Buscar

Parlamentarismo, presidencialismo e interesse público

Prévia do material em texto

PARLAMENTARISMO, PRESIDENCIALISMO E 
INTERESSE PÚBLICO 
CORNÉLIO OCTÁVIO PINHEIRO PIMENTA* 
1. Interesse público: conceituação; 2. Operacionaliza­
ção do interesse público; 3. Parlamentarismo ou pre­
sidencialismo?; 4. Conclusões. 
1. Interesse público: conceituação 
O presente artigo pretende examinar as inter-relações existentes entre o inte­
resse público e os dois sistemas democráticos de governo, o parlamentarismo e 
o presidencialismo. Para a consecução desse objetivo, torna-se necessário clari­
ficar o conceito de interesse público como ponto de partida já que, a respeito 
do tema, existem diversas interpretações. Não é sem sentido que Frank J. Sorauf 
intitulou o seu artigo sobre interesse público de A confusão conceituaP e afirma 
que não existe nenhum consenso erudito sobre o que seja interesse público e 
que nem parece estar à vista algum acordo a respeito. O resultado, prossegue 
o autor, seria um caos semântico.2 Profundamente cético a respeito do tema, 
Sorauf vê o interesse público apenas como um poderoso mito político e conclui 
que nenhuma sociedade, no final das contas, lucra com mitos que ignoram legí­
timas diferenças de interesses e que apenas promovem e estimulam o cinismo 
político. Encerrando o seu vigoroso ataque ao conceito político de interesse pú­
blico, Sorauf chega ao extremo de considerá-lo uma expressão ambígua que nunca 
deveria ser emitida. 
O exagero é evidente. Como o próprio autor esclarece, há exemplos de seu 
uso eficiente "como um símbolo unificador e um mito social" e mesmo aqueles 
que o rejeitam teoricamente não podem perder de vista sua constante presença, 
predominância e influência no sistema político.3 
AfinaL indaga Glendon Schubert, existe uma teoria do interesse público?4 
Respondendo à sua própria pergunta, o autor, partindo da premissa de que 
"uma teoria do interesse público na tomada de decisão governamental deve des­
crever uma relação entre conceitos do interesse público e o comportamento ofi­
ciaI em termos tais que pudesse ser possível tentar validar hipóteses empíricas 
concernentes à relação", conclui que "não há uma teoria de interesse público 
digna do nome" e o seu conceito "não tem sentido funcional".5 
• Advo!!ado e mestre em administração pública. 
In: Friedrich. CarI J .. org. O interesse público. O Cru:eiro. 1966. p. 185·92. 
Id. ibid. p. 188. 
1 Id. ibid. p. 192. 
4 Schubert, Glendon. The public interest; a critique of the theory of a politicaI concept. 
IIIinois. The Free Press. 1960. chapter 5. p. 198-224. 
5 Id. ibid. p. 220, 223 e 224. 
R. C. paI., Rio de Janeiro. 28(1):32-38. jan./abr. 1985 
Embora, como se mostrou, não haja, ainda, uma teoria do interesse público 
que possa servir de guia das decisões e comportamento políticos, a abordagem 
dos teóricos cognominados "realistas" pode servir de subsídio a uma tomada de 
posição perante determinados temas politicamente relevantes, como a opção, no 
Brasil de hoje, entre o sistema parlamentarista e o presidencialista de governo. 
Essa corrente de pensamento não crê em um interesse público assim como 
não crê em governos de união nacional. A existência de grupos de interesses 
conflitantes no seio da sociedade e a conveniência de se preservarem os valores 
democráticos conduziriam a ação dos dirigentes políticos "realistas" para a busca 
da acomodação desses interesses. Eles não garantem nem mesmo pretendem que 
todas as suas decisões atendam a um utópico e impreciso interesse público, mas 
se norteiam sempre pela manutenção do equilíbrio social, o que, em um balanço 
final, acarretaria a ocorrência de mudanças sociais gradativas e pacíficas.G 
Verifica-se que os "realistas" desenvolvem um tipo de ação política partindo 
de uma premissa básica dada como valor não-discutível - a preservação da 
democracia pluralista - e chegam a um resultado - evolução social gradual -
sem que se possa, pela ainda inexistente teoria de interesse público, cientifica. 
mente afirmar-se que sua ação e suas conseqüências atendam, realmente, ao re­
ferido interesse público. 
Mas, como já dissemos, essa corrente de pensamento nos ajuda a buscar uma 
saída para o impasse trazido pela ausência de uma teoria aceitável de interesse 
público. 
A existência de grupos de interesses conflitantes nos impede de afirmar, a 
priori, que a premissa básica dos "realistas" e a preservação da democracia plu 
ralista seja indiscutivelmente de interesse público. Sempre existirão grupos de 
interesses que discordam dos alicerces da democracia representativa e da coo. 
seqüente pluralidade de partidos políticos. Para tais grupos, os interesses em 
conflitos não devem ser institucionalizados via pluralismo democrático. Even· 
tuais conflitos seriam puramente internos e a existência de um único partido polí. 
tico imporia decisões e atenderia às aspirações da maioria dos que a ele se fi­
liassem. 
Revela-se, assim, :=im~-=o-=-s=-:sí:..:.v...::e-=-l.,.:d::i::.s.:.so.:.c:.::i-=a::,.r-..:se.:....;irn:..:ti-:eI=-;·e:.:=s.::.se:=-:--,~u;::.'b""l=i=co=--d=a_ questão dos va-
-~ 
lores e estes variam de grupo para. gr~o_~_l!l_teresses. 
- ~uestãó-Iem -que seL~n~arada através do conceito da maioria. Se não existe 
um inter~~_~ __ pú~içº que possa expre~tod~ as _ aspl~~-ê~'yaIQ~ uma 
comunidade, acima das forças e interesses grupaTs~ soresta um caminh~_cnnsr--­
derar que o-Interesse da maioria equivale ao interesse-pábliCo.--cóm:ó ã maioria 
possui interesses dinâmicos, o próprio conceit~ de interesse público estaria su­
jeito a mudanças, dentro de uma sociedade particular e em consonância com 
dado momento histórico. 
Como diz Friedmann, "o interes~ . público precisa constantemente de ser re­
definido e reavaliado num reajustamento sem-tiro que se processa através de 
muitos canais: discussão pública nas universidades, na imprensa e em outros 
meios de comunicação pública, que conduzem, no devido tempo, a mudanças 
legislativas" .7 
s Id. ibid. p. 201 e 202. 
7 Friedmann, W. O conteúdo instável do interesse público: alguns comentários sobre o 
artigo de Harold D. Lasswell. In: Friedrich, Carl J., org. O interesse público. cit. cap. 5. 
p. 89-95. 
Parlamentarismo 33 
o respeito à vontade da maioria asseguraria, em uma sociedade pluralista, que 
os diversos grupos de interesses, embora professando diferentes sistemas de va­
lores, pudessem conviver pacificamente. É certo que os processos democráticos 
de governo não garantem automaticamente que os interesses da maioria da po­
pulação sejam sempre respeitados,8 mas também é certo que eles, ao contrário 
dos regimes ditatoriais, oferecem oportunidade aos diversos grupos de interesses 
de influenciarem nas decisões governamentais em todos os seus ramos e níveis. 
Examinada a complexa e ainda controvertida questão relativa à conceituação 
do interesse público, passaremos, no item seguinte, a analisar como se poderia 
operacionalizar o conceito a fim de que possa ser útil à tarefa que nos propuse­
mos, ou seja, a de correlacionar o interesse público com os sistemas parlamenta­
rista e presidencialista de governo. 
2. Operacionalização do interesse público 
Apesar da descrença de muitos dos que se dedicam a escrever sobre o tema 
de que exista um interesse público, parece-nos indispensável, ao se examinar 
qualquer tema político relevante, que se busque deixar de lado interesses pró­
prios e se procure, com honestidade de propósitos, analisar a questão, respon­
dendo-se à seguinte indagação: a proposição que defendo atende aos interesses 
da maioria da coletividade brasileira? 
Visto dessa forma - equivalente aos interesses da maioria - o conceito de 
interesse público se torna operacionalizável e soluções podem ser adotadas e con­
sideradas como em legítima consonância com o conceito. 
É nessa linha de pensamento que o articulista manifestará sua preferência por 
um dos dois sistemas de governo em foco, como se verá adiante. Condicionado 
desde cedo - por educação e formação espiritual - a sempre colocar os inte­
resses gerais acima dos interesses particulares,numa visão humanística, não lhe 
será penoso, embora possa ser difícil em face da complexidade do tema, exami­
nar o assunto sob a ótica do interesse da maioria. 
Não escapa, porém, à sua percepção que, mesmo admitindo-se venham as 
conclusões a que chegar a respeito dos dois sistemas de governo a realmente ex­
pressarem os interesses da maioria da sociedade brasileira (o que talvez somente 
uma ampla consulta à população, precedida de intensos e prolongados debates 
através dos meios de comunicação e destinados a formar juízos não-superficiais 
ou apressados, pudesse comprovar), elas serão apenas, no final de contas, a 
opinião de um simples articulista. 
No mundo real da política, os interesses da maioria, que costuma mudar de 
opinião conforme os acontecimentos, somente podem ser captados ou pela con­
sulta direta, constantemente renovada - o que por questões financeiras seria 
extremamente oneroso - ou através do Congresso Nacional eleito diretamente 
por todas as classes sociais exatamente para representar os seus interesses. 
B ~ preciso levar em consideração, nessa questão do interesse público, que no Brasil, como 
de resto nos demais países subdesenvolvidos, existem grupos sociais minoritários em termos 
quantitativos, mas que, sob determinadas condições e especialmente em épocas de crise 
social, se mostram capazes de se tomarem majoritários em termos de poder, impondo à 
maioria da sociedade seus próprios interesses. 
34 R.C.P. 1/85 
Com as ressalvas e limitações já expostas, passaremos, a seguir, a examinar 
se o que mais convém aos interesses da maioria da sociedade brasileira seria a 
permanência do presidencialismo ou sua substituição pelo parlamentarismo. 
3. Parlamentarismo ou presidencialismo? 
Em recente artigo,U; já tive oportunidade de dizer que o principal argumento 
a favor do parlamentarismo consiste no fato de ele assegurar, através das que­
das de gabinetes, a estabilidade das instituições democráticas. Vejo, agora, na 
coluna do jornalista Carlos Castello Brancolo que o Ministro Leitão de Abreu 
declarou a um grupo de parlamentares "que não se conseguirá a estabilidade 
institucional do país sem que se adote o sistema parlamentar de governo". O 
parlamentarismo seria "o sistema apto a absorver crises e a definir soluções que 
superem impasses e transtornos na vida institucional das nações". 
No mesmo diapasão, o Prof. Monso Arinos já em 1962 dizia: "O parlamento 
está em condição de, num momento da gravidade e da delicadeza como este que 
estamos vivendo, utilizar a faculdade de ser o poder supremo deste regime, para 
dar uma solução parlamentarista à crise política com que nos defrontamos."11 
Por sua vez, Huntington12 afirma que a única alternativa, a longo prazo, para 
a estabilidade das instituições democráticas, nos países em desenvolvimento, es­
taria na organização partidária forte. "O partido é a única fonte real de legiti­
midade e de autoridade" e, assim, deve ter "supremacia sobre as instituições do 
Estado". 
O autor vai mais longe: acredita que, nos países em desenvolvimento, os par­
tidos políticos somente serão realmente fortes se o sistema se tomar bipartidário, 
por falta de base social para a adoção do sistema multipartidário. Este conduzi­
ria à formação de diversos partidos que apenas refletiriam "cliques de elites 
restritas". No bipartidarismo cada um dos dois partidos teria que obter o apoio 
de muitas forças sociais e, assim, não seriam simples instrumento de nenhuma 
delas. 
Parece-nos que não restam dúvidas de que o parlamentarismo é superior ao 
presidencialismo no que tange à estabilidade institucional. 
Melhor contribui, também, ao fortalecimento dos partidos políticos pela su­
premacia que dá ao poder legislativo em relação ao poder executivo. 
Por que, então, o fascínio que o presidencialismo parece ter no Brasil? 
Ocorre que, tendo o país ainda sérios e graves problemas a resolver - como 
a elevada inflação monetária, as imensas dívidas interna e externa, a recessão 
econômica, as profundas disparidades regionais e a má distribuição da renda 
- a população, de um modo geral, tende a acreditar que somente através da 
ação autoritária de um presidente da República carismático e com o poder con­
centrado em suas mãos seria possível superar tais problemas a curto prazo. 
O excessivo fortalecimento do poder executivo provoca, porém, uma tentativa 
de se impor uma rápida mudança social, o que acarreta graves crises. A resis-
• Pimenta, Comélio Octávio Pinheiro. Parlamentarismo e administração pública. Revista 
de Ciência Política, Fundação Getulio Vargas, 27(1):70-5, jan./abr. 1984. 
10 In: Jornal do Brasil, 30 ago. 1984, 1.0 caderno, p. 2. 
U Melo Franco, Afonso Arinos de. O intelectual e a política. Brasília, Dom Quixote, 
1983. p. 390. 
12 Huntington, Samuel P. A ordem política nas sociedades em mudança. Forense, 1975. 
Parlamentarismo 35 
tência dos setores beneficiários do status quo, aliados aos militar~s movidos pela 
ideologia da tutela e transformados em guardiães das classes sociais que se sen­
tem ameaçadas, acaba por desestabilizar o regime democrático, substituindo-o 
por uma ditadura burocrático-militar. 
Daí o dilema: o presidencialismo, em tese, seria mais eficiente na superaçãD 
do subdesenvolvimento, mas na realidade não seria eficaz por não cons~guir 
alcançá-la. O parlamentarismo, sendo pluralista em sua estrutura e com o poder 
bem menos concentrado, seria mais lento, menos eficiente (em tese) na moder­
nização do país, mas certamente a alcançaria por conter, em si, mecanismos de 
absorção de crises institucionais. Somente um poder legislativo forte composto 
de partidos políticos autênticos tem condições de gerar mudanças moderniza­
doras e de absorvê-las. Evidentemente estamos nos referindo ao contexto brasi­
leiro, onde as tentativas modernizadoras através do poder executivo forte têm 
servido apenas para gerar crises institucionais e intervenções militares. 
Para atingir esses elevados objetivos - a modernidade com estabilidade ins­
titucional - torna-se imprescindível que o parlamentarismo se alicerce, na es­
fera administrativa, em uma burocracia pública altamente competente e indepen­
dente que assegure continuidade e eficiência à ação governamental a despeito 
das rotineiras quedas de gabinete, conforme já tivemos ocasião de nos manifes­
tar em recente artigo.13 
E, na esfera política, a simples adoção do sistema parlamentarista não asse­
gura, por si, a modernidade das instituições nem mesmo a sua estabilidade. 
Será necessário elevar o nível de participação política, absorvendo-se, no sis­
tema, as novas forças sociais oriundas do desenvolvimento econômico. 
Como bem esclarece Huntington, "a estabilidade futura de uma sociedade com 
um baixo nível de participação política depende assim em grande parte da natu­
reza das instituições políticas com que a mesma enfrenta a modernização e a 
expansão da participação política. Os meios institucionais principais de orga­
nizar a expansão da participação política são os partidos políticos e o sistema 
partidário". H 
Um frágil sistema partidário composto mais de facções personalistas do que 
de verdadeiros partidos políticos dificultaria, em muito, a pretendida estabilidade 
política apesar da adoção do parlamentarismo. "A suscetibilidade de um sistema 
político à intervenção militar varia na razão inversa da força dos seus partidos 
políticos. "l5 
Como, porém, criar partidos políticos fortes? 
Não é uma tarefa fácil para um país ainda politicamente tão imaturo. Não 
será, porém, através da ação concentrada em líderes fortes e carismáticos. Os 
partidos fracos dependem, para sua sobrevivência, de seus líderes e só se trans­
formam em partidos fortes através de uma paciente ação de organização de baixo 
para cima à busca do crescente apoio e filiação de diversos grupos sociais. Ocor­
re que essa ação contraria interesses estabelecidos dentro dos partidos fracos 
(na verdade facções pré-partidárias, típicas dos países politicamente subdesenvol­vidos), cujos líderes exercem melhor o seu domínio em um círculo fechado de 
13 Pimenta. Cornélio Octávio Pinheiro. op. clt. 
14 Huntington, Samuel P. op. cit. cap. 7. p. 405. 
15 Id. ibid. p. 415. 
36 R.C.P. 1/85 
associados a eles ligados por laços pessoais. l
• A ruptura, o take-olf do desenvol­
vimento partidário, só ocorrerá quando esses interesses menores tiverem que ser 
abandonados pela necessidade de expansão do partido como condição sine qua 
non de sua sobrevivência. 
A expansão dos partidos, porém, só virá após superada a atual tática utilizada 
no cenário legislativo brasileiro de se tentar derrotar os adversários políticos 
através de ações pragmáticas que admitem, inclusive, alianças com antigos adver­
sários de nenhum sentido ideológico. 
Essa superação possivelmente ocorreria mais facilmente com a adoção do 
parlamentarismo. 
O presidencialismo permite, pela maior dependência do Legislativo ao Exe­
cutivo, a manutenção do sistema fechado das facções políticas. O parlamenta­
rismo, ao inverso, tende a valorizar o sentido ideológico dos partidos traduzido 
em programas políticos de gabinetes, o que leva à purificação dos mesmos. 
A divisão, no Congresso, entre liberais progressistas e conservadores se toma 
nítida e os partidos tenderão a refleti-la. Polarizadas, as atuais facções políticas 
terão que romper o círculo fechado de filiados à busca do apoio dos segmentos 
sociais ainda à margem do processo político. Ampliar-se-ia, assim, a participação 
política da sociedade com a expansão do número de adeptos e filiados aos par­
tidos políticos existentes. 
Essa expansão, porém, será maior ou menor dependendo do que vier a dispor 
a lei ~rgânica a respeito das condições mínimas necessárias à fundação e regis­
tro de partidos políticos. Acreditamos, com Huntington, que um grande número 
de partidos políticos dificultaria, em países ainda politicamente subdesenvolvi­
dos como o Brasil, a expansão dos mesmos.17 Não haveria, com a existência de 
vários partidos, a possibilidade de se provocar no Congresso uma polarização 
entre conservadores e progressistas liberais a não ser através das coligações par­
tidárias. Ora, tal expediente conduz à manutenção das atuais facções políticas, 
dificultando ou mesmo impedindo o surgimento de fortes e autênticos partidos 
políticos. A ruptura do faccionalismo na vida política brasileira depende da 
prévia polarização ideológica no interior dos dois grandes partidos, o que os 
levaria, como já foi dito, à conquista de novas forças sociais até então fora do 
cenário político. 
Poderiam surgir alguns pequenos partidos, mas a existência de dois partidos 
fortes, um de ideologia centro-progressista, asseguraria a estabilidade política. 
Como cada um desses grandes partidos obteria o seu apoio político de muitas 
forças sociais, nenhum deles seria instrumento de nenhuma delas. Já inúmeros 
partidos fracos, por terem apoio estreito, facilitam golpes de Estado. 
Não é sem razão que 85% dos países em modernização, com sistema multi­
partidário, de 1945 até 1966, sofreram golpes militares contra apenas 44% dos 
países também em desenvolvimento mas com sistema bipartidário.18 
lb A respeito, é elucidativo o comentário do Deputado federal José Colagrossi, publicado 
no Jornal do Brasil (17 se!. 1984, 1.0 caderno, p. 2). Diz ele, textualmente: "O dono dos 
diretórios do PDT se chama Leonel Brizola. Ninguém o enfrenta e quem tentar está 
liquidado, pois o partido foi feito à imagem de seu líder maior." 
17 Huntington, Samuel P. op. cit. p. 435. 
18 Id. ibid. p. 429. 
Parlamentarismo 37 
4. Conclusões 
Em face de todo o exposto nos itens anteriores, achamo-nos em condições de 
concluir, à luz do interesse público aqui conceituado como equivalente aos in­
teresses da maioria da coletividade brasileira, que o parlamentarismo se consti­
tui no instrumento mais adequado à modernidade e estabilidade institucional e 
à preservação dos valores democráticos. Nem o presidencialismo e muito menos 
os regimes ditatoriais, vistos à luz da história republicana brasileira, consegui­
ram obter uma estabilidade duradoura. O país acha-se, assim, em condições de 
tentar a via parlamentarista. Cremos, porém, que sua adoção exige a simultânea 
implantação de uma reforma administrativa e de uma reforma partidária nos 
termos já expostos no item 3. 
Para tal objetivo, seria conveniente que os congressistas, quando da apresenta­
ção de uma emenda constitucional ou quando da elaboração de uma nova cons­
tituição (se dotados de poderes constituintes) e no pressuposto de que se enca­
minhem para a solução parlamentarista, simultaneamente promovam alterações 
na lei orgânica dos partidos políticos e na lei que dispõe sobre a estrutura, atri­
buições e funcionamento da administração pública federal, a fim de adequá-las 
ao advento do parlamentarismo. 
Que não se veja, porém, na mudança do sistema de governo a superação de 
todos os nossos problemas políticos, sociais e econômicos. Acreditamos que o 
parlamentarismo seja um instrumento superador de crises agudas, mas a crise 
crônica do subdesenvolvimento exigirá um persistente e paciente trabalho por 
parte de todos que detenham parcelas de responsabilidade na sociedade bra­
sileira. Mesmo porque "não se pode tampouco situar o mal unicamente ou prin­
cipalmente nas 'estruturas' econômicas, sociais ou políticas, como se todos os 
outros males derivassem destas estruturas como de sua causa: neste caso a 
criação de um 'homem novo' dependeria da instauração de estruturas econômi­
cas e sócio-políticas diferentes. Há, certamente, estruturas iníquas e geradoras 
de iniqüidades e é preciso ter a coragem de mudá-las. Fruto da ação do homem, 
as estruturas boas ou más são conseqüências antes de serem causas. A raiz do 
mal se encontra nas pessoas livres e responsáveis que devem ser convertidas pela 
graça de Jesus Cristo, para viverem e agirem como criaturas novas, no amor 
ao próximo, na busca eficaz da justiça, do autodomínio e do exercício das vir­
tudes. JJl9 
19 Ratizinger, Joseph. Instrução sobre alguns aspectos da teologia da libertação. Cidade 
do Vaticano, Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. In: Jornal do Brasil, 4 set. 1984, 
1.° caderno, p. 12. 
38 R.C.P. 1/85

Continue navegando