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O início da experiência republicana

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o INrCIO DA EXPERI~NCIA REPUBLICANA 
ARTHUR CEZAR FERREIRA REIS 
o estabelecimento do regime republicano no Brasil, em 1889, não cons­
titui decorrência natural de acontecimentos mais distantes no tempo, talvez 
a começar no período colonial, no movimento dos olindenses, da nobreza 
da terra pernambucana, contra os homens de negócio, os reinóis, do Recife, 
que os holandeses haviam criado à feição dos burgos de Flandres. A idéia 
republicana, de que José Domingues Codeceira nos deu ensaio do maior 
interesse histórico, como notícia daquelas manifestações de caráter ou ten­
dência republicana, registradas no Nordeste, e de que, mais recentemente, 
Reginaldo Carneiro Pessoa fez inventário minucioso através de documentos 
que comprovam a existência dela, mais clara e objetiva, a partir do 
pronunciamento de 1817, se na realidade pode e deve encontrar naqueles 
episódios uma primeira raiz ou fonte de energia, nem por isso pode servir 
a uma explicação dos acontecimentos de 15 de novembro'! 
Não vamos, nesta conferência, tentar o exame do fato histórico em 
seus antecedentes mais distantes. Em Porque ocorreu o 15 de novembro, 
na série de palestras do Conselho Técnico da Confederação Nacional do 
Comércio,2 procuramos apresentar o assunto, na tentativa de explicar o 
sucesso nas causas mais próximas e mais necessárias na compreensão da 
mudança, que a muitos pareceu repentina, do regime que nos criara na 
condição de exceção, no continente republicano, que era o mundo ame­
ricano de então, insistimos na tese de que a queda do Império devia-se à 
questão religiosa, à libertação dos escravos e à questão militar. As duas 
primeiras haviam cancelado o apoio, à monarquia, das forças representa­
tivas da Igreja e das áreas social e.rural do País, abalada com o 13 de maio. 
que se fizera com desconhecimento da significação econômica do braço 
escravo. A questão militar, acelerando, fora o pingo dágua que entornara 
o copo. 
1 Codeceira, José Domingues. A idéia republicana no Brasil. Recife, 1894; Pessoa, 
Reginaldo Carneiro. A idéia republicana no Brasil, através dos documentos. São Paulo, 
1973. Sobre a evolução da primeira República, é excelente a contribuição de Edgar 
Carone, na coleção Corpo e alma do Brasil, da Difusão Européia do Livro, de S. Paulo. 
2 Carta Mensal, Rio, n. 168, 1969. 
R. Ci. pol., Rio de Janeiro, 18(2) :32-39, abr./jun. 1975 
Oliveira Viana, em O ocaso do Império, Heitor Lira, em História da 
queda do Império, e Batista Pereira, nos comentários à obra do pensador 
fluminense, examinaram as causas várias, sendo que Heitor Lira restrin­
giu-se ao terceiro elemento, isto é, o descontentamento militar, enquanto 
Batista Pereira acrescentava a causa econômica violenta, que não era con­
seqüência da abolição, pois que vinha de antes do ato de D. Isabel. 
Os partidos, os dois realmente atuantes, o liberal e o conservador, 
que se revesavam no exercício do poder, face ao sistema de governo criado 
pela Constituição de 1924, sentiam na carne a ação do imperador e na 
verdade viam nele um certo entrave a seus apetites políticos. O imperador, 
de seu lado, como se verifica de suas confidências ao Barão de Hübner, 
filho de Metternich, não acreditava nos políticos, que lhe pareciam pri­
mários em suas ambições e propósitos. Já se pensava em uma escola para 
formar presidentes de província e servidores de maior significação na 
ordem administrativa!3 
Quando se implantou a República, a nação, se não a aspirava como 
um desejo sôfrego, não se decidiu pela defesa do Império, que perdera 
apoio e era agora solapado através da propaganda nos quartéis e na 
Escola Militar, nesta aos futuros oficiais, pela propaganda de Benjamin 
Constant e a novidade filosófico-política contida nas idéias de Auguste 
Comte. 
O Império, em 1889, cansara. Cumprira sua missão histórica, man­
tendo a unidade nacional, numa Sul-América marcada pela secessão ter­
ritorial do antigo ultramar de Espanha e pela existência da caudilhagem 
que tornara enfermas as nacionalidades que emergiam sob forma de repú­
blica do antigo mundo daquele país ibérico. O balanço, constante do livro 
coordenado por Santana Nery, Le Brésil en 1889, mostrava, em texto e 
algarismos, o processo de crescimento que a nação alcançara. Valia como 
autêntico balanço do País às vésperas da grande mudança. 
N a última fala do imperador ao Parlamento Nacional, dissera ele 
que o País vivia tranqüilo, a libertação dos escravos não provocara abalos, 
a imigração estrangeira processava-se intensamente, as rendas públicas 
continuavam a crescer, a rede ferroviária, sob incentivos oficiais, estava 
em crescimento, a ajuda à lavoura e à indústria operava-se com ótimos 
resultados e eram constantes. 
Três importantes medidas, pleiteava Sua Majestade: a reforma admi­
nistrativa, com a redivisão dos ministérios, para maior eficiência do go­
verno em suas variadas unidades; a desapropriação das terras ao longo 
das ferrovias para nelas criarem-se núcleos coloniais, o que pode levar à 
idéia de que já se pensava num início de reformulação do processo de 
uso da terra; e, por fim, a criação: de escolas técnicas, adaptadas às con­
veniências e condições locais; de duas universidades, uma no Norte e 
outra no Sul, e de faculdades de ciências e letras, vinculadas ao sistema 
3 Gonçalves, Roberto Mendes. Um diplomata austríaco na corte de S. Cristóvão. 
Rio, 1970. 
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universitário, mas "apropriadas às províncias", o que significa, organizadas 
de acordo com as peculiaridades provinciais. Concluindo, lembrava D. 
Pedro II que o Império, sendo "nação nova, de extenso território cheio 
de riquezas naturais", estava votado pela providência "aos mais esplên­
didos destinos". Nada, portanto, a acreditar-se na palavra oficial, parecia 
haver de perigo para as instituições vigentes. O Governo via os brasileiros 
como um povo caracterizado pelo "espírito de ordem". 
Ora, já a essa altura, nos manifestos dos pequenos grupos republi­
canos, faziam-se críticas ao regime, apontado como ineficiente e preci­
sando ser, ou extinto, ou reformulado em novas fórmulas constitucionais, 
entre as mudanças apontadas surgindo, mais uma vez, o federalismo, 
capaz de satisfazer anseios das províncias, autorizando participação mais 
efetiva do povo nos destinos regionais. A idéia federalista, no momento 
em que se debatera, em 1823, o projeto de Constituição para o Império 
recém-nascido, provocara debates na Assembléia Constituinte. E, no de­
correr dos debates, afirmara-se que o federalismo seria o caminho para 
a secessão, portanto um perigo a sua adoção. O regime unitário seria o 
regime ideal para preservar a unidade. A lição dos vizinhos, que se haviam 
fragmentado, pondo fim ao vasto império ultramarino de Espanha, devia 
ser lição a considerar, para que não ocorresse também a dissolução da 
coesão nacional, criando-se pequenas unidades soberanas ao invés de um 
Estado integrado pelas antigas capitanias, fiéis ao sentimento de união 
nacional. E, no entanto, a experiência federalista talvez se pudesse divisar, 
como sustenta Zelmiro Zimmermann, em sua tese sobre O Estado federal 
brasileiro, Porto Alegre, 1964, na própria formação portuguesa do Brasil, 
desde a fase das capitanias hereditárias. 
A campanha federalista, na fase pré-republicana decorria do que se 
afirmava existir como excesso de unitarismo, de centralização, de controle 
sobre as províncias. Imaginava-se um império federal ou já uma repú­
blica federativa, a exemplo do que havia na União Norte-Americana, que 
vencera as restrições dos primeiros dias após a independência, como ven­
cera a secessão da guerra que separara Norte e Sul. A exemplo, também, 
de outras repúblicas, as hispano-americanas que, adotando o federalismo, 
como a Argentina, caminhavam sob crises que não resultavam, é certo, 
do sistema, mas da precariedade cultural, aqui compreendido o cultural 
no sentido político que é uma de suas características, isto é, precariedade 
da estrutura étnico-econômica, que produziuos caudilhos, civis e militares, 
estes saídos dos quartéis para a tomada do poder e aqueles egressos muitas 
vezes das próprias universidades, onde deveriam ensinar justamente o 
contrário do procedimento errado em que se aventuravam. 
Os manifestos das agremiações republicanas que podem refletir o 
pensamento de um pequeno grupo de homens, que admitiam a crise do 
regime monárquico e buscavam soluções menos lentas, não eram em grande 
número. 
Não se procedeu, ainda, a um inventário minucioso do processo par­
lamentar que nos leve ao conhecimento das análises que então se fizeram, 
nas duas Casas do Congresso, de maneira a permitir o exame das reflexões 
34 R.C.P. 2/75 
que se fizeram. Da mesma maneira, o que se afirmava nas colunas dos 
jornais, incluídos os periódicos republicanos, que surgiam aqui e ali e, 
por fim, a literatura política que se escrevia sem muita riqueza numérica, 
é certo, mas nem por isso desprezível para formarmos uma consciência 
nítida da crise que aumentava, e do conteúdo ideológico das afirmativas 
e das conclusões a que se estava chegando. A coletânea de Reinaldo 
Carneiro Pessoa sobre A idéia republicana no Brasil através dos documen­
tos é, por isso mesmo, da maior importância como primeiro instrumento 
de trabalho com aquela finalidade, como não é menos importante para 
os fatos mais próximos do 15 de novembro, o que divulgou Anfrisio 
Fialho em História da fundação da República no Brasil.4 
Com raízes no passado, ou não, fruto das crises que aumentavam, o 
fato consumado era o 15 de novembro de 1889. Implantada a República, 
o Brasil entrava, porém, a conhecer um período difícil, qual aquele de 
mudar as instituições radicalmente, utilizando quase que os mesmos ho­
mens que vinham servindo ao regime abolido e por isso mesmo sem o 
ímpeto e o conhecimento necessários para executar, para realizar, o Brasil, 
sob nova experiência política. Os pequenos agrupamentos republicanos 
que existiam nas províncias, não se compunham num partido nacional. 
Eram todos provinciais. E não possuíam quadros numerosos onde buscar 
os novos condutores do País. Nesse particular, diferiam das duas organi­
zações partidárias que sustentavam a monarquia - a liberal e a conserva­
dora - que tinham caráter nacional e não apenas local e, como era 
natural, dispunham de quadros numericamente expressivos. 
A queda do trono, na maneira tranqüila por que ocorreu, compro­
vando a tese da perda da substância para sua sobrevivência, seu desinte­
resse em defender-se, levou ao poder, é inegável, um grupo de homens do 
melhor estilo ético e da melhor formação para as horas graves, naturais, 
que viriam. Depostos os presidentes de províncias, dissolvido o parlamento, 
afastados quantos podiam contrariar a "novidade" administrativa, expedida 
uma espécie de regulamentação constitucional que substituía a Constitui­
ção de 1824, logo abolida e esta contida no Manifesto dirigido à nação 
a 16 de novembro, deram-se, como se fazia preciso, os primeiros passos 
para pôr em execução o novo regime. A Assembléia Constituinte, no 
entanto, é que seda a grande prova, pelo que dela saísse. Repetir-se-ia o 
sucedido com a de 1823? 
Estão publicados em volume, coordenados por Dunshee de Abran­
ches, o velho, os Atas e actos do governo provisório, em que reuniu todo 
o imenso trabalho de tomada de contato com a realidade nacional e se 
assentaram as providências que era preciso adotar para que funcionasse 
o regime. É preciso não esquecer nunca que a nação, com exceções, é 
certo, ignorava, em sua exatidão, o que seria o novo regime. A história 
da experiência singular que atormentava as repúblicas vizinhas, estava, 
essa sim, na consciência popular, o que poderia desacreditar o regime 
4 Rio, 1891. Edição da Tipografia Universal de Loemert. S. Paulo, 1973. 
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novo que se implantava ou pelo menos torná-lo suspeito, olhado sob 
reservas e receios. O caso da solidez do regime nos Estados Unidos era 
mais do conhecimento dos homens públicos e pensadores políticos que 
propriamente da multidão que integrava a espécie brasileira. Ademais, o 
próprio primeiro presidente, homem austero, cheio de ardor cívico, cons­
ciente do papel que representava, sabia muito pouco do que fosse uma 
república em termos de postulados ideológicos. Sua simpatia pela monar­
quia, ou antes, pelo imperador, fizera-o hesitante na tomada de posição 
para encerrar os dias sensaborões do trono. 
O que se pode considerar, no entanto, de espantoso é que, nas 
reuniões do gabinete, os assuntos ventilados eram, a certos aspectos, os 
assuntos ainda hoje na linha de nossas preocupações - relações com os 
vizinhos, em particular os do Prata, face às velhas dificuldades que vinham 
do passado colonial e as intrigas que não cessavam, criações de territórios, 
dada a extensão e o pouco desenvolvimento de algumas províncias, fusão 
de estados, posição da Igreja nas relações com o poder nacional, política 
de transportes e comunicações, divórcio, contrabando, autonomia muni­
cipal, descentralização administrativa, bancos de emissão e liberdade ban­
cária, reforma da instrução pública, empréstimos externos, obras de sanea­
mento, em particular no Rio de Janeiro, liberdade de imprensa, questões 
político-partidárias nos estados, ascensão e queda de líderes regionais, polí­
tica financeira. Todo, portanto, o imenso conjunto de problemas ou temas 
que ainda em nossos dias preocupam e compõem o grande quadro de 
nossa problemática, interna e externa. 
As soluções só seriam, no entanto, melhor alcançadas depois que 
se tivesse elaborado o texto central que disciplinaria a vida institucional 
do País. Uma assembléia constituinte, por isso mesmo, foi convocada a 
21 de dezembro, determinando-se, em legislação expedida, o processo 
eleitoral a ser obedecido. E como passo preliminar, nomeada uma comissão 
de seis membros, que deveria preparar o "anteprojeto" da Constituição. 
Integraram a referida comissão: Joaquim Saldanha Marinho, presidente, 
Américo Brasiliense de Almeida Melo, Antonio Luiz dos Santos Werneck, 
Francisco Rangel Pestana, José Antonio Pereira de Magalhães Castro. 
N o decorrer desses trabalhos, a comissão examinou a contribuição, cons-
~ tante de anteprojetos, de autoria de Santos Werneck e Rangel Pestana, 
Américo Brasiliense, Magalhães Castro. Os dois primeiros apresentaram 
um texto comum. Os outros dois, cada um o seu. A 24 de maio de 1890, 
a comissão entregou ao governo provisório o texto que discutira e fora 
votado para chegar a uma redação final, escrito por Magalhães Castro. 
Que se continha nos três anteprojetos? Em publicação feita no Estado de 
São Paulo, de 24 de fevereiro de 1915, reeditada no primeiro volume de 
A Constituinte Republicana, de Agenor de Roure, está um resumo: "O 
projeto A. Brasiliense constituía as antigas províncias em estados, com 
seus atuais limites. Admitia a intervenção da União nos estados, em 
caso de perturbação interna, quando "requisitada pelas autoridades legal­
mente constituídas". O Poder Legislativo competia a duas câmaras: o Se­
nado, com quatro senadores por estado, eleitos por seis anos pelas legis-
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laturas estaduais; a Câmara dos Representantes, com mandato por quatro 
anos e eleita por sufrágio direto. O presidente da República, cujo período 
duraria quatro anos, seria escolhido por eleição indireta, com eleitores 
especiais. Os ministros compareceriam às câmaras. O judiciário teria à 
sua frente uma Corte Suprema de Justiça, composta de juízes eleitos pelas 
legislaturas estaduais, dando cada estado um juiz. 
O projeto Werneck-Pestana compunha a federação de estados, distrito 
federal, províncias e territórios. No caso de perturbação interna, a inter­
venção se daria a pedido do "governo do estado". Discriminando as rendas 
públicas, entregava o imposto de exportação aos estados e o de impor­
tação à União. Autorizava os estados a organizarem milícias, podendo a 
União mobilizá-las. Pelo artigo 47, abolia o recrutamento militar forçadoe estabelecia o sorteio, em falta de voluntários, o que veio a figurar na 
Constituição definitiva. Determinava o arbitramento obrigatório para as 
questões internacionais (art. IH). O legislativo compreendia uma Câmara 
dos Deputados eleita por três anos, e um Senado, com três senadores por 
estado, eleitos diretamente pelo eleitorado, durando o mandato nove anos. 
Quanto ao Executivo, o presidente, eleito por um eleitorado especial, 
exerceria o cargo durante sete anos, não podendo ser reeleito em tempo 
algum. O regime é nitidamente presidencial: os secretários ou ministros 
não compareceriam ao Congresso, entendendo-se com este por escrito. 
À cabeça do Judiciário, um Supremo Tribunal de Justiça, cujos membros 
seriam eleitos pelo Senado, sem nenhuma intervenção do presidente da 
República. 
O projeto Magalhães Castro dividia o território nacional em estados 
e territórios. Exerceriam o Poder Legislativo a Câmara dos Deputados, 
eleita por três anos, e o Senado, com senadores eleitos pelas legislaturas 
dos estados e por seis anos. O presidente e o vice-presidente da República, 
eleitos pelas municipalidades, receberiam o mandato por cinco anos, po­
dendo obter a reeleição passados dois períodos. Um Supremo Tribunal de 
Justiça, teria os seus juízes eleitos pelo Congresso e escolheria o procurador 
geral, que poderia denunciar o presidente da República. 
Ponderados e discutidos todos esses alvitres, a "comissão dos cinco", 
como ficou designada em nossa história constitucional, elaborou o projeto 
definitivo e entregou-o ao Governo provisório em 30 de maio de 1890. 
Nesse trabalho coletivo as antigas províncias passaram a ser consideradas 
estados; não se falava em territórios, porque o Dr. Magalhães Castro 
cedeu a empenhos do Governo provisório e abandonou sua primitiva opi­
nião. Na distribuição das rendas prevaleceu o projeto Werneck-Pestana; 
mas entendeu-se dever suprimir os impostos de exportação, a datar de 
1897. A Câmara dos Deputados teve a legislatura fixada em três anos; o 
Senado, eleito por sufrágio direto dos eleitores, prolongando-se o período 
por nove anos, como sugeriram Werneck e Pestana. O mandato do presi­
dente da República reduziu-se a cinco anos, de conformidade com a lem­
brança de Magalhães Castro; mas preferiu-se a eleição por eleitorado es­
pecial, a exemplo dos Estados Unidos e da Argentina. Os secretários de 
Estado não podiam comparecer às sessões do Congresso; só iriam às co-
Experiência republicana 37 
mlssoes prestar esclarecimentos. Enfim, no Judiciário, determinava-se que 
o Supremo Tribunal de Justiça se compusesse de 15 juízes, nomeados 
pelo Senado, sem interferência do Poder Executivo: é o judicioso processo 
da constituição suíça."5 
No seio do Governo provisório, o clima não era de paz. Deodoro 
decidira não mais assinar qualquer ato sem que antes o ministério acei­
tasse um que ele considerava do mais alto interesse para o País, mas de 
que os titulares das pastas discordavam. Ruy Barbosa venceu, porém, a 
resistência do chefe do Governo, ao mesmo tempo em que, em sua resi­
dência, examinava com seus companheiros do Governo o texto da comissão, 
emendando-o e dando-lhe, pessoalmente, a forma que tomou e a 22 de 
junho de 1890 foi assinado por Deodoro e todos os ministros de Estado.6 
Nesse mesmo 22 de junho de 1890, pelo Decreto nQ 510, referido 
anteprojeto foi mandado vigorar até que a Constituinte votasse o diploma 
definitivo, atribuição que lhe estava expressa, inclusive repetida no decreto 
a que nos referidos. Dizia-se ali que o propósito oficial, ao expedi-lo, era 
"acelerar a organização definitiva da República e entregar, no mais breve 
prazo possível, à nação, o governo de si mesma". 
A vida do País não corria calma. Nas antigas províncias os conflitos 
avolumavam-se. A falta de experiência dos novos governantes que nela 
se iniciavam seria uma explicação, a que juntar-se outras, com certo espí­
rito de revanche de sebastianistas, irritados com o novo regime, ambições 
de poder, inconformismo de oligarquias afastadas ou derrubadas, imatu­
ridade cultural. Outros conflitos, na própria capital da República, refle­
tindo indisciplina nos quartéis e incompreensão do que fosse uma repú­
blica, também ocorriam. A própria convocação da Constituinte, como 
sucedera em 1823, fora contestada na urgência adotada pelo Governo. 
Entendiam elementos exaltados que se fazia necessária uma duração maior 
do poder discricionário em vigor, para que a República pudesse realmente 
ser implantada. Manifestações de oficiais do Exército e da Marinha, tendo 
como oradores os tenentes Tasso Fragoso e Nélson de Almeida, a Demétrio 
Ribeiro, ex-ministro da Agricultura, a 14 de novembro de 1890, refletiam 
esse estado de espírito e esse desejo, a que Deodoro e seus companheiros 
não cederam. 
A 15 de novembro de 1890, justamente um ano decorrido da Pro­
clamação da República instalava-se a Assembléia. Integraram-na 205 depu­
tados. Minas Gerais, Bahia, São Paulo tinham a maior representação 
5 Lê-se no citado livro de A. de Roure que o artigo é assinado por P. p_ 
6 Tem ~ico !,osta em dúvida a particip?ção de Ruy Bart-o'a nessa ref0rrT"'~3C~0 ('O 
anteprojeto, reformulação que lhe teria dado quase que a condição de um texto novo. 
A propooito, cf. o magnífico ensaio de Américo Jacobina Lacombe. Ruy Barbnsa e a 
Primeira Constituição da República. Rio, 1949, e o prefácio de Pedro Calmon ao 
v. 17, t. I, das Obras completas de Ruy Barbosa. Rio, 1946. em que fica perfeifamente 
elucidada a matéria, verificando-se a extensão e profundidade da intervencão do con­
selheiro na nova redação do anteprojeto, nas linhas do pensamento jurídico político 
e na forma de linguagem em que ficou redigido. 
38 R.C.P. 2/75 
- 37 o primeiro e 22 os outros dois. Os menores eram: Amazonas, 
Espírito Santo, Mato Grosso, com dois cada um. 
De logo, a Constituinte decidiu assegurar legalidade ao Governo 
provisório, encerrando-se a fase discricionária. Depois de alguns debates, 
foi aprovada indicação do Deputado Ubaldino do Amaral, nestes termos: 
"O Congresso Nacional, à vista da mensagem em que o chefe do Governo 
provisório lhe entrega os destinos da nação, e considerando que é de 
urgente necessidade dar consagração legal ao Poder Executivo, resolve 
apelar para o governo atual, a fim de que, por seu patriotismo, se man­
tenha na direção dos negócios públicos, aguardando a Constituição que 
deve ser votada e a organização do governo definitivo." 
Constituída uma comissão de 21 constituintes para pronunciar-se em 
parecer, sobre o anteprojeto que o Executivo remetera, referido parecer 
foi submetido à Casa a 10 de dezembro. A Assembléia suspendera seus 
trabalhos desde 22 de novembro para que fosse possível o trabalho da 
comissão. Seguramente para evitar qu eocorressem episódios que poderiam, 
como em 1823, desviar a atenção dos parlamentares provocando um 
desvio das finalidades da Assembléia. A experiência do passado devia ser 
considerada. E durante pouco mais de três meses, discutiu o anteprojeto e o 
parecer, apressando a votação para que o País entrasse seguramente no 
processo constitucional que assegurava a legalidade do regime. 
Prudente de Morais, que conduzia os trabalhos na condição de presi­
dente da Constituinte, conduziu-se com serenidade, autoridade e objeti­
vidade. Votada a Constituição, promulgada a 24 de fevereiro de 1891, no 
dia seguinte, por 129 votos, Deodoro da Fonseca era eleito primeiro Pre­
sidente Constitucional da República. Seu competidor fora Prudente de 
Morais, que recebera 97 sufrágios. A federação era aceita como regime 
capaz de assegurar a presença soberana da União, cabendo aos estados, 
com a autonomia, o exercício de toda uma vasta ação em campo próprio 
e a mobilização de seus recursos humanos para a institucionalização da 
nova ordem. 
A República ia começar agora sua grande experiência. Na América 
espanhola, sua implantação fora recebida com certa euforia. Entendia-se 
que agora o Brasil entrava no caminho certo, acompanhandoa solução 
que ela adotara na hora da Independência e desse modo, extinta a forma 
monárquica, que lhe parecia um resto de Europa na América, incorpo­
rando-se efetivamente ao sistema do continente. Para ela, agora, o Brasil 
passava a ser, sem mais reservas, membro da família americana. 
Experiência republicana 39

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