, se há uma filosofia que desde o seu surgimento tem como sua essência a busca da liberdade, esta filosofia é a africana; é tanto assim que Ngoenha declara que ela sempre foi marcada pelo paradigma libertário: “se existe um substracto filosófico que está na origem axiológica de Moçambique é sem dúvida a busca da liberdade”, escreve Ngoenha em relação ao processo moçambicano. Esta liberdade que se busca tem duas facetas: a positiva, segundo o autor, quer dizer liberdade (ou direito) de sermos nós mesmos” e a negativa, enfatiza a necessidade de vivermos sem constrições de carácter político e económico. Este livro de Ngoenha é em si uma das luzes que a Minerva traz para iluminar a caminhada dos moçambicanos para uma maior maximização das Liberdades individuais e colectivas. Caminhemos, pois, com o livro. No capítulo I, cujo título é Filosofia e democracia em Moçambique- pela sua função na obra trata-se de um capitulo introdutório- o autor pregunta-se sobre “qual pode ser o papel da Filosofia no processo democrático de Moçambique?”. Antes de responder a questão que coloca, Ngoenha deixa claro que, qualquer pessoa que lhe desejar responder, tem o dever de ser “coerente”, isto “e, deve começar por clarificar sua posição pessoal e os valores pelos os quais milita. Para Ngoenha, que se crê ser militante da tradição filosófica africana na sua vertente libertaria, o valor máximo e ao mesmo tempo o fim da sua filosofia é a Liberdade. Como ele mesmo escreve: “o valor do fundo do meu engajamento é a militância a favor desde valor humano supremo para os moçambicanos e para os africanos” que é Liberdade. Mas o que significa militar pela Liberdade no contexto actual e em Moçambique? Entre outras coisas Ngoenha, para dar resposta a esta questão, exige que o filósofo ou o intelectual que milita pela causa da Liberdade deve preocupar-se constantemente em “relevar e fundamentar as razões que militam afavor de uma democracia mais participativa, de uma democracia que subordina a [A1] Comentário: As aspas altas no texto original apenas aparecem no fecho sem no entanto terem sido abertas, neste período. Mantivemo-las como estão no original. Prefácio economia às escolhas políticas e societais (...) e que baseia as suas instituições nos imaginários colectivos das populações ...”, neste caso, das populações moçambicanas. Portanto, a filosofia deve continuar a procurar e oferecer luzes à velha questão grega do “melhor governo e das melhores formas institucionais” para alargar a participação das pessoas e grupos de homens e mulheres. Para além disso, o intelectual que milita pela Liberdade deve, no seu entender, resistir às tentações do(a) político(a). Deve resistir ao cortejo pelo poder, seja ele por parte do Governo ou da oposição (que no caso de Moçambique, para Ngoenha, a oposição não é a Renamo nem os outros partidos). Neste ponto reconhecemos o regresso de Ngoenha às suas reflexões sobre o papel do intelectual. Segundo ele, o papel do intelectual seria o de contribuir com ideias e reflexões para o melhoramento da sociedade. Colocando-se nesta perspectiva, este seu livro pretende ser o seu modesto contributo para o crescimento político e social de Moçambique. Enfim, o intelectual deve resistir às tentações da corrupção. Não terá sido esta a atitude de Sócrates ao recusar sair da prisão esperando tranquilamente (e ingenuamente) pela justiça? Não serão modelos disso tanto Eduardo Mondlane como Samora Machel, o primeiro pelo abandono do conforto das Nações Unidas e pela carreira universitária nos Estados Unidos e o segundo pela sua abnegação (des)comedida em defender a independência de Moçambique contra tudo e todos? Não serão Julius Nyerere e Thomas Sankara exemplos de governantes africanos que “tentaram ser justos” durante o tempo que assumiram a responsabilidade de conduzir a construção da Liberdade nas suas nações? - pergunta-se Ngoenha. E acrescenta que Azikiwé, Nkrumah, Senghor, C. A. Diop, A. Cabral, A. Neto são, entre outros, os modelos de intelectuais no poder político ou detentor de poderes políticos mas que fizeram tudo ao alcance para serem militantes pela Justiça e Liberdade. Ngoenha reflecte, neste ponto, a profunda angústia que sente quando, de cada vez que vem a Moçambique Filosofia na Universidade Pedagógica (UP), na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) ou no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), ou ainda para proferir palestra em que o seu tema predilecto acaba sendo a missão do intelectual moçambicano hoje, constata a ausência das elites políticas, económicas e intelectuais no debate político. Penso que no fundo, neste capítulo ele exterioriza a angústia pessoal de não poder estar presente neste debate de forma presencial em Moçambique. Quem convive com Ngoenha sabe que o papel dos intelectuais moçambicanos na maximização das liberdades é o seu tema predilecto... Como pensar filosoficamente o facto político hoje em Moçambique? É a questão central do capítulo II A Filosofia em Moçambique. É aqui onde Ngoenha propõe que a filosofia deve ser capaz de elaborar um discurso para mobilizar o “espírito da tradição” – conceito que retoma do filósofo Eboussi Boulaga para os desafios da Justiça Social no quadro do Estado moderno em Moçambique. O espírito é a chamada solidariedade africana que presumivelmente existe de forma espiritual raramente pouco praticada pelos membros das comunidades e das sociedades na África hodierna, pois, se fosse esse espírito que respeitamos, teríamos a “coragem” de passar por uma criança faminta e doente na rua nos nossos carros four by fours ou de assistir ao aumento do luxo ao lado de tanta pobreza? Não, para um contrato de natureza social a dita solidariedade africana deve ser tomada discursivamente no seu espirito tradicional mas materializada sob forma (moderna) de redistribuição equitativa da riqueza material ou dos impostos e sob uma nova forma de conceber justiça como equidade (e eu acrescento, restaurativa). O espírito da tradição em Ngoenha deve ser aquele que mobiliza os aspectos do passado, somente na medida em que os valores defendidos por este espírito têm capacidade de oferecer respostas alternativas aos desafios colocados pelo desenvolvimento. Deve despir-se o mito da chamada solidariedade africana ou melhor, se é que ela existe e mesmo que essa existência seja apenas na forma espiritual, o desafio é torna-lo útil para o contrato social em debate. Pois é isso mesmo que Ngoenha reflecte quando nos propõe que o símbolo (ideal) da justiça no contexto africano não deve ser uma mulher com a espada e balança mas sim uma mulher com uma agulha numa das mãos para cozer os pedaços de um tecido na outra mão; os pedaços do tecido na segunda representam, nesta imagem de Ngoenha, os diferentes indivíduos e grupos sociais que compõem Moçambique que a Justiça deve unir e não separar. Mas como efectivar esta justiça social num contexto em que, na “primeira República” o Estado esteve pan-presente decidindo sobre a educação, saúde, a moral, a política e mesmo sobre as biografias dos indíviduos, e na “segunda República” o mesmo Estado “dolarcrático” peca primando pela “ausência” deixando os “vencedores da guerra” governarem o país passando o próprio para a oposição? É nesta aporia que se deve perguntar sobre a legitimidade do Estado no contexto africano. Como Ngoenha defende, seria preciso perguntar-se se a representatividade por via dos partidos políticos, tal e qual é prescrita na democracia ocidental, é retomada pelo texto constitucional de 1990 e pelos Acordos de Roma em 1992, constitui a forma mais apropriada de mobilização e legitimação dos imaginários políticos e sociais dos moçambicanos. Este modelo europeu, falsamente apelidado universal, mostra-se (até agora) inadequado para os países da África. Para Ngoenha, não são as culturas (africanas) que se devem adaptar à todo o custo aos modelos (europeus) mas o ideal é que os modelos se forjem a partir dos imaginários culturais dos povos: isto significa que nós temos de (re)inventar um modelo de sociedade que nos seja próprio, conclui Ngoenha. É um modelo que terá forçosamente de tomar em conta a dimensão sócio- cultural e que exija, de partida, uma acção “concebida a partir das realidades autênticas das nossas comunidades autóctones, apreendidas a partir do interior”. Mas, entretanto, o que impede o nascimento deste modelo do interior que talvez fosse mais libertário? Ngoenha alerta sobre a existência de dois problemas que constrangem o tal nascimento: um, é que não existem mecanismos jurídicos legais previstos constitucionalmente que permitam ao eleitor, no período entre as eleições, fazer-se ouvir ou participar no debate público. O segundo problema, é que a nação teve que nascer sob o comando das leis e da lógica produtivista impondo-se em detrimento de qualquer projecto político que tivesse havido ou estivesse prestes a emergir, são leis, sob o ponto de vista interior antidemocráticas, porque impostas por instituições como FMI e o Banco Mundial sem legitimidade popular para governar o nosso país mesmo que seja em nome do desenvolvimento; são leis que não assentam nos imaginários culturais dos moçambicanos e, o que é pior, ganham conivência de uma parte da elite moçambicana. Por isso, a este ponto, em relação ao primeiro problema, se deve questionar a aplicabilidade da Democracia Representativa em Moçambique; e, em relação ao segundo problema, temos que equacionar sob que pressupostos assenta a Soberania de Moçambique. Ao dissertar sobre a democracia representativa, Ngoenha revisita o princípio básico da Democracia, o da separação de poderes. Na aplicação deste princípio, Ngoenha identifica conflitos entre poderes executivo e legislativo, por um lado, e entre os poderes executivo e judiciário, por outro. Pois, o “paradigma Anibalzinho-Nyimpini” é para Ngoenha o sintoma destes conflitosinstitucionais, ou seja, reflecte o problema de como fazer que entre o poder executivo e judicial (ou entre o legislativo e executivo) não haja interferência. Este é o problema de muitas democracias actuais no mundo (Chirac, na França ou Berlusconi, na Itália, entre outras). Ao dissertar, em seguida, sobre o problema da Soberania, Ngoenha começa por lembrar-nos que esta está ligada à Responsabilidade. Aliás, não é primeira vez que Ngoenha debate a questão da Liberdade, soberania e responsabilidade. Já em 1998 no Prefácio seu artigo Identidade Moçambicana, já e ainda não é4 Ngoenha apresenta algumas linhas deste seu pensamento ao perguntar-se com Booker Washington “O que é que a Liberdade comporta em termos de responsabilidade?” Será necessário percorrer as páginas deste capítulo para inteirar-se da forma filosófica como o Ngoenha trata esta aporia. Mas adianto que o objectivo do autor ao introduzir a problemática da soberania é o de desvendar uma aporia na prática da Política Internacional actual que é a predominância de Governos nacionais soberanos, portanto que se regem por princípios democráticos válidos na sua acção interna, mas, em contrapartida, na sua acção externa são totalmente antidemocráticos, o que, segundo Ngoenha, Luigi Ferrajoli chamou de “comunidade selvagem de Estados soberanos”. São pois duas histórias paralelas do percurso da Soberania que teremos que registar, sendo uma de um Estado de direito interno e outra de Estado que se absolutiza permanentemente na sua acção no plano internacional. Moçambique seria vítima deste processo de absolutização externa da Soberania a tal ponto que, no dizer de Ngoenha, “falar de soberania moçambicana [seria] hoje um autêntico abuso de linguagem” porque, sendo a soberania o pressuposto filosófico da constituição moçambicana, a prática política e jurídica porém tem demonstrado o contrário. As instituições da Bretton Wodds encabeçam uma interferência “abusiva e anti-soberana” da chamada comunidade internacional nos planos político, económico, cultural, social e mesmo jurídico em Moçambique. Mas, se a soberania está sob o comando da chamada comunidade internacional, assumirá esta comunidade da mesma forma o que a Soberania comporta como responsabilidade? Eu perguntaria de uma outra forma, haverá mecanismos legais nacionais e internacionais ao alcance do Governo moçambicano para que possa exigir responsabilidades da comunidade internacional pela sua acção no nosso território? Que mecanismos legais se podem acionar quando, por exemplo como recentemente sucedeu, uma organização estrangeira, teve que reduzir drasticamente o seu apoio financeiro ao sector de educação (porque o seu apoio externo tinha assumido, entretanto, encargos maiores na reconstrução do Afeganistão) e já não pôde dar corpo aos vários projectos de apoio institucional que teria assumido com os planos do Governo moçambicano? Quem assumiria a responsabilidade perante as crianças que porventura deixarão de poder entrar na escola ou não terão uma educação de qualidade por encurtamento de meios ou por falta de apoio prometido durante as negociações de parceria? No actual panorama institucional as possibilidades são quase nulas, só restando apelar ao plano da moral e princípios não vinculativos na prática da cooperação em forma de “parcerias inteligentes”. Eu diria, intervir na soberania sem assumir a responsabilidade dos actos que isso comporta, é batota que a comunidade internacional faz connosco. Em jeito de conclusão, o fio condutor que o leva a temas apresentados no capítulo II (o papel do Estado, a questão da legitimidade, a democracia representativa e a questão da soberania) é o debate em torno do papel da(s) tradição(ões) no contexto da África moderna e a questão dos constrangimentos à justiça entendida como equidade, não somente confinada à garantia das Liberdades no quadro do liberalismo político, mas sobretudo na sua vertente de distribuição dos recursos materiais, sociais e culturais moçambicanos (individualmente e por grupos). Não é por acaso, pois, que o título do capítulo III de Ngoenha seja Aos vencidos não se pede opinião. Pois engana-se, como eu me enganei ao ler este título pela primeira vez quando o manuscrito me chegou às mãos, o leitor que atribuir o estatuto de “vencido” à Renamo e a outros partidos da oposição e de “vencedor” à Frelimo que 4 Publicado pela Livraria Universitária na colectânea Identidade, Moçambicanidade, Moçambicanização, sob a direcção de Carlos Serra (Maputo 1998). [A2] Comentário: A minha modesta proposta é que se suprima o artigo definido “o”. forma o Governo sozinha. Para Ngoenha o que acabou foi a guerra mas não a violência. Transferiu-se a luta pelas armas por uma violência pelo controle do poder. E violência não é só a morte de Carlos Cardoso. O tipo de violência que preocupa mais a Ngoenha é o que priva uma criança de ter comida ou de ir à escola. Estamos numa situação de Paz com Violência. Mas é uma violência que é ditada pelo poder económico. Por isso, pergunta-se, se a guerra acabou, quem venceu e quem perdeu? Se a violência continua, qual é a causa? À primeira pergunta apresenta três cenários possíveis ([i] o país perdeu, [ii] o país ganhou, [iii] há vencedores externos) e escolhe, naturalmente o último por que “nós, e quando digo nós, quero dizer, nós moçambicanos perdemos a guerra. A Frelimo não ganhou, mas também a Renamo não ganhou”. Quem ganhou foi o capitalismo internacional representado pelas suas instituições da comunidade internacional, foi o liberalismo na sua dimensão económica (daí o facto de Ngoenha incluir a África do Sul entre os vencedores). Ao depor-se as armas que estavam nas mãos da Renamo e do Governo acabando com a guerra, voltou a ressuscitar a velha luta entre inimigos já denunciados por Marx: o capital e o trabalho, ou seja, entre os que têm poder económico e os que para sobreviver precisam deixar-se explorar vendendo a sua força de trabalho. Com o Governo aderindo abertamente ao neo-liberalismo, mostrando, em consequência, fragilidade em salvaguardar a soberania e em regulamentar a vida social dos moçambicanos, unida à dificuldade da Renamo em contrapor-se ao projecto político neo-liberal, portanto com ambos à direita, quem está à esquerda? Não há, por isso, debate político em Moçambique. O que há é uma violência pelo poder entremeada pela capacidade da comunidade internacional, que por razões óbvia “não pode governar directamente”, em prolongar um projecto dolarcrático neocolonialista. Mais do que em qualquer capítulo Ngoenha mostra neste a sua adesão às três dimensões do seu pensamento, ou seja às dimensões nacionalista, africanista e socialista procurando sempre ser fiel ao paradigma libertário. Ngoenha termina a sua obra apresentando-nos, no capítulo IV, uma apologética para a renovação da constitucionalidade actual. Por um Triplo Contrato Moçambicano é um título deste capítulo onde o autor advoga a necessidade de um triplo contratualismo: contrato cultural, contrato social e contrato político. Em relação ao contrato cultural, Ngoenha começa por ressaltar que a democracia comporta duas partes: uma axiológica e outra institucional. Ngoenha não negocia a dimensão axiológica. Segundo ele, o plano de valores comporta princípios de igualdade e do respeito pelos direitos humanos. Estes valores constituem uma forma abstracta para corrigir as desigualdades naturais entre os homens, para garantir o respeito pela dignidade e pelos direitos inalienáveis do homem. Portanto os valores da democracia, na óptica de Ngoenha, são de natureza universal e por isso mesmo não negociáveis. Em contrapartida, os modelos institucionais que comportam as democracias, na opinião de Ngoenha, devem ser “aculturados”, ou seja, devem ser adequados de tal forma que a sua legitimidade deve derivar daquilo que o autor chama por “imaginários colectivos” dos povos e culturas.O resultado ou o fim do processo ou Moçambicanização de instituições chama ele de contrato cultural. No artigo do mesmo autor que fiz referência acima, escrito em 1998, ele esboçava já os primeiros contornos desse contrato cultural. Ele escrevia naquele artigo5 que “o pacto cultural deveria reconciliar a política com as culturas nacionais ... [o] que permitiria libertar as instituições estatais da política cultural sobre a qual vegetam e metê-las numa dinâmica de cultura política mais produtiva6. O que no fundo quer dizer que para escrever este contrato seria necessário mobilizar uma capacidade integradora nacional que (re)conciliem o projecto político com as características étnico-culturais das populações de Moçambique. Ele chama atenção para 5 Refiro-me ao texto: Ngoenha, S., Identidade Moçambicana: já e ainda não. In: Serra, C. Identidade, Moçambicanidade, Moçambicanização, Livraria Universitária, UEM, Maputo, 1998 (pp.17-34). 6 Ngoenha, S., Identidade Moçambicana... (p.30) Prefácio o facto de não se tratar de renovar ou reabilitar as instituições tradicionais ancestrais, mas sim conferir à democracia uma dimensão moçambicana. Mas para isso temos que conhecer as nossas tradições e culturas para a partir deste conhecimento pensar o direito e a democracia moçambicanas, recuperando assim aquilo que Montesquieu chamava por “espírito da lei”, ou se quisermos falar com Eboussi Boulaga, por “espírito da tradição”. Para efectivar esta reflexão e recuperar a tradição em função do futuro, Ngoenha vê a universalidade como o local de reflexão e, consequentemente, ele vê as elites intelectuais como sendo a força social que deveria estar na vanguarda deste empreendimento. É em volta deste pensamento que o autor desenvolve os subtítulos de “cultura jurídica”, “pluralismo jurídico” e “transferência jurídica” a partir dos quais conceptualiza, no final do livro, o seu projecto político democrático e multicultural. No projecto político de Ngoenha há um contrato entre o Estado e os subgrupos em que cada uma das partes tem obrigações morais perante as suas acções. Por meio deste contrato é preciso assegurar que os indivíduos admitam a existência duma nação unificada e independente, que contenha regras e princípios a ser respeitados, mas ao mesmo tempo, em que a igualdade de cada pessoa não seja minada pelas desigualdades dos domínio s da vida social. Neste ponto emerge Rawls no contrato ngoenhiano. Ngoenha desenha, pois, o seu contrato social inspirado de forma significativa pelo debate iniciado pela obra de John Rawls Uma Teoria de Justiça. Nesta obra, Rawls defende no fundo dois princípios de justiça como equidade. São princípios que defendem a distribuição dos bens primários entre os membros de uma sociedade de forma equitativa; considera por “bens primários” os bens básicos que todas as pessoas, independentemente dos seus projectos pessoais de vida ou das suas concepções do bem, devem usufruir. São eles o auto-respeito, a auto-estima, as liberdades políticas básicas, as rendas assim como direitos a recursos sociais como a educação e a saúde. A referência aos princípios de John Rawls7 e ao debate em torno deles, servem de chamada de atenção para Ngoenha sobre dois aspectos: o primeiro, alerta-nos para o facto de que a garantia das liberdades fundamentais (pela constituição democrática liberal) não é suficiente para o fortalecimento da democracia moçambicana, se não houver uma preocupação em diminuir o fosso entre ricos e pobres; o segundo aspecto que Ngoenha pretende mostrar é o redimensionamento do paradigma libertário: é que uma filosofia que se pretende moçambicana não só deve buscar fundamentar a Liberdade, mas também fundamentar a busca da Justiça. Com isto Ngoenha redimensiona o que declarou ser um paradigma libertário da filosofia africana para integrar um outro patamar paradigmático, ao que podemos chamar de «Paradigma de Justiça Social». Considero que fundamentar as formas de implementar os princípios de Justiça Social é um aspecto importante que merecerá um debate aceso para amadurecer o sentido democrático da luta dos moçambicanos. Mas este novo patamar não pode efectivar-se sem um contrato político que tenha como interlocutores as diversas forças políticas que articulam aos seus interesses na sociedade moçambicana. Para isso seria necessário reinventar, criar ou alargar o espaço público onde as diferentes forças vivas da sociedade entrem em confrontação somente pela via argumentativa (e não pela via das armas ou da violência física ou moral). Ngoenha propõe-nos no seu contrato político, que as forças políticas moçambicanas deveriam fazer um acordo sobre aquilo que é essencial, indiscutível, não negociável, ou seja sobre o fundamento normativo do Estado. E este acordo é possível “se a nação estiver em primeiro lugar”8. Ngoenha escreve sobre as zonas não negociáveis: “a nível de bens económicos que constituem o património nacional (portos, caminhos de ferro, minas, terra, etc.), de jurisdição-política, espaços estritamente nacionais que não são acessíveis a estrangeiros (ministérios, lugares de defesa, de segurança, de planificação, etc.), prerrogativas ciumentamente nacionais não cedíveis a ONG, cooperações, doadores, etc.”. 7 Trata-se do princípio da equal liberty principle (igual liberdade) como o primeiro e, como segundo, o principio das desigualdades sociais e económicas, este segundo princípio, por sua vez, subdividido em dois: o primeiro, o princípio da igualdade equitativa das oportunidades e o segundo o polémico princípio da diferença (Cfr. John Rawls, Uma Teoria da Justiça, Editorial Presença, Lisboa, 1993, p.67-107). 8 Parafraseo aqui, e citando de memória, o título de um artigo do economista Prakash Ratilal num comentário analítico à Agenda 2025. O engajamento intelectual que Ngoenha nos traz por meio deste livro tem paralelismos com o engajamento intelectual de um dos grandes pensadores da Filosofia Política dos últimos tempos e a que ele faz muita referência: John Rawls. Se para o filósofo moçambicano o leitmotiv do seu engajamento e da sua actividade intelectual é a militância a favor da Liberdade, os esforços intelectuais de Rawls foram para fundamentar a Justiça como Equidade a partir do senso de justiça e a faculdade de concepção do bem que, segundo o próprio Rawls, são inerentes às pessoas morais, livres e iguais e que vivem numa sociedade democrática9. Na sua obra Justice as Fairness: A Restatment Rawls afirma que o facto de a sociedade democrática ser frequentemente vista como um sistema de cooperação social “(...) é sugerido pelo facto de que, de um ponto de vista político e no contexto da discussão pública de questões fundamentais de direito político, seus cidadãos não consideram a sua ordem social como uma ordem natural fixa ou como uma estrutura institucional justificada por doutrinas religiosas ou princípios hierárquicos exprimindo valores aristocráticos”10. Lendo esta citação conclui-se que há concordância tácita mas ao mesmo tempo um afastamento entre Ngoenha e Rawls. A concordância nota-se em relação ao facto de considerarem que a característica de uma democracia moderna é –emprestando o termo a Beck, Giddens e outros –a reflexibilidade, ou seja, por um lado a interconexão entre a racionalidade científica e a racionalidade social no debate público sobre a(s) política(s) e, por outro, o debate sobre os próprios fundamentos da democracia liberal. Entre os fundamentos da democracia liberal que ambos propõem colocar ao debate é o que Rawls no trecho acima chama de “estrutura institucional” e Ngoenha denomina por necessidade de “aculturar as instituições”. Mas o ponto em que discordam é nas implicações dos seus discursos. Rawls escreve tendo em vista formular uma teoria universal da justiça e Ngoenha nos chama atenção para a necessidade da sua particularização.O filósofo queniano Odera Oruka escreve, a propósito das ideias de John Rawls, que seria difícil imaginar alguém que formule uma teoria universal de justiça social que não tome em conta os factores de ordem económica, tradicional ou ideológica nas diferentes sociedades11. Porque são exactamente estas características que poderiam, no dizer de Oruka, determinar o que deveria fazer parte do cabaz das “necessidade básicas” ou ainda o que poderia ser considerado como sendo os “direitos fundamentais” de uma determinada sociedade. Rawls imagina que o bem-estar (wealth) e o rendimento (income) constituem as necessidades básicas. Mas, segundo Oruka, o conteúdo do bem-estar e das liberdades fundamentais, por depender das contingências locais, é diferente. Ele dá o exemplo de sociedades onde os princípios de existência colectiva ou são derivados de ideologias marxistas onde o indivíduo tende a relegar os seus interesses para a última instância (sociedades socialistas) ou são derivadas da relação religiosa com entidades metafísicas onde a coerção social põe a autonomia e valores dos indivíduos em segundo lugar (sociedades tradicional-comunalistas). Nessas sociedades, prossegue Oruka, as pessoas que tenham acumulado algum bem-estar ou com grandes rendimentos, não têm individualmente o poder de usar os seus rendimentos a seu belo prazer e de forma legal. O Estado, nas condições de sociedade exemplificadas por Oruka, deveria ser coercivo para tirar as riquezas individuais das mãos das pessoas e ‘legitimar’ esta coerção a partir da necessidade de redistribuir a riqueza favorecendo aos grupos até então historicamente desfavorecidos. É o que no fundo foi feito depois da independência de Moçambique com as nacionalizações cuja justificação era a de ‘devolver ao povo o que lhe pertencia e acabar com a exploração do homem pelo homem’ e, de certo modo, a mesma justificação que é dada hoje pelo Governo do Zimbabwe para arrebatar as terras das mãos dos agricultores brancos em nome do povo (negro) daquele país. O que quero (de)monstrar aqui é que há nos Estados africanos de hoje uma aporia política cuja origem é a existência do Estado neo-liberal inspirado e edificado na base do contratualismo clássico no qual os indivíduos têm direitos a ser defendidos pelo Estado, mas simultaneamente notamos que há uma grande injustiça social no que diz respeito à distribuição do bem-estar e da renda. Assim, para uma melhor distribuição, o Estado não pode 9 Rawls, J., Uma Teoria da Justiça. Editorial Presença, Lisboa, 1993, p.68. 10 Cfr. Oliveira, N., Rawls. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2003, p. 49. 11 Oruka, H. O., John Rawls´s Ideology. Justice as Egalitarian Fairness. In: Oruka, H. O., Practical Philosophy. In Search of an Ethical Minimum East African Educational Publishers. Nairobi-Kampala, 1997 (115- 125). Prefácio ‘forçar’ os poucos ricos a darem mais que os outros sem correr o risco de invadir a esfera dos direitos individuais, particularmente sem correr o risco de passar por cima do direito à propriedade. Este é o dilema da África do Sul hoje: como ‘obrigar’ a minoria branca que acumulou riquezas por meio de vantagens históricas do apartheid a darem uma parte da sua riqueza evitando violar os direitos individuais, sobretudo os de propriedade e mantendo o Estado do Direito intacto? Aqui parece ser necessário haver uma espécie de contratualismo que se baseie não só na defesa e garantia dos direitos dos indivíduos mas também que consiga submeter os interesses económicos de grupos aos interesses políticos e a defesa de idiossincrasias particulares de grupos culturais. Encaixa assim o facto de Ngoenha ter introduzido a ideia dos contratos sociais e culturais junto ao contrato político. Se é que o contrato político, baseado na Constituição, garante a observação em primeira linha dos direitos dos moçambicanos como individuais, os dois contratos adicionais que Ngoenha propõe (o social e o cultural) terão que ter como assinantes grupos de moçambicanos. Desta feita, o contrato social deverá comprometer os grupos com interesses económicos, ou mais precisamente, grupos com maior rendimento, com os desafios políticos do desenvolvimento, e com redistribuição equitativa do rendimento nacional; e o contrato cultural deverá criar espaços abertos para a articulação de diversos valores e práticas culturais no contexto da política nacional. Estes dois contratos só serão possíveis alargando a teoria contratual da esfera individual para a colectiva de articulação de interesses económicos e de defesa e promoção de valores culturais. Assim resolve Ngoenha o problema axiológico ou da falta de uma “cultura política”. Cada geração ou acusa ou aprecia o engajamento intelectual e físico da anterior. A geração moçambicana de hoje só pode agradecer à geração que decidiu pegar em armas para encetar uma luta justa e dura cujo fim era eliminar a dominação colonial. Aquela luta foi uma heroicidade de toda a geração. Foi a geração que maximizou o gozo das liberdades nacionais ao proclamar a Independência Nacional. E, pelo que se vem publicando ultimamente sobre a história da luta de libertação, pode notar-se que foi um processo cheio de contradições, indecisões, determinações, cisões, mas sobretudo de unidade em torno do objectivo comum. O que quero perguntar é: qual é o papel da nossa geração agora? Não teremos a responsabilidade de deixar um Moçambique com as liberdades mais alargadas do que as que gozamos? Podemos dar-nos ao luxo de deixar explorar todas as riquezas do solo e subsolo sem a preocupação de sustentabilidade das vidas futuras? Não temos a responsabilidade de não só preparar as gerações futuras através da educação, mas também criar todas as condições para que tenham emprego e segurança? Que valores deixamos para que os nossos filhos e netos se orgulhem dos anos 80 e 90? Moçambique pertence tanto aos moçambicanos presentes, aos espíritos dos nossos antepassados proclamados como heróis ou não, assim como aos futuros moçambicanos que aqui irão nascer, crescer, viver, amar e morrer nesta pátria. Moçambicanos são também os nossos heróis que morreram, somos nós hoje, mas também o futuro. Daí que é preciso vivermos hoje com a responsabilidade do amanhã. Hans Jonas, na sua obra O Princípio da Responsabilidade (1979), reformulando o princípio da ética kantiana, projecta uma ética de responsabilidade polarizada nas condições de vida das gerações vindouras. Segundo esta ética, o homem não deve esperar que venha a receber alguma coisa em troca da sua acção responsável. Aplicada a Moçambique, esta seria uma ética que visa criar condições para que os moçambicanos do amanhã tenham a possibilidade de serem sujeitos-agentes mais livres e responsáveis. Por isso, penso que deveria haver também uma quarto contrato –o contrato de gerações. Neste, que não teria necessariamente uma força constitucional, caberiam todos os temas “futuristas”, tais como, tecnologia e inovação, meio ambiente, geração de empregos assim como compromissos sociais na utilização das poupanças públicas. Portanto, o contrato de gerações faria parte integrante da planificação estratégica para o desenvolvimento. Em nome deste contrato, as crianças e a juventude hodierna moçambicana (que ainda não tem direitos políticos) deveria estar em condições de exigir aos adultos o direito de viverem bem amanhã e de serem uma espécie de supervisores da acção daqueles. Derivado deste acréscimo ao contratualismo há ainda um outro ponto que Ngoenha, com este livro, introduz no debate político em Moçambique. É o ponto da cultura ou da diversidade cultural. Como é que a diversidade cultural pode ser gerida politicamente? O que significa erguer uma Estado multicultural? Já Frederic Jameson notava que, na impossibilidade de haver qualquer projecto colectivo na condição pós-moderna, o capital multicultural elabora o jogo da heterogeneidade permitindoassim que muito mais do que nas épocas anteriores a questão cultural se transforme num problema político. Segundo Jameson, o ambiente pós-moderno, dado o seu conteúdo de expansão multicultural do capital, encerra possibilidades de resistência cultural12. Pois a possibilidade de ser “outro” nos é dada pela cultura e é por isso que a culturalidade se torna o centro da política. É isso que Ngoenha faz nesta obra: tematiza a diversidade cultural sob o prisma da sua gestão política pois, constata ele, não há ainda o diálogo necessário entre as culturas e as instituições políticas. A constituição política deve reflectir, respeitar mas sobretudo ter os seus fundamentos na diversidade cultural do nosso país. E esta diversidade cultural é incorporada não no abstracto mas em grupos etno-culturais específicos. Neste aspecto é uma grande coragem de Ngoenha trazer este aspecto à lume do debate, embora não seja a primeira vez. Já na obra Por uma Dimensão Ngoenha termina fazendo uma apologia a uma constitucionalização da gestão das culturas particulares. Ngoenha lança com este livro um outro desafio aos políticos que querem ou quererão governar o nosso país. Estes não se devem limitar a dizer-nos qual será a sua política cultural mas, sobretudo, deverão equacionar que tipo de cultura política irão desenvolver. Com esta ideia lança-se um desafio à eticidade. A eticidade é tomada por mim como manifestações na “luta pelo reconhecimento” no sentido que o filósofo alemão e sucessor de Habermas na direcção do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, Axel Honnet13, usa. Portanto, a eticidade não é aqui entendida no seu sentido da moralidade kantiana, ou seja, de uma atitude universalista em que o respeito pelo outro se torna um fim em si mesmo na acção de indivíduos autónomos; este entendimento de eticidade seria incapaz, segundo Honnet, “de identificar o fim da moral em seu todo nos objectivos concretos dos sujeitos humanos”. A Eticidade é sim entendida aqui por mim como o ethos “de um mundo de vida particular que se tornou hábito, do qual só se podem fazer juízos normativos na medida em que ele é capaz de se aproximar das exigências” dos princípios universais14. Desta forma, as eticidades particulares (culturais) são vistas não só do ponto de vista do seu espírito (da tradição), mas também encerram elementos normativos e padrões de comportamentos concretos de devem se ajustar a um certo número de princípios normativos nacionais. A nossa cultura política moçambicana seria orientada pela necessidade de estabelecer um patamar de diálogo entre os diferentes grupos culturais que lutam pelo seu reconhecimento. A Unidade por exemplo, é um princípio de ordem nacional do qual se podem fazer juízos normativos sobre a eticidade dos grupos particulares. Aos grupos que, na luta pelo seu reconhecimento, procurem ferir a constitucionalidade unida de Moçambique, serão sancionados. 12 Cfr. Peixoto, M.G., A Condição Política na Pós-Modernidade. A Questão da Democracia. EDUC, São Paulo, 1998, pp. 56-58. 13 Axel Honnet foi assistente de Jürgen Habermas e segue a tradição da Teoria Crítica apresentado a sua teoria que se basea na ideia da “luta pelo reconhecimento”. Honnet parte da doutrina de reconhecimento em Hegel e recorre a G.H. Mead para estabelecer a ideia de uma crítica social na qual os processos de mudança social devem ser explicados a partir de acções que têm como objectivo restabelecer o reconhecimento mútuo ou desenvolvê-lo para um nível superior. As lutas pelo reconhecimento são, nesta perspectiva, uma força moral que impulsiona o desenvolvimento. Aproveitando esta ideia, podemos inferir que os diferentes grupos culturais lutam pelo seu reconhecimento num ambiente democrático. (Honnet, A., Luta pelo Reconhecimento. A Gramática Moral dos Conflitos Sociais. Editora 34, São Paulo, 2003, 269 pp.) 14 Honnet, Idem, 270. [A3] Comentário: No texto do roda-pé, sugiro a substituição do particípio passado “apresentado” pela forma gerundiva “apresentando” ...a sua teoria ... logo no primeiro período. Prefácio Penso que Ngoenha, com este livro, abre e oferece horizontes filosóficos para o debate de duas questões básicas do futuro da política em Moçambique: a da Justiça social redistributiva (questão económica) e a da Unidade Nacional na Diversidade Cultural (questão da cultura política). São estas questões que, a meu ver, irão constituir os eixos do debate para a afirmação da moçambicanidade na busca pela Liberdade. No fim da sua leitura o leitor dirá se esta coruja da Minerva (Ngoenha) chegou “tarde” demais ou se o velho Hegel se terá esquecido de completar o seu aforismo: Que a coruja da Minerva levanta o seu voo ao crepúsculo sim, mas se vai deitar cedo para o amanhecer, quer dizer, só se vai deitar no início de outra jornada, depois de ter espalhado a sua boa nova que serão os eixos da caminhada para a Liberdade de um povo inteiro. Este livro é uma referência obrigatória no qual Ngoenha oferece aos moçambicanos alternativas de pensar filosoficamente e de agir racionalmente neste caminhada. Maputo, Julho de 2004. CAPITULO I Filosofia e democracia em Moçambique Este trabalho nasceu das questões que a Academia Filosófica (ACAFIL) nos submeteu, a mim e a outros oradores –Lourenço do Rosário (Reitor do ISPU), Carlos Tembe (Presidente do Conselho Municipal da Matola) e Patrício José (vice-Reitor do ISRI) – aquando do simpósio consagrado às eleições presidenciais em 9 de Outubro de 1999 subordinado ao tema “Moçambique, que eleição?”. Os coordenadores da ACAFIL puseram-nos, a mim e aos outros oradores, quatro questões: 1. Qual é o tipo de governação de que Moçambique precisa hoje para o seu bom funcionamento? 2. O que eleger e para quê? 3. Qual é o papel da filosofia num país democrático? 4. Que leitura podemos fazer com vista às segundas Eleições Gerais, Legislativas e Presidenciais? Já então, o programa me pareceu excessivamente denso e os problemas que invocava extremamente complexos. E, ainda hoje, volvidos quatro anos, continuo a pensar que mais do que programa a ser respondido num simpósio, como era o caso de 1999, ou mesmo num livro, como é hoje o caso, trata-se de uma série de questões de índole filosófico-político que vão necessariamente ter que acompanhar continuamente a história da vida política moçambicana. Com efeito, em todas as épocas históricas e em todos os climas culturais, nós vamos estar sempre confrontados com a primeira – e perpétua – questão da filosofia política a que Platão chamou a questão do “melhor regime”, ou seja, o regime que melhor pode garantir a justiça na cidade. Ora, a avaliação axiológica do “melhor regime” não tem nada de metafísico. Não se trata de um governo, ou um grupo de homens ou de normas que emanam da sua governação que têm, intrinsecamente e por essência, o melhor gene de poder. Trata-se, de um lado, de avaliar os ideais, a moral-política e a competência dos homens; e, do outro, a capacidade das instituições sócio-políticas em serem uma plataforma adequada na busca de respostas aos problemas com os quais somos confrontados. Eis porque não pude ontem e nem posso hoje responder às quatro questões. Por uma questão de afinidade disciplinar – que afinal de contas constitui um esforço de maior penetração, mas ao mesmo tempo um limite – decidi concentrar a minha atenção sobre a questão número três –qual é o papel da filosofia num país democrático? É a única em que se apela directamente à filosofia e, também talvez por defeito profissional, me parece ser a questão mais abrangente e, ao mesmo tempo, a mais urgente. Tomei, por conseguinte, a liberdade de me debruçar sobre a terceira questão que é relativa “ao papel da filosofia num país democrático”. E mesmo aqui, permiti-me alterar ligeiramente a sua formulação a fim de libertá-la da sua grande generalização e dar-lhe umcunho teórico mais aculturado a Moçambique. Com efeito, é inegável que a filosofia esteve sempre presente nos debates políticos. Aliás, em parte está na sua origem. São exemplo disso os Tratados de Platão (República) e de Aristóteles (Politeia) sobre a política, assim como o conceito de cidadania desenvolvido pelos sofistas (Górgias, Protágoras, Hippias). A filosofia não é só pioneira no domínio da política, mas é um ponto de passagem obrigatório para o conjunto das disciplinas que se interessam por questões afins: a ciência política, a sociologia política, o direito, a antropologia política, etc. Mas se a filosofia sempre desempenhou um papel importante na instauração dos regimes democráticos (Rousseau, Locke, Kant), na proposição de instituições susceptíveis de dar corpo à democracia (J. Locke, Montesquieu, J.-J. Rousseau), na luta contra regimes totalitários (Voltaire, Hans Jonas), na denúncia do totalitarismo (Adorno, Marcuse, Hannah Arendt), ela nunca foi unívoca nas suas tomadas de posição. Ela foi sempre obra de indivíduos situados no espaço e no tempo e, por conseguinte, pensadores que engajaram a filosofia em função das suas sensibilidades próprias, das suas percepções do mundo e dos problemas circunstantes. Por isso, nem sequer se pode dizer que o denominador comum da filosofia seja a luta pela democracia por muitos filósofos, a começar por Platão (defensor da aristocracia), Maquiavel, Hobbes (entre os pais do Estado moderno) não eram favoráveis à democracia. Eis porque a nossa questão não pode ser qual é o papel da filosofia num estado democrático: a filosofia depende da existência de filósofos que elaboram os próprios pensamentos, e estes pensamentos estão inelutavelmente ligados e são alimentados pelas circunstâncias histórico-culturais (Ortega e Gasset), mas também pela sensibilidade dos filósofos. Por conseguinte, é necessário aculturar, particularizar, circunscrever a filosofia como método sobretudo como espírito (crítico) e atitude (distanciamento rigoroso e sistemático de qualquer tipo de compromisso que possa condicionar a nossa liberdade de análise e juízo) ao processo histórico-político da nação moçambicana. Então a questão transforma-se em “qual pode ser o papel da filosofia no processo democrático de Moçambique?”. A questão assim posta sugere imediatamente três reflexões: 1. O filósofo sempre hauriu as suas preocupações e os seus problemas nas vicissitudes históricas do seu tempo, do seu espaço e tomou posição (o que constitui o seu pensamento filosófico) em função dos seus valores. Em resumo, cada filósofo foi sempre militante de uma causa –e muitas vezes não como resultante de um análise crítica imparcial que deveria caracterizar todo o juízo filosófico, mas por razões que Francis Bacon não teria hesitado em chamar de ídolas e a hermenêutica moderna de pré- compreensões. Por conseguinte, toda e qualquer aplicação de uma filosofia política ao objecto Moçambique deveria ser precedida da clarificação da causa que se pretende defender, da razão que justifica o engajamento intelectual daquele que apela ao método filosófico. Talvez seja útil recordar que, apesar da sua longa história destituída de uniformidades, a filosofia, no seu procedimento metodológico, continua a fazer apelo àquilo a que o velho Aristóteles chamou de “causas últimas”. Por isso, quando digo que quem faz apelo à filosofia deveria, de modo prévio, clarificar a causa ou as causas que quer defender, trata-se de saber quais são as razões últimas do seu engajamento intelectual: ambições individuais ou sociais? Servir ou servir-se da comunidade? Para ser coerente, devo começar por clarificar a minha posição, os valores que são os meus. Como direi mais tarde e com mais detalhes, a história do espaço geográfico chamado Moçambique e do conjunto dos homens que se denominam moçambicanos encontra a sua homogeneização naquilo que de mais negativo pode existir na história de um homem ou de uma comunidade: foi uma história comum de sofrimento, e de um sofrimento muito particular (já tinham essas mesmas populações conhecido a CAPITULO I escravatura). Foi o colonialismo europeu do fim do século XIX que determinou, com a sua divisão arbitrária dos espaços geográficos (e culturais) africanos e a opressão comum dos homens que habitavam esse espaço, a criação de Moçambique. A história da união dos três grupos que deram origem à Frelimo (Udenamo, Unamo e Manu) é exemplar de como os homens dessas terras e culturas diferentes a certa altura criaram Moçambique, unindo-se numa luta comum em prol da liberdade. Se existe um substracto filosófico que está na origem axiológica de Moçambique é, sem dúvida, a busca da liberdade. Aliás, a busca da liberdade caracteriza a história de África no último século. Se quisermos ser mais exaustivos, diremos que desde a sua criação-invenção (para parafrasear Mudimbé), através de um processo de apropriação identitária geneticamente exógena, a África, nascida nas diásporas, caracteriza a sua existência como busca da liberdade. Assim, para mim, o valor de fundo do meu engajamento intelectual é a militância a favor deste valor humano supremo, para os moçambicanos e para os africanos. Liberdade – para utilizar a linguagem de I. Berlin – positiva, quer dizer liberdade de sermos nós mesmos, e negativa, de viver sem contrição nem de carácter político, nem de carácter económico. A história da luta pela liberdade negro-africana conheceu muitas etapas. A primeira foi no chamado novo mundo onde a escravatura concentrou muitos homens e mulheres de origem africana privados da sua liberdade. A primeira luta começou aqui, e a liberdade para esses homens, como para Kunta Kinte de Alex Haley15, num primeiro momento era voltar ao que Delany chamou de “alma mater”. Mas, para a geração seguinte, a liberdade passou a significar a emancipação da escravatura, não tanto para reganhar a “terra mater”, mas para viver como homens livres nos países e nas terras que lhes viram nascer. Depois deste período nos EUA, que é onde a história negra está melhor documentada, os antigos escravos, quer se chamem B. Washington, Du Bois, Marcus Garvey, C. Cullan, Langston Hughes ou C. Mckay, de maneiras diferentes lutam pelo mesmo objectivo: integrar a sociedade como seres humanos iguais, como reza a constituição americana. Porém, pouco tempo depois do fim da escravatura, exactamente vinte anos depois (a escravatura terminou em 1865 e a Conferência de Berlim foi em 1885), os africanos tiveram que fazer frente a uma nova ameaça: o colonialismo. Foi para fazer frente a este novo perigo que nasceu o lema entre os antigos escravos “unir-se para resistir”, que, aliás, está na origem do pan-africanismo16. Desta vez a luta será pela independência política. Este longo processo e destituído de uniformidades ganha consistência a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Contudo, as independências africanas, primeiro invocadas nas diásporas por Du Bois (Segundo Congresso Pan-africano de 1919, em Paris) e Marcus Garvey (Convention da UNIA em 1920), só começam a materializar-se em 1957 no Gana, e atingem o seu apogeu na década de sessenta. 15 Raízes. São Paulo: Cruzeiro, 1997. 16 Oruno D. Lara. La naissance du panafricanisme. Les racines caraibes, américaines ef africaines du mouvement au XIXe sièle. Paris: Maisonneuve et Larose, 2000. Este processo teve, imediatamente, que fazer contas com o desenvolvimento social para garantir essas liberdades. Nós vivemos ainda nessa busca da liberdade como desenvolvimento social. Já não se trata da emancipação da escravatura, da integração nos países do chamado Novo Mundo, da autodeterminação política, mas do desenvolvimento económico, político e social, num clima de relações de força com o Ocidente (esclavagista e colonialista) que ainda não selibertou do seu elán colonial, que hoje se apresenta sob a veste de credor. A questão, apesar de ter uma componente económica importante, é, sobretudo, política. Sempre que se invoca a questão do desenvolvimento, coloca-se em primeiro lugar os factores económicos. Mas a economia (as chamadas leis do mercado) deve, pelo menos no nosso caso, ser subordinadas às escolhas societárias. Caso contrário, condenam-se os mais fracos ao ponto de partida, quer dizer ao trabalho forçado, ao colonialismo e mesmo à escravatura. 2. A segunda reflexão é de carácter filosófico-histórico. Nos últimos anos falou-se muito do fim da filosofia da história. Quer dizer que a ideia da história dos homens como esforço para reproduzir o paraíso edénico (de Adão) perdeu todo o sentido. A modernidade17 foi concebida por Hegel, Kant e retomada por Habermas –e nisto existe um consenso entre os assertores da modernidade (Habermas) e os pós-modernistas (R. Rorty, G. Vattimo) – como emancipação do homem de todo o tipo de garantias meta- sociais. O homem moderno não quer ter nenhuma figura-guia, não quer subordinar os seus valores e as suas escolhas a nenhuma transcendência ou revelação. Mas, paradoxalmente, ao mesmo momento em que o Ocidente mata Deus, para parafrasear Nietzsche, ou como diz Dostoievsky declara que Deus já não tem mais nada a dizer no que Vico teria chamado do mundo civil, o Ocidente se auto-proclama “Theos” para a África e para os países que hoje se chamam de “Sul do mundo”. A história secularizada pela filosofia da história, primeiro de Voltaire e depois de Hegel, não se limita a substituir os paradigmas que de Agostinho até Vico tinham impregnado a compreensão da histórica – “criação, pecado, encarnação revelação e aparusia” – pelo conceito de cultura que fará a felicidade da antropologia desde o século XIX. No mesmo século da antropologia (que, não por acaso, coincide com o colonialismo) inventa-se o evolucionismo18 (Herbert Spencer, J.S. Mill, Darwin) no o Ocidente se coloca como o modelo, a norma, o novo Éden, com o seu conceito político de Estado, com o seu monoteísmo e com a sua escrita. A partir de então o Ocidente apresenta-se a si mesmo como sendo o novo jardim de Éden (super-homem) a imitar, não obstante as suas contradições, as suas histórias de opressão, que permitiram a acumulação do capital que, para alguns historiadores (Etemad Bouda, Thomas David), está na origem do seu arranque económico e que, para nós, significou escravatura, opressão, perda de liberdade e retrocesso. O Ocidente ocupa hoje, em relação a nós, o lugar que outrora era de Deus em relação à humanidade. Por isso, se a filosofia da história (como demonstrou Karl Lõwith) é filha de uma teologia da história o “Theos” para o Ocidente já não tem nada a dizer. 17 Ngoenha, 2000: 31 18 Ngoenha, 1993: 15 e ss. CAPITULO I Mas, nesse mesmo momento e de uma maneira idolátrica, o Ocidente se arroga a prerrogativa de divindade em relação a nós. Que haja uma crise geral da democracia no mundo (a eleição de Berlusconi na Itália, Holder na Áustria, Blocher na Suíça, Busch nos EUS), que os dossiers económicos mais complexos impeçam os cidadãos nas democracias directas de exercerem os seus direitos e deveres cívicos; que, nas democracias representativas, as populações se vejam forçadas a votar com um lenço a cobrir as narinas para não sentirem o cheiro podre da desonestidade e da corrupção que caracteriza cada vez mais a classe política; que os eleitores devam votar por uma elite política que não merece confiança nos países da velha democracia, o que implica uma crise de legitimação política, não importa! Aliás, isso não impede o Ocidente de continuar a dar licções do que é uma boa democracia, omitindo a sua própria história e as contradições que o fazem sistematicamente balançar entre os valores humanistas e o economicismo. Existe uma crise económica? Que isso dependa da desonestidade dos actores económicos (Parmalat), ou porque os economistas cometem erros grosseiros de avaliação (Swissair), ou porque as recitas do FMI e do BM demonstraram-se falaciosas e com consequências nefastas para as populações (Argentina). Não importa: aquilo que o nosso “Theos” ignora para si mesmo nos seus próprios países parece saber para os países dos outros. No fundo, a questão principal para nós é de nos laicizarmos do Ocidente. Não podemos continuar a tomar o Ocidente como modelo; não podemos reproduzir o seu nível económico! Podemos simplesmente importar as suas taras, dado que é isso que ele globaliza (Ulrich Beck19). Por outro lado, não temos populações a escravizar e a colonizar para podermos acumular o capital que nos permita o arranque económico. E se tivéssemos uma tal população subalterna correríamos o risco de ser semelhantes do ponto de vista moral ao Ocidente que, como diz Césaire, faz batota com os seus próprios princípios. 3. Um eventual papel da filosofia no debate político moçambicano depende necessariamente da existência de uma filosofia moçambicana. Mas como demonstrou a corrente crítica da filosofia africana20 (P. Hountondji, Eboussi Boulaga, M. Towa) no âmbito do seu distanciamento da negritude (Senghor, Damas e Césaire) e sobretudo da etnofilosofia (Placide Tempels, Kagame), a existência de uma suposta filosofia, neste caso, moçambicana, depende da existência de filósofos moçambicanos legitimados não só pelos diplomas universitários, mas pelo facto de escreverem o que Hountondji chamou de arquivo e, através dele, instaurarem no país uma tradição crítica. A este nível, o país está paulatinamente a crescer. Nos últimos anos através da Universidade Pedagógica, mas também através de outras instituições estrangeiras, o número de moçambicanos com graus académicos em Filosofia aumentou. Trata-se de uma condição necessária, mas não suficiente para o surgimento de uma tradição filosófica moçambicana. Esta premissa fundamental tem de ser seguida pela coragem e ousadia para instaurar um debate de ideias que, inspirando-se na secular tradição filosófica, incida os seus interesses de uma maneira participativa e construtiva sobre a 19 La société du risque. Paris: L’Harmattan, 2001. 20 Ngoenha, 1993: 89. realidade política moçambicana. Isto é, na reflexão (até mesmo invenção) de um regime político que permita a participação de todos no debate democrático, na reflexão sobre a árdua questão da representatividade, numa constituição adequada à realidade cultural e social moçambicana, num processo de redistribuição, etc. Isto quer dizer que, contra a veleidade de uma aparusia histórica já realizada, como defende Fukuyama, ou contra um modelo realizado na Europa e que nós teríamos simplesmente que imitar, como defendem os novos missionários oriundos das ciências políticas –que de uma maneira acrítica e aparentemente sem dúvidas quanto ao que se deve fazer em Moçambique, sobre o melhor regime político, o tipo de democracia, de representação social –continuam a dar receitas de política, de democracia, de desenvolvimento sustentável. A filosofia não se contenta com o que é, com o que aparece, nem pode admitir a ideia de uma história acabada ou determinada de uma vez por todas. Sob o ponto de vista filosófico, a história é o terreno de uma constante invenção de sentido da parte do homem; é o terreno onde o homem exerce a sua liberdade de poeta, no sentido da poesis grega, é o lugar da criação do sentido no tempo. Que as decisões políticas produzam efeitos que tocam o nosso nível de vida e os nossos direitos; que o assento das instituições fundamentais da sociedade determina e modela as nossas oportunidades; que as escolhas se coadunem mais ou menos com os nossos gostos, com os nossos valores individuais e colectivos; que a distribuição doscustos e benefícios da cooperação social seja coerente com um critério ou com um conjunto de critérios; que as instituições consintam ou não, para cada um de nós, a definição no tempo de um plano de vida e de um projecto de autodesenvolvimento; que cada um de nós conte pelo menos como qualquer outra pessoa, eis algumas questões sumárias que definem o que deveria ser o ponto do ataque da filosofia quando esta se interessa por questões políticas. Trata-se de questões normativas. O que quer dizer que a sua solução implica a referência a um princípio ou a um certo número de princípios capazes de nos guiar nas avaliações que fizermos sobre as decisões políticas, sobre o assento das instituições fundamentais, sobre as escolhas colectivas, sobre a distribuição dos recursos, etc. em suma, a filosofia política é chamada a reflectir sobre como devemos viver no âmbito de uma perspectiva interpessoal que podemos adoptar para as nossas vidas. O carácter normativo da filosofia política distancia-a relativamente da ciência política, sobretudo no âmbito dos objectivos anunciados por cada um dos domínios, mesmo se uma tal distinção na prática resulte pouco evidente. Comummente se diz que a ciência política é uma ciência social entre outras, cujo objectivo seria estudar com imparcialidade os movimentos sociais e as ideologias que os acompanham, enquanto a função da filosofia política seria reflectir não somente sobre o que é, mas também sobre o que deveria ser. Na prática, estas fronteiras –metodologicamente úteis mas difíceis de balizar –são constantemente transgredidas. Com efeito, nenhum especialista sério da ciência política pode limitar-se a uma simples descrição, mas recorre constantemente a noções filosóficas mais ou menos bem domesticadas. O contrário é também verdadeiro: a CAPITULO I filosofia política empresta também muitas vezes, sem o saber ou sem o admitir, conceitos da ciência política e mesmo das ideologias. Outra dificuldade é a seguinte: podemos distinguir uma filosofia política de uma filosofia que não seria política? Podemos distinguir a filosofia política da filosofia moral? Trata-se de duas questões difíceis. Se, desde Platão até S. Tomás de Aquino, existiu um consenso que fez da filosofia política uma simples aplicação da filosofia moral aos problemas da cidade, esta ideia foi definitivamente rompida com Maquiavel e cedeu lugar à ideia inversa, segundo a qual uma diferença importante separa estes dois domínios do saber. Para alguns, por exemplo, a filosofia trata de acções individuais ou privadas; a política de acções públicas ou colectivas. Para outros, o juízo moral é a priori e tem um valor absoluto, enquanto os juízos políticos são de ordem puramente empírica e, por conseguinte, têm um valor relativo. Mais recentemente, com a reabilitação que Habermas operou ao pensamento de Kant, emergiu uma nova tendência que relativiza a oposição entre moral e política, que se funda sobre o facto de que bom número dos nossos juízos políticos resultam de uma deliberação ao mesmo tempo racional e moral. Uma única certeza emerge destas controvérsias: se a política é uma coisa diferente da moral, e mesmo se tende a liberta-se da tutela desta última, não lhe pode fugir completamente e para sempre. Podemos dizer a mesma coisa em termo cínicos, sem recorrer ao transcendental kantiano. Nenhum príncipe, nenhum Estado se pode subtrair de uma maneira definitiva à reprovação suscitada pelos seus crimes; é no interesse do príncipe ou do Estado não se comportar sistematicamente de uma maneira imoral. Para além desta constatação que mesmo Maquiavel fez sua, cada filósofo tem tendência a conceber as relações entre moral e política de uma maneira que lhe é própria. Poder-se-ia, enfim, definir a filosofia política em função do seu “corpus” temático, da particularidade dos problemas que trata ou da sua especificidade metodológica. Infelizmente também aí não podemos ser afirmativos. Temas e problemas variam segundo as idades. No século XVIII, a noção da liberdade foi a que suscitou os principais debates; no século XIX, foi a noção de igualdade; no início do século XX, o conceito de revolução; na segunda metade do século XX, a noção da justiça retomou o passo. Amanhã é provável que a noção de supra-nacionalidade (ONU, União Africana, SADC) seja a mais importante. Uma vez mais, a sucessão destes debates, que marcaram a filosofia política, não tem nada de providencial. Ela reflecte simplesmente as metamorfoses históricas, as mudanças nas preocupações e nas prioridades. Mutações que, a menos que sejamos completamente hegelianos, não podemos considerar que exprimam outra coisa senão a contingência mesma da história que as produziu. Quanto a saber se a filosofia política dispõe de um método privilegiado para produzir enunciados verdadeiros, a resposta é categoricamente não! Significa isto que a filosofia política não é definível? Que não tem um terreno próprio? Que o seu discurso é sem aposta e as suas conclusões sem interesse? A resposta é categoricamente não! Por uma questão de contraposição, o domínio científico que melhor participa na caracterização da validade da filosofia política é a economia. Sempre que se fala de mudar a sociedade embate-se imediatamente na economia, que aparece nos discursos dos seus militantes como a única realidade, como o real que resiste às utopias dos filósofos. Não é só o BM e o FMI, mas a maioria dos actores políticos quem coloca sempre na dianteira as cifras do crescimento económico, do PNB. Aliás, esta tendência economicista salta também à vista numa leitura atenta do recente documento chamado “Agenda 20/25”. Este discurso é de tal maneira extraordinário que ele é pronunciado pelos neo- liberais, pelo antigos marxistas ortodoxos ou por aqueles que querem a todo o custo conservar ou conquistar o poder. Para estes apóstolos da dolarcracia, o capitalismo aparece como o único sistema concebível e a sua vitória sobre a economia planificada ganha um estatuto soteriológico. Que o capitalismo não assegure a felicidade universal, que ele aumente a pauperização das nossas populações mais fracas, que deixe muita gente no desemprego, que o seu ritmo de crescimento diminua constantemente, não importa. Para os economistas neo-liberais e economia tornou-se um fim em si mesmo. Tornando-se mundial, a seguir ao desaparecimento do bloco socialista, imposta na Europa pelas instituições comunitárias, no resto do mundo pelos acordos do GATT (hoje OMC), em África e em Moçambique pelos projectos do BM e do FMI, o chamado mercado livre constitui, doravante, o ponto de referência de todas a acção. À esquerda como à direita, todos se sentem na obrigação de recitar o mesmo credo segundo o qual os governos deveriam deixar de interferir nos fluxos económicos. Quando penso que cresci num país que repetia constantemente: “a política no posto de comando” … É necessário insurgir-se contra este economicismo que condena Moçambique a uma maior dependência e mesmo ao neocolonialismo, e deita por terra todos os esforços realizados em termos de luta pela independência e pela liberdade. Contrariamente à ideologia dominante, não é nas pretensas leis da história, da economia ou do mercado que podemos esperar a nossa salvação. A história não tem leis, o mercado também não. O capitalismo é actualmente a doutrina e mesmo a ideologia dominante, mas nada prova que esta situação deva durar eternamente; mesmo se, é preciso reconhecer, que na hora actual nada prova que o capitalismo deva desaparecer, nem que possa ser substituída por uma organização de produção que elimine a exploração, a dominação e a criação de pobres de ricos. Em suma, um futuro diferente não cairá do céu. Ele será o que nós fizermos, colectivamente; ele será resultado de actos políticos. Neste ponto de reflexão, qualquer homem sensato diria, de uma maneira politicamente correcta, que o futurodepende dos cidadãos. Eu penso ter que dizer que o nosso futuro depende da nossa capacidade de instaurar leis e espaços participativos que permitam que a maioria dos moçambicanos se tornem, de facto, cidadãos. Um amigo italiano, por sinal casado com uma moçambicana, dizia-me ter ficado escandalizado quanto constatou que a sua mulher considerava analfabeta a própria mãe, e este juízo estava ligado unicamente ao facto de que a senhora não falava português. Toda a gama de conhecimentos que ela tinha sobre os mais variados sujeitos era anulado diante do factor “língua portuguesa”. Este amigo italiano, que nunca aceitou considerar o changana um dialecto, dizia que, no fundo, os moçambicanos tinham de tal maneira interiorizado a luso-dependência que tudo o que não se fazia em português era ignorância. O problema poderia situar-se na natureza assimilacionista do colonialismo português –reabilitada pela lusofonia, pelos PALOPs, ou pela pretensa cidadania lusófona –e lá estaríamos em conjecturas de tipo histórico. Poderia situar-se na escolha do português como língua nacional feita pela primeira República –no quadro da luta CAPITULO I contra o tribalismo –e lá estaríamos num quadro de uma decisão de política cultural justificada. Mas no quadro democrático, se o substracto das nossas leis e as modalidades de participação dependem de uma cultura de Estado que vive em português, não só como língua, mas também e sobretudo como Direito, então excluímos pura e simplesmente a maioria dos moçambicanos da cidadania e, por consequência, falsificamos a democracia. Não são as pessoas que devem-se adaptar a organigramas jurídicos e constitucionais de origem exclusivamente exógena, nos seus fundamentos filósofico- históricos e nas suas modalidades de aplicação jurídico-administrativas. É o Direito que deve ser construído e alimentado a partir dos inconscientes colectivos das populações. As aporias filosóficas Como se vê, não estou a trazer respostas às questões que a ACAFIL me pôs, mas a levantar problemas. Com efeito, a filosofia não está à altura de oferecer soluções aos problemas relativamente aporéticos em volta dos quais se ufana. Um dos seus contributos é tentar elucidar, esclarecer a natureza de tais problemas e pôr em evidência a variedade de razoes que militam em favor de escolhas e alternativas. Isto pode também sugerir soluções, linhas e cursos de acção, escolhas e decisões. Mas a responsabilidade, creio, toca a cada um de nós. Se a filosofia terá sido capaz de dar uma plataforma melhor e mais rica para sustentar o princípio de cooperação e favorecer uma comunicação sincera ou um diálogo entre os seres humanos finitos e limitados –como nós somos -; os filósofos deveriam considerar-se satisfeitos num nível muito elevado. O desafio da filosofia política em Moçambique é relevar e fundamentar as razões que militam a favor de uma democracia mais participativa, de uma democracia que subordina a economia às escolhas políticas e societárias (a política no posto do comando), de numa democracia que baseia as suas instituições nos imaginários colectivos das populações, sem abdicar dos contributos das histórias políticas e institucionais dos outros países e povos (contrato cultural), ou numa atitude ético- política que levaria as forças políticas a resolverem entre moçambicanos (contrato político) ou ainda numa organização sócio-económica distributiva e solidária (contrato social). O facto de não poder contar para esta reflexão com uma tradição filosófica moçambicana estabelecida, aumenta as minhas dificuldades e constrange-me a limitar os meus propósitos a ideias e posições muito pessoais que de maneira nenhuma podem ter a pretensão de ser exaustivas. Pelo contrário, serão certamente fragmentárias e parciais. Todavia, fazendo isso, participando na construção de um arquivo da filosofia em Moçambique, apesar de não ser essa a minha intenção de partida, contribuo inelutavelmente para inscrever a filosofia no âmbito dos problemas que emprenham a política moçambicana e, mutatis mutandis, para inscrever os debates que alimentam a vida da nossa jovem democracia no âmbito da filosofia. Percebe-se, assim, que à questão que escolhi para este trabalho –papel da filosofia na democracia moçambicana –mesmo se tirada de um bloco de quatro questões da ACAFIL e, ainda por cima, reajustada como uma camisa por um alfaiate para que me possa servir, dei há quatro anos e dou ainda hoje respostas fragmentárias e parciais. Isto está ligado aos meus limites próprios, aos limites da disciplina que tento praticar e à dificuldade geral de dar respostas exaustivas a questões assim imbricadas como as da democracia. Mas o limite maior das minhas respostas está ligado à temporalidade da filosofia que não é profecia, não é futurologia, não tem a tempestividade e a prontidão de reacção de outros domínios de saber. A filosofia é lenta nas suas reflexões, o seu saber não é cumulativo e, como se isso não chegasse, as suas respostas são muitas vezes novas questões! Hegel comparava a filosofia à coruja de Minerva que chega sempre tarde! Contudo, apesar da sua lentidão e atraso, como diria Voltaire, ela contribui– ou pelo menos deveria contribuir –para levar os homens, mesmo se lentamente, em direcção à sabedoria! Não satisfeito com as respostas que dei há quatro anos a uma questão assim importante, pus-me a reflectir sobre o tipo de contribuição que a filosofia podia dar à democracia, que afinal de contas não é nada mais e nada menos que a contribuição que nós, filósofos moçambicanos, podemos dar ao debate político da nossa terra. Todavia, apesar do tempo, ou melhor, da duração do tempo da reflexão, não venho hoje, volvidos cinco anos (que é o tempo da duração de uma legislatura), com respostas, mas com novas questões e novas interrogações. Com efeito, os tempos de resposta da política não são os mesmos que os tempos de resposta da filosofia. A política e mesmo a economia têm de responder imediatamente aos problemas com as quais são confrontadas. Esta é uma das especificidades da política, mas também uma das suas dificuldades. A filosofia necessita de mais tempo. Com isso não quero dizer que ela seja uma arte mais fácil. Os candidatos (Chissano e Dlakama) não se podiam permitir um tempo de cinco anos de reflexão, nem os economistas, ou empresários se podem permitir um tal luxo. As respostas que eles têm que dar são hic et nunc, aqui e agora. É por isso que os objetivos dos filósofos e dos políticos divergem. O político pensa nos mecanismos para aceder ao poder, ele mesmo, o seu partido, a sua família política. O filósofo pensa nos mecanismos susceptíveis de permitir um melhor acesso de um número sempre maior de indivíduos à vida pública. A isto vão estar ligados os seus respectivos modos de acção e intervenção. A política utiliza a «propaganda», os slogans, as intervenções espectaculares; a filosofia é mais discreta, mais reservada. Mais substancialmente, a política ocupa-se do possível, a filosofia do desejável. Ora, nem tudo o que é possível é desejável. O contrário é também verdadeiro: nem tudo o que é desejável é possível. Todavia, entre os possíveis existem os que são mais desejáveis do que os outros. O diálogo entre a filosofia e a política deveria permitir uma influência reciproca: a filosofia deveria levar a política a não cair na facilidade da realização de um possível acessível mas simples, em detrimento de um possível desejável, mesmo se exige mais esforço e mesmo mais tempo; por sua vez, a política pode ensinar à filosofia a ser mais comprometida com a realidade, sem que isso signifique que ela abdique de uma dose de idealismo e de utopia, no sentido de verdade do amanhã (Victor Hugo). A Filosofia e a política são, por conseguinte, duas artes diferentes, que devem permanecer como tais, não para se contraporem, mas para se completarem. Todavia, as suas diferenças e especificidades respectivas permanecem fundamentais. O político
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