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BIBLioteCA fUNOACAo QETÚL10 VARGAS o PODER JUDICIARIO 1. Introdução CANDIDO MOTTA FILHO 1. Introdução 2. Justiça brasileira 3. A garantia do Poder Judiciário 4. A competência do Supremo Tribunal Federal 5. A competência dos demais órgãos do Poder Judiciário. A colocação do Judiciário como um dos podêres do Estado de mocrático que tem sido problemática é, no entanto, o menos pro blemático dos podêres. A dignidade do Príncipe, nas organizações antigas ou nas monarquias por direito divino, provinha de seu poder de distribuir Justiça. Mais tarde, com o constitucionalismo e a teoria do "Estado de direito", foi visto como um poder legítimo e essencial. Em nossos dias, na República Federal Alemã e com menor dimensão na República Italiana, chegam a dar, como obser va Karl Loewenstein, em sua Teoria da Constituição, "a posição dominante de árbitro supremo na dinâmica do processo político". O que ficou consagrado na Constituição de Bonn, com o Tribunal Constitucional Federal, abrange a ordem política federal, o que não conseguiu alcançar a Constituição de Weimar no seu artigo 19. A Constituição Italiana de 1948 criou, pelo artigo 134, um Tri bunal Constitucional para decidir sôbre a constitucionalidade das leis e atos com fôrça de lei, do Estado e das regiões, e para decidir os conflitos que surgissem entre um e outro, ou mesmo entre as regiões, tendo contudo uma atuação discreta. A Constituição Francesa de 1958 criou o Conselho Constitu cional, com competência de preexame de um projeto de lei, antes de ser promulgado pelo Presidente da República. Ainda agora noticia-se a modificação da composição da Côrte Constitucional alemã, com o receio de qUfi se implantasse, R. Cio po!., Rio de Janeiro, 6(1): 3-16, jan./mar. 1972 na República dêsse País, uma judiciocracia, invocando-se o con flito que houve, nos Estados Unidos, com o Govêrno Roosevelt, e o que houve com a Côrte de Apelação da Africa do Sul. Entre nós, contudo, apesar de certos momentos difíceis por que passou o Supremo Tribunal Federal, nunca houve motivo para desânimo. Pelo contrário, a Justiça foi sempre a última es perança de nossa organização política. Estabelecido o Poder Judiciário, desde a primeira República, seguindo a Constituição Argentina e a Constituição Americana, êle foi visto, na dogmática da tripartição de podêres, como uma expressão da soberania nacional e, depois, como poder da União e dos Estados-membros da Federação. Se o direito é o pacificador dos antagonismos sociais, ninguém mais do que êle, expresso pelo juiz, tem uma função decisiva. A Constituição de 24 de janeiro de 1967, com as emendas de 17 de outubro de 1969, não se desviou da tradição republicana, estabelecendo que são Podêres da União, independentes e harmô nicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Assim, todo o arcabouço da organização política do país ba seia-se na tripartição de podêres, que expressa em sua diversida de a unidade constitucional da ordem democrática. 2. Justiça brasileira Quem acompanha e estuda a história da política brasileira pode basear-se na atuação de sua Justiça, mesmo quando ela não se inscrevia entre os podêres políticos, como aconteceu no Império com a Constituição de 25 de março de 1823. Durante o Império, não só as falhas da organização judiciária, mas da própria orga nização política, fizeram-se sentir no comportamento de seus juí zes, como nos mostra Clóvis Bevilacqua. Mesmo antes, na indi gência colonial do século XVIII, ou com as transformações pos teriores com a vinda para o Brasil da família imperial, isso ocorria. Em 1810, já Hipólito José da Costa escrevia no Correio Brasiliense que o aparato político-administrativo, transladado da Metrópole para cá, era um arranjo do Almanaque de Lisboa, roteiro da lusa administração! Daí as dificuldades da Justiça. Na Constituinte de 1823 havia numerosos juízes e magistrados de primeira instância, que foram rudemente criticados, embora estivessem presentes a ela Silva Lisboa, o Marquês de Olinda, o Marquês de Abrantes e o Visconde de São Leopoldo. Com a República, a influência do Judiciário tornou-se paten te, porque, mais prestigiada, foi mais compreendida em seu signi- 4 R.C.P. 1/72 ficado social, político e cultural. É que, em tôdas as questões ju diciárias nas quais, apenas as partes divergem em busca de seus direitos, há sempre uma repercussão do que foi decidido na pro cura da visão unitária da Justiça. Um filósofo neokantiano, da Escola de Margburgo, concebe a jurisprudência como ciência dos problemas. Muito embora não possamos vê-Ia como a ciência das soluções, podemos dizer que ela é a ciência da coerência jurídica, ou da repercussão jurídica. O sentimento de Justiça que, para Goldschmitt, em sua Ciência da justiça não é personalista, mas igual para todos, exige um es fôrço incomparável por parte do juiz que, muitas vêzes, êle pró prio, não avalia. Lembra Benjamin Cardoso, em seu livro A na tureza do processo judicial que todos os ingredientes que entram na caldeira dos tribunais, todos o fazem em proporções variáveis. Nem mesmo o valor "standard", como tipo médio de conduta es capa a essa variação! ... Acresce a isso que não há vigilância maior do que aquela que o homem do povo exerce sôbre seus juízes e tribunais, que vai da máxima confiança à máxima desconfiança. No início da República, na cidade de Capivari, no interior de São Paulo, o juiz de direito enlouqueceu e começou a despachar e decidir na pauta dos dispa rates. O então Governador do Estado, Bernardino de Campos chamou o chefe político da cidade para ouvir sua opinião sôbre o que se dizia. Mas êsse retrucou: "Não acredito que êle esteja lou co, 'seu' doutor. Afinal de contas se trata de um juiz de direito!" Por outro lado, há uma literatura quase feroz sôbre a institui ção da Justiça. O Conde Keisserling que esteve em nosso País, na década de 30, dizia, com o pêso de seu sucesso universal: "Acre dito na Justiça, salvo a distribuída pelos tribunais!" Curiosa é a opinião de :Harold Laski, cujos trabalhos foram lidos e relidos no Brasil. Muito embora achasse êle que o juiz não passa de um instrumento do Estado, escreveu páginas admiráveis sôbre o juiz Hohnes, quando êste completou 89 anos. Hohnes, para Laski, confirmou o princípio de que, para ser um grande juiz, é preciso ser antes um grande homem. Muito embora pense que é demasiado amplo o conceito de Laski, porque o bom juiz é aquêle que sabe sê-lo, reconheço que êle pode tornar-se mais do que um juiz, um homem de projeção, como aconteceu com Hohnes. tle não é apenas um servidor da Justiça, mas um orientador do pensamento jurídico ou da políti ca jurídica de um povo. E isso se verifica principalmente quando a Constituição de um país reconhece o Judiciário como "poder, entre os podêres". o Poder Judiciário 5 Quando Marshall advertia com freqüência, que "a Constituição não é uma porta senão um caminho", a sua advertência ecoava nas decisões de Holmes, como está expressa no caso Lochner v. Nova Iorque: - "A emenda 14.0 da Constituição não converte em lei a Estática Social de Herbert Spencer". Como poder, o Judiciário é uma sistematização orgânica, com uma vasta rêde de intercomunicações, êle se torna os pulmões da sociedade, respirando dentro da armadura do Estado. Que avanço extraordinário e audacioso foi êsse da Consti tuição de 1891 transformando, em nome da República Federativa e do sistema presidencial, o Judiciário em um dos podêres da so berania nacional! Rui Barbosa pensava, como pensavam muitos tratadistas nor te-americanos, que a presença da Justiça, entre os podêres da República, levaria a expulsar do recinto das lutas políticas a bru talidade da fera humana. E Rui Barbosa dizia, ao tomar posse no cargo de Presidente do Instituto dos Advogados, em 19 de novem bro de 1914: "A revolução jurídica, encerrada nessa mudança, era, entretanto, difícil de assimilar nosso temperamento aos nossoscostumes". E, após dizer que fomos educados no dogma da supremacia parlamentar, afirma: - "Substituí-la pelo regime presidencial, sem buscar, na criação de uma justiça, como a americana, posta de guarda à Constituição contra as usurpações do presidente e as invasões das maiorias legislativas, contra a onipotência dos go vernos ou congresso, igualmente irresponsáveis, era entregar o País ao domínio das facções e dos caudilhos". Fixava, a seguir, a atuação singular da política judiciária que, embora desarmada, desprovida de fôrça, de capacidade de no mear funcionários, é dela que "se temem e tremem os sacerdotes da imaculabilidade republicana". A Constituição de 24 de janeiro de 1967, nascida num dos mo mentos cruciais da vida republicana, deu ao Poder Judiciário, a sua continuidade. Mas não ficou aí. Proporcionou ao Supremo Tri bunal Federal podêres que antes não tinha, e deu feição nova à Justiça federal. Manteve as conquistas anteriores, destinadas a garantir os direitos fundamentais, isto é, que todos são iguais perante a lei, que a lei não prejudica o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, e que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. :E:sse compromisso constitucional não deve ficar, como Don Quixote, lembrado por Wilhelm Schapp, em sua Nova Ciência do 6 R.C.P. 1/72 direito, que constrói uma síntese de valôres, num mundo sem valôres. E isso porque o mundo não vive do imaginário. Dando, como título de sua obra A misteriosa ciência do direito, Daniel J. Boors só se volta para o mundo do real, estudando a atuação de Blackstone, para quem a ciência do direito é uma ciência desti nada à conservação da vida como convivência. E é, realmente, através do Judiciário, que êsse direito se faz carne e vive para salvar-nos... Porque, através dela, fica, sem dúvida, garantida a supremacia da Constituição. E essa suprema cia ficou objetivamente consagrada como ficou consagrada com as constituições rígidas e escritas que estabelecem o equilíbrio das fôrças políticas, através da distribuição de competências. Nos Estados federais surge o problema da dualidade da Jus tiça: a Justiça dos Estados-membros e a Justiça federal. Nos Esta dos Unidos, na Suíça, no México, na Colômbia, na Venezuela, na Argentina há, como no Brasil, a Justiça local e comum e a Justiça federal e especial. A dupla Justiça tem sofrido rudes ataques, dirigidos mormen te contra os países, cujo federalismo, diferente do federalismo ame ricano, é mais uma disposição de Estados autônomos do que com posição de Estados meio soberanos. Para João Mendes, em seu Direito Judiciário, no entanto, não é federal, nem estadual, é emi nentemente nacional. A teoria adotada pelas Constituições brasileiras, desde a de 1891, muito embora reconheça a existência de uma Justiça federal e outra dos Estados, não deixa de reconhecer que ambas difluem da organização nacional, de dispositivos da Constituição Federal, que estabeleceu as bases do Poder Judiciário, que tem por missão aplicar contenciosamente a lei aos casos particulares. Em conse qüência, o art. 112 da Constituição atual diz que o Poder Judiciá rio é exercido pelo Supremo Tribunal Federal, pelos Tribunais Federais de Recursos e juízes federais, tribunais e juízes militares; tribunais e juízes eleitorais, tribunais e juízes do trabalho, tribu nais e juízes estaduais. Por sua vez, os Estados-membros, conforme o art. 144, orga nizaram a sua justiça, dentro de certas regras básicas, inclusive as que se referem às garantias fundamentais dos juízes, destinadas a resguardar a independência de seus julgamentos, como a da vi taliciedade, não podendo o juiz perder o cargo senão por sentença judiciária; a inamovibilidade, exceto por motivos de interêsse pú blico; a irredutibilidade de vencimentos, sujeitos entretanto aos impostos gerais, de renda e extraordinários, inclusive o instituído em estado de guerra. o Poder Judiciário 7 3. A garantia do Poder Judiciário Essas três garantias valem para todos os juízes incumbidos de de clarar o direito, porque é da essência da missão judiciária. As garantias não são só essas. Pelo art. 133, § 1.°, a aposenta rloria compulsória só se dá aos 70 anos. Entre a velhice provável e a possibilidade do espírito jovem, ficou a Constituição com a possibilidade da velhice. Nos Estados Unidos a norma, enquanto bem-servir aplicou-se à Suprema Côrte. Alguns juízes continua ram como presidentes, com mais de 70 anos, como aconteceu com Marshall, com Taney, White e Fuller. Mas, o Congresso America no proporcionou a aposentadoria voluntária aos que chegassem aos 70 anos. Charles Hughes, no seu estudo sôbre a Suprema Côrte, refe re-se aos 85 anos admiráveis de Holmes e conta como se apresentou uma objeção ao critério constitucional. O Juiz Grier, que se mos trava, com o avanço da idade, demasiadamente esgotado, foi visi tado por uma comissão de juízes para sugerir-lhe deixar a atividade judicante, o que se repetiu, mais tarde, com o Juiz Field, quando um dos juízes recordou o fato anterior, do qual êle fizera parte e sugeriu-lhe retirar-se da atividade. E Field, depois de ouvi-lo pa cientemente, disse: "Sim. Foi o trabalho mais sujo de minha vida!" A forma brasileira da aposentadoria compulsória pode impe dir que grandes juízes continuem servindo à Justiça. Mas, não há dúvida que é a melhor, porque a lei não deve nem pode guiar-se pela excessão para transformá-la em regra. Pelo § 2.° do art. 113, o tribunal competente poderá, porém, determinar, por motivo de interêsse público, em escrutínio secreto e pelo voto de dois terços de seus juízes efetivos, a remoção e dis ponibilidade do juiz de categoria inferior. O art. 115, por sua vez, apresenta vedações, que são formas também de garantir a independência do juiz: êste, sob pena de perda do cargo judiciário, não poderá exercer, ainda que, em dis ponibilidade, qualquer outra função pública, salvo um cargo de magistério; receber, a qualquer título e, sob qualquer pretexto, percentagens nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento, e exercer política partidária. O artigo 115 conferiu aos tribunais podêres que antes não eram previstos e que repercutem no aperfeiçoamento do poder de julgar. Assim, os tribunais têm competência para eleger seus pre sidentes e demais titulares de sua direção; elaborar o regimento interno e organizar os serviços auxiliares, prevendo-lhes os cargos na forma da lei; propor ao Poder Legislativo a criação ou a ex- 8 R.C.P. 1/72 tinção de cargo e a fixação do respectivo vencimento; conceder licença e férias, nos têrmos da lei, aos seus membros e aos juizes e serventuários que lhes forem imediatamente subordinados. O Supremo Tribunal Federal está de posse de competência constitucional para manejar, com maior flexibilidade e com maior alcance, o processo e julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recurso. O direito regimental passa, como lembra Seabra Fagundes, de supletivo da legislação processual, para direito principal e exclu sivo. Mas, a Constituição não ficou só nesse quadro. Enfrenta, pelo artigo 116, o problema essencial da missão constitucional dos tri bunais, dispondo que "somente pela maioria pode declarar a in constitucionalidade da lei ou ato do poder público". A coerência legal, que deve coincidir com a coerência jurídica, só pode ser mantida se aos tribunais forem atribuídos os encargos de guarda da Constituição e das leis. É nêles que se refletem os múltiplos aspectos políticos da experiência jurídica. Em princípio todos somos guardas da Constituição e das leis. É dever do cidadão respeitá-las, assim como as autoridades e os podêres da República. Conseqüentemente, a presunção é a de que as leis e os atos do poder público são constitucionais. Mas é nos tribunais que reside a vigilância e a segurança da constitucionalidade, como se fêz sentir na famosadecisão de Marshall, preocupação anterior a 1887 quando se chegou a propor um Council of Revision das leis inconstitucionais. Porque, como bem observa Carlo Espirito, em seu livro La valità delle leggi, no fundo, o que se tem em vista é a legitimidade da lei. É o que está explícito no artigo 16 da Declaração de direitos da França, em 1791: "Toute société dans laquelle la garantie des droits n'est pas assurée ni la séparation de pouvoir determineé, n'a point de Constitution". Assim, para que um tribunal interprete ou cumpra a lei, é preciso que, para êle, seja a lei constitucional. "A lei contrária à Constituição, o regulamento contrário à lei, o ato administrativo contrário a leis e regulamentos, não são válidos. Em 1893, quando, entre nós, a República inexperiente deba tia-se, em crises sucessivas, Rui Barbosa enfrentou, entre nós, pela primeira vez, o tema dos atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo. o Poder Judiciário 9 Depois de mostrar que a nossa Constituição, isto é, a de 91, não só distribuiu competências e limitou podêres, como também fêz com que tanto o Legislativo e o Executivo fôssem parte dela. E cita Marshall: "Ou a Constituição é uma lei superior, soberana, irreformável pelos meios comuns; ou se nivela com os atos da legislação usual e, como êstes, é reformável ao sabor da legisla tura. Se a primeira proposição é verdadeira, então o ato legislativo contrário à Constituição não será lei". E cita o famoso aresto sôbre o caso Marbury v. Madison, no qual Marshall afirma: "Estando a lei em antagonismo com a Cons tituição ou de acôrdo com a Constituição, rejeitando a lei, inevi tável será escolher dentre os dois preceitos opostos o que domi nará o assunto." Essa competência para anular as leis constitucionais, é, para Bryce,l "antes um dever do que um poder". Pensamos contudo que na linguagem constitucional, tendo-se em conta essa citação de Bryce, feita no trabalho de Rui. todo po der é um dever. Rui, a seguir, entra nesse ponto essencial da Constituição de 91, escrevendo: "Não esqueçamos que a Constituição brasileira afirma claramente êsse direito. Mas, quando não o fizesse, êle não seria menos inelutável. Nem a Constituição local nem a dos Es tados Unidos contêm artigo que prescreva, à autoridade judiciá ria, não aplicar as leis inconstitucionais. Nenhum texto explícito e formal a investe nessa prorrogativa tão importante; o juiz a possui implicitamente como parte integrante de suas atribuições". Mas, a Constituição de 67 fixou, entre as competências do Supremo, pelo art. 119, I letra n: "processar e julgar originària mente a representação do Procurador-Geral da República por in constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual". O Supremo Tribunal Federal, com essa nova competência, aprecia a constitucionalidade, mediante representação do Pro curador-Geral da República. Com êsse dever atribuído ao Pro curador-Geral, não haverá mais o perigo da anarquia constitucio nal prevista por numerosos juristas, tanto mais que o Presidente da República e os governadores de Estado-membro não poderão de deixar de cumprir a lei sob o fundamento de inconstituciona lidade. O artigo 117 da Constituição cuida do processamento dos pa gamentos devidos pela Fazenda federal e estadual ou municipal e, como medida de precaução, contra o descrédito do poder público. 1 Bryce. American C01nmonwealth, 1: 336. 10 R.C.P. 1/72 Estabelece, no § 1.0 da inclusão obrigatória, no orçamento, das en tidades de direito público, da verba necessária ao pagamento dos seus débitos constantes de precatórias, apresentadas até 1.° de julho. E minuciando diz, no § 2.°, que as dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, caben do ao Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exequenda, determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito e autorizar, a requerimento do credor preterido no seu direito de precedência, ouvido o chefe do Ministério Público, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito. O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da União e jurisdição em todo o território nacional é, conforme o art. 118 e seu parágrafo único, composto de 11 ministros, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Se nado Federal, dentre os cidadãos maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Convém assinalar que a exigência de notável saber jurídico e reputação ilibada: é diversa da fórmula da Constituição de 91, que falava, em seu artigo 56, apenas em notável reputação, o que deu motivo à nomeação de cidadãos sem nenhuma capacidade ju rídica para exercer sua função. O saber jurídico e reputação ilibada assinalam, na harmonia dos três podêres, uma exigência excepcional. O juiz é um homem formado em direito e que possui cultura jurídica. Sua reputação deve ser ilibada, o que não é exigido para os outros dois podêres, o Legislativo e o Executivo. No entanto, o Senado tem a grave in cumbência de julgar, conforme o artigo 42, I, o PRESIDENTE DA REPÚBLICA, nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexa com êle. Pelo artigo 119, julga, originàriamente, o Presidente, o Vice Presidente, os Deputados e Senadores, os Ministros de Estado e o Procurador-Geral da República. A Constituição de 1967 segue, em suas linhas gerais, o roteiro anterior: cuidar da competência do Supremo Tribunal Federal e colocar limites à sua jurisdição, em razão de pessoa e em razão de matéria. E como Tribunal Supremo, a cúpula do Poder Judi ciário é destinada a definir a ordem jurídica no equilíbrio nacional de todos os podêres. Aproveitou-se de mais de meio século de ex periência republicana, mas se apresentou num mundo conturbado onde tôdas as velhas definições assumiram um caráter ambíguo, em que, sem dúvida, o político e o revolucionário vêm predomi nando sôbre o jurídico. o Poder Judiciário 11 4. A competência do Supremo Tribunal Federal Cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, orIgmarIa e privativamente, os litígios entre os Estados ou organismos inter nacionais e a União, os Estados, o Distrito Federal, ou os Territó rios; os conflitos de jurisdição entre Tribunais Federais, de cate gorias diversas e entre os Tribunais dos Estados e o do Distrito Federal; os conflitos entre as autoridades administrativas e judi ciárias de um Estado e as de outro, ou do Distrito Federal e dos Territórios; ou entre as autoridades dêstes e as da União; a extra dição e a homologação das sentenças estrangeiras, o habeas-corpus e os mandados de segurança, a declaração de suspensão de direi tos, as revisões criminais e as ações recisórias de seus julgados. Mas, o que assume nova feição é o julgamento do recurso extraor dinário, que é o recurso que, em princípio, se justifica para manter a autoridade da Constituição e das leis federais. A semelhança do writ of error que os Estados Unidos consagram, o recurso extra ordinário tem sido pretexto para transformar o Supremo Tribunal Federal em terceira instância. A Constituição de agora estabeleceu, em seu artigo 119, lII, que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante re curso extraordinário, as causas decididas em única e última ins tância por outros tribunais, quando a decisão contrariar: a) dis positivo da Constituição ou de lei federal; ou b) julgar a validade de lei ou ato do Govêrno local contestado em frente à Constituição e de lei federal; ou c) quando se der à lei federal interpretação divergente daquela dada por outro tribunal ou pelo próprio Su premo Tribunal Federal. Mantendo os demais casos da Constituição de 1946, a atual consagra o recurso constitucional, em certo ponto de maneira ino vadora, pois o recurso cabe "da decisão que negar vigência de tratado ou lei federal". A Constituição de 91 no seu art. 59 referia-se à questionabili dade da validade de uma leifederal ou de um tratado da União. Já o Decreto n.o 848, de 11 de outubro de 1890, proporcionava o recurso extraordinário quando a Justiça local decidia contra a va lidade de lei federal ou a sua aplicabilidade. Depois da Constitui ção, dispuseram no mesmo sentido a Lei n.o 221, de 29 de novem bro de 1894, em seu artigo 59, § 1.0 da Constituição e do artigo 9.0, § 2.° letra c, do citado Decreto n.o 848, na forma estabelecida nos artigos 90 e 102 de seu regimento. Por muito tempo a divergência, em tôrno da questão federal, é que alimentava o recurso extraor dinário. 12 R.C.P. 1/72 A lição de Pedro Lessa chega oportuna, diante do que ocorre com a Constituição de 67: "Da aproximação dêsses textos legais surgiu a seguinte questão, que tem sido vivamente debatida: que é que justifica a interposição do recurso extraordinário e o faz merecedor de provimento? É a decisão contrária à aplicabilidade da lei federal? A que declara inaplicável essa lei? Ou a que não se aplica? Qualquer que seja o modo pelo qual se deixe aplicar a lei tem cabimento o recurso?" Depois de citar a opinião de João Barbalho e analisar gramà ticamente o têrmo aplicável, conclui que cabe, conseqüentemente, "o recurso extraordinário, quando a Justiça local não aplica a uma espécie judicial a lei federal aplicável". "Tendo êsse recurso", diz Pedro Lessa, "por função, manter a autoridade das leis federais e, entre nós, conseqüentemente, a unidade do direito substantivo em todo o território nacional, fôra absolutamente incompreensível e intolerável facultá-lo nos casos em que a Justiça local declara inaplicável uma lei federal, ou dei xar de aplicá-la sem justificar o seu procedimento, e negá-lo nos casos em que os Tribunais dos Estados não aplicam a lei federal, porque, interpretando-a com evidente paralogismos e sofismas, de fato, a nulificam ... " Mas a Constituição de 67 fala em "negar vigência" de tratado ou lei federal. A palavra vigência, que já aparecia ao par da palavra valida de na Constituição de 34 e, antes na Constituição de 1926, deu também margem a diversas interpretações. Essas se acumularam nos tratadistas estrangeiros e nacionais e alcançaram até pensado res como Ortega y Gasset, como lembra o jurista José Hierro S. Pescados, em seu livro El derecho in Ortega. Para Ortega, a palavra vigência procede da terminologia ju rídica. "A lei vigente", diz Ortega, "é aquela que, quando o indi víduo a necessita, ela se dispara automàticamente como um apa rato mecânico do poder". (p. 53). O Supremo Tribunal Federal esclareceu êsse significado, nes se plano, quando sustentou a equivalência entre negar validade de lei ou não aplicá-la ao caso por ela expressamente regulado. A vigência, como lembra Ortega, vem, automàticamente, em socorro de um dispositivo que não foi aplicado como devia ser. O funcionamento do Supremo Tribunal Federal é previsto no artigo 120. tsse artigo diz o que o regimento interno deve esta belecer, qual a competência de plenário, a composição das turmas, o processo e julgamento, a competência de seu Presidente para conceder exequatur às cartas rogatórias. o Poder Judiciário 13 5. A competência dos demais órgãos do Poder Judiciário Composto de ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, conforme o art. 121, depois da aprovação da escolha pelo Senado, o Tribunal Federal de Recursos compõe-se de oito entre magistrados e cinco entre advogados e membros do Ministé rio Público. Em seu § 1.° diz que a lei complementar poderá criar Tribunais de Recursos. um no Estado de Pernambuco e um no de São Paulo. Essa promessa constitucional vem encontrando resistência, di ante da possibilidade do esvaziamento do Tribunal Federal de Re cursos sediado em Brasília. Pode ser que, com o desenvolvimento econômico e social do País, êsse tresdobramento mostre-se necessário, dada a compe tência do Tribunal, privativa quanto ao julgamento de mandado de segurança, estendendo-se ao julgamento de revisões criminais e ações recisórias de seus julgados; dos juízes federais, do Tra balho, do Tribunal de Contas dos Estados e os do Distrito Federal, nos crimes comuns e de responsabilidade; dos mandados de se gurança contra ato do Ministro de Estado, do Presidente do pró prio Tribunal ou de suas Câmaras ou turmas, do responsável pela direção-geral da política federal ou de juiz federal; os habeas-cor pus, quando a autoridade coatora fôr Ministro de Estado ou o res ponsável pela direção-geral da política federal ou juiz federal e os conflitos de jurisdição entre juízes federais subordinados ao mesmo tribunal ou entre suas Câmaras ou turmas; entre juízes federais subordinados a tribunais diferentes; entre juízes de Estados di versos; entre juízes de Estados e do Distrito Federal e dos Ter ritórios e os de outro; e, em grau de recurso, às causas decididas pelos juízes federais, podendo a lei estabelecer competência ori ginária do Tribunal de Recursos para a anulação de atos adminis trativos de natureza tributária. É novidade a inclusão da seção IV, sôbre juízes federais, tendo os autores da Constituição levado em conta uma experiência que foi proporcionada por longos anos e depois suprimida. Conforme o artigo 123, os juízes serão nomeados pelo Presi dente da República, dentre os juízes federais substitutos, alter nadamente por antiguidade e por escolha, em lista tríplice or ganizada pelo Tribunal Federal de Recursos, com jurisdição na circunscrição judiciária onde houver ocorrido a vaga. Consagrando o provimento do cargo de juiz substituto, mediante concurso de provas e de títulos, a Constituição, pelo artigo 24, estabelece em cada Estado e no Distrito Federal, uma seção judiciária, que terá por sede a respectiva Capital ou conforme fôr estabelecido em lei. 14 R.C.P. 1172 A competência dos juízes federais está contida no artigo 125, abrangendo desde as causas em que a União, entidade autárquica ou emprêsa pública federal forem interessadas nas condições de autoras, assistentes ou opoentes; as causas entre Estados estran geiros ou organismos internacionais e municípios ou pessoas do miciliadas ou residentes no Brasil; as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo inter nacional; os crimes políticos e os praticados em detrimento de bens, serviços ou interêsses da União ou de suas entidades autár quicas ou emprêsas públicas; os crimes previstos em tratados e convenções internacionais e os cometidos a bordo de navios e aeronaves; os crimes contra a organização do trabalho ou decor rente do direito de greve; os habeas-corpus em matéria criminal e os mandados de segurança contra ato de autoridade federal; as questões de direito marítimo e de navegação aérea e os crimes de ingresso ou permanência irregular do estrangeiro, as cartas roga tórias e as causas referentes à nacionalidade e à naturalização. A seção V cuida dos tribunais e juízes militares. A Consti tuição de 1946, em seu artigo 106, determinava, em seu parágrafo único, que a lei disporá sôbre o número e a forma da escolha dos juízes militares e togados do Superior Tribunal Militar. A Consti tuição de 67 porém fixa, no artigo 128, o número de Ministros, 15 vitalícios, sendo três entre oficiais-generais da ativa da Marinha, quatro entre oficiais-generais da ativa do Exército, três oficiais-ge nerais da ativa da Aeronáutica e cinco entre civis. A seção VI é voltada para os tribunais e juízes eleitorais, no mesmo estilo da Constituição de 46, modificando porém o número de juízes, pelo artigo 131; três juízes entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dois entre os membros do Tribunal de Recursos da Capital da União e seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal. Por sua vez, modificou o critério adotado pela Constituição de 46, em seu artigo 112, quando à composição dos tribunais re gionais. Compostos de três juízes escolhidospelo Tribunal de Jus tiça e dois dentre os juízes de direito e dois dentre seis cidadãos de notável saber e idoneidade moral, agora os tribunais, pelo art. 133 da Constituição, são compostos de dois juízes dentre os desem bargadores do Tribunal de Justiça, dois entre os juízes de direito, de juiz federal e por seis cidadãos de notável saber e idoneidade moral. A Constituição assegurou, dêsse modo, a supremacia inequívo ca do Supremo Tribunal na composição do Tribunal Superior Eleitoral e o melhor equilíbrio entre os tribunais regionais. o Poder Judiciário 15 A seção VII cuida dos órgãos da Justiça do Trabalho. A Cons tituição anterior estabelecia que o Tribunal do Trabalho tem sede na Capital Federal, conforme o § 1.0 do artigo 122, ao passo que a Constituição atual não se refere à sede e estabelece, no art. 141, § 1.0, que o Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de 17 juízes com a denominação de Ministros, 11 togados e vitalícios, sete entre magistrados da Justiça do Trabalho; dois entre advoga dos de efetivo exercício na profissão e dois membros do Ministério Público da Justiça do Trabalho, exigência que não constava na Constituição anterior. Exige ainda, nessa composição, seis clas sistas em representação paritária dos empregadores e dos traba lhadores. Quanto à Justiça dos Estados, a atual Constituição estabeleceu em seu art. 124, alguns princípios, inovadores, tais como, pelo § 3.°, a competência privativa do Tribunal de Justiça de processar e julgar os membros do Tribunal de Alçada e os juízes de inferior instância, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Federal e a do § 4.° que diz que os venci mentos dos juízes vitalícios serão fixados com diferença não exce dente a 20% de uma para outra entrância, atribuindo-se aos de entrância mais elevada não menos de dois terços dos vencimentos dos desembargadores e não podendo nenhum membro da Justiça estadual perceber, mensalmente, importância total superior ao li mite máximo estabelecido em lei federal. Essa medida destinada a estabelecer a unidade de critério sô bre vencimentos enfrenta um dos problemas mais delicados da magistratura. Se é verdade que, no Estado de São Paulo, a ma gistratura tem tido até agora os mais altos vencimentos da Repú blica, o que se explica num Estado rico onde existem as seduções de outras atividades fartamente remuneradas, constitui um fator para fomentar o desinterêsse pelo difícil e ingrato papel de juiz. E se o problema toma êsse aspecto num Estado de grandes possibilidades econômicas, reveste-se de gravidade maior em Es tados onde a independência do juiz fica à mercê de mesquinhos vencimentos. De qualquer forma, a atual Constituição não recusou refor çar o prestígio da Justiça, mantendo, nas diversas áreas, os remé dios de direito constitucional destinados a definir o Estado como uma organização de podêres em harmonia com a organização das liberdades. 16 R.C.P. 1/72
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