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Notas históricas sobre a bandeira nacional

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NOTAS HISTORICAS SOBRE A BANDEIRA NACIONAL 
D.J ACIR MENEZES 
Dentre os numerosos projetos que transitaram pelo Conselho Federal de 
Cultura, prendeu-me particularmente a atenção uma proposta que se referia 
ao acréscimo de estrelas na bandeira nacional. E o interesse nascia de antigas 
leituras feitas sobre as origens republicanas, as influências positivistas, o am­
biente ideológico da transição das instituições. Porque sempre me atraiu muito 
o estudo da história das idéias, o trabalho do pensamento entranhado no curso 
dos acontecimentos sociais, a forma pela qual o conflito dos grupos e classes 
se espelha na consciência dos indivíduos. O próprio verbo, que agora emprego, 
atraiçoa o meu pensamento, porque não se trata de espelhar fatos externos 
a modo de espelho, mas apreendê-los, intuicionando-os e refletindo-os prospecti­
vamente. De certa maneira, a mente penetra, pela compreensão, os aconteci­
mentos, descobrindo-lhes o nexo racional, o sentido, que a história apresenta. 
O indivíduo compreende, progressivamente, sua posição ao jogo do acontecer, 
ganhando consciência mais profunda do desenvolvimento das relações sociais, 
e, desta forma, cada vez mais se liberta do mecanicismo e do fatalismo. 
Desfaz-se essa representação teórica que reduz, como disse numa palestra aqui 
realizada, a sociologia à zoologia.1 
A tal tendência, associam-se todas as interpretações que exageram os valores 
afetivo-instintivos da herança biológica do homem, em detrimento das quali­
dades humanamente amadurecidas, que afloram no plano da racionalidade. 
O desenvolvimento histórico se faz no crescer inevitável desse lado luminoso 
- e daí a visão angustiosa que os contrastes e contradições do mundo atual 
suscitam. 
I 
Mas é na "história das idéias" que está a atração maravilhosa do estudo: 
ali aparecem as interrogações que se tentam responder. Cada época tem seu 
repertório de interrogações e formula suas respostas dentro de suas própria~ 
limitações. Já se disse que está errado chamar os "antepassados" de mais 
velhos; historicamente, são os mais novos: têm menos experiência, compreen­
deram mais infantilmente a sociedade e a natureza; são, portanto. mais ima­
turos. Do ponto de vista histórico, são crianças; OS adultos somos nós que temos 
séculos de civilização. Quando encaramos a sua atitude diante dos problemas, 
percebemos os enganos oriundos de sua menor experiência. Se o passado explica 
o presente, porque lá estão suas raízes, o presente melhor compreende o pas-
1 Menezes. Djacir. Sociologia social. In: Carta Mensal, 11(124) jul. 1965. 
R. C. pol., Rio de Janeiro, 29(1):61-68, jan./mar. 1986 
sado, porque o que lá era semente, já hoje é árvore, onde desabrolharam todas 
as conotações outrora em potência, agora em ato. 
~, portanto, mais fácil de compreender o nascer das instituições quando já 
estão expandidas e reveladas. Então, ao debruçarmo-nos na época genésica, 
somos conscientes de tudo que virá depois, porque o depois já deixou de ser 
embrião, enriquecendo o nosso espírito para a compreensão do passado. 
O positivismo e o evolucionismo repercutiram nos quadros da inteligência 
brasileira através dos centros intelectuais mais ativos, onde, por sua vez, con­
centrava-se o pensamento tradicionalista e religioso, representado pelas grandes 
correntes do espiritualismo. Nas Faculdades de São Paulo e de Recife, para 
mencionar os dois centros acadêmicos que vinham de 1824, querendo trans­
plantar a tradição conimbricense, travou-se batalha ideológica, na década de 
antecedeu à República. Não receiem: não vou repisar aqui as notícias tão 
conhecidas das proclamações filosóficas de Tobias e Sílvio, lá pelo norte, histo­
riadas com lucidez e competência por vários estudiosos, entre os quais poderia 
entre nós apontar o Ministro Hermes Lima, e, encerrando a fila, como mais 
recente analista do movimento, o Sr. Antônio Paim, autor de claro e sóbrio 
volume publicado sobre a Escola de Recife. 
II 
O nosso tema neste instante é mais modesto. E, ao mesmo tempo, rompe as 
limitações da modéstia, porque se trata da bandeira nacional, o símbolo mais 
alto na amplitude de nossa admiração. Diante de certa "crítica de escada abai­
xo", como blaterava o velho Camilo, comecei o meu parecer no Conselho 
Federal de Cultura recordando um episódio gracioso. 
Quando Maupertuis, matemático de celebrada competência, foi ao Pólo Norte 
para verificação de seus cálculos, numa experiência científica patrocinada por 
Frederico, o Grande, da Prússia, Voltaire, que o perseguira com ironias no 
Diatribe do Dr. Akakia, logo maliciosamente escreveu, numa carta sutil, que 
o sábio, no intuito científico de harmonizar a realidade com suas teorias, fora 
achatar um pouco mais os pólos. Pois a anedota vem ao espírito quando se 
relêem os documentos e as manifestações que se fizeram nos primeiros dias 
da República à volta da bandeira nacional, que havia sido desenhada pelo 
pintor Décio Vil ares sob inspiração direta do positivismo. Vale a pena exami­
nar mais detidamente a polêmica que houve em tomo da composição do sím­
bolo augusto. 
Ainda a 17 de novembro, num despacho sobre proposta para a nova ban­
deira, escrevera Deodoro: "A bandeira nacional, já tão conhecida e reconhe­
cidamente bela, continua, substituindo-se a coroa sobre o escudo pelo cru­
zeiro." 2 Transigiu um pouco, sob influência de Benjamin. 
O decreto do governo provisório mantinha as cores da antiga bandeira: seria 
um campo verde com o losango amarelo como representativas da continui­
dade de nossa tradição. Eram as cores da casa de Bragança e de Habsburgo. 
Ao centro, "a esfera azul-celeste, atravessada por uma zona branca, em sentido 
2 O autógrafo encontra-se no livro de Ernesto Sena - Subsidio para a hist6ria. com a 
anotação de Jacques Ourique datada de 17 de novembro de 1889. 
62 R.C.P.--1/86 
oblíquo e descendente da direita para a esquerda, com a legenda Ordem e Pro­
gresso e pontuada por 21 estrelas, entre as quais as da constelação do Cruzeiro 
do Sul, dispostas na sua situação astronômica, quanto à distância e ao tama­
nho relativos, representando os 20 estados da República e o município neutro, 
tudo segundo o modelo debuxado no anexo n.O 1". O decreto saiu publicado 
no Diário Oficial n.o 323, de 24 de novembro de 1889. E neste mesmo Diário 
Oficial veio a Apreciação Filosófica sobre a bandeira, escrita por Teixeira Men­
des, a pedido de Rui Barbosa. Décio Vilares desenhou-a interpretando o de­
creto do governo provisório, sob orientação do apóstolo positivista. 
A primeira objeção foi sobre erros na representação astronômica do· céu da 
madrugada de 15 de novembro. Debalde Teixeira Mendes e Miguel Lemos 
explicaram que não se tratava de uma representação científica e objetiva, mas 
de uma "imagem" do céu convenientemente idealizada "para condensar em 
uma divisa os votos de todos os patriotas", que pudesse "sintetizar as aspira­
ções da alma nacional". A argumentação era um tanto evasiva; porque, na 
Apreciação Filosófica, se fazia referências à posição astronômica das estrelas 
nas constelações. Ouçamos o autor: 
"Figurou-se a esfera inclinada sobre o horizonte, segundo a latitude do Rio 
de Janeiro, e assinalou-se o Pólo Sul pelo sigma do Oitante, que se tornou 
o símbolo natural do município neutro. Escolheram-se constelações astrais, com 
exceção do Pequeno Cão, que forneceu Procyon para significar que a União 
Brasileira tem um estado que se estende ao hemisfério norte. Esta constelação 
fica ao norte do Equador e ao sul da eclítica. As outras constelações escolhidas 
foram, além do Cruzeiro, convenientemente destacado, o Triângulo Austral, 
o Escorpião, a Virgem (Espiga), Argus (Canopo) e o Grande Cão (Sirius). 
Virgem tem parte no hemisfério norte, parte no hemisfério sul, estendendo-se 
aquela acima da eclítica.JJ3 E continua a descrição que havia de provocar o 
debate entre os entendidos. 
Evidentemente. não se iria estudar cosmografia nas escolas pela simbolização 
da bandeira. A inspiração no céu estrelado de15 de novembro, idealizado de 
um ponto de vista estético, deu significado original ao pavilhão. Mas, o espí­
rito servil logo desovou a idéia de comparar com outros pavilhões salpicados 
de estrelas exprimindo as unidades componentes, mas alinhadas, em recanto 
próprio, militarmente dispostas em fila: e assim também devia ser o nosso 
simbolismo! Felizmente arraigou-se na alma nacional a imagem consagrada 
- e o anseio da imitação não vingaria para destruir aquela fisionomia original. 
111 
No ano de 1891, o deputado Valadão apresenta um projeto à Câmara, no 
qual pedia a alteração da bandeira que seria "ainda por muito tempo conside­
rada como a bandeira de uma seita digna do maior 'respeito pela elevação dos ' 
seus princípios, mas que está longe de ser a da maioria dos brasileiros". Ao que 
Miguel Lemos, entre outros argumentos, lembrava 'a entusiásticamanifestaçãô' 
popular de 7 de setembro do mesmo ano reclamando num nobre arroubo cívi-
3 Teixeira Mendes. A bandeira nacional. 3. ed. Rio de Janeiro. 1958. 
Bandeira nacional 63 
co, a manutenção do lábaro estrelado. E a seguir publica no Jornal do Comércio 
os telegramas dos Presidentes Barbosa Lima, de Pernambuco, Machado, de 
Santa Catarina, Bezerril, do Ceará, que lhe vinham chegando às mãos. Também 
Floriano, sempre esquivo às manifestações ruidosas, firma-se na convicção de 
não mudar nada! 
Aqui entra em cena o Sr. Antão de Vasconcelos. No dia 9 de fevereiro 
de 1893, no jornal Cidade do Rio, em carta à redação, escreve que "a bandeira 
devia ser mudada, porque estava de pernas para o ar, devendo achar-se a 
constelação do Cruzeiro do Sul sobre a faixa que marca o Equador, visto ser 
o pólo do sul o que está em cima para nós, que estamos no hemisfério astral". 
Como a carta anterior fora publicada com título que mexeu com os nervos 
do missivista (monarquista confesso com pretensões a astrônomo, beliscara o 
jornal), o Sr. Antão dirige-se à Sociedade Astronômica de França, que lhe res­
ponde, no seu órgão L'Astronomie, o seguinte: "Vous avez parfaitement raison; 
le drapeau du Brésil, portant Ia croix du sul au dessous de sa bande equato­
riale, est à l'anvers pour les habitants du Brésil. Logiquement, les habitants de 
l'hemisphere austral devraient mettre le Sud en haut." 
Ao que facilmente contestou o Sr. Miguel Lemos, acusando o Sr. Antão de 
ter escamoteado a seguinte frase da Sociedade Astronômica de Paris: "Todavia 
o desenho pode justificar-se, porque se tem o hábito de representar o globo 
terrestre com o norte no alto, tendo vindo a civilização do hemisfério boreal." 
Não exagerei, pois, quando recordava a suposição de Voltaire a respeito de 
Maupertuis. O Sr. Antão não hesita e declara: "Vai com vista ao Goverp.o, que 
deve mandar endireitar a nossa bandeira, que, de pernas para o ar, nada signi­
fica. J! justo, portanto, que o Governo tome uma deliberação: mude a ban­
deira. .. ou mude os p610s, o que parece mais fácil." Aliás, segundo o poeta 
inglês Nilton, Deus manda os anjos torcerem o eixo terrestre, não se sabe ainda 
com que intenção: "Some say he bid his angels tum askance, the poles of 
earth." 
Realmente, voltando ao Sr. Antão, ninguém entende que uma bandeira 
possa virar "as pernas para o ar", o que facilmente pode fazer o autor do 
artigo ou qualquer de nós, se a idade o permitir. Mas o fato é que, nesta 
altura dos acontecimentos, Miguel Lemos, por intermédio de Tasso Fragoso, 
pede o parecer de dois peritos em astronomia. Responde-lhe L. Cruls, diretor 
do Observatório Astronômico: "Com efeito, pela descrição da referida projeção, 
vê-se que ela representa o aspecto da abóbada celeste no momento em que 
a constelação do Cruzeiro passa no meridiano, achando-se, portanto, nesta 
ocasião, simultaneamente, o p610 abaixo e a eclítica acima da mesma conste­
lação; supor, pois, o norte na parte superior da projeção e o sul na parte infe­
rior. é simplesmente adotar as conveniências usadas para os mapas geográficos. 
E tanto assim é que a própria Sociedade Astronômica de França o deixou en­
tender quando disse que o desenho podia se justificar, pois que se tinha o 
hábito de representar o globo terrestre com o norte em cima." E vai além: 
"Quanto a querer, na projeção, colocar o p610 sul acima, teria a desvantagem 
de apresentar o céu em posição inversa àquela em que o vemos, pois que, não 
4 Lemos, Miguel. Artigos episódicos. Apostolado Positivista do Brasil, 4. série, A questão 
da Bandeira. Rio de Janeiro, 1894. 
64 R.C.P. 1/86 
sendo na latitude do Rio de Janeiro, o Cruzeiro, uma constelação circumpolar, 
nunca vemos esta abaixo do pólo, na sua passagem meridiana, e sempre acima." 
O outro parecer era de Manoel Pereira Reis, lente de astronomia na Escola 
Politécnica desde 1881. Disse: "Todas as vezes que tenho de figurar na pedra 
(quadro-negro) a esfera celeste, faço-o sempre colocando o hemisfério norte 
para cima, declarando ao auditório que assim procedo não só porque é uma 
disposição universalmente aceita, como porque é um sinal de homenagem que 
o hemisfério sul presta ao hemisfério norte, de onde tudo recebeu." 5 
De parte essa reverência entre as duas metades do globo, argumenta o douto 
astrônomo que tal convenção universalmente aceita não sofreu contestação de 
ninguém, nem da Sociedade Astronômica de França. Portanto, a bandeira devia 
seguir a representação tradicional. 
IV 
Mas ia esquecendo um eXlDllO polemista, que entrou logo na batalha com 
o denodo que o caracterizava. Eduardo Prado, monarquista militante de última 
hora, quase como reação moral ao espetáculo de tantos republicanos saídos 
do regaço da monarquia. Lá em Paris, um bulevar rico, carpia um exílio fron­
doso, convivendo com Rio Branco, Eça de Queiroz e outras intimidades exce­
lentes. Tinha escrito a Ilusão Americana, o mais admirado panfleto da litera­
tura brasileira; fugira do Brejão, varando sertões, embarcara na Bahia para 
a Europa, do que deu contas em telegrama ao governo provisório quando se 
instalou no navio inglês, surto em águas de Salvador.6 Grande conhecedor de 
nossa história, tinha receptividade rápida e lúcida: e meteu-se na leitura de com­
pêndios de astronomia, redigindo sua crítica naquela linguagem em que cada 
frase ondula e investe num arremesso de combate, como diria o Eça ao traçar-lhe 
o perfil. Pegou o artigo Apreciação Filosófica, publicado no Diário Oficial, 
e deu vazão às mágoas numa erudição estrelada. Alega que o sigma do Oitante 
é estrelinha medíocre, invisível a olho nu; que as estrelas citadas por Teixeira 
Mendes não somam 21; que a estampa errou na posição das estrelas do Escor­
pião; que a alfa do Centauro é um sol duplo, sendo a beta mais brilhante que 
o Cruzeiro. Escreve mais: "E em boa companhia fica o Escorpião, porque, 
no momento escolhido pelo decreto, para a representação do céu do Rio de 
Janeiro, muito acima do Cruzeiro e bem sobre as cabeças dos habitantes pairam 
outras duas constelações sinistras - o Corvo e a Hidra.U7 Cá ainda estamos 
tendo por sobre as cabeças, além do Escorpião, o Corvo e a Hidra. Mas Deus 
vigia. 
Quando a Apreciação Filosófica declara que Procyon significa que "a União 
Brasileira tem um estado que se estende ao hemisfério norte" Eduardo apro­
veita a deixa: "Não há menino de escola naquele país que ignore que o Brasil 
tem dois estados cujos territórios se estendem ao norte do Equador." Então 
não bastaria uma estrela, mas duas. Eduardo oferece a Teixeira Mendes algu­
mas: Regulus, Arcturus, CastorePollux. 
5 Lemos, Miguel. Artigos epis6dicos. In: Lins, Ivan. Hist6ria do Positivismo no Brasil. 
São Paulo. Ed. Nacional, 1965. 
6 Mota Filho, Cândido. Vida de Eduardo Prado. Rio de Janeiro, José OIympio, 1967. 
7 Prado, Eduardo. A bandeira nacional. 1. ed. São Paulo, 1903. 
Bandeiro nacional 65 
Eduardo Prado procede ferrenha análise monárquica da Apreciação Filo­
sófica de Teixeira Mendes. Faz um repasse histórico das bandeiras havidas 
desde a Colônia para mostrar que "as cores portuguesas nunca foram azul 
e branca - e que o Sr.Teixeira Mendes errou, querendo recordar o período 
colonial por essas cores, as quais, só a partir de 1830, foram as do reino de 
Portugal". Quanto à esfera armilar, a que aludira o apóstolo do positivismo, 
argui que "não há esfera armilar, sem armilas ou círculos - e o que se pintou, 
visto lá do exílio, foi uma bola azu1. E nesse ponto, olhando a faixa, que repre­
sentaria a inclinação sobre o eixo da eclítica, abre o debate acerca da divisa 
Ordem e Progresso. 
v 
A 17 de novembro, Miguel Lemos entregou ao Ministro da Guerra, Dr. Ben­
jamin Constant, a mensagem que o Apóstolo endereçou ao Marechal Deodoro 
da Fonseca. Na nona Circular anual, descreve-se a cerimônia: "Fomos incorpo­
rados, através das ruas da cidade, precedidos de um estandarte em que a popu­
lação saudou pela primeira vez a divisa - ordem e progresso - que 48 horas 
mais tarde ela devia ser inscrita na bandeira naciona1."8 Os dois fundadores 
do Apostolado pretendiam conservar a antiga bandeira instituída por José Boni­
fácio, suprimindo-se as armas imperiais e inscrevendo a divisa comtiana. Lê-se 
no texto de Teixeira Mendes: 
"Foi em virtude dessa recomendação fundamental que foi cessoriamente 
organizado o projeto apresentado a Benjamin Constant, aceito por este ime­
diatamente e que o Marechal Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório, 
declarou espontaneamente considerar o melhor dos símbolos propostos. Além 
da adoção da divisa Ordem e Progresso, a nova bandeira teve a vantagem de 
manter a continuidade histórica, libertando-nos, ao mesmo tempo, de uma servil 
imitação da bandeira dos Estados Unidos da América do Norte, o que teria 
feito desconhecer habitualmente a verdadeira filiação da República brasileira".u 
Os "pedantocratas subvencionados pelo Estado" - conforme o léxico dos 
Srs. Teixeira Mendes e Miguel Lemos, a que devemos acrescentar o nome de 
Demétrio Ribeiro - não estão pelos autos e criticam, apoiados por alguns 
setores católicos, as idéias que disseminam os partidários de Comte. Defen­
dendo a sofocracia, dissentiam profundamente do liberalismo e do parlamenta­
rismo de Rui, atacando a concepção que considera o sufrágio universal a fonte 
suprema da organização do poder. "Até hoje nunca a maioria governou em 
parte alguma nem jamais poderá governar. Por outro lado, em toda parte 
o sistema eleitoral tem sido sempre o regime da fraude e da corrupção a ser­
viço da fração da massa ativa da sociedade, que governa, porque representa 
a força materia1." Adiante, tornava a insistir na idéia: "a sociedade é sempre 
governada pela fração da massa ativa que tem mais força - esta é que é a 
realidade". Seria a apologia da força? A ditadura republicana, apregoada na 
a Ainda a verdade hist6rica acerca da instituição da liberdade espiritual no Brasil. Rio de 
Janeiro, 1913. p. 2I. 
9 Id. ibid. p. 22. 
66 R.C.P. 1/86 
fórmula de Augusto Comte, conduziria à implantação da força organizada? 
Leia-se, inserindo no contexto: "nenhum governo pode indefinidamente man­
ter-se, seja qual for a força com que tenha surgido, se não agir no sentido das 
necessidades sociais.mo A argumentação anterior toma conteúdo sociológico: 
há que se compreender a elite em função dos interesses coletivos. Aquela fração 
ativa, que constituiu o elemento diretivo, não deve ficar ao léu das agitações 
demagógicas. Mas suprimido o mecanismo dos sufrágios, que resta, no jogo das 
forças sociais em conflito, para a seleção dos valores morais e intelectuais aptos 
à governança? 
Teixeira Mendes lembra, nesta passagem, que "Camilo Desmoulins, o chefe 
dos assaltantes da Bastilha, em 1789, assegurava que nesta época, não havia 
mais de 12 republicanos em França".l1 Teixeira Mendes não pôde deixar 
de olhar, desconsoladamente, em tomo de si, perguntando: "E no Brasil, 
quantos republicanos havia em 18891 Quantos republicanos realmente exis­
tem hoje? A realidade é que não há entre nós monarquistas, como não há 
católicos, mas o número dos verdadeiros republicanos pouco superior será ao 
dos indivíduos que, direta ou indiretamente, se inspiram no positivismo. E é só 
com essa minoria que se pode contar para defender ativamente a República." 
Após o que resumia: "O que a observação demonstra é que só governa quem 
tem força e só persiste no governo quem põe a força a serviço do bem público." 
VI 
Ainda em 1921, recrudescia na imprensa o debate sobre alguns problemas 
científicos suscitados pela representação do céu no pavilhão nacional, por causa 
de uma conferência feita por Agliberto Xavier, a 18 de março, na Escola 
de Estado-Maior do Exército. A conferência versava sobre a Teoria das Proje­
ções da Esfera e a Bandeira Brasileira e tinha o cunho rigoroso do tratamento 
técnico. Agliberto Xavier faz uma explanação das teorias clássicas que buscaram 
representar a esfera no plano, que os trabalhos de Lagrange e Causs permiti­
ram realizar mediante os recursos do cálculo infinitesimal e da geometria pro­
jetiva. Da exposição, que é feita com pormenores destinados aos especialistas, 
tiro as conclusões que nos importam aqui. O uso técnico de qualquer carta 
exige, previamente, o "conhecimento do método de projeção em que foi con­
feccionada, isto é, a lei segundo a qual os diversos pontos da superfície da 
esfera foram nela representados". Assim, a distância de um ponto a outro é me­
dida por uma linha; se desconhecemos a lei de alteração empregada, como 
avaliar? 
De acordo com o decreto do governo provisório, não há nenhuma referência 
sobre a posição da abóbada em relação a qualquer ponto do território nacional. 
Nem se declarou qual o sistema de projeção em que o modelo fixaria as es­
trelas. Nem a relação entre a faixa e o zodíaco. Diante disso, indaga Agliberto 
Xavier: "Pode-se nestas condições inferir que as estrelas estejam erradamente 
colocadas, por maior que seja a discordância da inspeção do céu e de sua 
10 Teixeira Mendes. A comemoração cívica de Benjamin Constant e a liberdade espiritual 
no Brasil. Rio de Janeiro, 1892. p. 26. 
11 Ido ibido p. 27 o 
Bandeira nacional 67 
projeção no plano da bandeira? Segundo qual lei vai o crítico deslocar de um 
ponto para outro uma estrela se ele ignora o princípio segundo o qual os pontos 
da esfera são ali representados?"l2 
Na sua opinião, o decreto foi sábio: deixou indeterminado o sistema de pro­
jeção em que deveria ser feito o croquis. Também erram, na opinião de Agli­
berto, os que pretendem se veja apenas um painel do céu de 15 de novembro, 
como se fosse a reprodução num espelho plano horizontal. Mesmo assim, uma 
imagem refletida deste modo é uma projeção ortográfica, portanto, condicio­
nada por uma lei. 
Em que consistem as indeterminações do decreto? O conferencista resume 
em nota posterior à imprensa o que já foi dito. E conclui: "Temos assim, sob 
o aspecto da interpretação, duas bandeiras bem diversas: uma, a do artigo ex­
plicativo do Sr. Teixeira Mendes, e outra, a do decreto do governo provisório, 
de Benjamin Constant. Qual delas é a verdadeira? Evidentemente, a oficial, 
quero dizer, a de Benjamin Constant. Era evidentemente esta que me competia 
justificar. " 
VII 
Terminando, repito o meu voto no Conselho, que fundamentei nalgumas 
linhas do próprio Teixeira Mendes, quando disse que a bandeira é, antes de 
tudo, uma idealização simbólica. Acrescentou ele: "Teria sido idealizada de 
outra forma se fosse executada por alguém que estivesse animado de senti­
mentos imperialistas e teoI6gicos." (Aquele imperialista, na pena de 1889, signi­
fica monarquista, com a herança teológica-feudal e respectiva metafísica teo­
crática-militar, conforme o linguajar doutrinário deles.) 
De qualquer maneira, é a bandeira que se consagrou no sentimento nacional. 
Assim nos falou na infância, acenando aos nossos corações. Assim fomos edu­
cados. Inspirou-se em certa visão dos céus, combinou estrelas estrategicamente. 
Deixemos, pois, farfalharem os "letrados e plumitivos que por aí andam doutri­
nando as massas sem preencherem nenhuma das condições intelectuais e moraisexigidas por semelhantes funções". E, obedecidos os imperativos estéticos, 
acendamos no simbolismo da bandeira as estrelas que nos convierem. 
12 Xavier, Agliberto. Teoria das projeções da esfera e a bandeira. Rio de Janeiro. 1921; 
--o Em defesa do Pavilhão Nacional. Revista dos Tribunais, Rio de Janeiro, 1921. 
68 R.C.P. 1/86

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