Buscar

Os custos burocráticos do estado social de direito

Prévia do material em texto

OS CUSTOS BUROCRATICOS DO ESTADO 
SOCIAL DE DIREITO· 
RAINER WAHL** 
Vivemos num momento significativo na tradição histórica da crítica à buro­
cracia/ cujo conceito é desde o início utilizado numa acepção negativa. 
É evidente que no debate público2 estamos no início de uma nova fase que 
tem as características de uma verdadeira campanha propagandística em torno 
do argumento, primeiro acolhido, depois negado e, por fim abandonado, como 
já aconteceu em numerosas discussões nos últimos 10 ou 15 anos.3 
Para o tratamento científico do tema, esta campanha propagandística e a 
rápida formação de uma opinião pública em torno destes argumentos não 
apresenta de modo algum apenas vantagens. Acontece que a discussão cientí­
fica dos temas burocráticos é indispensável de modo especial para o que nesta 
discussão se apresenta primordial, isto é, a apresentação de diferenciações. 
O recurso a termos como "fluxo de normas", "hipertrofia", "rigidez e im­
penetrabilidade" da burocracia, tendo assumido caráter prevalecentemente 
emotivo, tem por efeito tornar emotivo o acesso ao tema. 
Tais termos não podem valer como definição certa de um estado de coisas 
fixo e estável. 
• Tradução do original, sob o título Die Bürokratischen Kosten des Rechts - und Sozials­
taats (In: Die Verwaltung 13:273·96), pelo Dr. Antônio Francisco de Souza, pesquisador no 
Instituto de Direito Público da Universidade de Freiburg, República Federal da Alemanha. 
*- Diretor do Instituto de Direito Público da Universidade Albert-Ludwigs, Freiburg, Repú­
blica Federal da Alemanha. 
1 A expressão foi citada pela primeira vez por V. v. Gournay. Apud: Emge, C. A. Kõlner 
Zeitschrift für Soziologie, 3: 179. 1950/51. Uma crítica clássica alemã à burocracia, R. v . 
Mohl, Ober Bürokratie. In: Moh!. Staatsrecht, Volkerrecht und Politik, 1862. v. 2, p. 99 sego 
2 Comparar com Geissler, H., ed. VerwaItete Bürger. Gesellschaft in Fesseln. 1978; Stockin­
ger, H. G., ed. Gesetzesperfektionismus und Beamtenschwemme (Relatórios e estudos da Hanns­
Seidel-Stiftung). 1979; Demokratische Gesellschaft und Bürokratie, Die neue Gesellschaft, 
p. 1.076-124 (Estudo para o dia do SPD: Bürger und Verwaltung); Programa do CDU para 
a desburocratização do estado e sociedade de 3 de dezembro de 1979, ms.; Erstickt der 
Bürokratismus unsere Demokratie? (Schriften des Deutschen Stadte - und Gemeindebundes), 
1979; Industrie - und Handelskammer zu Koblenz, Giingelwirschaft statt Marktwirtschaft? 
parte 1-4, 1977-79, T. Bender DRiz, 1978, 33; Baum, G. R. BMIBMI-Mitteilungen, n. I, 1979, 
2 e seg.; Scholer, A. v., ed. n. 2, 1979, p. 1 e segs.; Vogel, H.-J. ZRP, 1979, 31 Iss; --o 
ZRP, 1980, 5; B. Breue1, den Amtsschimel absatteln, 1979; U. Lohmar. Staatsbürokratie. 
Das hoheitliche Gewerbe, 1978. (Aqui a discussão In: Aus Politik und Zeitgeschichte, sepa­
rata da revista Das Parlament, B. 15/1979); BulI, H.-P., ed. Verwaltungspolitik. 1979; Zuber, 
H., ed. Schlankheitskur für den Staat. 1979. p. 227; Starck, Chr. ZRP, 1979, p. 209; Lange, 
K. DVBJ, 1979, p. 533; Schier, W. BayVBJ, 1979, p. 321; Maassen, H. NJW, 1979, p. 1.473; 
Weib, H.-D. DCEV, 1978, p. 601. 
3 Wagner, F. Der Oftentliche Dienst im Staat, der Gegenwart, VVDStRL 37, 1979, p. 234. 
Ali também 233s para o funcionalismo segundo o qual a "culpa no fluxo de normas" e na 
"burocratização" é transmitida do cidadão aos funcionários, dos funcionários aos políticos 
que fazem as leis e dos políticos aos cidadãos exigentes. 
R. C. po!., Rio de Janeiro, 29(1) :40-60, jan./mar. 1986 
Não tomarei em conta a responsabilidade, mas ocupar-me-ei do contributo 
específico que a ciência jurídica e nós juristas temos dado e continuamos 
a dar ao processo de produção da estrutura burocrática na administração da 
justiça! 
Poderei sintetizar, numa tese, as considerações que se seguirão: a crítica 
à burocracia marca o ponto no qual o direito público é posto em confronto 
com os efeitos e as conseqüências da sua dogmática. 
As carências da burocracia são a conseqüência das causas que também nós 
juristas, como tantos outros, animados de boas intenções e com boa consciên­
cia, temos certamente remorso. 
E minha intenção perturbar nossa "boa consciência" na aplicação dos prin­
cípios inspiradores do Estado social de direito para considerar as conseqüên­
cias burocráticas que resultam de tal operação. Na base das reflexões que se 
seguirão tratarei de fixar a ordem dos trabalhos em torno dos problemas da 
burocratização. A crítica ao excessivo crescimento quantitativo (burocratização 
quantitativa) e ao método dos trabalhos qualitativamente desvantajosos da 
administração (burocratização quantitativa) vem desenvolvida em dois as­
pectos. 
1. A expressão "burocratização" é utilizada para descrever uma situação 
na qual o Estado chama a si, em âmbitos específicos ou gerais, inúmeras tare­
fas, ameaçando assim a iniciativa privada. Em tal caso, a crítica à burocracia 
toma o aspecto de uma crítica da função e de uma crítica geral do Estado.:> 
2. Outra variante do significado da "burocratização" é uma crítica espe­
cífica à administração em si. Esta crítica emerge quando é forte a impressão 
de que, entre a intenção originária de um ordenamento e a sua realização, 
colocam-se alguns elementos posteriores de obstáculo, precisamente o processo 
e o aparelho executivo, por meio dos quais Se renuncia, inteiramente ou em 
parte, ao justo objetivo originariamente fixado. 
Insurjo-me, em primeiro lugar, contra este último significado de que fala­
mos, o qual é tratado na primeira parte deste artigo, isto é, o que são os 
custos burocráticos. 
Na segunda parte, analisarei em que medida o princípio do Estado de 
direito é criador de burocracia, e por que pode contribuir para impedir a rea­
lização de determinado fim. 
Na terceira parte, tratarei da crítica à burocracia como crítica de função, 
prevalentemente no exemplo do princípio do Estado social. 
I 
A crítica à burocracia, no sentido anteriormente exposto, leva à contradição 
entre o programa tomado como "bom" e os seus resultados, acolhidos pelo 
cidadão de maneira não-favorável, como previsto. 
4 De modo semelhante pergunta Sendler, ZRP, 1979, p. 227 e seg., pelo papel do juiz e da 
jurisprudência no número e tipos de normas. 
5 Este significado domina na publicística em geral e na maior parte dos estudos. In: 
Schlankheitskur (nota 2), e em Breuel (nota 2), p. 112 e segs. 
Os custos burocráticos 41 
Os inconvenientes nas relações entre a administração e o cidadão, e a im­
perfeição no sucesso do programa em confronto com a intenção originária, 
são os fatores indicativos deste fato. 
~ opinião corrente que uma das causas fundamentais disto é a chamada 
"autonomia" da burocracia: pode-se dizer que a administração, como apare­
lho organizativo e como sistema processual, apresenta um peso próprios e 
orienta-se progressivamente por diretivas internas e pela necessidade especí­
fica da própria organização e dos funcionários. 
A reação a esta atuação problemática, é fomentar uma política administra­
tiva1 de tipo programático: a autonomia da administração deve, através de 
fins claros de política administrativa, ser eliminada e atenuada pelos objetivos 
político-administrativos. 
Para maior clareza, alguns exemplos. Inconvenientes na relação entre a ad­
ministração e o cidadão manifestam-se de modo evidente em fatos elucidativos 
como a incompreensibilidade dos formulários,8 a divisão da competência num 
assunto unitário do cidadão, a distância espacial entre a administração e o 
cidadão. Por estes resultados prejudiciais não são responsáveis, de forma ime­
diata, dogmas jurídicos. A reforma administrativa do território e a autono­
mização na administraçã09 têm produzido um acréscimo excepcional no au­
mento da distância do cidadão, na primazia da perspectiva interna da racio-­
nalização e na deficiente orientação do cidadão. 
Ambas as modificações da administração não são produto dos juristas ou 
dos dogmas jurídicos, mas antes de uma política administraitvanão equili­
brada. ~ duvidoso que tentativas meramente "propagandísticas" de uma apro­
ximação da administração ao cidadão possam produzir um reequilíbrio satis­
fatório ou a reposição do status quo ante. 
Possibilidades para sair desta situação, da atual política administrativa, 
decorrem de instituições de apoio ao cidadão (Bürgeranlaufstellen) e dos cen-
6 Koschnick. H. Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.078: existe hiperburocratização quando 
a tarefa funcional de uma administração é pouco nítida - ela é autônoma - ou persegue 
um fim próprio; de modo semelhante, Binder, H.-G., ed. p. 1.092 e Fõhr, H. In: Geissler 
(nota 2), p. 45 e segs. 
7 Assim, em especial, ElIwein, Th. In: BulI (nota 2) com claros exemplos de casos con­
troversos e contributos nesta problemática. Ver, também, von Schõler (nota 2), p. 2. 
8 Para o problema da formação de formulários, cf. H.- e B. Nowak. Probleme des 
Bürokratismus. Untersuchung und Neugestaltung des Berliner Wohngeldantrags, ms. 1978 
(a encargo od BKa e do Berliner Bausenators); além disso, cf. o trabalho de von K. Grimmer, 
W. Schãfer no Tagung der Gesellschaft für Rechts - und Verwaltungsinformatik 1979, 1979, 
relatório NTW 1979, p. 2.292 e segs., assim como R. Albrecht e E. Reidgeld, Vierteljahress­
chrift für Sozialrecht (VSSR) 5 (1977), p. 251 e segs.; W. Schãfer e G. Skorka, Die Abbildung 
von Gesetzestexten auf Formulare in de Rentenversicherung (Documentos de trabalho do 
grupo de investigação da automatização da administração Heft 17), Kassel 1979. 
9 Os efeitos da reforma administrativa territorial foram amplamente tratados na série de 
publicações de Oertzen, H. J . v. & Thieme, W., ed. Die Kommunale Gebietsreform. A auto­
matização da administração com sua freqüente perspectiva interna tem sido objeto de amplos 
projetos de investigação, Verwaltungsautomation an der Gesamthochschule Kassel, cf. os 
documentos de trabalho, até o volume 17; além disso o Tagungsbericht NJW, 1979, p. 2.293; 
Lenk, K. OVD, publicação especial, 1978, p. 22 e segs. Os efeitos da atuação altamente ro­
tineira da Massenverwaltung com o apoio de computadores manifestam-se no fenômeno cres­
cente de "vias de direito" (recurso - Rechtsbehelfen); cf. ainda Grimmer, Heussner, Korn, 
Karlsen"& Lenk. Rechtsverwirklichung bei strikt geregeltem Verwaltungshandeen (Documen­
tos de trabalho, caderno 16). 
42 R.C.P. 1/86 
t1'05 de assistência (Dienstleistungszentren)10 opostos à concentração numa úni­
ca instituiçãoll responsável, atuando paralelamente e em diversos setores. 
Fica, todavia, a questão de saber se, e, em que medida, independentemente 
de erros ou oportunidades da política administrativa, os formulários devem 
ser tão complicados, a competência tão interdependente, para tomarem tão 
grandes as exigências jurídicas na diferença da regulamentação e na sua 
aplicação. 
Um último passo de nosso raciocínio leva-nos provavelmente ao problema: 
não é só uma tese, mas uma visão de base bem fundamentada da consciência 
da administração, a consideração de que a exigência estrutural interna de uma 
organização e a disposição particular do pessoal proposto tenham conseqüên­
cias relevantes para os resultados concretos de um programa.12 
A administração, como aparelho e sistema processual, exige freqüentemen­
te, para que possa ser aplicada de modo eficaz, uma regulamentação material.llI 
A realização jurídica através de organização e proteção jurídico-fundamen­
tal é um slogan conhecido.H Tem aqui interesse o reverso destes princípios 
valorizados positivamente. 
A administração, como aparelho e como modo de processo, tem sempre um 
peso próprio, um efeito sobre o conteúdo da decisão: as premissas decisórias 
são, não apenas regras de conteúdo e programas, mas também organização.15 
Chamo a estas circunstâncias "custos burocráticos", porque a necessidade de 
um aparelho tem sempre efeitos sobre o grau de realização de um fim mate­
rial: junto da orientação dos funcionários aos fins materiais e regulações, estão 
necessariamente, na organização, as perspectivas internas, a orientação a pro­
blemas próprios dos funcionários e da administração como estrutura organi-
10 Cf. Reimold, G. BWVPr, 1979, p. 247, sob indicação do Gemeindeprüfungsanstalt BW, 
BWVPr, 1979, p. 232. O fim de tais centros de apoio e de outras instituições administrativas 
é alcançar um lado exterior da administração que vá contra a unidade e globalidade do 
cidadão; sobre este ponto, cf. Kosschnick & Haack, D. Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 
1.080 e 1.109, Programa do CDU (nota 2, p. 26). 
11 Para as possibilidades e problemas de uma concentração de processos paralelos, Jarass, 
H. DOV, 1978, p. 21; cf. ainda o Tagunsgsbericht, BayVBL, 1979, p. 493. 
12 Para a compreensão da organização e das premissas de decisão, cf. as indicações feitas 
na nota 15. Pode-se, por assim dizer, exprimir os fatos também através da formulação kan­
tiana de J. Isensee, Die typisirende Verwaltung, 1976, p. 130: "A norma é em si inacessível 
ao jurista." Assim, um programa dirige-se ao destinatário numa forma que resulta transfor­
mada da passagem através da estrutura legal da organização (burocrática). 
IJ No campo de aplicação de uma reserva de autorização, todo o caso de aplicação da 
regulamentação relativa depende de um agir oficial da autoridade; mas dependências pro­
cessuais são também relações de prestação como medidas de vigilância e de controle. 
14 Starck, Freiheit und Organisation 1976. In: FS BVerFG, lI, 1976, p. 480 e segs.; Hesse, 
K. EuGRZ, 1978, p. 434 e segs., com indicação da jurisprudência do BVerFG; Pitschas, R. 
VSSR, 5, 1977, p. 141 e segs. (zum formellen Sozialstaatsprinzip) e em especial 149 e segs. 
(para a realização do direito "através da organização"), p. 169 e segs.; Hufen, IA, 1977, 
p. 73 e segs., 128 e segs. 
IS Para o problema do peso autônomo da administração, basta recordar a formulação de 
M. Weber e a discussão sobre a burocracia suscitada por ele. Sobre o conceito fundamental 
da premissa decisória e do seu fundamento teórico, cf. Luhniann, N. In: Politische Planung, 
1971, p. 188 e segs., 207 e segs., ainda p. 67 e segs.; Theorie der Verwaltungswissenschaft, 
1966, p. 49 e segs. A autodinâmica é para a organização um termo que penetra na repre­
sentação material em diversos campos da política social: Kaufmann, F. X., ed. Bürgernahe 
Sozialpolitik, 1979, p. 145 e segs., 501-5. 
Os custos burocráticos 43 
zativa. A expressão "custos" deve indicar o juízo não-trivial acerca da inevi­
tável desvantagem da realização do direito através da organização. 
Esta conclusão contém inúmeras conseqüências: 
1. Na execução de uma norma jurídico-pública deve-se ter em conta o peso 
próprio do aparelho executivo. Todo regulamento que não é self-executing 
produz burocracia e, por conseguinte, custos burocráticos. Assim sendo, não 
existe em amplos domínios do direito público a alternativa entre a burocrati­
zação e a não-burocratização, mas apenas entre, por assim dizer, burocratiza­
ção e "hiperburocratização".18 
2. A política administrativa pode atenuar, mas não eliminar o peso autô­
nomo da administração. 
3. B evidente que a política administrativa tornar-se-á tanto mais complexa 
quanto maior for a orientação total, é, assim, o âmbito de referência interno 
da administração e a necessária ocupação com problemas próprios. Apesar de 
uma boa política administrativa, a atenção tem de ser orientada em torno 
de todas as causas originárias da produção e multiplicação da burocracia. 
E, como sempre, a participação do sistema jurídico e dos juristas neste pro­
cesso de burocratização quantitativa e qualitativa, imediata e referida a outros 
fatores, não pode ser esquecida. Contra isso me insurjo nas considerações que 
se seguem. 
11 
1. B evidente que o conceito de Estado de direito, que exige em todos 
os casos previsibilidade, ponderação e segurança na atuação estadual em con­
formidade com o direito, tem efeitos sobre o número, sobre a diferença de 
conteúdo da norma, e, ao mesmo tempo,sobre a extensão do aparelho admi­
nistrativo. Um inventário dos fatores, próprios do Estado de direito, que produ­
zem burocracia seria facilmente elaborado,l1 mas seria todavia de interesse limi­
tado. Tal enumeração serviria, indubitavelmente, para demonstrar que através 
do processo de jurisdição produz-se necessariamente burocracia. Aqui interessa 
todavia indicar os movimentos possíveis que produzem uma burocracia incontro­
lada e exagerada. Tal impulso conferido pelo sistema jurídico à burocratização 
consiste no fato de que alguns importantes institutos jurídicos são caracteri­
zados por uma tendência autodinâmica à produção de burocracia. Isto não é 
reflexo da dogmática do direito público. 
O processo de jurisdição assume uma dinâmica própria, porque não existe 
impedimento jurídico para que não se regulamentem, de forma sempre mais 
precisa e minuciosa, os fatos concretos. 
16 Também por ElIwein (nota 7), qualificado como problema principal; cf. ainda Grunow. 
In: Kaufmann (nota 2), p. 348. 
17 Seria de citar a "reserva de lei e a sua extensão", a "necessidade de determinação", 8 
"garantia da proteção jurídica", a "negação jurídico-estatal contra cláusulas gerais e campos 
de discricionariedade", a "necessidade de justiça no tratamento do caso concreto". 
44 R.C.P. 1/86 
Tanto mais que, como indica Luhmann,I8 "fazem parte da lógica e da técnica 
jurídica elementos, numa certa praticabilidade (SelbstliJufigkeit) , segundo im­
pulsos próprios, para ulterior concretização e produção de normas". 
W. Leisner19 falou de "círculo vicioso" (Teufelskreis) da concretização, isto 
é, da concretização da lei no plano fatual e operativo. Além disso, as concreti­
zações referem-se, de modo mais próximo, ao caso singular, esses são constran­
gidos a mudar progressivamente para acompanhar as modificações das relações, 
contribuindo assim para o desenvolvimento das funções que se transformam 
continuamente no interior do sistema complexo de aplicação da norma. 
Por outro lado, a tarefa de concretização normativa, num determinado ponto, 
procura facilmente sua extensão aos outros pontos análogos ou vizinhos (benach­
barten); em suma, com a objetivação e a efetuação normativa num determi­
nado lugar, aumenta a necessidade de objetivar e regular os outros lugares. 
Uma seqüência ilimitada é ainda constatável na produção dos regulamentos 
de exceção;20 a regulamentação de uma exceção, considerando a rigidez do 
direito, faz imergir, por questões de igualdade, outros casos de aplicação do 
regulamento fundamental, como se necessitasse fundamentação. 
A exigência de complementação da casuística interna é ainda mais evidente 
se se considerar a administração da justiça no seu conjunto de casos. 
No centro do problema está a questão acerca da existência de tendências 
autodinâmicas de produção normativa e da especificação na respectiva Lei 
Fundamental, a qual, depois de 1945, quando não é tomada como prestação 
típica do direito público baseia-se sobre a "proibição do excesso" (ObermaB­
verbot). 
O contributo do princípio do ObermaBverbot funda-se em primeiro lugar 
sobre o fato de que, graças à proibição do excesso, o agir estatal está subordi­
nado a um rigoroso controle lega1.21 Tanto o processo de definição, como o de 
realização do direito estão subordinados ao vínculo do ObermaBverbot. Tal 
vínculo acompanha o legislador, na consideração dos fatos, e o jurista, que 
aplica a lei, na decisão jurídica do caso concreto.22 
E próprio do Estado de direito manter uma consistente flexibilidade no seu 
funcionamento. Por exemplo, distinções omitidas na lei podem ser recuperadas 
18 Luhmann. In: Geissler (nota 29, p. 116); perante o perigo de uma autodinâmica do 
estado de direito, cf. Huh, Young. Der Staat 18, 1978, p. 198. 
19 Leisner, W. IZ, 1977, p. 504. Para a (hiper)diferenciação em geral e, em especial, no 
direito do funcionalismo público e também em certa medida no direito das edificações, 
Sendler. ZRP, 1979, p. 230. 
20 Weiss. DOV, 1978, p. 608; cf. também Sendler. op. cit. p. 228 e segs. 
21 Corretamente sobre este ponto, a constatação equilibrada de Benda, E. DOV, 1979, 
p. 468: o anteprojeto do BVerFG em ligação com o princípio da proporcionalidade não 
atinge, em regr&, o fim político-jurídico do legislador, mas especialmente normas concretas. 
Cf. também o mesmo, Grundrechtswidrige Gesetze, 1979, p. 26 e sego e p. 56 e sego (caso 
material). Para o ÜbermaBverbot, cf. Schneider, H. In: Fs BVerFG, lI, 1976, p. 390 e 
segs.; Stern, K. Das staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland 1, 1977, p. 671 e seg.; 
Wendt, R. AoR, 104 (1979), p. 415 e segs.; Gratitz, E. AoR, 98 (1973), p. 568 e segs.; 
Schink, B. Abwãgung im Verfassungsrecht, 1976. 
22 Para uma crítica a esta dupla aplicação, cf. Schneider (nota 21), p. 402. 
Os custos burocráticos 45 
através da aplicação da norma ao caso concreto; numa regulamentação que 
tende à inflação de normas, pode-se verificar, por exemplo, o caso de um desvio 
de caráter geral, e que se acompanha de uma norma de exceção, garantindo 
a específica diferenciação e pela qual o regulamento interno é concebido como 
relativo.23 
Todavia, o ObermaBverbot, com sua característica capilar de precisão, contém 
uma ampla exigência de conseqüências para o sistema jurídico. A par do prin­
cípio do tratamento igualitário, ele contém uma proposição, segundo a qual 
dada norma não pode regular iguais situações de fato, de modo diferente. 
O sistema jurídico, considerado complexivamente como a lei e a sua apli­
cação, deve assumir certo grau de "complexidade" da situação de fato. 
~ indiferente, para fins do problema da burocracia, se este princípio funda­
mental do Estado de direito traduz-se no incremento de normas legais gerais 
- a que alude a expressão corrente de "fluxo de normas" (Normenflut) -
ou traduz-se em exigência de diferenciação na aplicação da lei aos casos con­
cretos.24 
Em ambos os casos a administração deve estar em condições de satisfazer 
às diversas exigências. ~ evidente o efeito produtor de burocracia de uma dada 
representação no direito que é própria do postulado da "complexidade" da 
sociedade industrial,25 
2. Parece ser inútil dramatizar de momento o fato de que se colocam limites 
às exigências de diferenciação e pormenorização. ~ opinião comum que o direito 
tende sempre, ainda que por motivos de praticabilidade,28 à generalização e à 
tipificação. O problema da tipüicação complica-se, todavia, quando é reformu­
lado no conceito de relatividade do direito. 
Resulta então que na tipificação pelo legislador dos fatos, como habitual­
mente acontece, estes venham compreendidos numa abstração tal que inclui 
casos (ou grupos de casos?) pelos quais o intervir, ou não é necessário, ou 
não é adequado. 
23 Para a nem sempre uniforme jurisprudência do BVerFG sobre a reserva de autorização 
preventiva e repressiva, em especial e com clareza cf. o BVerFG DOV, 1979, p. 566 (proi­
bição de Schlagringen); cf. também a apreciação dogmática, de igual modo não-uniforme, 
do Fridhofszwangs pelo BVerFGE, 50, p. 256 (262), BVerwGE, 45, p. 224, Hess. stGH 
ESVGH 19,8 e VGH BW BWVPr., 1979, p. 135. 
24 Esta observação deve ser feita com uma reserva: na falta de estudos empíricos sobre a 
atuação real da administração, não é conhecida qual a diferença em termos de resultados 
práticos, se diferenças na lei ou num regulamento foram efetuadas ou se foi introduzida 
a discricionariedade através de preceitos administrativos, ou se uma tal diferença existe em 
casos especiais de discricionariedade, com exigências gerais na diferenciação, devido a ra­
zões de justiça do caso concreto. 
25 Sobre a relação entre a complexidade das condições da vida social e a complexidade do 
direito, cf. Kaufmann. Jahrbuch für Rechtssoziologie und Rechtsheorie, 1 (1970), p. 175 
e segs. (188s); cf. também Vogel. JZ, 1979, p. 322; Baum (nota 2), p. 3; apreciação dife­
rente em Lange, DVB1, 1979, p. 535-6. Dúvidas na racionalidade de uma tal relação, cf. 
Weiss. DOV, 1978,p. 608, sob a indicação de Bender, DRiZ, 1978, p. 33. 
26 Sobre este ponto cf., principalmente sob aspectos metodológicos, Isensee (nota 2), 
parte 2. 
46 R.C.P. 1/86 
Pode acontecer que pessoas ou grupos sociais sejam excluídos de uma pres­
tação, ainda que essa devesse constituir a sua garantia, segundo os princípios 
gerais da legitimidade e da igualdade.27 
Mesmo quando se pode ainda tipificar8 (na fase de aplicação do direito), 
isto significa que o instrumento utilizado não é, necessariamente, o meio mais 
oportuno, ou que restam ainda algumas prestações, embora existam casos mate­
rialmente reportáveis ao caso típico. 
Assim formulada, a questão deve procurar a revolta da nossa consciência 
e competência jurídica como axiomas gerais. 
Por que deverá ser também admissível (por motivos de praticabilidade e efeti­
vidade da administração?) um instrumento preponderantemente ou um trata­
mento desigual?29 
Por esta razão, o princípio da praticabilidade não ocupa e não pode ocupar 
um lugar seguro na dogmática jurídica. A jurisdição do tribunal constitucional 
e dos tribunais superiores tem reconhecido a praticabilidade como princípio 
jurídico. 
Assim, verificadas determinadas premissas, tem-se entendido que a consti­
tuição conferiu ao legislador e à administração a faculdade de proceder à tipi­
ficação. A análise que se segue mostra, todavia, a "legalidade natural" segun­
do a qual os princípios de Estado de direito deve respeitar tendencialmente 
estas reflexões sobre a praticabilidade e restringir e anular o seu âmbito de 
aplicação.ao 
No campo clássico da aplicação da tipificação, vale dizer, no direito tribu­
tário, um estudo fundamental de Isensee, há pouco tempo surgido, mostrou 
TI O BVerFGE, 17,1 (33s) concede uma margem legislativa mais ampla a uma tipificação 
que "favoreça" do que a uma tipificação que "penalize", mas não pretende excluir de todo 
esta última; sobre isto cf. BVerFGE, 28, p. 324 (356 - Waisenrente); 19, 101 (116, Zweigs­
teIlensteuer); 17, 337 (354 - Beamtenversorgungsbezüge); cf. também BverwG FamRZ, 
1979, p. 368: reconhece tipificações na factiespécie (Tatbestandsmerkma/). Wohnen bei den 
Eltern, §§ 12 e 13, BafÕG. 
23 Para as duas diferentes fases da tipificação, na legislação, por um lado, e na aplicação 
do direito, por outro, ver Isensee (nota 12), p. 96 e segs. 
29 Em direito de polícia é reconhecido expressamente o princípio da recusa da praticabi­
lidade, no sentido de que o ordenamento Cl as disposições de polícia não podem salvaguardar 
só os fins de facilitar a vigilância que é proposta à polícia; segundo o modelo dos §§ 31, I, 
41, IH, PrPVG, p. ex., §§ 20, H e 32, I, 2, OBG NW; comparar Drews, Wacke & Vogel. 
Gefahrenabwehr. 8. ed. 1975. v. 1, p. 183. Para o papel do princípio da igualdade como 
limitação da tipificação, cf. Rupp, H. H. In: FS BVerFG, v. 2, 1976, p. 372, 377 e segs. 
Rupp tece críticas em especial - indicadas em concreto - à tese do BVerFG, que permite 
uma margem legislativa mais ampla no que concerne à chamada maior tipificação favorável; 
Rupp, em ligação a Fuss, coloca a questão se no âmbito de tal atividade estadual não deve 
ser permitido "um pouco de arbitrariedade" . 
.lO Para a jurisprudência da tipificação do BVerFG, cf. a obra de consulta do BVerFG, 
art. 3, GG, sob a palavra: Typisierung und Generalisierung, p. 67 e seg.; Isensee (nota 12), 
p. 96, com comentário, e as indicações nas notas 31 e 34. A tese dos textos referidos está 
confirmada na observação de Benda, DOV, 1979, p. 468: "A referência à necessidade de 
uma administração de massas não é em si inoportuna mas são necessárias precauções maio­
res que aquelas que poderiam ser de momento assumidas pelo Governo federal." O BVerFG 
conheceu nos últimos 10 anos o ponto de vista da praticabilidade em 15 casos; cf. também 
o mesmo, Grundrechtswidrige Gesetze, 1979, p. 24 e 47 e segs. (fali material). 
Os custos burocráticos 47 
corno a jurisprudência tradicional acerca da tipificação jurídica do RFH e do 
BFH coloca urna restrição no campo de aplicação dos processos de tipificação, 
sob a pressão da crítica do Estado de direito e do acolhimento dos princípios 
consti tucionais. 31 
O novo curso da jurisprudência, em direção a urna contínua diferenciação 
jurídica, justamente em evidência por Isensee corno base fundamental do atual 
desenvolvimento do direito, é urna conseqüência jurídica do atual direito consti­
tucional estadual. Contra o método clássico da enumeração desenvolvol-se urna 
"má consciência" jurídico-constitucional, que foi aplicada eficazmente.32 
Se se examinassem algumas sentenças do Tribunal Administrativo Federal, 
na sua formulação, não se deveria ter mais espaço para urna consideração dos 
problemas da tipização e da praticabilidade.33 
Num outro importante campo de aplicação da "administração de massas", 
isto é, da administração atual das multidões, o campo do direito social, Scholz 
e Pitschas têm feit034 urna crítica cerrada à jurisprudência do BSG acerca da 
possibilidade e dos limites de regulamentação enumerativa no direito dos se­
guros. 
Outros consideram que a jurisdição no campo da administração do direito 
social, devido à limitação imposta pelo modo de proceder enumerativo do prin­
cípio da proporcionalidade, está ainda no começo e, em particular, a "proibi­
ção do excesso" (ObermaBverbot) contém maior especificação e diferenciação 
daquela que o BSG apto a reconhecer. 
Limitando-nos ao ponto de vista da praticabilidade em si, na qual deveria 
ter lugar a consideração dos custos burocráticos de um ordenamento, não se 
pode ter plena consciência de qual a sua função. Isto tem sido entendido como 
ponto de vista ilegítimo que, em caso de conflito, não resiste ao peso da argu­
mentação, fundada sobre o princípio da proporcionalidade e sobre o axioma da 
igualdade no direito. A razão disso, a qual deve, antes de mais nada, estar na 
praticabilidade, vem sendo usada apenas como paradigma convencional de todos 
os possíveis custos burocráticos, vistos na sua generalidade; sendo assim, o topo 
da praticabilidade toma-se improdutivo. 
3. O resultado provisório não é surpreendente. O modo de pensar jurídico, 
orientado pelos princípios do ObermaBverbot e da igualdade, é repulsivo nos 
confrontos das generalizações. Isto deve criticar e anular ao seu íntimo a enu­
meração. 
31 Isensee (nota 12), parte 1, em especial p. 27-36 (para a tradição da tipificação), p. 36-40, 
p. 50.4 (para as novas tendências de recessão da tipificação), como a parte 4 para a legi­
timidade da tipificação do ponto de vista jurídico-constitucional; ali também, p. 39, a 
citação indicada por Henkel, Recht und lndividualitiit, 1958, p. 86. 
32 Op. cit. p. 51. 
33 Op. cit. p. 37. 
34 Scholz, R. & Pitschas, R. In: Sozialrechtsprechung, FS BSG, lI, 1979, p. 662 e segs., 
também p. 656 com nota 192, p. 669, sob pormenorizada apresentação de casos materiais. 
Para a jurisprudência da tipificação do BVerwG em direito social, MaydelI, B.v. In: FS 
BVerwG, 1978, p. 424. 
48 R.C.P. 1/86 
Eu vejo ainda nisto um processo tendencialmenteautodinâmico. O pensa­
mento jurídico é autodinâmico, de modo particular, porque não pode integrar3ã 
na própria imposição dogmático-sistemática, os fatores limitativos da jurisdicio­
nalização e os pontos de vista da praticabilidade e da eficiência, da produtivi­
dade ou da aproximação do agir administrativo ao cidadão; isso procede da 
argumentação jurídico-política de maneira unidimensional. 
A relevância de tal problemática é ainda mais clara quando se procede a uma 
diagnose mais atual da situação da administração. Nesta, a relação entre a lega­
lidade e o conjunto dos outros pontos de referência, com correção da atuação 
administrativa, vem examinada segundo o conceito de "quadro mágico"; vale 
dizer, o sucesso da atuação administrativa é o resultado do "quadro mágico" 
ou, da legalidade, da produtividade, de conformidade ao fim e de aproxima­
ção ao cidadão.36 
Nenhum fator desta relação pode ser maximizado e isoladosem produzir 
efeitos excessivamente desvantajosos sobre o conjunto dos outros fatores. 
Neste perigo incorre o pensador jurídico quando considera exclusivamente os 
princípios próprios da jurisdição. 
Naturalmente que o processo de aperfeiçoamento do direito e da dissolução 
da tipificação encontra o seu ponto de apoio numa consciência jurídica orien­
tada segundo fins materiais e a praxis jurídica. 
A este nível não existem critérios de referência claramente demonstráveis, 
mas as exigências na diferenciação resultam de uma visão de conjunto do sis­
tema coletivo, do instituto profissional próprio do jurista. 
Este efeito do instituto jurídico do ObermaBverbot e do princípio da igual­
dade foi reconhecido como uma das razões fundamentais do progresso do nosso 
direito. A intenção orienta-se a uma justiça maior e a uma garantia mais plena 
da liberdade civil através de uma especificação detalhada da norma estadual. 
Seria ilegítima uma reserva qualquer nos confrontos deste efeito se a intenção 
que a move se realizasse apenas na prática. O direito público não poderia, 
assim, evitar as questões dos resultados concretos do processo de definição 
e de aplicação do direito, dos resultados de execução administrativa para o cida­
dão, da intenção de uma garantia mais segura da liberdade civil e do melhora­
mento da prestação. Pois só isto conta, realmente.37 
35 As dificuldades de integração da praticabilidade na dogmática do direito administrativo 
resultam com clareza do trabalho de Isensee (nota 12). Circunscrevendo a análise em torno 
deste ponto de vista, Isensee (p. 17 e segs.) afirma que a inserção dos topos da praticabi­
lidade na dogmática jurídica resulta ineficaz quando a administração tipificada é justificada 
unicamente como expressão de uma competência de emergência da administração (p. 17 
e segs.); em vista do conflito permanente descrito, esta solução não pode satisfazer. Sobre 
a crítica aos escritos de lsensee nos escritos de direito tributário, cf. Tipke. Steuerrecht. 
6. ed. 1978, p. 458. . 
36 Cf. a tese resumida do Forschungsverbunds: Bürgernahe Gestaltung der sozialen Umwelt. 
In: Kaufmann (nota 15), p. 537, também p. 508 e 23 e segs. A formulação do "quadro 
mágico" é retomada em forma diferente por v. Schõler (nota 2), p. 3; sobre os conflitos 
em torno do fim da atuação administrativa, cf. o exemplo de autonomização administrativa 
de Lenk (nota 9), p. 22. 
:rT Comparar sobre este ponto NoU, P. In: FS Schelsky. 1978, p. 360: "Não depende da 
declaração, mas de realização do direito." Referências a reflexões concernentes à sociologia 
do direito em Pitschas. VSSR, 5 (1977), p. 159 com nota 6, p. 19 e 34. 
Os custos burocráticos 49 
Em 1978 Frido Wagner,as no quadro de um balanço complexo, formulou 
a afirmação chocante, segundo a qual, cada vez mais, partes maiores da lei e do 
direito permanecem "submersas". Wagner enumerou exemplificativamente 12 
âmbitos jurídicos nos quais resulta que podem ser respeitadas e controladas só 
algumas partes da norma em vigor. Se isto for verdade, e a tese não foi até 
hoje negada, então é claro que, através do incremento inflacionista de uma 
massa de regulamentos produziu-se um aumento considerável de intenção jurí­
dica ligada ao procedimento concreto da jurisdicização; assistimos assim a uma 
"vitória do rei Pyrrhus" (Pyrrhussiege) sobre o Estado de direito. 
Fato ainda mais grave é a impossibilidade de individualizar quais as partes 
do âmbito jurídico que não foram aplicadas: isto tem conseqüências agravantes 
da desigualdade concreta na execução da norma. 
Tal fenômeno é indicado como termo da "conseqüência contra-intuitiva de 
ação". Esta expressão artificial funda-se num teorema sistemático.39 No nosso 
contexto, tal teorema pode ser assim formulado: numa estrutura tão complexa, 
uma imposição, que tenha em conta só uma parte de tal contexto, incorre facil­
mente no perigo de obter efeitos contrários ao fim fixado. 
Isto me parece precisamente a situação sobre a qual versa o direito público. 
Este compreende a regulamentação material e a relação material do cidadão 
com o Estado, quase exclusivamente através da categoria de "ingerência", de 
"desvantagem" e de "autorização". A circunstância de o cidadão só chegar 
realmente ao resultado de execução ou de poder ser produto da aplicação da 
norma, não vem considerada na lei sobre o procedimento administrativo, na 
sua forma atual. Na dogmática do direito administrativo são formuladas exigên­
cias de determinação diferenciada, independentemente do fato se o funcionário 
encontra a norma jurídica no labirinto dos regulamentos altamente especifica­
dos, e independentemente do fato de nesta diferenciação e especificação de 
casos, ele "meter a mão na gaveta falsa" e, enfim, independentemente da consi­
deração de que isto não acontece apenas em exceções intransponíveis, mas com 
previsível regularidade. 
Reportando-nos ainda a um exemplo de Wagner:40 devemos considerar o di­
reito administrativo e o direito público também de lado da vida quotidiana dos 
cinco inspetores ou funcionários que dirigem a administração numa grande 
circunscrição rural de oito mil habitantes. 
Em conclusão, para entender o que significa esta concentração de regulamen­
tos materiais no direito administrativo geral deve-se levar em conta que: a dog­
mática considera o aparelho administrativo e o pessoal como fato puramente 
instrumental, como se isso não tivesse conseqüências para a execução dos re­
gulamentos e, enfim, como se não se verificasse dispersão na longa marcha 
da norma através da instituição. 
4. Se for correta a análise feita, o direito público deveria aceitar a exigência 
do tema da burocracia como um desafio (herausforderung) aos fundamentos 
próprios da sua dogmática. 
38 (Nota 3). p. 244 e se!!., também p. 216.263 e 299 e seg.; cf. ainda o debate em Zacher, 
Wilke & Lange, ed. p. 294,297 e segs., 310. 
39 E~clarecimentos teóricos em Luhmann. Politische Planung, 1971, p. 182, 187, 219. 
40 (Nota 3), p. 300 e seg. 
50 R.C.P. 1/86 
1! uma característica dos custos burocráticos o fato de eles serem, em parte, 
produto de princípios altamente legitimados. A solução não deve ser assim 
simplesmente procurada na diminuição das causas: exigir o desmantelamento 
do Estado de direito e do Estado social seria uma solução falsa e demasiado 
despretensiosa. O verdadeiro problema foi posto de modo mais profundo e com­
plexo. Como Luhmannu considerou relativamente ao Estado providência, pode 
ser este também o campo da dogmática jurídica que examinamos: "o Estado 
providência é caracterizado por uma tendência constante ao incremento dos 
bens, à consideração do útil e da indispensabilidade, que cria problemas conse­
qüentes de tipo novo e que não podem ser resolvidos de modo igual mas, por 
outro lado, não podem ser eliminados nas suas causas". Seria precipitado anular 
as diferenças que podem trazer alguma correção a tais problemas. 
Para resolver o problema não chegam promessas superficiais da sua elimi­
nação total, mas reflexões e propostas adequadas!2 Neste sentido, com vistas 
à atenuação dos custos burocráticos que não signifique renúncia e abandono 
do Estado social de direito, podem-se fazer algumas observações gerais, em 
primeiro lugar, sobre a "proibição do excesso" (ObermaBverbot). 
Já é em si útil considerar a aplicação do princípio da proporcionalidade, 
a sua dinâmica interna e os custos burocráticos a ela necessariamente conexos!S 
Se, como suponho, a aplicação do princípio da proporcionalidade depende do 
modo como é formada e continua a se formar a preparação dos juristas, se­
gundo um padrão, um tipo médio de aplicação profissional do direito, então 
não é secundário saber se um elemento posterior entra na formação de tal 
padrão. 
Neste sentido não é de admirar e não nos deve assustar se aqui, para fins 
de aplicação do princípio da proporcionalidade,« vem enunciado o postulado da 
sua aplicação moderada, considerando os possíveis custos burocráticos conexos. 
Dondese retira que também o princípio da proporcionalidade não deveria, 
dado os seus custos, ser aplicado com desmedida. 
5. Passarei às propostas concretas, avançadas na discussão jurídico-política 
para limitar os custos burocráticos da crescente formalização jurídica. Não é 
por acaso que deliniei,45 na discussão jurídico-política uma renaissance do tema 
41 In: Geissler (nota 2), p. 119. 
42 Neste sentido também Luhmann. In: Geissler (nota 2), p. 119 e 112 (para o funda­
mento teórico). A relação entre a finalidade material política da jurisdição (Verrechtlichung) 
necessária ao Estado de direito e os custos burocráticos classifica-se teoricamente em cate­
gorias correspondentes como se segue pela relação comparável no Estado social. (Ver item 
m,l. ) 
43 O problema vem analisado sucintamente em Starck. ZRP, 1979, p. 211 e 212, como 
em Wilke. In: VVDStRL, p. 37,297 e segs . 
.. Sobre este ponto, ver Wieacker, F. In: Fischer, 1979, p. 871. 
45 Koschnick. Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.082; Brandt, H., ed. p. 1.091; Schulz, P., 
ed. p. 1.089; Schober. In: Geissler (nota 2), p. 78 e segs., também p. 73 e 75; Mosch. 
In: Gesetzesperfektionismus (nota 2), p. 44 e segs.; vários contributos para a discussão, in: 
Erstickt der Bürokratismus? (nota 2), p. 17, 44, 50, 73, em especial p. 33 e segs. e 75 
(Zeidler); cf. ainda Weiss. DOV, 1978, p. 608, e Starck, ZRP, 1979, p. 213, assim como 
Vogel, ZRP, 1980, p. 5, com uma tomada de posição diferente. 
Os custos burocráticos 51 
da discricionariedade, visto o Estado só, aparentemente seguro da sua dogmá­
tica, perseguindo uma nova fase.,*6 
Do outro lado, com a sempre maior exigência de autorizações discricionárias, 
não foi encontrado nenhum instrumento adequado como já deixa entender a 
própria expressão da norma administrativa (Verwatungsvorschriften). Como em 
outras propostas jurídico-políticas, o contributo específico do direito adminis­
trativo deveria ser, não só o de especificar a problemática freqüentemente mui­
to complexa de tais propostas, mas, antes, adiantar propostas coerentes e seguras 
do ponto de vista dogmático. 
Para assegurar a política administrativa através de uma política do direito 
administrativo, fazemos a proposta concreta que se segue. Tal proposta parte 
da consideração que, dos resultados da execução das operações jurídicas ou de 
satisfação dos legítimos bens materiais, podem resultar efeitos contraproducen­
tes para o desenvolvimento do processo. 
Pode-se tratar de uma tal proposta recorrendo a um modelo de regulamen­
tação em que: 
1. o fim legislativo seja formulado claramente; 
2. para o caso típico ou para o grupo de casos típicos seja imanente uma 
regulamentação legislativa, isto é, que fixe numa relação típica a diferenciação 
entre os fatores; 
3. para atenuar as consequencias negativas da insuficiente capacidade de indi­
vidualização e adequada delimitação das intervenções ou tratamento igualitário; 
atribuída expressamente pela lei, para o caso concreto, a faculdade de ele poder 
propor uma prévia exposição, certa e clara, dos fatos, como alternativa da 
solução indicada na norma, mas que seja adequada para alcançar o fim legisla­
tivo formulado. 
Esta técnica de regulamentação poderia combinar-se com a possibilidade do 
legislador e da administração de fixarem normas gerais dando a conhecer as 
circunstâncias particulares do caso concreto, com a possibilidade de alternativa 
de solução, de acordo com o fim. Com isto, a iniciativa do particular seria 
encorajada pelo fim no setor interno regulado pela norma. Com respeito à praxis 
seguida, esta técnica permitiria poupar, à administração e ao cidadão, o exame 
de uma multiplicidade de circunstâncias individuais!7 Em suma, poupar-se-ia 
à administração a verificação nos 100% de casos de uma série de circunstân­
cias individuais unicamente com o fim de enunciar uns 10% de elementos 
fundados juridicamente no conjunto dos casos analisados. 
Aqui se enquadra a proposta de uma exigência sempre mais estreita para um 
aperfeiçoamento da regulamentação e uma escolha dos modos de regulamen­
tação.48 Com respeito às outras propostas no sentido de um desmantelamento 
46 Chega a indicação de Scholz, R. VVDStRL, 34, 1976, p, 145 (163-70) e Schmidt­
Assmann, E .. ed. p. 221 (251 e segs.), e Koch, H.-J. Unbestimmte Rechtsbegrif/e und Er­
messensermachtigungen im Verwaltungsrecht, 1979, em especial p. 126 e segs., 138 e segs., 
172 e segs. 
1fT Sobre este ponto de vista, cf. Isensee (nota 12), p. 36 e segs. 
48 Wagner (nota 3), p. 254 e segs. e os contributos de Wilke Lange, ed. p. 298 e segs. 
e 310 e segs., assim como Lange, DVB1, 1979, p. 537 e segs. 
52 R.C.P. 1/86 
apenas quantitativo, ele exige a acentuação da realização dos fins da lei em 
cada caso. Naturalmente tal idéia não é nova; já no instituto jurídico da do 
meio mais moderado:e típico do direito de polícia, foi provado precursor 
parcial. Naturalmente, minha proposta refere-se a um âmbito bem mais amplo; 
na mesma lei vigente, que permite esta técnica de regulamentação, teria de 
ser regulada a diferenciação segundo o âmbito material e a necessária deli­
mitação. 
6. Restringimos a análise, agora referida ao direito público em geral, a um 
aspecto específico - e com isto chegamos à última parte. Esta relação entre 
direito material, por um lado, e instituições e processo, por outro, está clara­
mente presente num setor considerável do direito administrativo: o direito 
social e a administração social. Aqui existe uma quantidade de material, de 
problemas e de propostas de solução. Apesar disso, minha tese não deve ser 
relativizada. Por isso, surpreende quão pouco o direito administrativo útilize 
os impulsos provenientes do campo do direito socia1.50 
A usual categoria do direito administrativo não tem em conta a função 
desenvolvida do direito social e compreendida no de relação de prestação: 
a política de providência, como a de assistência, o governo dos serviços so­
ciais, a política da instrução; tais funções não são produto de um "excesso de 
cultura", por assim dizer, do ato administrativo e, assim, não constituem so­
mente o agir normal, mas são, isto sim, serviços e não prestações monetárias. 
Zacher demonstrou de modo conveniente como existe neste campo um verda­
deiro e próprio déficit da dogmática jurídica.51 A administração dos serviços 
sociais apresenta uma ambivalência evidente se se considerarem os dois aspec­
tos distintos da organização e do processo. Serviços, instituições e processos 
são, de um lado, entendidos pelo legislador no § 1, 11 SGB-AT (código social) 
como medium necessário para a realização do direito socia1.52 Do outro lado 
49 Sobre este ponto. cf. Drews, Wacke & Vogel (nota 29), p. 190 e segs., em especial 194 
(com correta indicação do sentido de se manter nos limites quanto ao dever de informação 
da autoridade) de um lado, e Gõtz, V. Allgemeines Polizei-und Ordnungsrecht, 5. ed. 
1978, p. 75 e segs., do outro, com acentuação diferente dos problemas constitucionais 
concernentes. Recentemente, Grupp, K. Verwalarch, 69 (1978), p. 75 e segs. considerou 
o significado deste instituto numa relação mais ampla; cf. especialmente p. 140, sobre a 
aplicabilidade fora do direito de polícia, e p. 146 e segs., para o significado da possibi­
lidade de opção para o particular. 
50 Sobre a unilateralidade do direito administrativo em geral, cf. Zacher. VSSR, 4 (1976), 
p. 19, assim como as indicações na nota 51. Pelo contrário, a jurisprudência social, na sua 
relação com o direito administrativo em geral (sobre isto, ver Krause, P.) NIW, 1979, p. 
1.007), sempre que pareça discutir a típica problemática do direito administrativo em geral 
para a aproximação da colocação dos problemas; sobre isto, Zacher. op. cit. p. 12. 
51 Ulteriores elaborações deste argumento in: Zacher (nota 50), p. 19 e segs., uma crí­
tica penetrante à insuficiência de regulamentação no campo do agir real da administração, 
à atenção prestada às relações jurídicas; do mesmo, Materialien zumSozialgesetzbuches, 
Teil A, 1976, p. 34-7, 52-7, 60 e segs.; do mesmo, das Vorhaben eines Sozialgesetzbuches, 
1973, p. 28 e segs. Sobre a falta de um tipo de regulamentação jurídica em relação à assis­
tência, cf. Krause, Verhandlungen, 52, DIT, v. 1, Gutachten E., 1978, p. 69 e segs., 85 e 
segs. 108 e segs. 
52 Wetenbruch, Bochumer Kommentar zum Sozialgesetzbuch, § I, Rd., p. 28 e segs. Para 
a compreensão deste regulamento como parte formal-organizativa do princípio do Estado 
social, cf. o artigo controverso de Pitschas, VSSR, 5, 1977, p. 141 e segs. (167 e segs.); 
ali trata ele ainda da "diretiva constitucional na intervenção social através da organização". 
Cf., ainda, as indicações da nota 14. 
Os custos burocráticos 53 
naturalmente, a considerável multiplicidade de instituições, o fracionamento da 
competência a ela inerente, a natureza da autoridade, os elementos burocrá­
ticos do estilo administrativo fazem assinalar os já referidos custos burocráticos. 
De fato, a escassa acessibilidade e insuficiente competência dos particulares 
tem por conseqüência que na estrutura da competência e no decurso da buro­
cracia fica demasiado material para a realização dos direitos dependentes. 
O cidadão não consegue distinguir os processos que dizem respeito ao seu caso.53 
Mas obstante isto, os problemas do direito social, na maior parte dos casos, 
estão estabelecidos claramente. 
São feitas propostas para uma organização mais eficiente e mais pr6xima do 
público (centros de assistência e de informação do cidadão),5· que se dirigem 
a grupos de exigência circunscrita;55 foi, por exemplo, discutido no direito 
social a discricionariedade como meio possível para alcançar as margens de 
acaso.56 Desta discussão resultou claro que a questão do método da prestação 
e do modo da sua garantia eficaz (p. ex., § 17, SGB-A T) merecem tanta aten­
ção como a questão da possibilidade da prestação e da plena igualdade ao 
direito de prestação.57 Por isto, tais pedidos e problemas são o resultado de um 
direito administrativo que não se limita, na sua categoria interpretativa, a con­
siderar s6 a forma de ação da administração e os direitos materiais do cidadão, 
mas que atende ainda, como problema relevante, à relação concreta entre 
cidadão e administração.58 
IH 
E chegamos à parte conclusiva em que trataremos da crítica à burocracia, 
entendida esta no sentido de crítica ao Estado social. A pergunta que se coloca 
53 Assim, Schober. In: GeiBler (nota 2), p. 73 e segs., com exemplos concretos sobre o 
"labirinto do Estado social de direito". Sobre o problema no seu complexo, cf. Scheuch. 
op. cit. p. 162 (com indicação das investigações empíricas nos EUA e na República Fe­
deral da Alemanha); Herzog. op. cit. p. 90; sobre os problemas das barreiras, cf. Pitschas 
(nota 52), p. 146, 173 e segs. 
54 Ver nota 10 deste artigo; além disso Scholtz. VSSR, 1 (1973), p. 283 e segs. 
55 Pitschas. Die Verwaltung, 12 (1979), p. 409 e segs. 
56 O conflito em tomo do significado e dos limites da jurisdicização do direito social tem 
sido debatido de modo profundo. O ceticismo de Achinger nos confrontos da jurisdição 
e a antítese de Bogs sobre a liberdade através da lei caracterizam a posição contrária numa 
discussão da qual serial útil retomar os seus resultados mais profícuos. A argumentação 
de Achinger foi resumida e comentada por Tennstedt, F. In: Murswieck, A., ed. Staatliche 
Politik im Sozialsektor. 1976, p. 139 e segs., p. 146 e segs. Indicações e apreciações diversas 
por Kaufmann & Schiifer. In: Kaufmann (nota 15), p. 36 e segs.; cf. ainda Pitschas (nota 
55), p. 417 com nota 24. 
~ Cf. o comentário ao § 17 SGB-AT; sobre o problema da informação e da discussão, ver 
os comentários aos §§ 13 e segs., SGB-AT, e o material empírico de Grunow e Hegner. In: 
Kaufmann (nota 15), p. 352 e segs., 393 e segs. Que as relações de prestação devem ocupar 
um espaço central no direito público, sublinhou-o várias vezes Zacher (nota 51). A relação 
entre a programação do direito de prestação e o modo de fornecer e entregar as prestações 
foi tratada fundamentalmente por Grunow e Hegner. op. cit. p. 351. Cf. ainda p. 358 e 
segs.; cf. Kaufmann, ed. Bürgemahe Gestaltung der sozialen Umwelt. 1977, p. 12 e segs. 
58 Cf. sobre este ponto Zacher, VSSR,- 4 (1976), p. 19: "O direito administrativo é ende-­
reçado à forma de ação da administração, não à forma da atuação civil." Para além desta 
observação, trata-se aqui ainda do problema da relação entre cidadão e administração. 
54 R.C.P. 1/86 
a este respeito é se o aumento dos custos burocráticos, no perseguimento de 
um fim do Estado social, é tal que pareça mais racional a renúncia ao fim, 
enquanto tarefa estatal ou a tentativa de uma alternativa totalmente diversa do 
preenchimento das tarefas do Estado. Tal problema, de toda a atualidade e 
cheio de valor político, não é seguramente de fácil solução como fazem crer 
determinados programas públicos ou slogans tipo "reprivatização". Considerando 
a complexidade de tal problemática, é oportuno, em primeiro lugar, distinguir e 
especificar abstratamente as possibilidades alternativas de solução. 
1. Na relação do fim material do Estado social com os custos burocráticos 
que resultam da sua realização são hipotetizáveis três soluções: 
a) solução intermédia: aquela que esperamos seja a mais rigorosa. Burocra­
cia adequada realisticamente ao procedimento do fim, de maneira tal a tomar 
suportáveis os conhecidos custos burocráticos e a dimensão própria da buro­
cracia; 
b) neste caso deve-se renunciar ao conjunto como função do Estado. Isto 
pressupõe que a iniciativa privada ou a titularidade de uma pluralidade de 
organismos livres seja considerada majoritariamente em condições de executar 
tais tarefas. Se esta valorização (consideração) não for positiva, não resta, senão, 
c) a solução: atribuir ao Estado, não obstante os custos burocráticos, a rea­
lização das tarefas de fim socialmente importante e do qual não se pode esperar 
uma regularização satisfatória através de ordenamentos parciais. 
2. Antes de maior pormenorização, uma aceitação implícita poderia funda­
mentar maioritariamente a organização que está na base das três alternativas 
diferentes. 
A questão só tem sentido se se colocar como fundamento do Estado social 
a perseguição de um amplo valor para o conjunto dos fins de utilidade pública, 
mais do que limitar-se à abstrata argumentação da legitimidade. 
Mas isto foi negado de modo apodítico por von Hayeck.~1I 
Aproveito a ocasião para dar algumas respostas. Von Hayeck fez uso do 
privilégio próprio dos grandes estudiosos de recorrer voluntariamente à expres­
são provocat6ria definindo o social como lingüístico coletivo, denominando 
filosoficamente, mas sem propriedade, de "palavra réptil" (Wieselwort).80 Ao 
ponto que, segundo von Hayeck, uma economia social de mercado não é eco­
nomia social de mercado, assim como o Estado social de direito não é mais 
Estado de direito e a democracia social não é mais democracia. 
59 Hayek, F. A. von. Wissenschaft und Sozialismus, 1979 (Festvortrag, 6.2.1979, Aula 
dá Universidade de Freiburg). 
60 Id. ibid. p. 16 e segs., com a 'denominação Wieselwort empregada na linguagem americana 
por Hayek, que alude à capacidade do animal doninha de poder sugar um ovo sem que depois 
-se possa perceber que a casca está vazia. Wieselworter são então aquelas palavras que 
quando acopladas a outras fazem estas perderem seu conteúdo, seu significado. 
0& :custos burocráticos 55 
Como jurista, poderei sustentar a convlcçao exatamente oposta, formulada 
na nossa Constituiçã061 admitindo que por um constitucionalista tal argumento 
possa ser apenas ocasional. Vou recordar os princípios que estão no funda­
mento da norma constitucional positiva e da tradição da teoria do Estado de 
direito e da sociedade do Estado moderno. Nesta, o fim do ordenamento polí­
tico está sempre mais definido como perseguição de uma optimal produtividade 
social do sistema. 
Os ordenamentospolíticos não se destinariam exclusivamente à garantia da 
lei da produção e distribuição dos bens ou da liberdade de mercado. O Estado 
moderno está obrigando à realização de objetivos extra-econômicos. Tal função 
complementar significa que o Estado forma sempre,62 relativamente à esfera 
propriamente econômica, juízos de valor e que, por conseguinte, desenvolve 
uma intervenção na economia, segundo critérios fixados politicamente. 
Estas intervenções foram e são necessárias na medida em que o processo 
econômico gera mais problemas para a convivência dos homens, de quantos 
ele próprio pode resolver, e de quantos podem ser resolvidos através da idéia 
de lucro do mercado. Isto é uma conseqüência da crescente especialização do 
processo econômico de produção e distribuição dos bens, uma conseqüência 
da superação da "economia doméstica", a qual engloba muito mais fins.63 
Isto reflete a incompetência do sistema econômico para satisfazer, entre ou­
tras, questões sociaisM e, assim, ao mesmo tempo, para satisfazer a necessidade 
do Estado como Estado social. 
3. Com o Estado social são, então, ao mesmo tempo legitimados também 
fins e objetivos que obtiveram no processo político um alto consenso e cujo 
respeito e grau de importância e utilidade social têm de ser pesados nos custos 
burocrá ticos. 
Afirmamos já que, não obstante relevantes e onerosos custos burocráticos, 
deve ser mantida a responsabilidade estadual de determinadas funções e da 
realização de fins úteis, politicamente fundamentados. E isto porque os obje­
tivos do Estado social são tão importantes que o sistema social parcial não é 
capaz de realizar tais fins através de uma auto-regulação e autodelimitação. 
Os custos burocráticos são o tributo inevitável que se paga pela incapacidade 
do sistema social de realização autônoma como resultado complexivo social­
mente suportável. Os lamentos sobre a burocratização não são, assim, outra 
coisa além de manobras de diversão. 
E evidente que o acolhimento da terceira solução que indicamos depende de 
múltiplas valorizações. Ela é, todavia, bem mais que uma solução puramente 
teórica. 
61 Sobre isto cf. Kimminich. O. DOV. 1979, p. 765, em conflito com Hayeck. Sobre as 
idéias jurídico-constitucionais de Hayeck, com pormenores, Simson, W. von Der Staat, 18 
(1979), p. 403 e segs. 
62 Com apoio na justa definição de Zacher. In: FS H.-P. Ipsen, 1977, p. 237. 
63 Sobre este ponto, Brunner, O. Das "ganze Haus" und die alteuropaische "Okonomik". 
In: Neue Wege der Verfassungs-und Sizialgeschichte. 2. ed. 1968, p. 103 e segs. 
64 Sobre a atual discussão apenas um exemplo: Culmann, H. Die Neue Gesellschaft, 1979, 
p. 1. 095, que sustenta a posição segundo a qual o fim legítimo da produção dos bens 
não pode retroceder perante os fins secundários (político-sociais). 
56 R.C.P. 1/86 
Com outra tanta incisividade deve ser examinada a alternativa oposta que 
renuncia à titularidade estatal de determinados fins atendendo aos custos buro­
cráticos conexos. 
Neste quadro da problemática da atual discussão da burocracia, não vejo 
como solução central a gestão privada das tarefas públicas ou a privatização 
de empresa pública. Segundo minha opinião, a discussão internacionalmente 
propagada de uma possível reprivatização não produz resultados consideráveis 
e não satisfaz à grande expectativa suscitada, não obstante a enumeração dos 
vários setores possíveis da reprivatização.85 Pelo contrário, o fim de uma des­
burocratização na forma da reprivatização pode ser perseguido de modo notável 
através da reforma da administração e da gestão de serviços sociais. A proble­
mática que aqui se coloca foi justamente analisada por F. X. Kaufmann e 
P. Schãfer. Os autores apresentaram um balanço dos resultados até então reali­
zados, de um ambicioso projeto da investigação social empírica: aproximação' 
do cidadão do "meio-ambiente social", formulando as seguintes perguntas: 
"e possível modelar a política social de forma tal que a intervenção estatal 
não destrua as condições de sua realização?,8 e possível fazê-Io de modo que 
a crescente divisão de trabalho e a centralização progressiva dos processos 
organizativos não anulem a prestação devida à pessoa ou ao grupo social?" 
A resposta à insuficiência dos serviços sociais é encontrada ou na reorgani­
zação da "administração social", no sentido de um lado exterior da administra­
ção orientado para o cidadão, ou no sentido de um tipo de administração 
que merece verdadeiramente o nome de "próximo do cidadão", ou através da 
concessão de determinadas tarefas sociais a organismos de autogestão, finan­
ciados publicamente. Para citar ainda uma passagem de Kaufmann e Schãfer: 
"o problema jurídico da política social é bem diverso daquele da política eco­
nômica. Não se trata neste caso da relação entre a organização pública dos 
serviços e a organização do mercado (privatização), mas da relação entre orga­
nização pública e autogestão dos serviços".67 
A terceira via clássica entre organização pública e iniciativa é, assim, consti­
tuída por formas múltiplas de autogestão dos grupos de iniciativa coletiva e da 
"baixa camada social".88 A tal respeito merece ainda atenção a redescoberta, 
na ciência econômica, do âmbito específico "autônomo", isto é, da autogestão 
65 Sobre a enumeração dos setores com capacidade de privatização, por exemplo, em 
Andreae, C.-A. In: Geissler (nota 2), p. 149 e segs.; Leisner. In: Schlankheitskur (nota 2), 
p. 197. Para o debate sobre a privatização, cf. ainda alguns contributos. In: FS Schmõlder, 
1978; Hanusch, H., ed. Reform offentlicher Leistungen, 1978 (com bibliografia, p. 127 e 
segs.); Grabbe, J. Verfassungsrechtliche Grenzen der Privatisierrung Kommunaler Aufgaben, 
1979; W. Graf Vitzthum, AõR. 104 (1979), p. 580 e segs. 
66 Nota 15, p. 38; cL, também, p. 35-40. 
67 Nota 15, p. 39. Ao princípio da auto-satisfação não é apenas de associar as prestações 
fornecidas pela economia privada, mas ainda a forma da iniciativa coletiva que está compre­
endida no conceito de "ação social". 
68 Sobre "pequenas redes sociais", Pitschas. Die Verwaltung, 12 (1979), p. 413 e segs. e 
Badura, B. & Gross, P. Sozialpolitische Perspektiven, 1976, p. 297. Sobre a terceira alter­
nativa, cf. Badura & Gross, op. cit. p. 297 e segs., ainda p. 269 e segs., e Koschnick, 
Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.083 e 1.081. O significado dos organismos religiosos ou 
laicos livres deve ser considerado do ponto de vista do problema central da obtenção pessoal 
que foi justamente analisado por Binder, Die Neue Gesellschaft, 1979, p. 1.091. 
Os custos burocráticos 57 
como "terceiro setor", nem estadual, nem orientado para o proveito pri­
vado.69 Por isso as formas de reprivatização de que aqui se fala não são sinô­
nimo de organização através do mercado. Por isso ainda não alivia o Estado 
das onerações financeiras mais dispendiosas e, assim, reprivatização não signi­
fica aqui a renúncia a objetivos socialmente fundados. A responsabilidade es­
tatal não se identifica com a gestão através de múltiplos organismos com fraca 
burocratização, mas, com a promoção e a programação estatal dos objetivos 
dos organismos autogeridos e de disponibilidade financeira do Estado para tal 
promoção.To 
Numerosos exemplos disto são os da esfera dos "problemas da juventude 
e da saúde", mas ainda os do "serviço de socorro" de Baden Württenberg (que 
diversamente de outros Lands não foi declarado de gestão pública, mas foi 
. associado à Cruz Vermelha e a organizações similares sob a responsabilidade 
pública).71 A conclusão das reflexões sobre a tensão entre a burocracia e o 
princípio do Estado social deve ser assim formulada: distinguir os problemas 
segundo as diversas situações sociais e os diversos setores administrativos. 
IV 
A consideração dos custos burocráticos do ordenamento, orientados segundo 
a finalidade social, está atenta à relação entre a programação da finalidade 
jurídica, a execução administrativa e os efeitos concretos para o cidadão.O di­
reito administrativo constituiu-se no âmbito complexo deste processo. Se o direi­
to administrativo quer satisfazer as exigências de tal processo, não pode limi­
tar-se a interpretar o programa de regulamentos materiais ou desenvolver a 
norma pela correção da autoridade de uma ação divergente no caso de conflito. 
Trata-se antes, então, de refletir sobre as condições ambientais para a perse­
guição optimal, ou quase, de um determinado fim. Isto porque os efeitos reais 
dos programas dependem, seja do modo de execução, seja do contato concreto 
ou possibilidade de contato entre o cidadão e a administração. Coloca-se assim 
o problema das condições que podem ser melhoradas através de institutos 
jurídicos. 
Tais investigações constituem para o direito administrativo um desvio ao seu 
princípio sistemático: atualmente é o conjunto de forma do agir administra-
fi} Cf. Weisbrod, B. A. The forgotten economic sector: private but nonprofit. 1878. Apud: 
Matzner, E. Exigências de uma teoria de intervenção estadual. Int. Institut für Management 
und Verwaltung, Discussion papers, p. 79-84. 
70 O fio condutor não é, assim, o do princípio da assistencialidade, mas a assunção de 
uma multiplicidade de organizações autônomas que não excluem a competência do Estado 
para a garantia da neutralidade ideológica dos organismos. Cf. ainda sobre este argumento, 
Scholz. Pluralismus unter dem sozialen Rechtsstaat. Jahrbuch, 1979, der Berliner wiss. Ge­
sellschaft, p. 53 e segs. (66): A função social dos organismos estatais competentes não é 
subsidiária. 
71 Cf. a lei sobre o serviço de socorro (Rettungsdienstgesetz) de 10 de julho de 1975 
(GesBI. p. 379). Aqui se encontram todos os elementos de uma regulamentação "precisa" 
da responsabilidade estatal (§ 1.0) que, no plano dos socorros, são diferentes no espaço e nos 
diversos âmbitos (§ 2.°), transmissão de tarefas a organizações não-estatais (§ 5.°), que 
recebem incentivos do Estado (§ 11) e são autorizadas a impor impostos (§ 13). 
58 R.C.P. 1/86 
tivo e não do conteúdo; isto é, o direito do agir administrativo, e não o direito 
do agir dos cidadãos; o atual direito administrativo é direito do agir de um 
ou de outro sujeito jurídico, mas não assume a centralidade da sua ação ou 
fá-lo só na relação entre cidadão e administração. O direito administrativo 
ocupa-se do papel da organização e do procedimento administrativo sob o perfil 
abstrato, seja no que respeita à lei geral do procedimento, seja no que concerne 
ao direito de organização. A conexão entre os objetivos materiais de regula­
mentação e a disciplina processual, como substância da organização, não foi 
explorada a nível sistemático. Não se trata só de tomar o direito processual 
organizativo apenas como um amplo setor isolado do direito administrativo, 
mas de refletir a sua forma jurídica, organizativa e processual, concreta e ade­
quada ao fim. 
Tais reflexões devem ser executadas por setores concretos e funções da admi­
nistração, porque não existe o "modelo abstrato e geral" da organização apro­
priada e das relações gerais entre o cidadão e a administração.12 Os custos 
burocráticos dos regulamentos e institutos jurídicos não são produzidos em 
igual medida; o peso específico de administração e a influência do executivo 
sobre os fins não são homogêneos. Recorde-se uma vez mais os já referidos 
serviços sociais e, sobretudo,a administração social: a principal problemática 
da administração neste setor está na relação conflitual entre estrutura buro­
crática interna que, em maior ou menor medida, distingue-se da estrutura 
interna burocrática da administração em organização e processo, por um lado, 
e do conteúdo da atuação nas relações exteriores, por outro. A discrepância 
entre a estrutura interna e o domínio externo varia de modo relevante conforme 
o conteúdo da atividade.13 Esta discrepância é mínima na esfera da defesa, 
mas é relevante na instrução pública, na investigação na universidade, na assis­
tência, na educação e orientação individuais ou no campo da programação 
e inovação. 
Os problemas suscitados pelo tema dos custos burocráticos e da distância 
da administração relativamente ao cidadão não são resolvíveis sob o plano da 
forma de ação abstrata. Para a mitigação dos custos burocráticos, o contributo 
que o direito público pode dar, depende - prescindindo da possibilidade de 
atuação no campo da produção da norma - da capacidade do direito admi­
nistrativo de operar a concretização da situação de fato na qual entram em 
n Dito mais precisamente, devido a uma série de problemáticas (fixação e estabilidade 
jurídica, revogação póstuma da lei)-, existem respostas jurídicas relevantes sob o plano 
abstrato da relação cidadão-Estado. Este é o campo indispensável da aplicação, a função 
jurídica fundamental do direito administrativo comum, com o seu tradicional centro na 
abstração do ato administrativo. O sentido contrário da organização adequada às tarefas 
e premissas, para o sucesso do contato concreto entre a administração e o cidadão, só é 
possível através da diferenciação que o direito administrativo comum pode proceder nos 
campos concretos da ação. 
73 Ao mesmo tempo, a ciência administrativa reconhece que a organização burocrata e o 
modelo burocrático não são a organização racional por excelência. Também M. Weber 
não sustentou o contrário. Cf. sobre este ponto Scheuch. In: Geissler (nota 2), p. 158, 
161, 182. No direito de organização pública coloca-se a questão da representação inexata 
da aplicação geral e da racionalidade do modelo burocrático (ver Pitschas. VSSR, 5, 1977, 
p. 163). 
Os custos burocráticos 59 
conflito o fim e o conteúdo material da regulamentação por um lado, e a con­
creta organização e processo, por outro. Isto resulta numa relação difícil entre 
a administração e o cidadão. 
Este parece-me ser o desafio mais importante para o direito público, no que 
toca à discussão do tema da burocracia e da distância entre o cidadão e a 
a dminis tração. 
60 
Revista de Direito Administrativo 
Publicação trimestral 
da Fundação Getulio Vargas 
R.C.P. 1/86

Continue navegando