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OS CUSTOS BUROCRATICOS DO ESTADO SOCIAL DE DIREITO· RAINER WAHL** Vivemos num momento significativo na tradição histórica da crítica à buro cracia/ cujo conceito é desde o início utilizado numa acepção negativa. É evidente que no debate público2 estamos no início de uma nova fase que tem as características de uma verdadeira campanha propagandística em torno do argumento, primeiro acolhido, depois negado e, por fim abandonado, como já aconteceu em numerosas discussões nos últimos 10 ou 15 anos.3 Para o tratamento científico do tema, esta campanha propagandística e a rápida formação de uma opinião pública em torno destes argumentos não apresenta de modo algum apenas vantagens. Acontece que a discussão cientí fica dos temas burocráticos é indispensável de modo especial para o que nesta discussão se apresenta primordial, isto é, a apresentação de diferenciações. O recurso a termos como "fluxo de normas", "hipertrofia", "rigidez e im penetrabilidade" da burocracia, tendo assumido caráter prevalecentemente emotivo, tem por efeito tornar emotivo o acesso ao tema. Tais termos não podem valer como definição certa de um estado de coisas fixo e estável. • Tradução do original, sob o título Die Bürokratischen Kosten des Rechts - und Sozials taats (In: Die Verwaltung 13:273·96), pelo Dr. Antônio Francisco de Souza, pesquisador no Instituto de Direito Público da Universidade de Freiburg, República Federal da Alemanha. *- Diretor do Instituto de Direito Público da Universidade Albert-Ludwigs, Freiburg, Repú blica Federal da Alemanha. 1 A expressão foi citada pela primeira vez por V. v. Gournay. Apud: Emge, C. A. Kõlner Zeitschrift für Soziologie, 3: 179. 1950/51. Uma crítica clássica alemã à burocracia, R. v . Mohl, Ober Bürokratie. In: Moh!. Staatsrecht, Volkerrecht und Politik, 1862. v. 2, p. 99 sego 2 Comparar com Geissler, H., ed. VerwaItete Bürger. Gesellschaft in Fesseln. 1978; Stockin ger, H. G., ed. Gesetzesperfektionismus und Beamtenschwemme (Relatórios e estudos da Hanns Seidel-Stiftung). 1979; Demokratische Gesellschaft und Bürokratie, Die neue Gesellschaft, p. 1.076-124 (Estudo para o dia do SPD: Bürger und Verwaltung); Programa do CDU para a desburocratização do estado e sociedade de 3 de dezembro de 1979, ms.; Erstickt der Bürokratismus unsere Demokratie? (Schriften des Deutschen Stadte - und Gemeindebundes), 1979; Industrie - und Handelskammer zu Koblenz, Giingelwirschaft statt Marktwirtschaft? parte 1-4, 1977-79, T. Bender DRiz, 1978, 33; Baum, G. R. BMIBMI-Mitteilungen, n. I, 1979, 2 e seg.; Scholer, A. v., ed. n. 2, 1979, p. 1 e segs.; Vogel, H.-J. ZRP, 1979, 31 Iss; --o ZRP, 1980, 5; B. Breue1, den Amtsschimel absatteln, 1979; U. Lohmar. Staatsbürokratie. Das hoheitliche Gewerbe, 1978. (Aqui a discussão In: Aus Politik und Zeitgeschichte, sepa rata da revista Das Parlament, B. 15/1979); BulI, H.-P., ed. Verwaltungspolitik. 1979; Zuber, H., ed. Schlankheitskur für den Staat. 1979. p. 227; Starck, Chr. ZRP, 1979, p. 209; Lange, K. DVBJ, 1979, p. 533; Schier, W. BayVBJ, 1979, p. 321; Maassen, H. NJW, 1979, p. 1.473; Weib, H.-D. DCEV, 1978, p. 601. 3 Wagner, F. Der Oftentliche Dienst im Staat, der Gegenwart, VVDStRL 37, 1979, p. 234. Ali também 233s para o funcionalismo segundo o qual a "culpa no fluxo de normas" e na "burocratização" é transmitida do cidadão aos funcionários, dos funcionários aos políticos que fazem as leis e dos políticos aos cidadãos exigentes. R. C. po!., Rio de Janeiro, 29(1) :40-60, jan./mar. 1986 Não tomarei em conta a responsabilidade, mas ocupar-me-ei do contributo específico que a ciência jurídica e nós juristas temos dado e continuamos a dar ao processo de produção da estrutura burocrática na administração da justiça! Poderei sintetizar, numa tese, as considerações que se seguirão: a crítica à burocracia marca o ponto no qual o direito público é posto em confronto com os efeitos e as conseqüências da sua dogmática. As carências da burocracia são a conseqüência das causas que também nós juristas, como tantos outros, animados de boas intenções e com boa consciên cia, temos certamente remorso. E minha intenção perturbar nossa "boa consciência" na aplicação dos prin cípios inspiradores do Estado social de direito para considerar as conseqüên cias burocráticas que resultam de tal operação. Na base das reflexões que se seguirão tratarei de fixar a ordem dos trabalhos em torno dos problemas da burocratização. A crítica ao excessivo crescimento quantitativo (burocratização quantitativa) e ao método dos trabalhos qualitativamente desvantajosos da administração (burocratização quantitativa) vem desenvolvida em dois as pectos. 1. A expressão "burocratização" é utilizada para descrever uma situação na qual o Estado chama a si, em âmbitos específicos ou gerais, inúmeras tare fas, ameaçando assim a iniciativa privada. Em tal caso, a crítica à burocracia toma o aspecto de uma crítica da função e de uma crítica geral do Estado.:> 2. Outra variante do significado da "burocratização" é uma crítica espe cífica à administração em si. Esta crítica emerge quando é forte a impressão de que, entre a intenção originária de um ordenamento e a sua realização, colocam-se alguns elementos posteriores de obstáculo, precisamente o processo e o aparelho executivo, por meio dos quais Se renuncia, inteiramente ou em parte, ao justo objetivo originariamente fixado. Insurjo-me, em primeiro lugar, contra este último significado de que fala mos, o qual é tratado na primeira parte deste artigo, isto é, o que são os custos burocráticos. Na segunda parte, analisarei em que medida o princípio do Estado de direito é criador de burocracia, e por que pode contribuir para impedir a rea lização de determinado fim. Na terceira parte, tratarei da crítica à burocracia como crítica de função, prevalentemente no exemplo do princípio do Estado social. I A crítica à burocracia, no sentido anteriormente exposto, leva à contradição entre o programa tomado como "bom" e os seus resultados, acolhidos pelo cidadão de maneira não-favorável, como previsto. 4 De modo semelhante pergunta Sendler, ZRP, 1979, p. 227 e seg., pelo papel do juiz e da jurisprudência no número e tipos de normas. 5 Este significado domina na publicística em geral e na maior parte dos estudos. In: Schlankheitskur (nota 2), e em Breuel (nota 2), p. 112 e segs. Os custos burocráticos 41 Os inconvenientes nas relações entre a administração e o cidadão, e a im perfeição no sucesso do programa em confronto com a intenção originária, são os fatores indicativos deste fato. ~ opinião corrente que uma das causas fundamentais disto é a chamada "autonomia" da burocracia: pode-se dizer que a administração, como apare lho organizativo e como sistema processual, apresenta um peso próprios e orienta-se progressivamente por diretivas internas e pela necessidade especí fica da própria organização e dos funcionários. A reação a esta atuação problemática, é fomentar uma política administra tiva1 de tipo programático: a autonomia da administração deve, através de fins claros de política administrativa, ser eliminada e atenuada pelos objetivos político-administrativos. Para maior clareza, alguns exemplos. Inconvenientes na relação entre a ad ministração e o cidadão manifestam-se de modo evidente em fatos elucidativos como a incompreensibilidade dos formulários,8 a divisão da competência num assunto unitário do cidadão, a distância espacial entre a administração e o cidadão. Por estes resultados prejudiciais não são responsáveis, de forma ime diata, dogmas jurídicos. A reforma administrativa do território e a autono mização na administraçã09 têm produzido um acréscimo excepcional no au mento da distância do cidadão, na primazia da perspectiva interna da racio- nalização e na deficiente orientação do cidadão. Ambas as modificações da administração não são produto dos juristas ou dos dogmas jurídicos, mas antes de uma política administraitvanão equili brada. ~ duvidoso que tentativas meramente "propagandísticas" de uma apro ximação da administração ao cidadão possam produzir um reequilíbrio satis fatório ou a reposição do status quo ante. Possibilidades para sair desta situação, da atual política administrativa, decorrem de instituições de apoio ao cidadão (Bürgeranlaufstellen) e dos cen- 6 Koschnick. H. Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.078: existe hiperburocratização quando a tarefa funcional de uma administração é pouco nítida - ela é autônoma - ou persegue um fim próprio; de modo semelhante, Binder, H.-G., ed. p. 1.092 e Fõhr, H. In: Geissler (nota 2), p. 45 e segs. 7 Assim, em especial, ElIwein, Th. In: BulI (nota 2) com claros exemplos de casos con troversos e contributos nesta problemática. Ver, também, von Schõler (nota 2), p. 2. 8 Para o problema da formação de formulários, cf. H.- e B. Nowak. Probleme des Bürokratismus. Untersuchung und Neugestaltung des Berliner Wohngeldantrags, ms. 1978 (a encargo od BKa e do Berliner Bausenators); além disso, cf. o trabalho de von K. Grimmer, W. Schãfer no Tagung der Gesellschaft für Rechts - und Verwaltungsinformatik 1979, 1979, relatório NTW 1979, p. 2.292 e segs., assim como R. Albrecht e E. Reidgeld, Vierteljahress chrift für Sozialrecht (VSSR) 5 (1977), p. 251 e segs.; W. Schãfer e G. Skorka, Die Abbildung von Gesetzestexten auf Formulare in de Rentenversicherung (Documentos de trabalho do grupo de investigação da automatização da administração Heft 17), Kassel 1979. 9 Os efeitos da reforma administrativa territorial foram amplamente tratados na série de publicações de Oertzen, H. J . v. & Thieme, W., ed. Die Kommunale Gebietsreform. A auto matização da administração com sua freqüente perspectiva interna tem sido objeto de amplos projetos de investigação, Verwaltungsautomation an der Gesamthochschule Kassel, cf. os documentos de trabalho, até o volume 17; além disso o Tagungsbericht NJW, 1979, p. 2.293; Lenk, K. OVD, publicação especial, 1978, p. 22 e segs. Os efeitos da atuação altamente ro tineira da Massenverwaltung com o apoio de computadores manifestam-se no fenômeno cres cente de "vias de direito" (recurso - Rechtsbehelfen); cf. ainda Grimmer, Heussner, Korn, Karlsen"& Lenk. Rechtsverwirklichung bei strikt geregeltem Verwaltungshandeen (Documen tos de trabalho, caderno 16). 42 R.C.P. 1/86 t1'05 de assistência (Dienstleistungszentren)10 opostos à concentração numa úni ca instituiçãoll responsável, atuando paralelamente e em diversos setores. Fica, todavia, a questão de saber se, e, em que medida, independentemente de erros ou oportunidades da política administrativa, os formulários devem ser tão complicados, a competência tão interdependente, para tomarem tão grandes as exigências jurídicas na diferença da regulamentação e na sua aplicação. Um último passo de nosso raciocínio leva-nos provavelmente ao problema: não é só uma tese, mas uma visão de base bem fundamentada da consciência da administração, a consideração de que a exigência estrutural interna de uma organização e a disposição particular do pessoal proposto tenham conseqüên cias relevantes para os resultados concretos de um programa.12 A administração, como aparelho e sistema processual, exige freqüentemen te, para que possa ser aplicada de modo eficaz, uma regulamentação material.llI A realização jurídica através de organização e proteção jurídico-fundamen tal é um slogan conhecido.H Tem aqui interesse o reverso destes princípios valorizados positivamente. A administração, como aparelho e como modo de processo, tem sempre um peso próprio, um efeito sobre o conteúdo da decisão: as premissas decisórias são, não apenas regras de conteúdo e programas, mas também organização.15 Chamo a estas circunstâncias "custos burocráticos", porque a necessidade de um aparelho tem sempre efeitos sobre o grau de realização de um fim mate rial: junto da orientação dos funcionários aos fins materiais e regulações, estão necessariamente, na organização, as perspectivas internas, a orientação a pro blemas próprios dos funcionários e da administração como estrutura organi- 10 Cf. Reimold, G. BWVPr, 1979, p. 247, sob indicação do Gemeindeprüfungsanstalt BW, BWVPr, 1979, p. 232. O fim de tais centros de apoio e de outras instituições administrativas é alcançar um lado exterior da administração que vá contra a unidade e globalidade do cidadão; sobre este ponto, cf. Kosschnick & Haack, D. Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.080 e 1.109, Programa do CDU (nota 2, p. 26). 11 Para as possibilidades e problemas de uma concentração de processos paralelos, Jarass, H. DOV, 1978, p. 21; cf. ainda o Tagunsgsbericht, BayVBL, 1979, p. 493. 12 Para a compreensão da organização e das premissas de decisão, cf. as indicações feitas na nota 15. Pode-se, por assim dizer, exprimir os fatos também através da formulação kan tiana de J. Isensee, Die typisirende Verwaltung, 1976, p. 130: "A norma é em si inacessível ao jurista." Assim, um programa dirige-se ao destinatário numa forma que resulta transfor mada da passagem através da estrutura legal da organização (burocrática). IJ No campo de aplicação de uma reserva de autorização, todo o caso de aplicação da regulamentação relativa depende de um agir oficial da autoridade; mas dependências pro cessuais são também relações de prestação como medidas de vigilância e de controle. 14 Starck, Freiheit und Organisation 1976. In: FS BVerFG, lI, 1976, p. 480 e segs.; Hesse, K. EuGRZ, 1978, p. 434 e segs., com indicação da jurisprudência do BVerFG; Pitschas, R. VSSR, 5, 1977, p. 141 e segs. (zum formellen Sozialstaatsprinzip) e em especial 149 e segs. (para a realização do direito "através da organização"), p. 169 e segs.; Hufen, IA, 1977, p. 73 e segs., 128 e segs. IS Para o problema do peso autônomo da administração, basta recordar a formulação de M. Weber e a discussão sobre a burocracia suscitada por ele. Sobre o conceito fundamental da premissa decisória e do seu fundamento teórico, cf. Luhniann, N. In: Politische Planung, 1971, p. 188 e segs., 207 e segs., ainda p. 67 e segs.; Theorie der Verwaltungswissenschaft, 1966, p. 49 e segs. A autodinâmica é para a organização um termo que penetra na repre sentação material em diversos campos da política social: Kaufmann, F. X., ed. Bürgernahe Sozialpolitik, 1979, p. 145 e segs., 501-5. Os custos burocráticos 43 zativa. A expressão "custos" deve indicar o juízo não-trivial acerca da inevi tável desvantagem da realização do direito através da organização. Esta conclusão contém inúmeras conseqüências: 1. Na execução de uma norma jurídico-pública deve-se ter em conta o peso próprio do aparelho executivo. Todo regulamento que não é self-executing produz burocracia e, por conseguinte, custos burocráticos. Assim sendo, não existe em amplos domínios do direito público a alternativa entre a burocrati zação e a não-burocratização, mas apenas entre, por assim dizer, burocratiza ção e "hiperburocratização".18 2. A política administrativa pode atenuar, mas não eliminar o peso autô nomo da administração. 3. B evidente que a política administrativa tornar-se-á tanto mais complexa quanto maior for a orientação total, é, assim, o âmbito de referência interno da administração e a necessária ocupação com problemas próprios. Apesar de uma boa política administrativa, a atenção tem de ser orientada em torno de todas as causas originárias da produção e multiplicação da burocracia. E, como sempre, a participação do sistema jurídico e dos juristas neste pro cesso de burocratização quantitativa e qualitativa, imediata e referida a outros fatores, não pode ser esquecida. Contra isso me insurjo nas considerações que se seguem. 11 1. B evidente que o conceito de Estado de direito, que exige em todos os casos previsibilidade, ponderação e segurança na atuação estadual em con formidade com o direito, tem efeitos sobre o número, sobre a diferença de conteúdo da norma, e, ao mesmo tempo,sobre a extensão do aparelho admi nistrativo. Um inventário dos fatores, próprios do Estado de direito, que produ zem burocracia seria facilmente elaborado,l1 mas seria todavia de interesse limi tado. Tal enumeração serviria, indubitavelmente, para demonstrar que através do processo de jurisdição produz-se necessariamente burocracia. Aqui interessa todavia indicar os movimentos possíveis que produzem uma burocracia incontro lada e exagerada. Tal impulso conferido pelo sistema jurídico à burocratização consiste no fato de que alguns importantes institutos jurídicos são caracteri zados por uma tendência autodinâmica à produção de burocracia. Isto não é reflexo da dogmática do direito público. O processo de jurisdição assume uma dinâmica própria, porque não existe impedimento jurídico para que não se regulamentem, de forma sempre mais precisa e minuciosa, os fatos concretos. 16 Também por ElIwein (nota 7), qualificado como problema principal; cf. ainda Grunow. In: Kaufmann (nota 2), p. 348. 17 Seria de citar a "reserva de lei e a sua extensão", a "necessidade de determinação", 8 "garantia da proteção jurídica", a "negação jurídico-estatal contra cláusulas gerais e campos de discricionariedade", a "necessidade de justiça no tratamento do caso concreto". 44 R.C.P. 1/86 Tanto mais que, como indica Luhmann,I8 "fazem parte da lógica e da técnica jurídica elementos, numa certa praticabilidade (SelbstliJufigkeit) , segundo im pulsos próprios, para ulterior concretização e produção de normas". W. Leisner19 falou de "círculo vicioso" (Teufelskreis) da concretização, isto é, da concretização da lei no plano fatual e operativo. Além disso, as concreti zações referem-se, de modo mais próximo, ao caso singular, esses são constran gidos a mudar progressivamente para acompanhar as modificações das relações, contribuindo assim para o desenvolvimento das funções que se transformam continuamente no interior do sistema complexo de aplicação da norma. Por outro lado, a tarefa de concretização normativa, num determinado ponto, procura facilmente sua extensão aos outros pontos análogos ou vizinhos (benach barten); em suma, com a objetivação e a efetuação normativa num determi nado lugar, aumenta a necessidade de objetivar e regular os outros lugares. Uma seqüência ilimitada é ainda constatável na produção dos regulamentos de exceção;20 a regulamentação de uma exceção, considerando a rigidez do direito, faz imergir, por questões de igualdade, outros casos de aplicação do regulamento fundamental, como se necessitasse fundamentação. A exigência de complementação da casuística interna é ainda mais evidente se se considerar a administração da justiça no seu conjunto de casos. No centro do problema está a questão acerca da existência de tendências autodinâmicas de produção normativa e da especificação na respectiva Lei Fundamental, a qual, depois de 1945, quando não é tomada como prestação típica do direito público baseia-se sobre a "proibição do excesso" (ObermaB verbot). O contributo do princípio do ObermaBverbot funda-se em primeiro lugar sobre o fato de que, graças à proibição do excesso, o agir estatal está subordi nado a um rigoroso controle lega1.21 Tanto o processo de definição, como o de realização do direito estão subordinados ao vínculo do ObermaBverbot. Tal vínculo acompanha o legislador, na consideração dos fatos, e o jurista, que aplica a lei, na decisão jurídica do caso concreto.22 E próprio do Estado de direito manter uma consistente flexibilidade no seu funcionamento. Por exemplo, distinções omitidas na lei podem ser recuperadas 18 Luhmann. In: Geissler (nota 29, p. 116); perante o perigo de uma autodinâmica do estado de direito, cf. Huh, Young. Der Staat 18, 1978, p. 198. 19 Leisner, W. IZ, 1977, p. 504. Para a (hiper)diferenciação em geral e, em especial, no direito do funcionalismo público e também em certa medida no direito das edificações, Sendler. ZRP, 1979, p. 230. 20 Weiss. DOV, 1978, p. 608; cf. também Sendler. op. cit. p. 228 e segs. 21 Corretamente sobre este ponto, a constatação equilibrada de Benda, E. DOV, 1979, p. 468: o anteprojeto do BVerFG em ligação com o princípio da proporcionalidade não atinge, em regr&, o fim político-jurídico do legislador, mas especialmente normas concretas. Cf. também o mesmo, Grundrechtswidrige Gesetze, 1979, p. 26 e sego e p. 56 e sego (caso material). Para o ÜbermaBverbot, cf. Schneider, H. In: Fs BVerFG, lI, 1976, p. 390 e segs.; Stern, K. Das staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland 1, 1977, p. 671 e seg.; Wendt, R. AoR, 104 (1979), p. 415 e segs.; Gratitz, E. AoR, 98 (1973), p. 568 e segs.; Schink, B. Abwãgung im Verfassungsrecht, 1976. 22 Para uma crítica a esta dupla aplicação, cf. Schneider (nota 21), p. 402. Os custos burocráticos 45 através da aplicação da norma ao caso concreto; numa regulamentação que tende à inflação de normas, pode-se verificar, por exemplo, o caso de um desvio de caráter geral, e que se acompanha de uma norma de exceção, garantindo a específica diferenciação e pela qual o regulamento interno é concebido como relativo.23 Todavia, o ObermaBverbot, com sua característica capilar de precisão, contém uma ampla exigência de conseqüências para o sistema jurídico. A par do prin cípio do tratamento igualitário, ele contém uma proposição, segundo a qual dada norma não pode regular iguais situações de fato, de modo diferente. O sistema jurídico, considerado complexivamente como a lei e a sua apli cação, deve assumir certo grau de "complexidade" da situação de fato. ~ indiferente, para fins do problema da burocracia, se este princípio funda mental do Estado de direito traduz-se no incremento de normas legais gerais - a que alude a expressão corrente de "fluxo de normas" (Normenflut) - ou traduz-se em exigência de diferenciação na aplicação da lei aos casos con cretos.24 Em ambos os casos a administração deve estar em condições de satisfazer às diversas exigências. ~ evidente o efeito produtor de burocracia de uma dada representação no direito que é própria do postulado da "complexidade" da sociedade industrial,25 2. Parece ser inútil dramatizar de momento o fato de que se colocam limites às exigências de diferenciação e pormenorização. ~ opinião comum que o direito tende sempre, ainda que por motivos de praticabilidade,28 à generalização e à tipificação. O problema da tipüicação complica-se, todavia, quando é reformu lado no conceito de relatividade do direito. Resulta então que na tipificação pelo legislador dos fatos, como habitual mente acontece, estes venham compreendidos numa abstração tal que inclui casos (ou grupos de casos?) pelos quais o intervir, ou não é necessário, ou não é adequado. 23 Para a nem sempre uniforme jurisprudência do BVerFG sobre a reserva de autorização preventiva e repressiva, em especial e com clareza cf. o BVerFG DOV, 1979, p. 566 (proi bição de Schlagringen); cf. também a apreciação dogmática, de igual modo não-uniforme, do Fridhofszwangs pelo BVerFGE, 50, p. 256 (262), BVerwGE, 45, p. 224, Hess. stGH ESVGH 19,8 e VGH BW BWVPr., 1979, p. 135. 24 Esta observação deve ser feita com uma reserva: na falta de estudos empíricos sobre a atuação real da administração, não é conhecida qual a diferença em termos de resultados práticos, se diferenças na lei ou num regulamento foram efetuadas ou se foi introduzida a discricionariedade através de preceitos administrativos, ou se uma tal diferença existe em casos especiais de discricionariedade, com exigências gerais na diferenciação, devido a ra zões de justiça do caso concreto. 25 Sobre a relação entre a complexidade das condições da vida social e a complexidade do direito, cf. Kaufmann. Jahrbuch für Rechtssoziologie und Rechtsheorie, 1 (1970), p. 175 e segs. (188s); cf. também Vogel. JZ, 1979, p. 322; Baum (nota 2), p. 3; apreciação dife rente em Lange, DVB1, 1979, p. 535-6. Dúvidas na racionalidade de uma tal relação, cf. Weiss. DOV, 1978,p. 608, sob a indicação de Bender, DRiZ, 1978, p. 33. 26 Sobre este ponto cf., principalmente sob aspectos metodológicos, Isensee (nota 2), parte 2. 46 R.C.P. 1/86 Pode acontecer que pessoas ou grupos sociais sejam excluídos de uma pres tação, ainda que essa devesse constituir a sua garantia, segundo os princípios gerais da legitimidade e da igualdade.27 Mesmo quando se pode ainda tipificar8 (na fase de aplicação do direito), isto significa que o instrumento utilizado não é, necessariamente, o meio mais oportuno, ou que restam ainda algumas prestações, embora existam casos mate rialmente reportáveis ao caso típico. Assim formulada, a questão deve procurar a revolta da nossa consciência e competência jurídica como axiomas gerais. Por que deverá ser também admissível (por motivos de praticabilidade e efeti vidade da administração?) um instrumento preponderantemente ou um trata mento desigual?29 Por esta razão, o princípio da praticabilidade não ocupa e não pode ocupar um lugar seguro na dogmática jurídica. A jurisdição do tribunal constitucional e dos tribunais superiores tem reconhecido a praticabilidade como princípio jurídico. Assim, verificadas determinadas premissas, tem-se entendido que a consti tuição conferiu ao legislador e à administração a faculdade de proceder à tipi ficação. A análise que se segue mostra, todavia, a "legalidade natural" segun do a qual os princípios de Estado de direito deve respeitar tendencialmente estas reflexões sobre a praticabilidade e restringir e anular o seu âmbito de aplicação.ao No campo clássico da aplicação da tipificação, vale dizer, no direito tribu tário, um estudo fundamental de Isensee, há pouco tempo surgido, mostrou TI O BVerFGE, 17,1 (33s) concede uma margem legislativa mais ampla a uma tipificação que "favoreça" do que a uma tipificação que "penalize", mas não pretende excluir de todo esta última; sobre isto cf. BVerFGE, 28, p. 324 (356 - Waisenrente); 19, 101 (116, Zweigs teIlensteuer); 17, 337 (354 - Beamtenversorgungsbezüge); cf. também BverwG FamRZ, 1979, p. 368: reconhece tipificações na factiespécie (Tatbestandsmerkma/). Wohnen bei den Eltern, §§ 12 e 13, BafÕG. 23 Para as duas diferentes fases da tipificação, na legislação, por um lado, e na aplicação do direito, por outro, ver Isensee (nota 12), p. 96 e segs. 29 Em direito de polícia é reconhecido expressamente o princípio da recusa da praticabi lidade, no sentido de que o ordenamento Cl as disposições de polícia não podem salvaguardar só os fins de facilitar a vigilância que é proposta à polícia; segundo o modelo dos §§ 31, I, 41, IH, PrPVG, p. ex., §§ 20, H e 32, I, 2, OBG NW; comparar Drews, Wacke & Vogel. Gefahrenabwehr. 8. ed. 1975. v. 1, p. 183. Para o papel do princípio da igualdade como limitação da tipificação, cf. Rupp, H. H. In: FS BVerFG, v. 2, 1976, p. 372, 377 e segs. Rupp tece críticas em especial - indicadas em concreto - à tese do BVerFG, que permite uma margem legislativa mais ampla no que concerne à chamada maior tipificação favorável; Rupp, em ligação a Fuss, coloca a questão se no âmbito de tal atividade estadual não deve ser permitido "um pouco de arbitrariedade" . .lO Para a jurisprudência da tipificação do BVerFG, cf. a obra de consulta do BVerFG, art. 3, GG, sob a palavra: Typisierung und Generalisierung, p. 67 e seg.; Isensee (nota 12), p. 96, com comentário, e as indicações nas notas 31 e 34. A tese dos textos referidos está confirmada na observação de Benda, DOV, 1979, p. 468: "A referência à necessidade de uma administração de massas não é em si inoportuna mas são necessárias precauções maio res que aquelas que poderiam ser de momento assumidas pelo Governo federal." O BVerFG conheceu nos últimos 10 anos o ponto de vista da praticabilidade em 15 casos; cf. também o mesmo, Grundrechtswidrige Gesetze, 1979, p. 24 e 47 e segs. (fali material). Os custos burocráticos 47 corno a jurisprudência tradicional acerca da tipificação jurídica do RFH e do BFH coloca urna restrição no campo de aplicação dos processos de tipificação, sob a pressão da crítica do Estado de direito e do acolhimento dos princípios consti tucionais. 31 O novo curso da jurisprudência, em direção a urna contínua diferenciação jurídica, justamente em evidência por Isensee corno base fundamental do atual desenvolvimento do direito, é urna conseqüência jurídica do atual direito consti tucional estadual. Contra o método clássico da enumeração desenvolvol-se urna "má consciência" jurídico-constitucional, que foi aplicada eficazmente.32 Se se examinassem algumas sentenças do Tribunal Administrativo Federal, na sua formulação, não se deveria ter mais espaço para urna consideração dos problemas da tipização e da praticabilidade.33 Num outro importante campo de aplicação da "administração de massas", isto é, da administração atual das multidões, o campo do direito social, Scholz e Pitschas têm feit034 urna crítica cerrada à jurisprudência do BSG acerca da possibilidade e dos limites de regulamentação enumerativa no direito dos se guros. Outros consideram que a jurisdição no campo da administração do direito social, devido à limitação imposta pelo modo de proceder enumerativo do prin cípio da proporcionalidade, está ainda no começo e, em particular, a "proibi ção do excesso" (ObermaBverbot) contém maior especificação e diferenciação daquela que o BSG apto a reconhecer. Limitando-nos ao ponto de vista da praticabilidade em si, na qual deveria ter lugar a consideração dos custos burocráticos de um ordenamento, não se pode ter plena consciência de qual a sua função. Isto tem sido entendido como ponto de vista ilegítimo que, em caso de conflito, não resiste ao peso da argu mentação, fundada sobre o princípio da proporcionalidade e sobre o axioma da igualdade no direito. A razão disso, a qual deve, antes de mais nada, estar na praticabilidade, vem sendo usada apenas como paradigma convencional de todos os possíveis custos burocráticos, vistos na sua generalidade; sendo assim, o topo da praticabilidade toma-se improdutivo. 3. O resultado provisório não é surpreendente. O modo de pensar jurídico, orientado pelos princípios do ObermaBverbot e da igualdade, é repulsivo nos confrontos das generalizações. Isto deve criticar e anular ao seu íntimo a enu meração. 31 Isensee (nota 12), parte 1, em especial p. 27-36 (para a tradição da tipificação), p. 36-40, p. 50.4 (para as novas tendências de recessão da tipificação), como a parte 4 para a legi timidade da tipificação do ponto de vista jurídico-constitucional; ali também, p. 39, a citação indicada por Henkel, Recht und lndividualitiit, 1958, p. 86. 32 Op. cit. p. 51. 33 Op. cit. p. 37. 34 Scholz, R. & Pitschas, R. In: Sozialrechtsprechung, FS BSG, lI, 1979, p. 662 e segs., também p. 656 com nota 192, p. 669, sob pormenorizada apresentação de casos materiais. Para a jurisprudência da tipificação do BVerwG em direito social, MaydelI, B.v. In: FS BVerwG, 1978, p. 424. 48 R.C.P. 1/86 Eu vejo ainda nisto um processo tendencialmenteautodinâmico. O pensa mento jurídico é autodinâmico, de modo particular, porque não pode integrar3ã na própria imposição dogmático-sistemática, os fatores limitativos da jurisdicio nalização e os pontos de vista da praticabilidade e da eficiência, da produtivi dade ou da aproximação do agir administrativo ao cidadão; isso procede da argumentação jurídico-política de maneira unidimensional. A relevância de tal problemática é ainda mais clara quando se procede a uma diagnose mais atual da situação da administração. Nesta, a relação entre a lega lidade e o conjunto dos outros pontos de referência, com correção da atuação administrativa, vem examinada segundo o conceito de "quadro mágico"; vale dizer, o sucesso da atuação administrativa é o resultado do "quadro mágico" ou, da legalidade, da produtividade, de conformidade ao fim e de aproxima ção ao cidadão.36 Nenhum fator desta relação pode ser maximizado e isoladosem produzir efeitos excessivamente desvantajosos sobre o conjunto dos outros fatores. Neste perigo incorre o pensador jurídico quando considera exclusivamente os princípios próprios da jurisdição. Naturalmente que o processo de aperfeiçoamento do direito e da dissolução da tipificação encontra o seu ponto de apoio numa consciência jurídica orien tada segundo fins materiais e a praxis jurídica. A este nível não existem critérios de referência claramente demonstráveis, mas as exigências na diferenciação resultam de uma visão de conjunto do sis tema coletivo, do instituto profissional próprio do jurista. Este efeito do instituto jurídico do ObermaBverbot e do princípio da igual dade foi reconhecido como uma das razões fundamentais do progresso do nosso direito. A intenção orienta-se a uma justiça maior e a uma garantia mais plena da liberdade civil através de uma especificação detalhada da norma estadual. Seria ilegítima uma reserva qualquer nos confrontos deste efeito se a intenção que a move se realizasse apenas na prática. O direito público não poderia, assim, evitar as questões dos resultados concretos do processo de definição e de aplicação do direito, dos resultados de execução administrativa para o cida dão, da intenção de uma garantia mais segura da liberdade civil e do melhora mento da prestação. Pois só isto conta, realmente.37 35 As dificuldades de integração da praticabilidade na dogmática do direito administrativo resultam com clareza do trabalho de Isensee (nota 12). Circunscrevendo a análise em torno deste ponto de vista, Isensee (p. 17 e segs.) afirma que a inserção dos topos da praticabi lidade na dogmática jurídica resulta ineficaz quando a administração tipificada é justificada unicamente como expressão de uma competência de emergência da administração (p. 17 e segs.); em vista do conflito permanente descrito, esta solução não pode satisfazer. Sobre a crítica aos escritos de lsensee nos escritos de direito tributário, cf. Tipke. Steuerrecht. 6. ed. 1978, p. 458. . 36 Cf. a tese resumida do Forschungsverbunds: Bürgernahe Gestaltung der sozialen Umwelt. In: Kaufmann (nota 15), p. 537, também p. 508 e 23 e segs. A formulação do "quadro mágico" é retomada em forma diferente por v. Schõler (nota 2), p. 3; sobre os conflitos em torno do fim da atuação administrativa, cf. o exemplo de autonomização administrativa de Lenk (nota 9), p. 22. :rT Comparar sobre este ponto NoU, P. In: FS Schelsky. 1978, p. 360: "Não depende da declaração, mas de realização do direito." Referências a reflexões concernentes à sociologia do direito em Pitschas. VSSR, 5 (1977), p. 159 com nota 6, p. 19 e 34. Os custos burocráticos 49 Em 1978 Frido Wagner,as no quadro de um balanço complexo, formulou a afirmação chocante, segundo a qual, cada vez mais, partes maiores da lei e do direito permanecem "submersas". Wagner enumerou exemplificativamente 12 âmbitos jurídicos nos quais resulta que podem ser respeitadas e controladas só algumas partes da norma em vigor. Se isto for verdade, e a tese não foi até hoje negada, então é claro que, através do incremento inflacionista de uma massa de regulamentos produziu-se um aumento considerável de intenção jurí dica ligada ao procedimento concreto da jurisdicização; assistimos assim a uma "vitória do rei Pyrrhus" (Pyrrhussiege) sobre o Estado de direito. Fato ainda mais grave é a impossibilidade de individualizar quais as partes do âmbito jurídico que não foram aplicadas: isto tem conseqüências agravantes da desigualdade concreta na execução da norma. Tal fenômeno é indicado como termo da "conseqüência contra-intuitiva de ação". Esta expressão artificial funda-se num teorema sistemático.39 No nosso contexto, tal teorema pode ser assim formulado: numa estrutura tão complexa, uma imposição, que tenha em conta só uma parte de tal contexto, incorre facil mente no perigo de obter efeitos contrários ao fim fixado. Isto me parece precisamente a situação sobre a qual versa o direito público. Este compreende a regulamentação material e a relação material do cidadão com o Estado, quase exclusivamente através da categoria de "ingerência", de "desvantagem" e de "autorização". A circunstância de o cidadão só chegar realmente ao resultado de execução ou de poder ser produto da aplicação da norma, não vem considerada na lei sobre o procedimento administrativo, na sua forma atual. Na dogmática do direito administrativo são formuladas exigên cias de determinação diferenciada, independentemente do fato se o funcionário encontra a norma jurídica no labirinto dos regulamentos altamente especifica dos, e independentemente do fato de nesta diferenciação e especificação de casos, ele "meter a mão na gaveta falsa" e, enfim, independentemente da consi deração de que isto não acontece apenas em exceções intransponíveis, mas com previsível regularidade. Reportando-nos ainda a um exemplo de Wagner:40 devemos considerar o di reito administrativo e o direito público também de lado da vida quotidiana dos cinco inspetores ou funcionários que dirigem a administração numa grande circunscrição rural de oito mil habitantes. Em conclusão, para entender o que significa esta concentração de regulamen tos materiais no direito administrativo geral deve-se levar em conta que: a dog mática considera o aparelho administrativo e o pessoal como fato puramente instrumental, como se isso não tivesse conseqüências para a execução dos re gulamentos e, enfim, como se não se verificasse dispersão na longa marcha da norma através da instituição. 4. Se for correta a análise feita, o direito público deveria aceitar a exigência do tema da burocracia como um desafio (herausforderung) aos fundamentos próprios da sua dogmática. 38 (Nota 3). p. 244 e se!!., também p. 216.263 e 299 e seg.; cf. ainda o debate em Zacher, Wilke & Lange, ed. p. 294,297 e segs., 310. 39 E~clarecimentos teóricos em Luhmann. Politische Planung, 1971, p. 182, 187, 219. 40 (Nota 3), p. 300 e seg. 50 R.C.P. 1/86 1! uma característica dos custos burocráticos o fato de eles serem, em parte, produto de princípios altamente legitimados. A solução não deve ser assim simplesmente procurada na diminuição das causas: exigir o desmantelamento do Estado de direito e do Estado social seria uma solução falsa e demasiado despretensiosa. O verdadeiro problema foi posto de modo mais profundo e com plexo. Como Luhmannu considerou relativamente ao Estado providência, pode ser este também o campo da dogmática jurídica que examinamos: "o Estado providência é caracterizado por uma tendência constante ao incremento dos bens, à consideração do útil e da indispensabilidade, que cria problemas conse qüentes de tipo novo e que não podem ser resolvidos de modo igual mas, por outro lado, não podem ser eliminados nas suas causas". Seria precipitado anular as diferenças que podem trazer alguma correção a tais problemas. Para resolver o problema não chegam promessas superficiais da sua elimi nação total, mas reflexões e propostas adequadas!2 Neste sentido, com vistas à atenuação dos custos burocráticos que não signifique renúncia e abandono do Estado social de direito, podem-se fazer algumas observações gerais, em primeiro lugar, sobre a "proibição do excesso" (ObermaBverbot). Já é em si útil considerar a aplicação do princípio da proporcionalidade, a sua dinâmica interna e os custos burocráticos a ela necessariamente conexos!S Se, como suponho, a aplicação do princípio da proporcionalidade depende do modo como é formada e continua a se formar a preparação dos juristas, se gundo um padrão, um tipo médio de aplicação profissional do direito, então não é secundário saber se um elemento posterior entra na formação de tal padrão. Neste sentido não é de admirar e não nos deve assustar se aqui, para fins de aplicação do princípio da proporcionalidade,« vem enunciado o postulado da sua aplicação moderada, considerando os possíveis custos burocráticos conexos. Dondese retira que também o princípio da proporcionalidade não deveria, dado os seus custos, ser aplicado com desmedida. 5. Passarei às propostas concretas, avançadas na discussão jurídico-política para limitar os custos burocráticos da crescente formalização jurídica. Não é por acaso que deliniei,45 na discussão jurídico-política uma renaissance do tema 41 In: Geissler (nota 2), p. 119. 42 Neste sentido também Luhmann. In: Geissler (nota 2), p. 119 e 112 (para o funda mento teórico). A relação entre a finalidade material política da jurisdição (Verrechtlichung) necessária ao Estado de direito e os custos burocráticos classifica-se teoricamente em cate gorias correspondentes como se segue pela relação comparável no Estado social. (Ver item m,l. ) 43 O problema vem analisado sucintamente em Starck. ZRP, 1979, p. 211 e 212, como em Wilke. In: VVDStRL, p. 37,297 e segs . .. Sobre este ponto, ver Wieacker, F. In: Fischer, 1979, p. 871. 45 Koschnick. Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.082; Brandt, H., ed. p. 1.091; Schulz, P., ed. p. 1.089; Schober. In: Geissler (nota 2), p. 78 e segs., também p. 73 e 75; Mosch. In: Gesetzesperfektionismus (nota 2), p. 44 e segs.; vários contributos para a discussão, in: Erstickt der Bürokratismus? (nota 2), p. 17, 44, 50, 73, em especial p. 33 e segs. e 75 (Zeidler); cf. ainda Weiss. DOV, 1978, p. 608, e Starck, ZRP, 1979, p. 213, assim como Vogel, ZRP, 1980, p. 5, com uma tomada de posição diferente. Os custos burocráticos 51 da discricionariedade, visto o Estado só, aparentemente seguro da sua dogmá tica, perseguindo uma nova fase.,*6 Do outro lado, com a sempre maior exigência de autorizações discricionárias, não foi encontrado nenhum instrumento adequado como já deixa entender a própria expressão da norma administrativa (Verwatungsvorschriften). Como em outras propostas jurídico-políticas, o contributo específico do direito adminis trativo deveria ser, não só o de especificar a problemática freqüentemente mui to complexa de tais propostas, mas, antes, adiantar propostas coerentes e seguras do ponto de vista dogmático. Para assegurar a política administrativa através de uma política do direito administrativo, fazemos a proposta concreta que se segue. Tal proposta parte da consideração que, dos resultados da execução das operações jurídicas ou de satisfação dos legítimos bens materiais, podem resultar efeitos contraproducen tes para o desenvolvimento do processo. Pode-se tratar de uma tal proposta recorrendo a um modelo de regulamen tação em que: 1. o fim legislativo seja formulado claramente; 2. para o caso típico ou para o grupo de casos típicos seja imanente uma regulamentação legislativa, isto é, que fixe numa relação típica a diferenciação entre os fatores; 3. para atenuar as consequencias negativas da insuficiente capacidade de indi vidualização e adequada delimitação das intervenções ou tratamento igualitário; atribuída expressamente pela lei, para o caso concreto, a faculdade de ele poder propor uma prévia exposição, certa e clara, dos fatos, como alternativa da solução indicada na norma, mas que seja adequada para alcançar o fim legisla tivo formulado. Esta técnica de regulamentação poderia combinar-se com a possibilidade do legislador e da administração de fixarem normas gerais dando a conhecer as circunstâncias particulares do caso concreto, com a possibilidade de alternativa de solução, de acordo com o fim. Com isto, a iniciativa do particular seria encorajada pelo fim no setor interno regulado pela norma. Com respeito à praxis seguida, esta técnica permitiria poupar, à administração e ao cidadão, o exame de uma multiplicidade de circunstâncias individuais!7 Em suma, poupar-se-ia à administração a verificação nos 100% de casos de uma série de circunstân cias individuais unicamente com o fim de enunciar uns 10% de elementos fundados juridicamente no conjunto dos casos analisados. Aqui se enquadra a proposta de uma exigência sempre mais estreita para um aperfeiçoamento da regulamentação e uma escolha dos modos de regulamen tação.48 Com respeito às outras propostas no sentido de um desmantelamento 46 Chega a indicação de Scholz, R. VVDStRL, 34, 1976, p, 145 (163-70) e Schmidt Assmann, E .. ed. p. 221 (251 e segs.), e Koch, H.-J. Unbestimmte Rechtsbegrif/e und Er messensermachtigungen im Verwaltungsrecht, 1979, em especial p. 126 e segs., 138 e segs., 172 e segs. 1fT Sobre este ponto de vista, cf. Isensee (nota 12), p. 36 e segs. 48 Wagner (nota 3), p. 254 e segs. e os contributos de Wilke Lange, ed. p. 298 e segs. e 310 e segs., assim como Lange, DVB1, 1979, p. 537 e segs. 52 R.C.P. 1/86 apenas quantitativo, ele exige a acentuação da realização dos fins da lei em cada caso. Naturalmente tal idéia não é nova; já no instituto jurídico da do meio mais moderado:e típico do direito de polícia, foi provado precursor parcial. Naturalmente, minha proposta refere-se a um âmbito bem mais amplo; na mesma lei vigente, que permite esta técnica de regulamentação, teria de ser regulada a diferenciação segundo o âmbito material e a necessária deli mitação. 6. Restringimos a análise, agora referida ao direito público em geral, a um aspecto específico - e com isto chegamos à última parte. Esta relação entre direito material, por um lado, e instituições e processo, por outro, está clara mente presente num setor considerável do direito administrativo: o direito social e a administração social. Aqui existe uma quantidade de material, de problemas e de propostas de solução. Apesar disso, minha tese não deve ser relativizada. Por isso, surpreende quão pouco o direito administrativo útilize os impulsos provenientes do campo do direito socia1.50 A usual categoria do direito administrativo não tem em conta a função desenvolvida do direito social e compreendida no de relação de prestação: a política de providência, como a de assistência, o governo dos serviços so ciais, a política da instrução; tais funções não são produto de um "excesso de cultura", por assim dizer, do ato administrativo e, assim, não constituem so mente o agir normal, mas são, isto sim, serviços e não prestações monetárias. Zacher demonstrou de modo conveniente como existe neste campo um verda deiro e próprio déficit da dogmática jurídica.51 A administração dos serviços sociais apresenta uma ambivalência evidente se se considerarem os dois aspec tos distintos da organização e do processo. Serviços, instituições e processos são, de um lado, entendidos pelo legislador no § 1, 11 SGB-AT (código social) como medium necessário para a realização do direito socia1.52 Do outro lado 49 Sobre este ponto. cf. Drews, Wacke & Vogel (nota 29), p. 190 e segs., em especial 194 (com correta indicação do sentido de se manter nos limites quanto ao dever de informação da autoridade) de um lado, e Gõtz, V. Allgemeines Polizei-und Ordnungsrecht, 5. ed. 1978, p. 75 e segs., do outro, com acentuação diferente dos problemas constitucionais concernentes. Recentemente, Grupp, K. Verwalarch, 69 (1978), p. 75 e segs. considerou o significado deste instituto numa relação mais ampla; cf. especialmente p. 140, sobre a aplicabilidade fora do direito de polícia, e p. 146 e segs., para o significado da possibi lidade de opção para o particular. 50 Sobre a unilateralidade do direito administrativo em geral, cf. Zacher. VSSR, 4 (1976), p. 19, assim como as indicações na nota 51. Pelo contrário, a jurisprudência social, na sua relação com o direito administrativo em geral (sobre isto, ver Krause, P.) NIW, 1979, p. 1.007), sempre que pareça discutir a típica problemática do direito administrativo em geral para a aproximação da colocação dos problemas; sobre isto, Zacher. op. cit. p. 12. 51 Ulteriores elaborações deste argumento in: Zacher (nota 50), p. 19 e segs., uma crí tica penetrante à insuficiência de regulamentação no campo do agir real da administração, à atenção prestada às relações jurídicas; do mesmo, Materialien zumSozialgesetzbuches, Teil A, 1976, p. 34-7, 52-7, 60 e segs.; do mesmo, das Vorhaben eines Sozialgesetzbuches, 1973, p. 28 e segs. Sobre a falta de um tipo de regulamentação jurídica em relação à assis tência, cf. Krause, Verhandlungen, 52, DIT, v. 1, Gutachten E., 1978, p. 69 e segs., 85 e segs. 108 e segs. 52 Wetenbruch, Bochumer Kommentar zum Sozialgesetzbuch, § I, Rd., p. 28 e segs. Para a compreensão deste regulamento como parte formal-organizativa do princípio do Estado social, cf. o artigo controverso de Pitschas, VSSR, 5, 1977, p. 141 e segs. (167 e segs.); ali trata ele ainda da "diretiva constitucional na intervenção social através da organização". Cf., ainda, as indicações da nota 14. Os custos burocráticos 53 naturalmente, a considerável multiplicidade de instituições, o fracionamento da competência a ela inerente, a natureza da autoridade, os elementos burocrá ticos do estilo administrativo fazem assinalar os já referidos custos burocráticos. De fato, a escassa acessibilidade e insuficiente competência dos particulares tem por conseqüência que na estrutura da competência e no decurso da buro cracia fica demasiado material para a realização dos direitos dependentes. O cidadão não consegue distinguir os processos que dizem respeito ao seu caso.53 Mas obstante isto, os problemas do direito social, na maior parte dos casos, estão estabelecidos claramente. São feitas propostas para uma organização mais eficiente e mais pr6xima do público (centros de assistência e de informação do cidadão),5· que se dirigem a grupos de exigência circunscrita;55 foi, por exemplo, discutido no direito social a discricionariedade como meio possível para alcançar as margens de acaso.56 Desta discussão resultou claro que a questão do método da prestação e do modo da sua garantia eficaz (p. ex., § 17, SGB-A T) merecem tanta aten ção como a questão da possibilidade da prestação e da plena igualdade ao direito de prestação.57 Por isto, tais pedidos e problemas são o resultado de um direito administrativo que não se limita, na sua categoria interpretativa, a con siderar s6 a forma de ação da administração e os direitos materiais do cidadão, mas que atende ainda, como problema relevante, à relação concreta entre cidadão e administração.58 IH E chegamos à parte conclusiva em que trataremos da crítica à burocracia, entendida esta no sentido de crítica ao Estado social. A pergunta que se coloca 53 Assim, Schober. In: GeiBler (nota 2), p. 73 e segs., com exemplos concretos sobre o "labirinto do Estado social de direito". Sobre o problema no seu complexo, cf. Scheuch. op. cit. p. 162 (com indicação das investigações empíricas nos EUA e na República Fe deral da Alemanha); Herzog. op. cit. p. 90; sobre os problemas das barreiras, cf. Pitschas (nota 52), p. 146, 173 e segs. 54 Ver nota 10 deste artigo; além disso Scholtz. VSSR, 1 (1973), p. 283 e segs. 55 Pitschas. Die Verwaltung, 12 (1979), p. 409 e segs. 56 O conflito em tomo do significado e dos limites da jurisdicização do direito social tem sido debatido de modo profundo. O ceticismo de Achinger nos confrontos da jurisdição e a antítese de Bogs sobre a liberdade através da lei caracterizam a posição contrária numa discussão da qual serial útil retomar os seus resultados mais profícuos. A argumentação de Achinger foi resumida e comentada por Tennstedt, F. In: Murswieck, A., ed. Staatliche Politik im Sozialsektor. 1976, p. 139 e segs., p. 146 e segs. Indicações e apreciações diversas por Kaufmann & Schiifer. In: Kaufmann (nota 15), p. 36 e segs.; cf. ainda Pitschas (nota 55), p. 417 com nota 24. ~ Cf. o comentário ao § 17 SGB-AT; sobre o problema da informação e da discussão, ver os comentários aos §§ 13 e segs., SGB-AT, e o material empírico de Grunow e Hegner. In: Kaufmann (nota 15), p. 352 e segs., 393 e segs. Que as relações de prestação devem ocupar um espaço central no direito público, sublinhou-o várias vezes Zacher (nota 51). A relação entre a programação do direito de prestação e o modo de fornecer e entregar as prestações foi tratada fundamentalmente por Grunow e Hegner. op. cit. p. 351. Cf. ainda p. 358 e segs.; cf. Kaufmann, ed. Bürgemahe Gestaltung der sozialen Umwelt. 1977, p. 12 e segs. 58 Cf. sobre este ponto Zacher, VSSR,- 4 (1976), p. 19: "O direito administrativo é ende- reçado à forma de ação da administração, não à forma da atuação civil." Para além desta observação, trata-se aqui ainda do problema da relação entre cidadão e administração. 54 R.C.P. 1/86 a este respeito é se o aumento dos custos burocráticos, no perseguimento de um fim do Estado social, é tal que pareça mais racional a renúncia ao fim, enquanto tarefa estatal ou a tentativa de uma alternativa totalmente diversa do preenchimento das tarefas do Estado. Tal problema, de toda a atualidade e cheio de valor político, não é seguramente de fácil solução como fazem crer determinados programas públicos ou slogans tipo "reprivatização". Considerando a complexidade de tal problemática, é oportuno, em primeiro lugar, distinguir e especificar abstratamente as possibilidades alternativas de solução. 1. Na relação do fim material do Estado social com os custos burocráticos que resultam da sua realização são hipotetizáveis três soluções: a) solução intermédia: aquela que esperamos seja a mais rigorosa. Burocra cia adequada realisticamente ao procedimento do fim, de maneira tal a tomar suportáveis os conhecidos custos burocráticos e a dimensão própria da buro cracia; b) neste caso deve-se renunciar ao conjunto como função do Estado. Isto pressupõe que a iniciativa privada ou a titularidade de uma pluralidade de organismos livres seja considerada majoritariamente em condições de executar tais tarefas. Se esta valorização (consideração) não for positiva, não resta, senão, c) a solução: atribuir ao Estado, não obstante os custos burocráticos, a rea lização das tarefas de fim socialmente importante e do qual não se pode esperar uma regularização satisfatória através de ordenamentos parciais. 2. Antes de maior pormenorização, uma aceitação implícita poderia funda mentar maioritariamente a organização que está na base das três alternativas diferentes. A questão só tem sentido se se colocar como fundamento do Estado social a perseguição de um amplo valor para o conjunto dos fins de utilidade pública, mais do que limitar-se à abstrata argumentação da legitimidade. Mas isto foi negado de modo apodítico por von Hayeck.~1I Aproveito a ocasião para dar algumas respostas. Von Hayeck fez uso do privilégio próprio dos grandes estudiosos de recorrer voluntariamente à expres são provocat6ria definindo o social como lingüístico coletivo, denominando filosoficamente, mas sem propriedade, de "palavra réptil" (Wieselwort).80 Ao ponto que, segundo von Hayeck, uma economia social de mercado não é eco nomia social de mercado, assim como o Estado social de direito não é mais Estado de direito e a democracia social não é mais democracia. 59 Hayek, F. A. von. Wissenschaft und Sozialismus, 1979 (Festvortrag, 6.2.1979, Aula dá Universidade de Freiburg). 60 Id. ibid. p. 16 e segs., com a 'denominação Wieselwort empregada na linguagem americana por Hayek, que alude à capacidade do animal doninha de poder sugar um ovo sem que depois -se possa perceber que a casca está vazia. Wieselworter são então aquelas palavras que quando acopladas a outras fazem estas perderem seu conteúdo, seu significado. 0& :custos burocráticos 55 Como jurista, poderei sustentar a convlcçao exatamente oposta, formulada na nossa Constituiçã061 admitindo que por um constitucionalista tal argumento possa ser apenas ocasional. Vou recordar os princípios que estão no funda mento da norma constitucional positiva e da tradição da teoria do Estado de direito e da sociedade do Estado moderno. Nesta, o fim do ordenamento polí tico está sempre mais definido como perseguição de uma optimal produtividade social do sistema. Os ordenamentospolíticos não se destinariam exclusivamente à garantia da lei da produção e distribuição dos bens ou da liberdade de mercado. O Estado moderno está obrigando à realização de objetivos extra-econômicos. Tal função complementar significa que o Estado forma sempre,62 relativamente à esfera propriamente econômica, juízos de valor e que, por conseguinte, desenvolve uma intervenção na economia, segundo critérios fixados politicamente. Estas intervenções foram e são necessárias na medida em que o processo econômico gera mais problemas para a convivência dos homens, de quantos ele próprio pode resolver, e de quantos podem ser resolvidos através da idéia de lucro do mercado. Isto é uma conseqüência da crescente especialização do processo econômico de produção e distribuição dos bens, uma conseqüência da superação da "economia doméstica", a qual engloba muito mais fins.63 Isto reflete a incompetência do sistema econômico para satisfazer, entre ou tras, questões sociaisM e, assim, ao mesmo tempo, para satisfazer a necessidade do Estado como Estado social. 3. Com o Estado social são, então, ao mesmo tempo legitimados também fins e objetivos que obtiveram no processo político um alto consenso e cujo respeito e grau de importância e utilidade social têm de ser pesados nos custos burocrá ticos. Afirmamos já que, não obstante relevantes e onerosos custos burocráticos, deve ser mantida a responsabilidade estadual de determinadas funções e da realização de fins úteis, politicamente fundamentados. E isto porque os obje tivos do Estado social são tão importantes que o sistema social parcial não é capaz de realizar tais fins através de uma auto-regulação e autodelimitação. Os custos burocráticos são o tributo inevitável que se paga pela incapacidade do sistema social de realização autônoma como resultado complexivo social mente suportável. Os lamentos sobre a burocratização não são, assim, outra coisa além de manobras de diversão. E evidente que o acolhimento da terceira solução que indicamos depende de múltiplas valorizações. Ela é, todavia, bem mais que uma solução puramente teórica. 61 Sobre isto cf. Kimminich. O. DOV. 1979, p. 765, em conflito com Hayeck. Sobre as idéias jurídico-constitucionais de Hayeck, com pormenores, Simson, W. von Der Staat, 18 (1979), p. 403 e segs. 62 Com apoio na justa definição de Zacher. In: FS H.-P. Ipsen, 1977, p. 237. 63 Sobre este ponto, Brunner, O. Das "ganze Haus" und die alteuropaische "Okonomik". In: Neue Wege der Verfassungs-und Sizialgeschichte. 2. ed. 1968, p. 103 e segs. 64 Sobre a atual discussão apenas um exemplo: Culmann, H. Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1. 095, que sustenta a posição segundo a qual o fim legítimo da produção dos bens não pode retroceder perante os fins secundários (político-sociais). 56 R.C.P. 1/86 Com outra tanta incisividade deve ser examinada a alternativa oposta que renuncia à titularidade estatal de determinados fins atendendo aos custos buro cráticos conexos. Neste quadro da problemática da atual discussão da burocracia, não vejo como solução central a gestão privada das tarefas públicas ou a privatização de empresa pública. Segundo minha opinião, a discussão internacionalmente propagada de uma possível reprivatização não produz resultados consideráveis e não satisfaz à grande expectativa suscitada, não obstante a enumeração dos vários setores possíveis da reprivatização.85 Pelo contrário, o fim de uma des burocratização na forma da reprivatização pode ser perseguido de modo notável através da reforma da administração e da gestão de serviços sociais. A proble mática que aqui se coloca foi justamente analisada por F. X. Kaufmann e P. Schãfer. Os autores apresentaram um balanço dos resultados até então reali zados, de um ambicioso projeto da investigação social empírica: aproximação' do cidadão do "meio-ambiente social", formulando as seguintes perguntas: "e possível modelar a política social de forma tal que a intervenção estatal não destrua as condições de sua realização?,8 e possível fazê-Io de modo que a crescente divisão de trabalho e a centralização progressiva dos processos organizativos não anulem a prestação devida à pessoa ou ao grupo social?" A resposta à insuficiência dos serviços sociais é encontrada ou na reorgani zação da "administração social", no sentido de um lado exterior da administra ção orientado para o cidadão, ou no sentido de um tipo de administração que merece verdadeiramente o nome de "próximo do cidadão", ou através da concessão de determinadas tarefas sociais a organismos de autogestão, finan ciados publicamente. Para citar ainda uma passagem de Kaufmann e Schãfer: "o problema jurídico da política social é bem diverso daquele da política eco nômica. Não se trata neste caso da relação entre a organização pública dos serviços e a organização do mercado (privatização), mas da relação entre orga nização pública e autogestão dos serviços".67 A terceira via clássica entre organização pública e iniciativa é, assim, consti tuída por formas múltiplas de autogestão dos grupos de iniciativa coletiva e da "baixa camada social".88 A tal respeito merece ainda atenção a redescoberta, na ciência econômica, do âmbito específico "autônomo", isto é, da autogestão 65 Sobre a enumeração dos setores com capacidade de privatização, por exemplo, em Andreae, C.-A. In: Geissler (nota 2), p. 149 e segs.; Leisner. In: Schlankheitskur (nota 2), p. 197. Para o debate sobre a privatização, cf. ainda alguns contributos. In: FS Schmõlder, 1978; Hanusch, H., ed. Reform offentlicher Leistungen, 1978 (com bibliografia, p. 127 e segs.); Grabbe, J. Verfassungsrechtliche Grenzen der Privatisierrung Kommunaler Aufgaben, 1979; W. Graf Vitzthum, AõR. 104 (1979), p. 580 e segs. 66 Nota 15, p. 38; cL, também, p. 35-40. 67 Nota 15, p. 39. Ao princípio da auto-satisfação não é apenas de associar as prestações fornecidas pela economia privada, mas ainda a forma da iniciativa coletiva que está compre endida no conceito de "ação social". 68 Sobre "pequenas redes sociais", Pitschas. Die Verwaltung, 12 (1979), p. 413 e segs. e Badura, B. & Gross, P. Sozialpolitische Perspektiven, 1976, p. 297. Sobre a terceira alter nativa, cf. Badura & Gross, op. cit. p. 297 e segs., ainda p. 269 e segs., e Koschnick, Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.083 e 1.081. O significado dos organismos religiosos ou laicos livres deve ser considerado do ponto de vista do problema central da obtenção pessoal que foi justamente analisado por Binder, Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.091. Os custos burocráticos 57 como "terceiro setor", nem estadual, nem orientado para o proveito pri vado.69 Por isso as formas de reprivatização de que aqui se fala não são sinô nimo de organização através do mercado. Por isso ainda não alivia o Estado das onerações financeiras mais dispendiosas e, assim, reprivatização não signi fica aqui a renúncia a objetivos socialmente fundados. A responsabilidade es tatal não se identifica com a gestão através de múltiplos organismos com fraca burocratização, mas, com a promoção e a programação estatal dos objetivos dos organismos autogeridos e de disponibilidade financeira do Estado para tal promoção.To Numerosos exemplos disto são os da esfera dos "problemas da juventude e da saúde", mas ainda os do "serviço de socorro" de Baden Württenberg (que diversamente de outros Lands não foi declarado de gestão pública, mas foi . associado à Cruz Vermelha e a organizações similares sob a responsabilidade pública).71 A conclusão das reflexões sobre a tensão entre a burocracia e o princípio do Estado social deve ser assim formulada: distinguir os problemas segundo as diversas situações sociais e os diversos setores administrativos. IV A consideração dos custos burocráticos do ordenamento, orientados segundo a finalidade social, está atenta à relação entre a programação da finalidade jurídica, a execução administrativa e os efeitos concretos para o cidadão.O di reito administrativo constituiu-se no âmbito complexo deste processo. Se o direi to administrativo quer satisfazer as exigências de tal processo, não pode limi tar-se a interpretar o programa de regulamentos materiais ou desenvolver a norma pela correção da autoridade de uma ação divergente no caso de conflito. Trata-se antes, então, de refletir sobre as condições ambientais para a perse guição optimal, ou quase, de um determinado fim. Isto porque os efeitos reais dos programas dependem, seja do modo de execução, seja do contato concreto ou possibilidade de contato entre o cidadão e a administração. Coloca-se assim o problema das condições que podem ser melhoradas através de institutos jurídicos. Tais investigações constituem para o direito administrativo um desvio ao seu princípio sistemático: atualmente é o conjunto de forma do agir administra- fi} Cf. Weisbrod, B. A. The forgotten economic sector: private but nonprofit. 1878. Apud: Matzner, E. Exigências de uma teoria de intervenção estadual. Int. Institut für Management und Verwaltung, Discussion papers, p. 79-84. 70 O fio condutor não é, assim, o do princípio da assistencialidade, mas a assunção de uma multiplicidade de organizações autônomas que não excluem a competência do Estado para a garantia da neutralidade ideológica dos organismos. Cf. ainda sobre este argumento, Scholz. Pluralismus unter dem sozialen Rechtsstaat. Jahrbuch, 1979, der Berliner wiss. Ge sellschaft, p. 53 e segs. (66): A função social dos organismos estatais competentes não é subsidiária. 71 Cf. a lei sobre o serviço de socorro (Rettungsdienstgesetz) de 10 de julho de 1975 (GesBI. p. 379). Aqui se encontram todos os elementos de uma regulamentação "precisa" da responsabilidade estatal (§ 1.0) que, no plano dos socorros, são diferentes no espaço e nos diversos âmbitos (§ 2.°), transmissão de tarefas a organizações não-estatais (§ 5.°), que recebem incentivos do Estado (§ 11) e são autorizadas a impor impostos (§ 13). 58 R.C.P. 1/86 tivo e não do conteúdo; isto é, o direito do agir administrativo, e não o direito do agir dos cidadãos; o atual direito administrativo é direito do agir de um ou de outro sujeito jurídico, mas não assume a centralidade da sua ação ou fá-lo só na relação entre cidadão e administração. O direito administrativo ocupa-se do papel da organização e do procedimento administrativo sob o perfil abstrato, seja no que respeita à lei geral do procedimento, seja no que concerne ao direito de organização. A conexão entre os objetivos materiais de regula mentação e a disciplina processual, como substância da organização, não foi explorada a nível sistemático. Não se trata só de tomar o direito processual organizativo apenas como um amplo setor isolado do direito administrativo, mas de refletir a sua forma jurídica, organizativa e processual, concreta e ade quada ao fim. Tais reflexões devem ser executadas por setores concretos e funções da admi nistração, porque não existe o "modelo abstrato e geral" da organização apro priada e das relações gerais entre o cidadão e a administração.12 Os custos burocráticos dos regulamentos e institutos jurídicos não são produzidos em igual medida; o peso específico de administração e a influência do executivo sobre os fins não são homogêneos. Recorde-se uma vez mais os já referidos serviços sociais e, sobretudo,a administração social: a principal problemática da administração neste setor está na relação conflitual entre estrutura buro crática interna que, em maior ou menor medida, distingue-se da estrutura interna burocrática da administração em organização e processo, por um lado, e do conteúdo da atuação nas relações exteriores, por outro. A discrepância entre a estrutura interna e o domínio externo varia de modo relevante conforme o conteúdo da atividade.13 Esta discrepância é mínima na esfera da defesa, mas é relevante na instrução pública, na investigação na universidade, na assis tência, na educação e orientação individuais ou no campo da programação e inovação. Os problemas suscitados pelo tema dos custos burocráticos e da distância da administração relativamente ao cidadão não são resolvíveis sob o plano da forma de ação abstrata. Para a mitigação dos custos burocráticos, o contributo que o direito público pode dar, depende - prescindindo da possibilidade de atuação no campo da produção da norma - da capacidade do direito admi nistrativo de operar a concretização da situação de fato na qual entram em n Dito mais precisamente, devido a uma série de problemáticas (fixação e estabilidade jurídica, revogação póstuma da lei)-, existem respostas jurídicas relevantes sob o plano abstrato da relação cidadão-Estado. Este é o campo indispensável da aplicação, a função jurídica fundamental do direito administrativo comum, com o seu tradicional centro na abstração do ato administrativo. O sentido contrário da organização adequada às tarefas e premissas, para o sucesso do contato concreto entre a administração e o cidadão, só é possível através da diferenciação que o direito administrativo comum pode proceder nos campos concretos da ação. 73 Ao mesmo tempo, a ciência administrativa reconhece que a organização burocrata e o modelo burocrático não são a organização racional por excelência. Também M. Weber não sustentou o contrário. Cf. sobre este ponto Scheuch. In: Geissler (nota 2), p. 158, 161, 182. No direito de organização pública coloca-se a questão da representação inexata da aplicação geral e da racionalidade do modelo burocrático (ver Pitschas. VSSR, 5, 1977, p. 163). Os custos burocráticos 59 conflito o fim e o conteúdo material da regulamentação por um lado, e a con creta organização e processo, por outro. Isto resulta numa relação difícil entre a administração e o cidadão. Este parece-me ser o desafio mais importante para o direito público, no que toca à discussão do tema da burocracia e da distância entre o cidadão e a a dminis tração. 60 Revista de Direito Administrativo Publicação trimestral da Fundação Getulio Vargas R.C.P. 1/86
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