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Usucapião

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Prévia do material em texto

1. Introdução 
USUCAPIÃO· 
ALMIR PoRTO DA ROCHA FILHO" 
1. Introdução; 2. Conceito; 3. Histórico; 4. A usucapião 
no Código Civil brasileiro; 5. Prescrição extintiva e aqui­
sitiva; 6. Prescrição das ações reais; 7. Causas suspen­
sivas e interruptivas da usucapião; 8. Capacidade para 
usucapir; 9. Dos efeitos e da renúncia à usucapião; 10. 
Caracteres da posse ad usucapionem; 11. Coisa hábil; 
12. Lapso de tempo; H. Justo título e boa fé; 14. Usu­
capião de bens móveis; 15 . Usucapião ordinária; 16. 
Usucapião extraordinária; 17. Usucapião do Estatuto do 
lndic; 18. Usucapião rústica ou pro labore; 19. Usu­
capião especial; 20. Ação de usucapião; 21. Jurisprudên­
cia de nossos tribunais; 22. Jurisprudência do STF. 
Dentre os diversos temas a serem escolhidos, inclinei-me pelo da usucaplao, 
principalmente pelo seu amplo aspecto social. Em um país de dimensões conti­
nentais como o nosso, é importante haver uma justa distribuição de terras, espe­
cialmente àqueles que nada possuem. Nossa legislação tem feito o possível para 
que isto ocorrra, sendo o exemplo mais claro a Lei n.O 6.969/81, que trata da 
usucapião especial, lei esta que possui profundo intuito social, buscando favorecer 
os trabalhadores da terra, mormente aqueles que não possuem bens imóveis de 
espécie alguma. 
Nosso direito contempla cinco formas de usucapião: a extraordinária, a ordi­
nária, a pro labore do Estatuto da Terra, a inominada do Estatuto do lndio e a 
especial. 
Cabe esclarecer que entendo, como a maior parte da doutrina atualmente, que 
a usucapião rústica ou pro labore não foi revogada pela Lei n.O 6.969/81 (usu­
capião especial); todavia, saliento que não é objeto pacífico e somente dentro 
de alguns anos a jurisprudência estará completamente firmada sobre o assunto. 
2. Conceito 
1! a aquisição do domínio pela posse prolongada, na forma da lei. Clóvis 
Bevilacqua usa a palavra usocapião em lugar de usucapião, procedente do latim 
usu + capare, adquirir uso, pela posse. 
• O presente trabalho, apresentado ao Curso de Direito Imobiliário, promovido pelo Centro 
de Atividades Didáticas do INDIPO, mereceu nota máxima e está sendo publicado por 
decisão do Conselho Editorial da Revista de Ciência Política . 
•• Advogado. 
R. C. pol., Rio de Janeiro, 28(1):47-88, jan.!abr. 1985 
1-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Lafayette (1956, p. 169, § 61), vendo na usucapião uma prescrição aquisitiva, 
incontestavelmente um modo particular de adquirir o domínio, define-a: "Modo 
de adquirir a propriedade pela posse continuada durante um certo lapso de 
tempo, com os requisitos estabelecidos na lei." 
Modestino" definiu-a de modo semelhante: "Aquisição do domínio pela posse 
prolongada pelo tempo estatuído em lei" ("usucapio est autem dominii adiectio 
per continuationem possessionis temporis lege definiti"). Em terno desta defini­
çãe tem girado a maioria das propostas até agera. Deve-se, todavia, acrescentar 
que o instituto não é apenas um modo de aquisição da propriedade, mas igual­
mente de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado, assim a enfi­
teuse, o usufruto, o uso, a habitação e as servidões. 
Rubens Limongi França (1971, p. 114) assim se expressa: "Usucapião é um 
modo originário de adquirir a propriedade, fundada principalmente na posse 
continuada do objeto de acordo com os requisitos previstos na lei." 
É uma forma de prescrição aquisitiva, que se contrapõe à prescrição reso­
lutiva, esta referindo·se à perda das ações que correspondem aos direitos. Fala-se 
também em prescrição positiva, levando à aquisição de direitos, diferente da 
prescrição negativa ou liberatória, pela qual, por intermédio da perda de ações, 
se perdem também os correspondentes direitos. Seu objetivo é acabar com a 
incerteza da propriedade, assim como assegurar a paz social pelo reconhecimento 
da propriedade com relação àquela pessoa que de longa data é o seu possuidor, 
nos casos juridicamente possíveis. 
3. Histórico 
A prescrição aquisitiva parece ongmana da Grécia; Platão a menciona em 
sua república, de onde teria vindo para Roma. Entretanto, o instituto tem raízes 
mais recuadas, pois que no Livro dos Juízes (cap. 11, verso 26) se encontra 
que Jefte a alegara em favor dos hebreus contra os amonitas, por haverem 
aqueles habitado o país de Hesebon e suas cidades, por mais de 200 anos sem 
qualquer oposição. 
Entre os romanos, por sua vez, remonta ela a épocas antiqüíssimas. A usucapio, 
outrora usus auctoritas, era, em linhas gerais, um modo de adquirir pela posse 
a título de proprietário e de boa fé, prolongada sem interrupção pelo tempo 
legal, não só a propriedade, mas as servidões, a enfiteuse e a superfície, além de, 
na época clássica, o direito de hereditariedade e a manus. 
No sistema das XII Tábuas, datando do ano 300 a.C., como o código de uma 
civilização não-amadurecida, numa evolução que culminaria com o admirável 
Corpus Juris Civilis, cumpria-se a usucapião, com justo título e boa fé, em 
dois anos quanto aos imóveis e em um ano quanto aos móveis e outros direitos. 
Mas não se aplicava aos fundos provinciais, nem a podiam invocar os estran­
geiros, visto que não gozavam dos direitos fundamentais no Jus Civile, e a 
usucapio era um modo civil de adquirir; assim, os romanos conservavam sempre 
as suas propriedades frente aos peregrinos, podendo reivindicá-las a qualquer 
tempo, donde o célebre adágio "adversus hostem aeterna autoritas esto". 
1 Liv. 5, Pandectarum, frag. 3, D. 41,3. 
48 R.C.P. 1/85 
Os fundos provincIaIs escapavam à usucapião, posto que proibida a sua 
aquisição por particulares. 
Reza a VI Tábua, intitulada Da propriedade e da posse, que possui nove 
incisos, cabendo salientar: 
"III. Que a propriedade de solo se adquire pela posse de dois anos; e das 
outras coisas pela de um ano. 
IV. Que a usucapião da mulher fique interrompida se ela dormir durante três 
noites fora do domicílio conjugal." 
O instituto foi aprimorado sucessivamente pela Lex Atinia, proibindo a usu­
capião das coisas apropriadas por ladrões e receptadores, assim como pelas 
Lex Julia e Lex Plautia, que a vedavam a coisas obtidas por atos de violência. 
Posteriormente, porém, com vista aos peregrinos e aos ditos fundos provinciais, 
formou-se uma instituição paralela, a prescrição de longo tempo - longi tem­
poris praescriptio - que em seguida se estendeu aos fundos itálicos e às coisas 
móveis, e que, como o nome indica, não constituía em sua origem senão uma 
prescrição extintiva da ação reivindicatória: o possuidor de longo tempo e seus 
sucessores, universais ou singulares, podiam opô-Ia à reivindicação que contra 
eles se movesse. Todavia, não adquiriam a propriedade, que continuava em 
mãos do antigo senhor, razão pela qual, provavelmente, não se lhes exigia nem 
justo título nem boa fé: bastava que sua posse se tivesse prolongado por 10 ou 
20 anos, conforme residisse ou não o dominus na mesma província. 
Em 528, Justiniano dispôs que aquele que houvesse adquirido a exceção de 
prescrição da ação contra o proprietário, em àecorrência de uma posse de 30 
ou 40 anos (conforme o caso), teria a faculdade de reivindicar a coisa cuja 
posse viesse a perder posteriormente, mas desde que lhe socorresse a boa fé, 
com o que, então, se lhe assegurou a aquisição do domínio. Em 531 fundiu 
a usucapião das XII Tábuas e a prescrição de longo tempo em um só insti­
tuto: a usucapio, extensiva aos estrangeiros e aos fundos provinciais, e para 
a qual fixou o prazo de 10 e 20 anos para os imóveis, entre presentes ou ausen­
tes, e de três anos para os móveis, sempre com justo título e boa fé. Além do 
que, valendo-se da longissimi temporis praescriptio, criada um século antes por 
Teodósio lI, configurou uma nova espécie de usucapião, que os modernos cha­
maram de extraordinária, por oposição à anterior dita ordinária, e pela qual o 
possuidor sem justo título, mas ainda de boa fé tornava-se proprietário ao cabo 
de 30 anos deposse continuada; apenas faltando-lhe a boa fé, a longissimi 
temporis praescriptio funcionava tão-somente como prescrição extintiva da reivin­
dicação. 
Por outro lado, para os bens do fisco, os imóveis das igrejas, vilas e estabe­
lecimentos pios, assim como para as coisas litigiosas, alargou-se para 40 anos 
o prazo de prescrição extraordinária. 
A prescrição imemorial, que dispensava não s6 o justo título, mas a boa fé, 
não foi propriamente uma criação do direito romano, muito embora alguns texto~ 
a ela expressamente se referissem, como ensina Pugliese (s.d., n. 14 e 363) 
que ela cobria apenas três situações: as estradas vicinais, o escoamento natural 
de águas pluviais e a servidão predial de aqueduto. Mais uma presunção de 
direito legitimamente constituído do que um modo de aquisição admitido subsi­
diariamente naqueles casos em que circunstâncias particulares tornavam inviável 
a prescrição aquisitiva, ordinária ou extraordinária, foi assim a praescriptio 
immemorialis uma lenta elaboração da doutrina e dos costumes posteriores à 
fonte romana, que a estenderam a um sem-número de regalias, privilégios e isen-
Usucapião 49 
ções, de natureza tipicamente pessoal; e estava, a bem dizer, ultimada a evolução 
do instituto, quanto à sua função, requisitos, efeitos e sistema probatório, quando 
o Código de Napoleão, o primeiro diploma moderno em ordem cronológica, foi 
também o primeiro a tratar de prescrevê-la, vale dizer, como a aplicação mais 
importante da prescrição imemorial no campo do direito privado era a relativa 
às servidões, exatamente a respeito destas regrou o art. 691: "Les servitudes con­
tinues non apparentes et les servitudes discontinues apparentes ou non appa­
rentes ne peuvent s'établir que par titres. La possession même immémoriale ne 
suffit pas pour les établir; sans cependant qu'on puisse attaquer aujourd'hui 
les servitudes de cette nature déjà acquises par la possession dans les pays, oú 
elles pouvaient s'acquérir de cette maniere." 
4. A usucapião no Código Civil brasileiro 
o Código Civil de 1916 trata da usucapião em diversos artigos, especial­
mente nos de n.OS 550 a 553, 618 e 619. Discute-se na doutrina se a usucapião 
é um modo originário ou derivado de aquisição da propriedade. A opinião mais 
correta é a de admitir que se trata de um modo originário, visto que a relação 
jurídica da usucapião consagra um direito novo, sem relacionamento com o 
primitivo proprietário ou possuidor. A prescrição aquisitiva no caso é declarada 
por sentença do poder judiciário. 
Opinião diversa tem Caio Mário da Silva Pereira (1978, p. 110), assim ex­
pressando-se: "Considera-se originária a aquisição, quando o indivíduo, num dado 
momento, tomar-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio de 
outrem. Assim entendendo, não se pode atribuir à usucapião esta qualificação, 
porque é modalidade aquisitiva que pressupõe a perda do domínio por outrem, 
em benefício do usucapiente. Levando, pois, em conta a circunstância de ser 
a aquisição por usucapião relacionada com outra pessoa que já era proprietária 
da mesma coisa, e que perde a titularidade da relação jurídica dominial em 
proveito do adquirente, conclui-se ser ela uma forma de aquisição derivada. Mas 
não se pode deixar de salientar que lhe falta, sem a menor dúvida, a circunstân­
cia da transmissão voluntária, ordinariamente presente na aquisição derivada." 
Com respeito à espécie e extensão da usucapião, há duas classificações bási­
cas. Conforme a primeira, divide-se em usucapião de móveis, e de imóveis e ser­
vidões prediais. Bens imóveis são aqueles insuscetíveis de remoção sem que se 
lhes mude a natureza (Código Civil, art. 43), afora os imóveis para efeitos 
legais a que se refere o art. 44 do Código Civil. Os bens móveis são os suscetíveis 
de movimento próprio ou de remoção por força alheia (Código Civil, art. 47). 
Ainda o art. 941 do Código de Processo Civil fala da servidão predial, ao seu 
possuidor cabendo também a ação de usucapião. 
Consoante uma segunda classificação, a usucapião divide-se em extraordinária, 
ordinária e especial, das quais se falará especificamente no decorrer do trabalho. 
Para J. M. Othon Sidou,2 "das diversas classificações, constantes ou não das 
fontes para os modos de adquirir a propriedade no antigo direito, com peque­
nas variantes sobre o direito moderno, o mais racional é separar os modos de 
aquisição em originários e derivados. Esta dicotomia não comporta, todavia, as 
1 In: Enciclopédia Saraiva de direito. 1981. p. 177. 
50 R.C.P. 1/85 
aqUlslçoes causa mortis por não serem modo ongmano nem derivado, porém 
leva proveito sobre os outros esquemas - modos do ius civile e modo do 
ius gentium, e modos voluntários e necessários - proveito que se traduz, no 
primeiro, por ultrapassado já no direito pré-justiniano; e no segundo, por des­
contemplar a occupatio que os antigos romanos erigiram no arquétipo do prin­
cípio aquisitivo. Com efeito, não. pode haver o exercício primitivo de um direito, 
e a ocupação o é, nem voluntária nem necessariamente, termos ambos condicio­
nados ou não ao consentimento de um alienante. Ocupação e alienação são 
figuras que se repelem." 
Para Antônio Macedo de Campos (1983, p. 75), existem cinco espécies de 
usucapião contempladas, em nossa lei: a extraordinária, a ordinária, a pro labore 
do Estatuto da Terra, a inominada do Estatuto do lndio e a especial. Funda­
mentalmente não divergem entre si estas cinco formas, exigindo-se sempre, para 
sua concessão, coisa hábil, posse, lapso de tempo, animus domini e, em alguns 
casos, capacidade, boa fé, justo título, o trabalho e a morada. Varia a obrigatorie­
dade da presença de alguns destes requisitos, tais como a flutuação dos prazos, 
as dimensões da área e o trabalho. Advirta-se, ainda, que capacidade e coisa 
hábil não estão expressas nas disposições referentes à usucapião. Resultam dos 
princípios gerais de direito. 
No direito anterior ao Código, a usucapião dividia-se em: a) imemorial; b) 
extraordinária, completando-se em 30 ou 40 anos (longissimi temporis praes­
criptio); c) ordinária, completando-se em três, 10 ou 20 anos (usucapio sui 
longi tempo ris praescriptio"). Para a prescrição imemorial, fazia-se apenas neces­
sário provar uma posse de cujo começo não houvesse memória entre os vivos. 
A posse imemorial fazia presumir, iuris et de jure, a existência de justo título e 
boa fé; e todas as coisas, ainda as imprescritíveis segundo as regras gerais de 
direito, mas que não fossem absolutamente inalienáveis, podiam ser assim adqui­
ridas, salvo, é claro, se a lei estabelecesse exceção expressa. 
O Código Civil aboliu a prescrição imemorial, passando a reger apenas a 
extraordinária e a ordinária. Hoje o lapso de tempo para aquisição pela usuca­
pião também é menor do que naquele momento. 
5. Prescrição extintiva e aquisitiva 
Do fato de haver Justiniano confundido num mesmo título (Livro VII) a 
matéria das prescrições e da usucapião, antes perfeitamente diferenciadas, surgiu 
com o tempo a necessidade de adotar-se a distinção introduzida por Bõhmer 
entre prescrição extintiva ou liberatória e prescrição aquisitiva ou usucapião. 
Aquela, a perda da ação atribuída a um direito e de toda a sua capacidade 
defensiva, em conseqüência do não-uso dela durante um determinado espaço de 
tempo; esta, um modo de adquirir a propriedade e outros direitos reais pela 
posse acompanhada de certos requisitivos. 
Não se pode negar, no entanto, que os dois institutos têm pontos de contato 
em verdade bastante extensos: assim, o lapso de tempo, a inércia do titular do 
direito e o efeito extintivo, sobre se aplicarem a ambos diversas disposições de 
lei, como as relativas às causas que suspendem ou interrompem a prescrição. 
Estas semelhanças levaram certos autores a propugnar pelo conceito unitáno 
da prescrição e a sugerir-lhe a seguinte definição, adotada pelo Código Civil fran-
Usucapião 51 
cês, art. 2.219: "un moyen d'acquérir ou de se libérer par un certa in laps detemps, et sous les conditions déterminées par la loi." 
Mas como ensina Clóvis (1929, § 77), "a diferença essencial entre a prescri­
ção e a usucapião, que não tinha sido assinada pelos antigos jurisconsultos e foi 
posta em evidência pela análise dos modernos, está em que a primeira é uma 
força extintiva da ação e de todos os recursos de defesa, de que o direito se 
achava originariamente provido, e a segunda é uma força criadora de direitos 
reais, em particular da propiiedade, que opera transformando a posse em direito". 
Foi o que estabeleceram, em sua maioria, os civilistas alemães, que passaram 
a tratar da prescrição propriamente dita na parte geral, e da usucapião na 
parte relativa ao direito das coisas, orientação esta logo a seguir adotada pelo 
Código Civil alemão e pelo brasileiro, nos termos, aliás, do Projeto Primitivo. 
Para Washington de Barros Monteiro (1978, p. 125), duas forças se fazem 
sentir na pre~crição aquisitiva e na prescrição extintiva: a força geradora e a 
força extintora. Na prescrição aquisitiva predomina a força que cria, na extintiva 
a força que extermina; opera aquela criando o direito em favor de um novo 
titular e, por via oblíqua, extinguindo a ação, que para a defesa do direito tinha 
o titular antigo; na prescrição extintiva, a força extintora extermina a ação que 
tem o titular e, por via de conseqüência, elimina o direito pelo desaparecimento 
da tutela legal; na primeira, nasce o direito e, pelo nascimento dele, fenece a 
ação; na segunda, fenece a ação e, pelo seu fenecimento, desaparece o direito. 
Se a força geradora prepondera sobre a força extintora, temos a prescrição 
aquisitiva. Se a força extintora prepondera sobre a força geradora, temos a 
prescrição extintiva. Salienta-se a primeira pela sua feição positiva, como modo 
de adquirir a propriedade pela posse prolongada; caracteriza-se a segunda pela 
sua feição negativa, pois consiste na perda da ação atribuída a um direito pelo 
não-uso dele durante certo lapso de tempo. Mas uma e outra têm o mesmo fun­
damento: o respeito às situações desenvolvidas e consolidadas pelo tempo. 
Dentre as dessemelhanças dos dois institutos costuma-se apontar, ademais, e 
posto que sem maior aprofundamento, a de que a prescrição extintiva somente 
pode revestir a natureza de exceção ou como ação: "usucapio prodest tam ad 
agendum quam ad excipiendum". Por outro lado, porém, assim como a libera­
tória, a prescrição extintiva não produz os seus efeitos de pleno direito, impõe-se 
que seja alegada pela parte a quem aproveita, não podendo, pois, ser suprida 
de ofício pelo juiz. Como sinalava Bigot-Prémeneu",3 "o só decurso do tempo 
não realiza a prescrição; carece que com o tempo concorram ou a longa inação 
do credor ou uma posse tal como a lei a exige; e esta inação ou esta posse 
são circunstâncias que não podem ser conhecidas e verificadas pelos juízes, senão 
quando elas são alegadas por quem delas deseja se prevalecer". 
De resto, o motivo pelo qual não pode o juiz aplicar de ofício a prescrição 
é que ela envolve um ato de consciência, que a lei quis deixar ao livre-arbítrio 
de cada um. Tem a sociedade interesse em que ela exista, mas lhe é de todo 
indiferente que o prescribente a invoque ou deixe de invocar. O fim a que a pres­
crição se propõe (evitar a incerteza do domínio e preservar a paz da família do 
perigo das reclamações tardias), a sociedade o consegue, quer o prescribente se 
aproveite ou não do favor legal. Pedida em tennos, tollitur quaestio, conso­
lida-se o domínio, ou liberta-se o devedor. Renunciada ainda sem auestão, torna 
a coisa ou soma devida ao poder do seu dono. • 
3 In: Baudry-Lacantinerie. De la prescription. Paris, 1924. n. 11. 
52 R.C.P. 1/85 
Quanto à possibilidade de invocar-se a prescrição em qualquer instância, cum­
pre observar que, mesmo no direito francês e naqueles que tratam de ambas as 
espécies de prescrição sob o mesmo título, não é certo que a regra valha indife­
rentemente tanto para uma como para outra. Houvesse, porém, alguma dúvida 
e teríamos que, ao invés, no sistema do nosso diploma, essa possibilidade seria 
de admitir-se, quando muito, apenas para a prescrição extintiva: primeiro por­
que a usucapião teve assento em província diversa daquela em que foi con­
signada a regra do art. 162: "a prescrição pode ser alegada, em qualquer ins­
tância, pela parte a quem aproveita", e, segundo, porque mandando o art. 553 
do Código Civil estender à usucapião as normas sobre as causas que obstam, 
suspendem ou interrompem a prescrição, silenciou quanto à aplicabilidade da­
quele dispositivo. Sem falar que, proposta tão-s6 perante a segunda instância, 
não poderia esta julgar matéria de fato não debatida no juízo inicial, nem lhe 
seria lícito converter o julgamento em diligência, circunstância que importaria 
em permitir-se inovação na causa inoportuno tempore. Portanto, como exceção, 
o momento processual adequado para afirmar-se a prescrição aquisitiva é o da 
contestação, importando o silêncio do réu em renúncia tácita; pois envolvendo 
a alegação matéria peremptória, dependente de provas de fato, a que os liti­
gantes podem contrapor provas e razões relevantes, impossível debatê-las na 
segunda fase, destinada à execução de trabalhos topográficos e a exame e solu­
ção de questões dirimíveis à vista de documentos ou por via sumária. 
6. Prescrição das ações reais 
Admite-se, como vem do direito romano, a usucaplao de direitos reais na 
coisa alheia, como o usufruto, a enfiteuse, a servidão, com exceções quanto a 
esta no que diz respeito às servidões descontínuas e às não-aparentes. Este pen­
samento liga-se à doutrina da quasi possessio. Nem todos os bens reais podem, 
contudo, ser usucapidos, como os bens públicos, exceto o caso da usucapião espe­
cial e da pro labore. Entende-se também que a usucapião não se aplica a direitos 
pessoais, visto que a posse é instituto do direito das coisas; é ela que funda­
menta a usucapião. 
Diversos códigos tratam da usucapião juntamente com a prescrição, mas o 
Código Civil brasileiro segue a orientação do BGB, colocando-a no direito das 
coisas. Limongi França (1964, p. 71-7) relembra que na França a jurisprudência 
admite a usucapião do nome civil, fundamentando-se na doutrina da propriedade 
do direito ao nome. 
Operando a aquisição de certos direitos reais, extingue-se a usucapião, por 
via oblíqua, a ação os defendia. A só prescrição extintiva seria insuficiente 
para que esta pudesse elidir-se: não bastam o transcurso do tempo e a 
inércia do titular, senão que, concomitantemente, os direitos reais por ela 
tutelados tenham sido adquiridos por outrem mediante posse hábil, ad usuca­
pionem. Assim, é de observar-se defeituosa a redação do art. 177 do Código 
Civil, segundo o qual as ações pessoais prescrevem ordinariamente em 20 anos 
e as ações reais em 10 entre presentes e 15 entre ausentes, contados da data em 
que poderiam ter sido propostas. Nem todos os direitos reais são suscetíveis de 
extinguir-se pela simples inércia de seu titular. O usufruto, as servidões, a hipo­
teca, certo, deixam de existir pela prescrição extintiva. Mas não assim o direito 
Usucapião S3 
de propriedade, com as ações correlatas, entre outras a reivindicatória, a divi­
sória e a demarcatória. 
A propriedade, como já se disse, não deixa de subsistir pelo só fato de que 
o dominus. deixe de praticar na coisa, por um tempo maior ou menor, algum ato 
de posse; a lei, assegurando ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de 
seus bens (Código Civil, art. 544), confere-lhe, por isso mesmo, o direito de não 
fruí-Ios sempre que lhe aprouver. De sorte que a este respeito a única pres­
crição possível é a aquisitiva, isto é, quando aquele que se opõe à ação de 
reivindicação, de divisão ou demarcação, exiba a evidência, que a propriedade 
nele se consolidou pela posse prolongada, revestida dos caracteres que confi­
guram a usucapião. 
Isto, contudo, nem sempre foi pacífico. Houve quem entendesse, no direito 
francês, prescrevera ação reivindicatória, muito embora conservasse o autor o 
seu direito à propriedade, não perdido por usucapião: o direito dominial, nesta 
hipótese, dizia-se, não permaneceria inútil, podendo, pelo contrário, ser invocado 
em outra oportunidade, por exemplo, quando o bem passasse às mãos de um 
terceiro, ou ainda quando o possuidor atual, a quem beneficiaria a prescrição 
extintiva, cessasse de possuir; e houve também quem sustentasse conduzir a pres­
crição dessa ação à perda do domínio, mesmo não preenchidos pela parte adversa 
os requisitos da prescrição aquisitiva, entendimento do qual participa Pontes de 
Miranda (1977, p. 339), ao dizer: "estava Melo Freire certo em afirmar que, 
nascendo o direito do usucapiente, se extinguia o do proprietário ( ... ) mas 
errava em exigir que, extinguindo-se a ação real, ou o próprio direito, tivesse 
alguém de usucapir". 
Há de notar-se, portanto, que: 
- os direitos reais, outros que não o domínio, ou seja, os chamados jura in re 
aliena, adquiríveis pela usucapião, devem incidir sobre objeto que possa incor­
porar-se ao patrimônio público ou privado por meio dela. Assim não são usuca­
píveis, por exemplo, servidões públicas sobre bens de menores ou interditos, 
uma vez que tais bens se consideram fora do comércio, do mesmo modo 
que servidões particulares sobre bens públicos. Exceção única à regra, ao que 
consta, é a da usucapião do domínio útil (foreiro) sobre bens do domínio 
público; 
- ao contrário do direito atual, todas as servidões, mesmo as descontínuas e 
as não-aparentes, podiam anteriormente adquirir-se por usucapião. Vigente, po­
rém, o Código Civil, as opiniões dividiram-se. Uma primeira corrente, menos 
numerosa, encarando isoladamente o art. 698, entendia que o novo diploma em 
nada modificara o direito anterior, permitindo, pois, a usucapião de todas as 
servidões, fossem elas afirmativas ou negativas, contínuas ou descontínuas, apa­
rentes ou não. Uma segunda corrente sustentou que as servidões descontínuas 
e as não-aparentes jamais se poderiam adquirir pela prescrição, de vez que, à 
norma do art. 509, não gozaram de proteção possessória. Ora, não possuindo 
direito menos extenso, não poderiam lograr um direito maior, qual o da aqui­
sição por usucapião. "Qui potest plus, potest minus", e, inversamente, a recusa 
de um direito pela lei implica, a fortiori, a recusa de outro mais vantajoso. Uma 
terceira, afinal, e que se tomou dominante, afirmou com sobradas razões que o 
Código Civil teria excluído da usucapião apenas as servidões não-aparentes, nos 
termos do art. 697, que dispôs só poderem ser estabelecidas por meio de 
transcrição, donde, a contrario sensu, a conclusão de que as servidões aparentes, 
mesmo se descontínuas, poderiam constituir-se pela prescrição. 
54 R.C.P. 1/85 
7. Causas suspensivas e interruptivas da usucapião 
o art. 553 do Código Civil refere-se às causas suspensivas e interruptivas 
da usucapião, nos seguintes termos: 
"As causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição também se 
aplicam à usucapião (art. 619, parágrafo único), assim como ao possuidor se 
estende o disposto quanto ao devedor." O prazo para aquisição pela usucapião, 
quando suspenso, não corre daí por diante, mas não inutiliza o tempo anterior 
e já decorrido. Assim, a suspensão desaparecendo, o prazo para completar a 
usucapião recomeçará a correr, juntando-se a este o prazo decorrido até ser sus­
penso, isto é, o lapso de tempo anteriormente decorrido. Diferentemente se trata 
no que concerne às causas que interrompem a usucapião. Ocorrendo a interrup­
ção, todo o tempo decorrido é inutilizado; torna-se sem efeito para a contagem 
do lapso necessário à aquisição do domínio pela usucapião, começando a cor­
rer novo tempo, sem aproveitamento do anterior. As causas que interrompem a 
prescrição, e por conseqüência também a usucapião, são enumeradas nos arts. 
172 a 176 do Código Civil. 
Não é exato, mesmo com a afirmação de alguns doutrinadores, que a usuca­
pião corre contra os maiores de 16 e menores de 21 anos; de acordo com o Código 
Civil, arts. 69 e 386, os bens dos menores, mesmo púberes, foram considerados 
fora do comércio e, por conseguinte, imprescritíveis. 
As causas que obstam ou suspendem a usucapião são enumeradas nos arts. 
168, 169, 170 e 172 do Código Civil. Conseqüentemente, não se verifica: 
a) entre cônjuges na constância do matrimônio. Seria realmente inconcebível, 
pois os bens constituem uma só massa, um só acervo; inadmissível, portanto, que 
qualquer desses bens possa ser objeto de posse exclusiva a favor de um cônjuge 
contra o outro. Embora na posse e administração dos bens da mulher, o marido 
jamais pode usucapi-los, porquanto a ninguém se permite mudar, por exclusiva 
deliberação, a causa ou título da posse; 
b) entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio-poder; 
c) entre tutelados e curatelados e seus tutores ou curadores, enquanto existir a 
ligação; 
d) em favor do credor pignoratício, do mandatário, e, em geral, das pessoas 
que lhes são equiparadas, contra o depositante, o devedor, o mandante, as 
pessoas representadas, os seus herdeiros, quanto ao direito e obrigações relativas 
aos b~ns confiados à sua guarda. 
Também não COrre a prescrição, preceitua o art. 169 do Código Civil: 
a) contra os incapazes de que trata o art. 5.°; 
b) contra os ausentes do país em serviço público da União, dos estados ou dos 
municípios; 
c) contra os que se acharem servindo na armada e no exército nacionais em 
tempo de guerra. Trata-se de uma aplicação da conhecida regra de Bartolo: 
"contra non valentem agere non currit praescriptio'f (não corre prescrição contra 
aquele que não pode agir). Obviamente deve ser a norma aplicada com prudên­
cia e reserva. 
Usucapião 55 
Ainda, no art. 170, dispõe o Código que não corre a prescriçãc: 
a) pendendo condição suspensiva; 
b) não estando vencido o prazo; 
c) pendendo ação de evicção. 
Por outro lado, suspenso o curso da usucaplao contra qualquer interessado, 
visto ocorrer uma das causas apontadas, aproveita o fato a todos os demais. 
8. Capacidade para usucapir 
Com clareza escreveu Pothier (s.d., n.o 18) que, sendo a usucapião a aquisição 
pela posse prolongada pelo tempo legal, é evidente que só as pessoas 
capazes de possuir dela se podem socorrer, pouco importando que possuam 
por si mesmas ou por outros que as representem. E pessoas capazes de 
possuir são tanto as pessoas físicas como as morais, e entre estas mesmo uma 
comunidade hereditária ou uma pessoa jurídica de direito público (exceto os 
estados-membros da União, com respeito ao território das demais unidades da 
Federação). Mas também o são os incapazes por intermédio de seus represen­
tantes; basta que estes, realizando a apreensão da coisa, o façam não com 
intenção de possuí-la para si, mas para aqueles. 
Aos bens de uso comum, tais como estradas, ruas e praças, legitima-se o povo 
para a prescrição aquisitiva: "O uso permanente de uma estrada pelo público, 
sem oposição do proprietário, torna-a pública, não em favor de determinadas 
pessoas, mas de todos, indistintamente que possam nela transitar."· 
Quanto aos estrangeiros (pessoas físicas ou jurídicas) e às pessoas jurídicas 
nacionais equiparadas às pessoas jurídicas estrangeiras, são de ter-se presentes as 
limitações impostas pelos Decretos-leis n.O$ 494/69, 924/69 e pela Lei n.O 
5.709/71. 
No direito internacional público há muito que se postula a aplicabilidade da 
prescrição aquisitiva à solução de controvérsias entre os Estados; e pela usuca­
pião, com efeito, se tem resolvido um sem-número de questões em nosso conti­
nente, como consignado no julgado do pretório excelso de 24 de dezembro de 
1909.5 A questão, no entanto, é muito controvertida. Pela negativa manifesta­
ram-se entre nós Clóvis Bevilacqua e Gaspar Guimarães, quanto aos estrangeiros, 
Georges Ripert (1963, p. 569-663). 
Mas uma coisa é a capacidade para usucapir, outra a legitimidade para 
invocar a usucapião, que se estende a outras pessoasque não aquelas em cujo 
favor ocorreu uma posse hábil, ou seja, aos sucessores legítimos ou testamen­
tários do possuidor, em primeiro lugar, e, em segundo, aos credores e demais 
interessados; deve entender-se aqueles em cujo benefício constitui o possuidor 
um direito qualquer que pereceria não se consolidando a propriedade nas mãos 
deste; por exemplo, o usufrutuário, o usuário, o fideicomissário em relação ao 
gravado, o enfiteuta frente ao senhorio direto, ou ainda os que têm uma razão 
meramente negativa, a saber, que exclua a sua propriedade de um ônus já im-
56 
STF. 3.6.47. In: RF, 116:20. 
In: Revista de Direito, 21 :550. 
R.C.P. 1/85 
posto pelo decurso do tempo a outro prédio, mas cujo proprietário não opõe a 
prescrição ou a ela renuncia, como seria o caso, por exemplo, da determinação 
do prédio serviente quanto a uma passagem forçada. 
9. Dos efeitos e da renúncia à usucapião 
o primeiro e mais importante dos efeitos da usucapião do direito real sobre 
o qual incidiu. Reputa-se esse direito adquirido desde que se começou a possuir 
a coisa sobre que ela incide, desde que cumprido o prazo previsto na lei, ou 
desde que invocada e reconhecida judicialmente a prescrição aquisitiva? No 
direito romano, a questão não era pacífica; nem os códigos modernos, ao que 
parece, preocupam-se em resolvê-la. Contudo, a maioria dos autores inclina-se 
pelo efeito retroativo da usucapião. 
Outro efeito é o de que os direitos reais adquiridos pela usucapião passam 
ao prescribente com todos os seus acessórios e rendimentos. "Com o principal 
prescrevem os direitos acessórios" (Código Civil, art. 167). Assim, por isso 
mesmo que se legitimam os frutos perceptos, adquirem-se tanto as servidões de­
vidas à coisa, como as suas adesões naturais e civis. Inversament\!, porém, não 
se podem adquirir as coisas acessórias independentemente da principal (Código 
Civil, art. 59), exceto, é claro, se o direito real a usucapir tão-somente a elas se 
refira, como é o caso do usufruto e dos demais direitos desmembrados do 
domínio. 
Um terceiro efeito advém de que, consolidando a prescrição a causa, ou seja, 
o título que lhe serviu de fundamento, o prescribente é tido como se fora su­
cessor de seu autor e fica, pois, responsável para com ele pelas obrigações que 
nascem do contrato estipulado entre um e outro. Isto, porém, diz apenas res­
peito à usucapião ordinária, de sorte que, se o adquirente prescreveu a coisa 
a título de compra, é obrigado a pagar ao vendedor o preço, não o tendo feito 
anteriormente; se a título de doação, não se pode subtrair ao cumprimento dos 
ônus e condições porventura impostas pelo doador. 
Quando o direito é indivisível (como é o caso das servidões, por exemplo, 
e dentre elas a antiga servidão legal de passagem, hoje arrolada em outro título 
do Código Civil), a prescrição, adquirida por um co-proprietário ou condômino 
aproveita fatalmente aos demais. 
Estabelecida, finalmente, a coisa julgada, relativamente à usucapião, não há 
possibilidade de vir a reivindicar-se a coisa usucapida: somente por meio de 
rescisória pode ser atacado, de alguma forma, o que aí decidiu; salvo se o reivin­
dicante não tiver sido parte na ação declaratória, não tendo sido pessoalmente 
citado, como prescreve o Código de Processo Civil (art. 942, 11). Nem pode o 
antigo proprietário, que não se opôs fosse o seu prédio alienado por um non­
dominus ao que depois o usucapiu, voltar-se contra o alienante para pleitear 
perdas e danos, pois que o antigo proprietário, tendo deixado de sê-lo, não é 
mais titular ativo. 
Por outro lado, do fato de que o prescribente se considera titular do direito 
prescrito desde o começo da posse hábil derivam-se os seguintes efeitos: 
a) o possuidor, convertido em proprietário pela usucapião, faz ~eus os frutos 
percebidos durante o tempo da posse, ainda que de má fé; não fora o efeito re­
troativo, deveria restituir, se de má fé, os frutos percebidos, os frutos pendentes 
Usucapião 57 
e os que deixou de colher por culpa sua, tal como disposto nos arts. 510, 511 
e 513 do Código Civil; 
b) os direitos reais constituídos pelo usucapiente durante o lapso prescricional 
se convalidam pela usucapião, como se esta se houvesse consumado já àquele 
tempo; 
c) os direitos reais estabelecidos pelo verdadeiro proprietário, contra quem se 
usucapiu, sobre o imóvel prescrito, só prevalecem se anteriores ao começo da 
posse ad usucapionem. 
Quanto à renúncia, pode conceber-se em três situações diversas: ou a pres­
crição não se completou ainda, e é verdadeiro jus juturum; ou já se completou, 
mas ainda não foi alegada, e é, então, jus delatum; ou, finalmente, já se consu­
mou e foi alegada, e constitui, pois, jus quaesitum. No primeiro caso, o direito 
ainda não está adquirido e razões de ordem pública impedem, como já se reco­
nhecia no direito anterior e veio a se dispor no direito atual (Código Civil, art. 
161), a sua renúncia antecipada. No segundo caso, posto que o prazo da pres­
crição já decorreu, adquiriu o prescribente o direito de invocá-la, e a renúncia 
a este direito é perfeitamente lícita. Mas por isso mesmo que a coisa ou o di­
reito ainda não passou para o domínio do possuidor (porque para tanto faltaria 
ainda alegar a prescrição), o efeito dessa renúncia é tão-só o de impedir que 
a aquisição se realize, restaurando-se o direito ameaçado do verdadeiro titular. 
No terceiro caso, alegada e reconhecida a prescrição aquisitiva, a coisa ou o 
direito ingressou no patrimônio do prescribente e, destarte, a renúncia deverá 
considerar-se uma alienação (doação). 
10. Caracteres da posse ad usucapionem 
Para conduzir à usucapião, precisa a posse ser a título de proprietário, con­
tínua, ininterrupta, pacífica, pública, inequívoca e atual. 
Em primeiro lugar, a posse animus domini não se confunde com a opinio 
domini, que é a crença, certa ou errada, de que se é senhor da coisa ou do 
direito, nem, se resume na simples intenção ou convicção de que se está compor­
tando como proprietário. Tem a posse animo domini aquele que se comporta, 
relativamente à coisa ou ao direito a usucapir, como o faria um proprietário 
diligente, isto é, que retira da coisa ou do direito as utilidades de que são capazes. 
De um modo geral, erradamente, tem-se dado como justificada a posse, nas ações 
de usucapião, como o simples fato de haver alguém se intitulado possuidor de 
um imóvel qualquer, urbano ou rural, e de ter nele praticado atos possessórios 
esporádicos, mais ou menos continuados, mas sem qualquer significação maior, 
qual a de evidenciar que se está fazendo proveitosa a coisa imediatamente para 
o possuidor e mediatamente para o corpo social. Para a propriedade não se 
perder pelo não-uso, é imprescindível que o possuidor oponha a essa "pre­
sunção de abandono" uma atividade econômica realmente apreciável, como aliás 
estava, senão expressa, pelo menos implicitamente, nas origens mesmas do 
instituto. 
Afasta-se a mera detenção; pois não se confunde ela com a posse, uma vez 
que lhe falta a vontade de tê-la. E exclui, igualmente, toda posse que não se 
faça acompanhar de ter a coisa para si animus rem sibi habendi, como, pOI 
58 R.C.P. 1/85 
exemplo, a posse direta do locatário, do usufrutuário, do credor pignoratício, 
que, tendo embora o ius possidendi que os habilita a invocar os interditos para 
defesa de sua situação de possuidor contra terceiros e até contra o possuidor 
indireto (proprietário), não tem, nem pode ter, a faculdade de usucapir. E é 
óbvio, pois aquele que possui com base num título que o obriga a restituir des­
fruta ce uma situação incompatível com a aquisição da coisa para si mesmo. 
Completando-Ihe a qualificação é que se impõe o requisito anímico, que reside 
na intenção do dono: possuir cum animo domini. 
Em segundo lugar, a posse deve ser contínua; e assim é, em linha de prin­
cípio, quando os atos possessórios não apresentam omissões ou falhas da parte 
do possuidor; se este deixa de usar da coisa ou do direito para vir a fazê-loapós 
um tempo maior ou menor, a posse se qualifica como descontínua. A continui­
dade consiste na sucessão regular dos atos de posse com intervalos suficiente­
mente curtos para não constituírem lacunas. E, por isso, não é exato que a posse 
ad usucapionem pode conservar-se animo solo, isto é, independentemente da 
prática de atos materiais que a revelem. 
Em terceiro lugar, cumpre que a posse não tenha sido interrompida. Sobre 
o conceito de não-interrupção dissentem, porém, as opiniões. Julgam uns que a 
continuidade e a ininterrupção não se podem considerar coisas distintas, equi­
valendo-se as expressões. Preferem outros distinguir que a descontinuidade é 
imputável somente ao possuidor, enquanto a interrupção é sempre obra de ter­
ceiro, ou, pelo menos, supondo a intervenção de um terceiro; mas, ainda aí, no 
caso de abandono (derelictio) , afirmam uns que se trata de interrupção, outros 
que não passa de descontinuidade. E mais, há os que entendem que a interrup­
ção é unicamente a natural, assim definida no Código Civil francês, art. 2.243: 
"11 y a interruption naturelle lorsque le possesseur est privé, pendant plus d'un 
an, de la jouissance de la chose, soit par l'ancien propriétaire, soit par un tiers." 
Como não falta ainda quem proponha, identificando a descontinuidade e a inter­
rupção natural, que a interrupção é tão-somente a civil, referida não à posse, 
mas à prescrição. Este deve ser o entendimento, a não-interrupção, atinente à 
posse, subsume-se no conceito mais amplo de descontinuidade, nenhuma razão 
mais séria compelindo diferenciar as duas expressões. 
Em quarto lugar, requer-se que a posse seja pacífica, isto é, que se tenha 
estabelecido e se exerça sem violência, pouco importando se física ou moral, e, 
muito menos, se os atos pelos quais ela se revelou forçaram uma deposição 
brutal do antigo possuidor ou simplesmente o levaram a abandonar a coisa. 
Outrora, tanto no direito francês como no nosso, o vício da violência era per­
pétuo, que era o que se colhia do direito romano; a posse adquirida pela vio­
lência permanecia sempre viciosa, não dando lugar aos interditos nem à 
usucapião, a não ser quando o vício se purgava pela volta da coisa às 
mãos do legítimo possuidor, ou quando o espoliado consentia expressamente na 
continuação da posse começada pelo esbulho. No direito atual, entretanto, a 
posse maculada em sua origem pela violência pode fazer-se pacífica e dar lugar 
às ações possessórias, após um ano, e à usucapião a partir do instante em que 
cessado o vício (Código Civil, art. 497). Por outro lado, isenta de violência em 
seu início, ou cujo vício foi extinto pela superveniência da pacificidade, a posse 
não se dirá viciosa pelo só fato de vir o possuidor a sofrer violências, às quais 
precisa resistir para se manter. 
Em quinto lugar, quanto à publicidade, diz-se que falta à posse esse requisito 
quando o adquirente oculta a sua tomada daqueles de quem teme contestação. 
Usucapião 59 
Melhor dito: para que a posse se considere pública não é mister que ela seja 
conhecida de todo mundo, que o direito tenha sido exercido "au vu et au su de 
tous ceux qui l'ont voulu voir". Pode ocorrer que a posse se exiba clandestina 
para uns e pública para outros. O que interessa, então, é que ela transpareça 
para aqueles contra os quais se vai invocar a prescrição e bem assim para os 
que a esta poderão se opor. A clandestinidade é um vício essencialmente relativo 
que só pode ser alegado por aqueles que têm um legítimo interesse em negar 
a usucapião. 
Em sexto lugar, no que respeita à inequivocidade, nem mesmo no direito 
francês, onde é expresso o requisito, não é ele um elemento distinto. O que ali se 
quis dizer foi simplesmente que as diversas espécies da posse ad usucapionem 
devem ressaltar, de maneira clara, dos fatos invocados pelo possuidor. Clássico, 
na espécie, o exemplo do condômino. Para beneficiar-se da prescrição, quando 
pretenda haver gozado da coisa ou de direitos indivisíveis, com exclusividade, 
será preciso que ele, por intermédio de atos exteriores e contraditórios, agressi­
vos e perseverantes, tenha colocado os demais consócios em mora de acioná-lo; 
de outra forma ele se reputará representar a comunhão e gozar, em virtude do 
título, não só para si, mas para a sociedade. 
Deve-se ainda ressaltar que, em caso de dúvida a respeito de ocorrência de 
causa interruptiva, presume-se a posse contínua e pacífica. 
Importante lembrar a questão do acréscimo de tempo pela junção de posses. 
Diversas regras gerais são específicas à usucapião, encontrando-se nos arts. 552 
e 553 do Código Civil. Preceitua aquele: "O possuidor pode, para o fim de 
contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a do 
seu antecessor (art. 496), contanto que ambas sejam contínuas e pacíficas." Os 
artigos antecedentes referidos são o 550 e o 551, que determinam o lapso mínimo 
de tempo para a aquisição do domínio pela usucapião. 
São, destarte, requisitos para a junção de posses: 
a) que as duas sejam contínuas, quer dizer, sem interrupção; 
b) que sejam pacíficas; 
c) que o título de possuidor decorra da posse que se pretende continuar. Evi­
dentemente, caso receba a posse de uma pessoa e o título de outra, não cabe a 
junção. 
h ainda indispensável, para o fim da usucapião, que a posse do antecessor se 
tenha exercido com animus domini. Caso tenha tido ele a posse a título precário, 
como no caso do testamenteiro, da posse familiar, do condômino, ou do adminis­
trador de bens, faltando-lhe o animus domini, não é cabível a consumação da 
usucapião. 
O antecessor, nos termos do entendimento sobre a matéria, não é aqui somente 
a pessoa a quem o usucapiente suceder por sucessão hereditária. Por conse­
qüência, se uma pessoa sucede a outra na posse de um imóvel, mesmo sem ne­
nhuma relação de parentesco com o possuidor antecedente, não ocorrendo inter­
rupção alguma nesta passagem pode haver junção de posse: elas podem ser 
somadas para a contagem do tempo da usucapião, caso não tenha havido oposi­
ção ou contestação de quem quer que seja. 
60 R.C.P. 1/85 
11. Coisa hábil 
Quanto à coisa hábil (res habilis), não se podem usucapir as coisas incorpó. 
reas, as coisas não-individuadas, as coisas acessórias e as coisas fora do comércio. 
A posse das coisas incorpóreas, ou seja, dos direitos pessoais, de família ou 
de crédito, não foi acolhida pela quase totalidade das legislações. E mesmo na­
quelas em que a posse vem definida como a detenção ou fruição de uma coisa 
ou direito (Códigos Civis francês, art. 2.228; italiano anterior, art. 685; por­
tuguês, art. 474), os comentadores e a jurisprudência só compreendem a posse 
de direitos reais, incidentes sobre coisas corpóreas. 
Não podem também ser objeto de usucapião os imóveis ou móveis que não se 
encontrem ou não possam ser perfeitamente individuados; e isto pela simples razão 
de que seria incompreensível uma posse sobre coisa indeterminada, incerta, vaga, 
desconhecendo-se até onde se estenderam os atos possessórios. Assim, não só 
para opor a usucapião como meio de defesa, mas para pedir-lhe o reconheci­
mento judicial, deve o prescribente declarar, de modo preciso, as características 
e confrontações do imóvel possuído, exigindo, aliás, as nossas leis processuais 
não apenas a citação dos confrontantes, mas ainda a juntada de planta do imó­
vel (Código de Processo Civil, art. 942, caput). 
As coisas acessórias, salvo disposição expressa em contrário, seguem o destino 
da principal (Código Civil, art. 59) - "Accessorium sequitur principale". A 
coisa acessória está de tal forma subordinada ao mesmo direito da principal, 
identificando-se, por assim dizer, com ela, que o proprietário da principal o é 
também das acessórias, assistindo-lhe o direito de reivindicá-las com aquela; 
e quem tem a posse daquela tem invariavelmente a destas; donde a conse­
qüência de que, com respeito às acessórias, não se podem ela usucapir indepen­
dentemente da principal. Impossível, portanto,usucapir o prédio independente­
mente do terreno sobre o qual está construído. 
Quanto às coisas fora do comércio, imprescritíveis por definição, enumera­
va-as, à semelhança do direito romano, nosso direito anterior: a) as coisas sa­
gradas, como os templos e as imagens, e as religiosas, como os cemitérios; b) as 
coisas do domínio público, distintas das do domínio privado do Estado, a saber, 
os portos, vias navegáveis, ruas, praças e estradas públicas, os pátios e os baldios 
dos municípios e paróquias e os prédios diretamente empregados pelo Estado em 
serviços de utilidade geral, como as fortalezas e as praças de guerra. O Código 
Civil, porém, preferiu defini-las: "São coisas fora do comércio as insuscetíveis 
de apropriação e as legalmente inalienáveis." E não foi feliz ao fazê-lo. Porque, 
primeiro, verdadeiramente insuscetívPwis de apropriação são unicamente aquelas 
coisas a cujo respeito ninguém pode-se considerar proprietário, por fugirem ao 
poder físico do homem: a luz, o ar atmosférico, o mar alto etc.; razão pela 
qual, aliás, são estranhas à qualificação de fora do comércio. E, segundo, porque 
a rigor não existem coisas legalmente inalienáveis, não o sendo sequer os bens 
de uso comum (como ficou patente com o Tratado de Petrópolis, pelo qual o 
Brasil, em 1903, permutou com a Bolívia vastos territórios que incluíam bens 
do domínio público daquela categoria). Coube à doutrina e à jurisprudência 
sinalar compreendidos na expressão "legalmente inalienáveis" o bem de família 
(Código Civil, art. 72), os imóveis dotais (art. 293 e 298), os bens de menores 
sob pátrio poder ou tutela (art. 386, c/c com o 453) e os bens públicos, mesmo 
os patrimoniais. 
Usucapião 61 
12. Lapso de tempo 
A contagem do tempo para a usucapião é feita integralmente por dias civis, 
dies civiles, como os romanos denominavam o período de 24 horas, que decorre 
de meia-noite à meia-noite, ou por dia inteiro, de dia a dia, e não por horas_ 
Passo a analisar diversas hipóteses quanto ao lapso de tempo para a prescrição 
aquisitiva. 
Não há usucapião especial em favor da Fazenda pública; a prescrição qüin­
qüenal de que esta goza só se aplica às ações pessoais, não às reais. 
Enquanto não se faz a partilha, os bens do de cujus, sejam eles móveis ou 
imóveis, reputam-se, para os herdeiros, "direitos à sucessão aberta" e, portanto, 
imóveis (Código Civil, art. 44, 111). 
As apólices da dívida pública não são, em nosso direito, equiparadas aos 
imóveis (mas móveis por natureza), de modo que aquele que as adquirir por 
justo título e de boa fé, e as possuir mansa e pacificamente por mais de três 
anos, delas torna-se proprietário por usucapião. 
Consideram-se imóveis os navios (Código Civil, art. 810, VII), mas o capitão 
não pode adquirir por título de prescrição a posse da embarcação em que servir, 
nem de coisa a ela pertencente (Código Comercial, art. 451). 
O tempo de posse decorrido antes da transcrição do título não se conta, se 
se trata de prescrição ordinária. 
Se o prescribente e o proprietário residiram parte do tempo na mesma co­
marca (ou município) e parte em comarcas diversas, o prazo de prescrição ordi­
nária será sempre o de 15 anos, valendo, porém, por um ano e meio cada ano 
de presença. De outra parte, se o proprietário (reivindicante) mora na comarca 
da situação do imóvel e o réu reside em outra, encontrando-se na posse do 
imóvel por intermédio de preposto, o prazo prescricional deve ser o de 10 anos, 
visto que a dilatação do prazo para 15 anos é estabelecida em benefício daquele 
contra quem corre a prescrição. 
Quando o imóvel pertence a dois ou mais indivíduos, pro indiviso, dos quais 
uns são presentes, outros ausentes, tem-se que a usucapião se consuma em 10 
anos, respeito às partes indivisas dos primeiros, e em 15 anos quanto às dos se­
gundos; aqueles não se podem prevalecer da situação especial destes. E a mes­
ma regra se aplica ao prescribente que possui em comum: o que possui entre 
presentes adquirirá a parte pro indiviso em 10 anos; o ausente, em 15 anos. 
A condição, porém, em ambos os casos é que a coisa ou o direito não sejam em 
si mesmos indivisíveis, pois então os possuidores não poderiam ver cumprida a 
prescrição senão conjuntamente e contra todos os proprietários ao mesmo tempo. 
Embora deixando procurador no foro da coisa, considera-se ausente, para os 
efeitos do art. 551, do Código Civil, o proprietário que não esteja no país. No 
que se trata de prescrição contra o Estado, este sempre considera-se presente. 
Pode ocorrer que durante o lapso de tempo necessário à consumação da pres­
crição, a coisa tenha sido possuída por duas ou mais pessoas sucessivamente. 
Na generalidade destes casos, permite a lei ao novo possuidor juntar à sua posse 
a do antecessor para completar o prazo exigido. Esta junção pode apresentar-se 
ou como successio possessionis, conforme a nova posse tenha sido adquirida a 
título universal ou a título singular respectivamente. 
Na sucessio possessionis o herdeiro se reputa continuar a posse do defunto: 
a posse deste passa àquele por força de lei, ainda que não venha exercer de fato. 
Segundo o direito romano, porém, impunha-se que o herdeiro viesse a apreender 
62 R.C.P. 1/85 
a coisa para que se somassem a posse anterior do de cujus e a tomada da posse; 
e nisto é que se afastou o direito posterior, dispensando a apreensão de fato. 
Em tema de usucapião, todavia, estamos em que o art. 1.572 do Código Civil 
não pode ter esse alcance: a propriedade, por um lado, não se perde pelo não­
use; e isto significa que o titular do domínio não está obrigado a praticar atos 
possessórios na coisa para mantê-la sob a sua sujeição; e, de outra parte, só há 
posse ad usucapionem quando ela é, ao lado de outros requisitos, contínua e 
pública, ou seja, exercida de fato e, por conseguinte, capaz de induzir o pro­
prietário em mora na defesa de seus direitos. Ora, se assim é, e se os herdeiros 
do de cujus não a assumem (dentro de um prazo mais ou menos razoável, aten­
tas as circunstâncias) por si ou seus prepostos, não vemos como se possa qualifi­
car essa sua posse ficta como pública e contínua, não estando obviamente o 
proprietário na obrigação de indagar se o falecido deixou ou não sucessores que 
lhe haveriam de continuar a posse, e muito menos na de imitir-se na coisa para 
afirmar o seu domínio. Nem é a usucapião, em última análise, um instituto des­
tinado a punir o proprietário negligente, senão quando outrem, o possuidor no 
caso, se relacione economicamente com a coisa, tornando-a socialmente útil, o 
que não ocorre com a posse em tela. Na accessio possessionis, ao contrário, o 
sucessor a título singular não continua, mas inicia uma posse nova, e o faz com 
a apreensão da coisa, exigindo-se-Ihe, ademais, um ato transmissivo devidamente 
formalizado. 
Ao entrar em vigor o Código Civil, não se pôs em dúvida a obrigatoriedade 
de seus prazos prescricionais, salvo quanto aos fatos então já consumados, à 
coisa julgada e aos direitos adquiridos, a cujo respeito a lei não teria efeito re­
troativo. A lei nova, ainda que seus prazos fossem maiores ou menores que os 
assinalados anteriormente, colhia todos os casos em curso, não consumados até 31 
de dezembro de 1916, mesmo aqueles já afetos ao poder judiciário, desàe que este 
não houvesse, é claro, proferido sobre eles decisão definitiva. Contudo, e em 
razão mesmo de doutrina consagrada, ponderava-se que: a) faltando, para ter­
minar a prescrição em curso, tempo menor do que o estabelecido pela lei nova, 
a prescrição se concluía sob o império da lei antiga; b) faltando, para terminar 
o prazo antigo, tempo igualou superior ao assinalado pela lei nova, aplicava-se 
esta, contando-se da data de sua vigência o novo prazo, segundo uns, ou so­
mando-se o tempo decorrido anteriormente, conforme propuseram mais acerta­
damente outros. 
13. Justo título e boa fé 
Justo título, justa causa possessionis, é todo ato formalmente adequado a 
transferir o domínio ou o direito real de quetrata, mas que deixa de produzir 
tal efeito em virtude de não ser o transmitente senhor da coisa ou do direito, 
ou de faltar-lhe o poder de alienar. No direito moderno, arrolam-se como justos 
títulos: a compra e venda, a doação in solutum, a permuta, a doação, o dote, 
o legado, a carta de arrematação, a carta de adjudicação, a ocupação de coisa 
móvel (quando há razões para supor-se que foi abandonada), acrescentando-se, 
porém, que os atos sujeitos à transcrição (Código Civil, arts. 531 e 532, 11 e 111) 
só revestem a característica de justos títulos depois de cumprida essa formali­
dade. E nada impede se inclua na categoria o compromisso de compra e venda 
devidamente inscrito, desde que obtida a escritura ou a sentença de adjudica-
Usucapião 63 
ção e levada (aquela ou esta) a registro; pois o que então sucede é que os 
efeitos da transcrição, por força do art. 5.° do Decreto-lei n.O 58, de 1937, re­
troagem à data da averbação do compromisso, ou seja, é justo título a promessa 
de compra e venda irretratável, feita a um non dominus, e desde a data de sua 
inscrição no Registro Público, sob a condição, porém, de que o promitente com­
prador venha a obter e registrar a escritura definitiva ou a carta adjudicatória. 
O justo título precisa ser atributivo, e não simplesmente declarativo do direito; 
válido, isto é, não eivado de nenhuma nulidade absoluta; não suspenso por ne­
nhuma condição; certo, ou seja, relativo a coisa determinada; e real ou efetivo, 
excluindo-se, pois, o justo título putativo. 
Em matéria de usucapião, boa fé é a crença em que se acha o possuidor de 
que a coisa possuída lhe pertence. Crença essa, porém, não correspondente à 
realidade; funda-se em um erro excusável de fato. A boa fé presume-se juris 
tantum, em decorrência do título. Deve persistir durante o curso da usucapião. 
Sendo indispensável o justo título na usucapião trienal, para haver boa fé é essen­
cial que o título revele o contrário, pois, assim, estaria provada a má fé. 
14. Usucapião de bens móveis 
A usucapião de bens móveis é regulada pela nossa legislação, a ela referindo­
se o nosso Código Civil, bem como outras legislações (Código Civil alemão, 
art. 937; Código Civil suíço, art. 728). O Código Civil brasileiro tem uma seção 
própria, com título Da aquisição e perda da propriedade móvel. Preceituam tais 
artigos: 
"Art. 618. Adquirirá o domínio da coisa móvel o que a possuir como sua, 
sem interrupção, nem oposição, durante três anos. 
Parágrafo único. Não gera usucapião a posse, que se não firme em justo 
título, bem como a inquinada, original ou superveniente de má fé. 
Art. 619. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá 
usucapião independentemente de título de boa fé. 
Parágrafo único. As disposições dos arts. 552 e 553 são aplicáveis ao U5U­
capião das coisas móveis." 
a) coisa hábil: é a suscetível de alienação e que possa ser comercializada; 
b) res mobilis: são todas as coisas que, por efeito de força própria ou não, 
podem ser transportadas de um lugar para outro, sem prejuízo de sua forma e 
substância. Mobílias, automóveis, locomotivas, enfim, tudo aquilo que não seja 
classificado como imóvel. Todos os objetos materiais, que, por sua natureza não 
se considerem imóveis. São considerados subdivisão dos móveis os semoventes; 
res semoventes são os que se movem por si mesmos, os animais, desde o 
micróbio até a baleia. Para efeitos de prescrição aquisitiva estão enquadrados 
nesta espécie; 
c) posse: a coisa hábil precisa ser possuída. l! condição essencial, e a posse 
deve ser pacífica, tranqüila e contínua. Para que ela seja pacífica e tranqüila 
é mister que não haja oposição, nem contestação. Tanto uma como outra podem 
partir do legítimo dono ou de outro interessado, apresentada em qualquer tempo, 
no decurso da posse do usucapiente, ou não, ação que for intentada para aqui­
sição do domínio. Qualquer oposição ou contestação importa a interrupção da 
64 R.C.P. 1/85 
prescnçao aquisitiva. O possuidor de coisa móvel pode acrescer à sua posse 
também a do seu antecessor, mas é necessário que a posse deste bem como do 
atual sejam mansas, pacíficas, sem interrupção nem oposição. As normas sobre 
as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição que se aplicam 
à usucapião imobiliária também se aplicam à mobiliária. Contudo, em se tra­
tando de usucapião de coisas móveis, a lei não dá importância à presença ou 
ausência do proprietário da coisa prescribente, ao contrário do que acontece 
com a usucapião de bens imóveis; 
d) animus domini: é o desejo que tem o possuidor de ser dono da coisa. O 
Código fala em possuir como sua a coisa. Não é necessário que o possuidor se 
julgue proprietário da coisa móvel, bastando que tenha o desejo de que a coisa 
lhe pertença. Esta manifestação de vontade não é um ato jurídico, mas é sub­
metida às regras dos atos jurídicos, podendo ser posterior à aquisição da posse; 
e) justo título: é aquele que é próprio a transferir o domínio e que o trans­
feriria se emanasse do verdadeiro dono. Deve ser válido, real e certo. Mas 
pode acontecer que ele esteja eivado de erros. Pode ter sido emanado de outrem 
que não o verdadeiro dono. Neste caso, para adquirir por usucapião, o possuidor 
precisa ter a seu favor os demais requisitos exigidos pela lei. Constituem justo 
título, de acordo com a doutrina mais recente, os julgamentos de adjudicação, a 
alienação consentida por um indivíduo que não é proprietário, em virtude de 
cessão viciosa de lesão e dolo, e em geral o título suscetível de ser anulado por 
erro, dolo ou violência e a alienação anulável apenas; 
f) lapso de tempo: na usucapião de móveis, quando haja justo título e boa 
fé, o lapso de tempo é de três anos, uma vez que não haja interrupção. E con­
dição essencial que esta não ocorra durante todo o prazo estabelecido em lei. 
Não se deve confundir posse sem interrupção com posse descontínua. A des­
continuidade é o ato da abstenção do possuidor que é negligente em exercer seu 
direito, o que faz com que não tenha direito. Enquanto a interrupção não pro­
vém do possuidor, não sendo um fato seu, ele a sofre. Com a interrupção a 
posse deixa de existir, por um momento, o que não acontece com a posse des­
contínua, que sempre subsiste, embora irregularmente exercida. 
Em face da exigência da posse trienal para a aquisição da propriedade dos 
bens móveis, não vale a velha regra do direito francês: "en fait des meubles 
possession vaut titre " , que é a prescrição instantânea. A norma do direito fran­
cês não tem agasalho no direito nacional. 
E possível também a usucapião extraordinária de bens móveis, com o decurso 
de cinco anos, exigindo posse mansa e pacífica, sem interrupção nem oposição, 
sem necessidade de título e boa fé. 
15 . Usucapião ordinária 
Após ter visto a usucapião em geral, passo a falar sobre cada uma de suas 
espécies no tocante apenas ao ainda não comentado anteriormente. Nosso di­
reito anterior conhecia três formas de prescrição aquisitiva: a ordinária, de três 
anos para os móveis e semoventes, e de 10 ou 20 anos para os imóveis, coeforme 
residissem ou não na mesma comarca o proprietário e o possuidor; a extraordi­
nária, que se completava em 30 anos para os móveis e imóveis em geral, ou em 
Usucapião 65 
40 para os bens do domínio do Estado, cidade e vilas, e quanto aos imóveis das 
igrejas e estabelecimentos pios; e a imemorial, que, ao que se dizia, era antes 
uma presunção de aquisição legal do que propriamente um modo de adquirir. 
Para a prescrição ordinária exigia-se o concurso dos seguintes requisitos: 
a) posse animo domini, contínua, pacífica, pública e não-interrompida; b) lapso 
de tempo; c) coisa hábil; d) justo título (justa causa possessionis); e) boa fé. 
A Lei n.O 2.437, de 7 de março de 1955, modificou os prazos dos arts. 550, 
551, 619 e 698 do Código Civil, dando-lhes sua atual redação. Afora as modi­
ficações no lapso de tempo, de que falaremos a seguir, mantiveram-se no Código 
Civil os demaisrequisitos da posse, da coisa hábil, do justo título e da boa fé 
para a prescrição ordinária. 
"Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele que, por 10 anos 
entre presentes, ou 15 entre ausentes, o possuir como seu, contínua e incontes­
tadamente, com justo título e boa fé. 
Parágrafo único. Reputam-se presentes os moradores do mesmo município 
e ausentes os que habitem municípios diversos." 
Estes são os prazos exigidos pela atual redação de nosso Código Civil, quanto 
à usucapião ordinária. 
O usucapiente para invocá-la deve ter título, mais do que isto, título justo, 
hábil à aquisição do domínio, como uma escritura de compra e venda, um for­
mal de partilha ou uma carta de arrematação, com aparência de legítimo e vá­
lido. Ainda que qualquer desses títulos se ressinta de vício ou irregularidade, o 
decurso do tempo tem a virtude de escoimá-Io de seus defeitos, desde que con­
corram os demais requisitos da usucapião. Por exemplo, o comprador adquire 
a non domino determinado imóvel, entra na posse do bem adquirido e não so­
fre qualquer impugnação em 10 ou 15 anos. O transcurso do tempo expurga o 
vício originário e o adquirente poderá reclamar o reconhecimento da usucapião. 
Toma-se claro, todavia, que o vício não deve ser de forma, nem constituir 
nulidade absoluta. Assim, já se decidiu que justo título não é escritura sem o 
necessário formalismo, como, por exemplo, a assinatura das partes. 
A boa fé, a certeza de seu direito, a confiança inabalável no próprio título, 
sem vacilações, sem possibilidade de temperamento ou de meio-termo. A boa 
fé ou é integral, ou não existe. Ela há de verificar-se ao ter início a posse do 
usucapiente e subsistir por todo o tempo dela. Se o mesmo tem ciência do vício 
que lhe impede a aquisição do domínio, inexiste boa fé, capaz de conduzir à 
usucapião ordinária, e só pela extraordinária conseguirá ele depurá-la de sua 
mácula. 
16. Usucapião extraordinária 
"Art. 550. Aquele que por 20 anos, sem interrupção nem oposição, possuir 
como seu um imóvel adquirir-Ihe-á o domínio, independentemente de título e 
boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o de­
clare por sentença, a qual lhe servirá de título para transcrição no registro de 
imóveis." 
Conforme salienta Carvalho Santos,· "a posse não precisa ser fundada em 
justo título e boa fé, que se presumem. Trata-se de uma presunção iuris et de 
• Cddigo Civil interpretado. 6. ed. Rio de Janeiro, 1956. v. 7. p. 426. 
66 R.C.P. 1/85 
jure, que não admite prova em contrário. Pelo que, basta o adquirente provar 
que possui o imóvel como seu, isto é, mansa, pacífica e continuamente, para 
que se presuma, da parte dele, a boa fé, sem ter o justo título, não podendo o 
proprietário contestar essa presunção." Mesmo que a contestasse, não destruiria 
o direito da usucapião, pois o legislador firmou com tal presunção que a usuca­
pião extraordinária independe de justo título e de boa fé. 
Repousa ela em duas situações bem definidas: a atividade singular do pos­
suidor e a passividade geral de terceiros, diante daquela atuação individual. Se 
essas duas atividades perduram contínua e pacificamente por 20 anos ininter­
ruptos, consuma-se a usucapião. Qualquer oposição subseqüente se mostrará 
inoperante, porque esbarrará ante o fato consumado. 
17. Usucapião do Estatuto do Indio 
Nas terras habitadas por silvícolas, por força do art. 3.° da Lei n.O 6.969/81, 
não corre a usucapião. Aliás, a matéria, embora com outras palavras, já consta 
da Lei n.O 6.001/73, denominada Estatuto do lndio. O art. 18, caput, desse 
estatuto, preconiza que as terras indígenas não poderão ser objeto de arrenda­
mento ou de qualquer outro negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da 
posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas. 
O art. 33 do referido Estatuto também prevê essa forma simplificada de aqui­
sição de propriedade para o silvícola, e seu parágrafo único protege-a contra 
invasão de terceiros. Assim, o índio, integrado ou não, que ocupe como pró­
prio por 10 anos consecutivos trecho de área inferior a SOha, adquirir-lhe-á a 
propriedade plena. "O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio 
da União, ocupadas por tribais, às áreas reservadas de que trata essa lei, nem 
às terras de propriedade coletiva do grupo triba1." 
18. Usucapião rústica ou pro labore 
Há muitos séculos o instituto da usucapião vem sendo considerado de grande 
alcance social e jurídico. Mesmo no tempo em que a densidade demográfica 
era baixíssima, o que havia eram terras e mais terras sem dono e a perder de 
vista. Hodiemamente, com o vertiginoso aumento da população e, paradoxal­
mente, a queda da produção per capital impõe-se que se dê ao instituto da usu­
capião de terras uma especial atenção jurídica e social. As terras apropriadas 
dos possuidores, com ânimo de dono, chegam a abranger imensas propriedades, 
com centenas de hectares. Desta forma impôs-se um estudo sócio-jurídico, de 
conformidade com a dimensão da terra e sua destinação econômica. 
O Brasil, por ser um país novo e dotado de grande extensão territorial, possui 
enormes áreas desabitadas e desligadas entre si. E mais do que este aspecto de 
ordem geográfica, existem outros de caráter econômico, refletindo-se na agricul­
tura e na pecuária do país: o latifúndio, tão prejudicial como o minifúndio. 
Muitos proprietários convenceram-se de que, em matéria de terras, só se ganha 
dinheiro na valorização. E com este conceito derrotista, não plantam, não criam 
e na maior parte das vezes nem sabem a extensão correta de suas propriedades. 
Usucapião 67 
Para dar estímulo aos que nada possuem, independentemente da nacionalidade 
ou de serem terras do governo, instituiu-se a usucapião pro labore. O prazo de 
ocupação é menor e a área limitada por lei. 
A Lei n.O 601, de 18 de setembro de 1850 é o mais remoto antecedente histó­
rico da usucapião pro labore no direito brasileiro. A chamada Lei de Terras 
reconhecia ao posseiro o direito de usucapir terra devoluta por ele ocupada, em 
posse mansa e pacífica, por cinco anos, antes da medição, ou por 10 anos, se 
estabelecida após a referida medição. Desde esta época há larga discussão sobre 
a possibilidade de usucapião de terras públicas. 
Em 1934 passou a ser matéria constitucional, sendo chamada de pro labore, 
rústica ou agrária, constitucional ou pro deserto: "Todo brasileiro que, não 
sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por 10 anos contínuos, sem oposi­
ção nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até 10ha, tor­
nando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua moradia, adquirirá o do­
mínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita." A regra 
passou ipsis verbis para a Constituição de 1937 e com algumas modificações 
(25ha) para a de 1946. Na Emenda Constitucional n.O 10 de 1964 constou, 
porém, com área de até 100ha, bem como no Estatuto da Terra (Lei n.O 4.504/64, 
art. 98), que fala em módulo rural. Omissas a seu respeito a Carta de 1967 
e a Emenda Constitucional n.O 1 de 1969; daí não poder mais ser chamado de 
constitucional, vez que desceu da órbita da Carta Magna para a da lei agrária. 
Atualmente, o que vige entre nós é o art. 98 do Estatuto da Terra: "Todo 
aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar por 10 anos inin­
terruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, tornando-o pro­
dutivo por seu trabalho e tendo nele sua morada, trecho de terra com área ca­
racterizada como suficiente para, por s~u cultivo direto pelo lavrador e sua famí­
lia, garantir-lhes a subsistência, o progresso social e econômico, nas dimensões 
fixadas por esta lei, para o módulo de propriedade, adquirir-lhe-á o domínio 
mediante sentença declaratória devidamente transcrita." 
O Estatuto da Terra definiu o módulo rural, que representa a área suscetível 
de usucapião, de acordo com as várias regiões geoeconômicas. Esta espécie de 
usucapião só pode incidir sobre imóvel rústico, exigindodo usucapiente: 
a) que não seja proprietário rural nem urbano. Muito justo; o objetivo da 
norma é não só intensificar a produção agrícola como também proteger a pessoa 
do lavrador e de sua família. Não tendo ele outra propriedade, nem rústica, 
nem urbana, terá necessariamente de tratar com carinho a terra de que pretende 
ser dono, dedicando-se inteiramente a ela, sua futura propriedade. E a lei fa­
zendo tal exigência faz com que o lavrador estabeleça seu lar, no meio em que 
trabalha. Tendo ele outra propriedade poderá, por motivos de comodidade, 
para si próprio ou de sua família, habitar nela, com prejuízo de suas atividades 
diárias. Além do mais, não seria justo que este favor, concedido por lei aos 
não-proprietários, servisse aos já proprietários de imóveis, facilitando a especula­
ção imobiliária; 
b) que ocupe, por 10 anos ininterruptos, sem oposição, nem reconhecimento 
de domínio alheio; o prazo de 10 anos tem de ser contínuo e é contado do dia 
seguinte em que o usucapiente entrou no exercício efetivo das terras. A inter­
rupção pode ser natural ou civil. E natural quando o possuidor esbulhado deixa 
68 R.C.P. 1/8j 
passar um ano sem exercer ação de esbulho ou quando abdica da posse. l! civil 
quando o proprietário aciona o possuidor ou quando este reconhece o direito 
do proprietário. A suspensão da usucapião é regulada pelo art. 553 do Código 
Civil. Pela suspensão, ao contrário da interrupção, o curso da prescrição cessa 
somente durante o impedimento, sem inutilizar o tempo anterior. Assim, desa­
parecendo os impedimentos que deram causa à suspensão, continua o prazo da 
usucapião, somando-se ao prazo anterior até o dia em que foi suspenso. A posse, 
durante todo o período de 10 anos, tem de ser tranqüila e pacífica. Se durante 
este prazo legal aparecerem terceiros com direitos sobre a terra, não poderá o 
ocupante requerer a usucapião, porquanto houve oposição, deixando de ser a 
posse mansa e pacífica como exige a lei. Essa espécie de usucapião também 
exige o animus domini, pois a letra constitucional reza: "sem reconhecimento 
de domínio alheio." O possuidor que pede licença a terceiros para construir, 
plantar ou praticar quaisquer outros atos na terra ocupada, ou aquele que pro­
cura comprar a terra que ocupa, não tem o animus domini, estando, pois, uma 
destas atitudes interrompendo a prescrição aquisitiva, o que resulta para ele na 
perda de todo o tempo decorrido; 
c) que o trecho de terra não seja superior a 100ha. Pela Constituição de 1934 
a área máxima para a prescrição aquisitiva era de lOha. A Constituição de 
1946 alterou-a para 25ha e a Emenda Constitucional n.O 10 de 1964 aumentou 
a área para 100ha, o que é suficiente para assegurar ao lavrador e sua família 
condições de subsistência e progresso econômico. Pelo art. 4.°, 11 e 111, da 
Lei n.O 4.504/64 (Estatuto da Terra) o tamanho da área ficou dependendo do 
módulo rural, que subordina-se a tabelas revistas periodicamente pelo Incra, 
para cada região. Estabelece uma unidade de medidas que exprime a interde­
pendência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma 
e condições de seu aproveitamento econômico. Outra modificação introduzida 
pelo Estatuto da Terra foi referente às terras públicas, que, no seu art. 102, pa­
rece admitir usucapião rústica em terrenos da União. Reza o referido artigo: 
"os direitos dos legítimos possuidores de terras devolutas federais estão condi­
cionados ao implemento dos requisitos absolutamente indispensáveis da cultura 
efetiva e da morada habitual"; 
d) trabalho produtivo e direto do agricultor. l! a mais importante das exigên­
cias. Se o espírito da norma foi proteger o lavrador e não o ocioso, não seria 
compreensível que não fosse exigida tal condição. A finalidade foi premiar o 
trabalho produtivo do homem do campo, dando-lhe oportunidade de tornar-se 
proprietário da terra que, durante anos, ele próprio cultivou e amanhou, com 
sua família ou com seus assalariados, e, por conseguinte, não se poderia entender 
que fosse concedida a usucapião àquele que, embora ocupando a terra, não de­
senvolvesse nela atividade produtiva; 
e) que more efetivamente na área usucapível. A presença do lavrador com 
sua família na área ocupada é que lhe dá ânimo e facilidade de produzir e 
cuidar com carinho de sua lavoura. Sua presença de modo algum pode ser dis­
pensada. Nas outras espécies de usucapião não é exigido que o usucapiente more 
ou esteja presente na área usucapível, sua posse pode ser comprovada por meio 
somente da presença de terceiros, seus prepostos, ou até de inquilinos, que lhe 
paguem os alugueres de modo pacífico. Será exato que vige ainda entre nós 
esse tipo especial de usucapião? A dúvida funda-se em que foram omissas a 
seu respeito a Constituição Federal de 1967 e a Emenda Constitucional n.O 1 
Usucapião 69 
de 1969; não derivando, por outra parte, a força do art. 98 do Estatuto da Terra 
e ainda assim apenas para as terras públicas, senão do preceito das Constituições 
anteriores, em especial da Emenda Constitucional n.O 10 de 1964. Nem dela 
cogitou, afinal, o·Código de Processo Civil de 1973, que se limitou a regular o 
procedimento da usucapião de terras particulares. Dúvida maior surgiu com 
o advento da Lei n.O 6.969/81, que para alguns teria revogado a usucapião 
rústica do Estatuto da Terra. Entendo que não; ambas podem coexistir, pois 
são diferentes, e assim já tem entendido grande parte da doutrina e da jurispru­
dência. 
19. Usucapião especial 
Esta forma de usucapião é regulada pela Lei n.O 6.969/81. Só a pessoa física 
pode requerê-la; beneficia brasileiro ou estrangeiro, sendo de notar-se que este 
fica sujeito às restrições que lhe impõe legislação especial, mormente a Lei 
n.O 5.709/71. Está como condição ao beneficiário que não seja proprietário 
rural ou urbano. A posse deve ser atual; não é possível que o não-possuidor 
requeira usucapião de um imóvel porque o possuíra no passado. Há de sê-lo 
no momento em que ajuíza sua pretensão. A posse é a exteriorização da pro­
priedade, é poder de fato sobre a coisa, é a posição da pessoa em face da coisa 
como normalmente se posicionaria o proprietário. O possuidor normalmente 
sabe que a coisa não é sua. Pode até conhecer-lhe o proprietário, mas age como 
se não o soubesse, age com animus domini, como se proprietário fosse. Basta 
que ele não admita que o proprietário teve vantagem física da coisa, nem se 
atribua a condição de possuidor por mercê do proprietário ou em virtude de 
uma relação contratual com ele. Assim, não pode usucapir quem tem a coisa 
como locatário, depositário, comodatário, arrendatário, parceiro, outorgado etc. 
Posse hábil para gerar a usucapião é a despida de vínculo com o proprietário. 
A posse não gera usucapião instantaneamente; é preciso que seu exercício 
dê-se num certo lapso de tempo. O prazo da usucapião especial é o menor prazo 
para usucapião de imóvel no regime jurídico brasileiro. Precisa ser contínuo 
e sem oposição; sendo interrompido, perde a continuidade. Este prazo é de 
cinco anos. 
Aplicam-se à espécie as regras pertinentes às causas substantivas e suspensi­
vas do curso do prazo (Código Civil, arts. 168 a 170), bem como às interruptivas 
(Código Civil, art. 172). Entenda-se que, em caso de suspensão ou interrupção, 
só são eficazes durante o decurso dos cinco anos. Se a posse data de mais de 
cinco anos, os motivos novos de suspensão ou interrupção serão irrelevantes, 
porque a condição tempo já fora integralmente cumprida. Nesta hipótese, o in­
teressado pode requerer a usucapião. Quanto a esta oposição, é preciso que 
seja hábil; não basta o proprietário proclamar sua titularidade dominial nem 
mover ações contra o possuidor, se este for nelas vencedor. :e preciso que, pela 
oposição, seja arrebatada a posse do pretendente à usucapião de maneira defi­
nitiva. Simples turbação ou esbulho de posse, repelidos utilmente, seja pelo re­
curso da legítima defesa (Código Civil, art. 502), seja pela intervenção judicial

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