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Olá! Desejamos boas-vindas a este curso. É um prazer ter você como participante. A criação de um curso sobre o tema da tortura é oportuna para avançar na Educação em Direitos Humanos e no enfrentamento desse tipo de crime. No Brasil, a tortura é proibida pela Constituição Federal, sendo insuscetível a anistias ou a�ança, e foi de�nida pela Lei nº 9.455/1997. Entretanto, ainda é utilizada em abordagens pro�ssionais da segurança pública para obter con�ssões, castigar pessoas privadas de liberdade, entre outras situações. A vulnerabilidade à tortura é acentuada em pessoas privadas de liberdade, negros, população LGBT, mulheres, crianças e adolescentes, pessoas idosas e pessoas com transtornos mentais. Nesse contexto, a sistematização de informações sobre o histórico da tortura no Brasil, a conceituação, as vítimas, em especial com recorte racial e de gênero, principais atores e ações mínimas para seu enfrentamento é essencial. O curso é oportuno na medida que pode ser a base para a formação de novos membros de Comitês de Prevenção e Combate à Tortura nas Unidades Federativas, bem como para pessoas interessadas na temática. Módulo 1 - O que é tortura e o que são tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes? Essa questão foi objeto de discussão nos Encontros Nacionais de Comitês de Prevenção e Combate à Tortura em 2015 e 2018, sendo demandada à Coordenação- Geral de Combate à Tortura e à Violência Institucional a organização de curso básico sobre a temática. Adicionalmente, o curso é uma oportunidade para dar visibilidade e engajar os membros de Comitês e demais parceiros em relação às recomendações internacionais - Nações Unidas e Organização dos Estados Americanos - e nacionais - Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, principalmente- sobre o tema. MÓDULO 1 - O QUE É TOR TUR A E O QUE SÃO TR ATAMEN TOS OU PEN AS CR UÉIS, DESUMAN OS E DEGR ADAN TES? 1 . Introdução 2. A tipi�cação da tortura no Brasil pela Lei n. 9.455/1997 3. Elementos essenciais para uma denúncia sobre tortura Em 2017, o representante regional da América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) declarou que especialistas da ONU, após visita às unidades penitenciárias no Brasil, constataram um quadro generalizado de tortura. Os Membros do Subcomitê das Nações Unidas sobre Prevenção da Tortura (SPT), assim como Seção 1 of 3 1 . Introdução o Relator Especial, puderam observar em suas visitas aos presídios que a tortura era generalizada desde o momento da detenção até durante os interrogatórios. Os especialistas relataram que a tortura, de modo desproporcional, afetava de modo desproporcional pessoas de estratos sociais mais baixos, negros e minorias. No entanto, o relatório do SPT faz uma ressalva de que, enquanto o Brasil coleta dados sobre diferentes aspectos da população e sistema carcerários, informações sobre a incidência de tortura e tratamento cruel de pessoas privadas de liberdade não estão disponíveis. Os especialistas também alertaram que, por medo de represálias, detentos eram frequentemente persuadidos a não denunciar casos de tortura e tratamento cruel. Outro aspecto considerado era que a impunidade em casos de tortura por agentes públicos no Brasil continuava sendo a regra, e não a exceção, o que contribuía para que se criasse um clima de impunidade que alimentava a continuidade de violações de direitos humanos. Medidas tais como a pronta investigação de mortes por agentes estatais, capacitação pro�ssional em direitos humanos, a adoção de protocolos o�ciais sobre o uso da força da polícia, a revisão dos salários da força policial, garantir a independência dos Institutos Médicos Legais e um controle e�caz de empresas privadas envolvidas na administração de funções policiais foram algumas das soluções propostas pelos especialistas para combater a prática da tortura no Brasil. Saiba mais – Íntegra da entrevista disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/75556-onu-impunidade-por- tortura-nas-prisoes-e-regra-no-brasil Íntegra da nota do ACNUDH disponível em: http://acnudh.org/pt-br/brasil-acnudh-pede- medidas-efetivas-de-prevencao-a-violencia-em-presidios/ https://brasil.un.org/pt-br/75556-onu-impunidade-por-tortura-nas-prisoes-e-regra-no-brasil http://acnudh.org/pt-br/brasil-acnudh-pede-medidas-efetivas-de-prevencao-a-violencia-em-presidios/ 1.1. A de�nição de tortura nas normas internacionais de Direitos Humanos Não precisa ser um especialista ou integrante da ONU para ter uma noção básica do conceito de tortura, pois o nome é autoexplicativo. Contudo, não podemos seguir com o tema sem dar uma atenção especial à de�nição e tipi�cação de tortura conforme estabelecido nas normas internacionais de Direitos Humanos. Tanto a ONU (Organização das Nações Unidas) como a OEA (Organização dos Estados Americanos) estabeleceram a de�nição de tortura em suas respectivas Convenções. Acompanhe! A Convenção contra a Tortura estabelecida pela ONU visava garantir que a prática da tortura não fosse mais utilizada como instrumento de política de Estado, especialmente em regimes ditatoriais e autoritários que se instituíram no pós-Segunda Guerra Mundial, bem como em regimes democráticos em que os discursos sobre a segurança subvertiam o princípio da dignidade da pessoa humana. Já a Convenção contra a Tortura estabelecida pela OEA ampliou o conceito da ONU ao adotar “penas ou sofrimentos físicos ou mentais” como consequência da tortura; e especi�ca a �nalidade do ato ao prever “com �ns de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro �m” da tortura para o aparato de Segurança Pública e o Sistema de Justiça. 1.2. Como identi�car os elementos que caracterizam a tortura? Convenção contra a Tortura - ONU A de�nição da tortura contém três elementos caracterizadores centrais: Em relação à intencionalidade da prática do ato, a Convenção contra a Tortura da ONU especi�ca quatro motivações do agente para que se con�gure a tortura: A tortura é qualquer ato que provoque violenta (“severe”, na língua inglesa) dor ou sofrimento físico ou mental. 1 Intencionalidade da prática do ato. 2 O ato é realizado por agente público ou outra pessoa atuando no exercício de funções públicas ou ainda por instigação dele, com seu consentimento ou aquiescência. 3 Finalidade de obtenção de informação ou con�ssão pela vítima. 1 De acordo com a Convenção da ONU, os países que a rati�caram são obrigados a adotar medidas e�cazes para prevenir atos de tortura na esfera legislativa, administrativa e judicial. Devem ainda assegurar às vítimas de tortura o direito de apresentar queixa e de ter a denúncia examinada rápida e imparcialmente pelas autoridades competentes, além de proteger as vítimas e testemunhas. Também devem excluir todas as provas ou declarações obtidas sob tortura e a indenizar as vítimas e seus dependentes. Convenção contra a Tortura - OEA Ao dispor sobre “métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica”, a Convenção da OEA amplia e garante as alegações de vítimas sem que seja necessária análise clínica para con�rmação. E, ainda, detalha a autoria da prática da tortura no seu artigo segundo, incluindo a coparticipação de cúmplices não funcionários públicos e especi�cando mais os atos de ação e omissão praticados pelos agentes públicos. A Convenção contra a Tortura da OEA especi�ca em seu artigo terceiro que os responsáveis pelo delito de tortura são: a) Os empregados ou funcionários públicos que, atuando nesse caráter, ordenem sua comissão ou instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou, podendo impedi- lo, não o façam. b) As pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos a que se refere a alínea a), ordenem sua comissão, instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou nele sejam cúmplices. Castigo à vítima ou a terceira pessoa que cometeu ou supostamente cometeu algo. 2 Intimidação e coerção da vítima ou de terceira pessoa. 3 Por qualquer tipo de discriminação.4 Em síntese, ambas as convenções estabelecem os elementos caracterizadores da tortura: Autoria O ato é cometido por funcionário público, empregado público ou por outra pessoa atuando no exercício de funções públicas. A autoria se dá quando o agente comete o ato, ordena sua realização, instiga ou induz terceira pessoa a fazê-lo, dá consentimento, aquiescência ou não impeça, podendo fazê-lo, a ocorrência do ato (omissão). O ato deve ter como �nalidade Obter da vítima (ou de terceira pessoa) informações ou con�ssão. Punir a vítima (ou terceira pessoa) por ato que cometeu ou se suspeita que tenha cometido ou ainda como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro �m. Intimidar ou coagir a vítima (ou terceira pessoa). Consequências para a vítima Dor ou sofrimento, físico ou mental, anulação da personalidade da vítima ou a diminuição de sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica. Saiba mais – Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes da ONU disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm A Organização dos Estados Americanos (OEA) foi fundada em 1948 com a assinatura, em Bogotá, Colômbia, da Carta da OEA que entrou em vigor em dezembro de 1951. Para saber mais sobre a OEA, acesse: http://www.oas.org/pt/ Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura da OEA disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/mandato/basicos/tortura.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm http://www.oas.org/pt/ https://www.oas.org/pt/cidh/mandato/basicos/tortura.pdf Clique a seguir para avançar no conteúdo. A Constituição Federal de 1988 de�ne a inviolabilidade do direito à vida como direito e garantia fundamental, proibindo expressamente a tortura e a de�nindo como crime ina�ançável e insuscetível de graça ou anistia: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) XLIII - a lei considerará crimes ina�ançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o trá�co ilícito de entorpecentes e drogas a�ns, o terrorismo e os de�nidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; E o que a lei brasileira estabelece a respeito da tipi�cação da tortura? O Brasil tipi�cou o crime de tortura pela Lei n.º 9.455 de 7 de abril de 1997 e assim diz em seu artigo 1º: Art. 1º Constitui crime de tortura: Seção 2 of 3 2. A tipi�cação da tortura no Brasil pela Lei n. 9.455/1997 I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o �m de obter informação, declaração ou con�ssão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá- las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de de�ciência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; III - se o crime é cometido mediante sequestro. § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. § 6º O crime de tortura é ina�ançável e insuscetível de graça ou anistia. § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. Em outras palavras, a lei brasileira de�ne tortura como: O ato de constranger alguém com uso de violência ou grave ameaça causando-lhe sofrimento físico ou mental: para obter informação, declaração ou con�ssão da vítima ou de terceiro; para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; para discriminar em função da raça ou religião. O ato de submeter alguém que está sob sua guarda, poder ou autoridade, utilizando violência ou ameaçando gravemente, a intenso sofrimento físico ou mental como forma de aplicar castigo pessoal ou como medida preventiva. 2.1. Um triste caso de tortura ocorrido no Brasil Diferentemente do estabelecido como tortura nas convenções da ONU e OEA, a tipi�cação do crime de tortura no Brasil não determinou a exclusividade da sua prática por agente público ou pessoa investida de função pública, apenas atribuindo a estes um agravante de pena. Assim, a lei criou uma prática de tortura privada que pode ser cometida por qualquer pessoa. Ou seja, no Brasil, a tortura não é crime relacionado exclusivamente ao agente público (ou por pessoa que exerça funções públicas). Um caso emblemático de tortura cometida por agente privado foi de autoria de uma procuradora aposentada contra uma criança de dois anos e dez meses de idade que estava sob sua guarda. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou a procuradora a oito anos de prisão, caracterizando a conduta cometida como tortura e não como maus-tratos. A decisão expõe que: - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Quarta Câmara Criminal, apelação criminal n.º 0137941-38.2010.8.19.0001 “Num breve cotejo entre as diferenças do crime de tortura e de maus tratos, temos que o sujeito ativo nas duas modalidades é o mesmo e ambos requerem que o crime seja praticado por pessoa que exerça a guarda ou autoridade sobre a outra. A distinção entre os crimes de maus tratos e tortura deve ser encontrada não só no resultado provocado na vítima, como no elemento volitivo do agente. É necessário que o sofrimento físico ou mental, decorrente da violência ou grave ameaça, seja praticado com vistas à punição ou prevenção de uma ação da vítima, como é o caso do pai que bate no �lho para castigá-lo por uma má ação. A partir desta análise podemos entender o "intenso sofrimento", como aquele sofrimento excessivo, extremamente rude e que excede os limites do suportável tendo em vista o �m perseguido pelo agente e as condições pessoais da vítima. E não há dúvidas de que o adjetivo “intenso” é vago e impreciso, �cando adstrito à análise subjetiva de cada aplicador, com o que se deixou ao intérprete a tarefa de considerar a ação do agente como típica, ou não, em relação à Lei de Tortura.” 2.2. Crime de tortura cometidos por agentes públicos e a aplicabilidade da pena De acordo com a Lei n.º 9.455 de 1997, o crime de tortura pode ser cometido por agentes públicos e também por pessoas externas ao serviço público. Na hipótese de o crime de tortura ser cometido por agentes públicos, a lei prevê o aumento da pena e a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício. Mas, em que difere a aplicabilidade da pena dos agentes públicos para o cidadão comum? Bem, a diferença na aplicação da penalidade vem justamente da condição do agente que receberá um aumento da pena de um sexto até um terço do total estipulado. A Lei n.º 9.455 de 1997 reforça a previsão da Constituição Federal de que o crime de tortura é ina�ançável e insuscetível de graça ou anistia. Isso posto, como saber quais as diferenças entre a tortura e os maus-tratos? O Código Penal de�ne o crime de maus-tratos no artigo 136: Art. 136º Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para �m de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a quatro anos. § 2º Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. § 3º Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. Agora, �que alerta! O tipo penal de maus-tratos assemelha-se à previsão do artigo primeiro, inciso II da Lei n.º 9455 de 1997, de acordo com o quadro comparativo a seguir: Norma Elementos Pena Lei n. 9.455/1997 Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Reclusão de 2 a 8 anos Código Penal (art.136) Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para �m de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina. Detenção de 2 meses a um ano ou multa A legislação especí�ca para reprimir a tortura está, geralmente, desarticulada da legislação penal. Ambas, por sua vez, associadas à cultura de não priorizar, garantir e proteger os direitos das vítimas, resultam em uma baixa responsabilização de agentes públicos. Há, consequentemente, uma perpetuação do cometimento da prática de tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Pense nisso! Saiba mais – Clique no link, a seguir, para acessar uma pesquisa realizada pelo grupo de organizações da sociedade civil indicando que há uma tendência do Sistema de Justiça em condenar mais casos nos quais estão envolvidos agentes privados. https://www.conectas.org/publicacoes/download/julgando-tortura Clique a seguir para avançar no conteúdo. https://www.conectas.org/publicacoes/download/julgando-tortura A notícia-crime de tortura demanda providências e protagonismo de juízes e do Ministério Público a �m de garantir a proteção da vítima, a responsabilização dos autores, além de identi�car as atribuições inerentes da polícia judiciária e demais órgãos de controle interno das instituições. Para a caracterização penal da tortura deve-se apresentar o preenchimento cumulativo de três dados: Em casos criminais, é necessária a demonstração destes três elementos, caso contrário, a tipi�cação �ca comprometida e o ato praticado pode ser denunciado e julgado como outro tipo criminal, por exemplo, maus-tratos, lesão corporal, etc. Sendo a tortura um ato “invisível”, propõe-se que as denúncias devam reunir e conter o máximo de informações e detalhes possíveis visando a elucidação e robustez da investigação e consequente responsabilização do(s) autor(es). Seção 3 of 3 3. Elementos essenciais para uma denúncia sobre tortura A forma em que foi in�igida (autoria, modo, circunstâncias). A consequência da ação (efeitos na vítima). A motivação ou objetivo (informação, castigo, ação ou omissão, descriminação). Desta forma, você deve considerar o seguinte esquema para elaboração de uma notícia-crime sobre tortura: Documentação Apresente o máximo de informações possíveis visando uma documentação robusta de caráter investigativo que contenha elementos materiais e/ou subjetivos. Estes materiais devem ser oriundos de depoimentos que estruturem o processo investigativo para posterior denúncia visando a responsabilização dos autores. Atente-se para que a motivação e a �nalidade do ato cometido pelo agente estejam claras, especi�camente nos seguintes elementos que compõem o tipo penal: Obtenção de informação, declaração ou con�ssão da vítima ou de terceiro Provocação de ação ou omissão de natureza criminosa. Discriminação em função da raça ou religião. Identi�que os autores Caso não seja possível identi�cá-los nominalmente, deve-se apresentar o maior número de informações para sua futura identi�cação como, por exemplo, as características pessoais (altura, sexo, idade, vestimenta/fardamento), dia e hora do ocorrido, local e circunstâncias em que ocorreu, veículo(s) utilizados, instrumento(s), etc. Se o criminoso for um agente público, tais informações podem permitir ao órgão investigador a de�nição de autor(es) por meio de informações o�ciais coletadas dos órgãos a que pertencem como, por exemplo, imagens de vigilância, coleta de vestígios em local e/ou veículo(s), etc. Usualmente, as informações relevantes serão sintetizadas a partir do depoimento da vítima e das testemunhas. Para tanto, as informações devem ser organizadas quanto a) à vítima; b) às testemunhas; c) ao acusado; d) elementos materiais (local, vestes, objetos, imagens, documentos). PR E MI SSA PA R A A F O R MUL A Ç Ã O I N F O R MA Ç Õ E S DA V Í T I MA I N F O R MA Ç Õ E S DA S T E ST E MUN H A S Busque a materialidade do fato Os exames periciais médico-legais indicam e caracterizam lesões e possíveis sequelas na vítima, a forma em que foi produzida, se recente ou não, etc. Os exames podem ser realizados diretamente, com a presença da vítima, ou indiretos, por meio de relatórios de atendimento médico, imagens e laudos psicológicos. Os laudos podem veri�car as consequências psicológicas da tortura. Ainda quanto ao local, além de fotogra�as, imagens, objetos, veículos e documentos, a atuação da perícia criminal é também importante para o estabelecimento do nexo-causal não substanciado exclusivamente pelo exame médico. Apresente o depoimento detalhado da vítima O depoimento deve conter, sempre que possível, os seguintes elementos: hora, local, instrumento(s) utilizado(s), caracterização das pessoas envolvidas (nome, altura, idade, sexo, vestimenta, fardamento, etc.). Se possível, identi�que a possível autoria dos agentes públicos e o órgão público a que estão vinculados (batalhão, delegacia, unidade). Apresente o depoimento detalhado da testemunha O depoimento deve conter, sempre que possível, os seguintes elementos: hora, local, instrumento(s) utilizado(s), caracterização das pessoas envolvidas (altura, idade, sexo, vestimenta, fardamento, etc.). Se possível, identi�que a autoria dos agentes públicos com identi�cação do órgão público a que estão vinculados (batalhão, delegacia, unidade). Tais depoimentos buscam con�rmar e/ou acrescentar elementos que caracterizam o fato ocorrido. PR E MI SSA PA R A A F O R MUL A Ç Ã O I N F O R MA Ç Õ E S DA V Í T I MA I N F O R MA Ç Õ E S DA S T E ST E MUN H A S PR E MI SSA PA R A A F O R MUL A Ç Ã O I N F O R MA Ç Õ E S DA V Í T I MA I N F O R MA Ç Õ E S DA S T E ST E MUN H A S 3.1. Relatório de casos de tortura no Brasil Em 2001, o Relator Especial Sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes da Organização das Nações Unidas, Nigel Rodley, em suas conclusões sobre a situação do Brasil, a�rmou: Saiba mais – A ONU editou o “Manual para investigação e documentação e�cazes da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” conhecido como Protocolo de Istambul. O documento pretende funcionar como uma referência internacional para a avaliação da situação das pessoas alegadamente vítimas de tortura e maus-tratos, para a investigação dos presumíveis casos de tortura e para a comunicação dos fatos apurados ao poder judicial ou outros órgãos com competência no domínio da investigação. A íntegra do protocolo está disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/prevencao-e-combate-a- tortura/manual-de-aplicacao-do-protocolo-de-istambul.pdf/@@download/�le/manual-de- aplicacao-do-protocolo-de-istambul.pdf “(...) o problema é que essas condições são amplamente ignoradas, somadas a um Judiciário muitas vezes complacente, que sustenta os desvios dos estados em relação a esses requisitos por várias razões, seja por indisponibilidade de recursos para se implementarem as obrigações, seja mediante a imposição, aos reclamantes, de um ônus insustentável para a comprovação de suas queixas. https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/prevencao-e-combate-a-tortura/manual-de-aplicacao-do-protocolo-de-istambul.pdf/@@download/file/manual-de-aplicacao-do-protocolo-de-istambul.pdf Tais observações se repetem em segunda visita da relatoria da ONU sobre tortura ao Brasil em 2015 (sendo, à época, o relator Juan Mendez). Em seu relatório, Juan acrescenta que a tortura e os tratamentos cruéis, desumanos e degradantes ocorrem comumente em interrogatórios, durante os procedimentos de investigação; mortes por policiais e por agentes penitenciários que notadamente, afetam pessoas integrantes de minorias de grupos racial, de gênero sexual, e outros grupos vulneráveis. Ele a�rmou ainda que a impunidade permanece como regra em vez de exceção, parcialmente devido aos altamente de�cientes procedimentos persecutórios em relação ao monitoramento e à documentação dos fatos (ONU, 2016). 3.2. Quem pode integrar o conselho de direitos humanos da ONU? Relatores Especiais, Especialistas Independentes e Grupos de Trabalho constituem coletivamente os “Procedimentos Especiais” do Conselho de Direitos Humanos da ONU, nome geral dos mecanismos independentes de investigação e controle do Conselho que abrangem todos os Direitos Humanos: civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Os titulares de mandatos são especialistas independentes, nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos para abordar situações especí�cas de cada país ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Suas tarefas são de�nidas nas resoluções do Conselho de Direitos Humanos, que criam ou ampliam seus mandatos. Não são funcionários da ONU e são independentes de qualquer governo ou organização. Atuam em sua capacidade individual, não - Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes- permanentes/cdhm/documentos/relatorios/RelatTortnoBrasil.html A Lei sobre Tortura é praticamente ignorada, sendo que os promotores e juízes preferem usar as noções tradicionais e inadequadas de abuso de autoridade e lesão corporal. O serviço médico forense, sob a autoridade da polícia, não possui independência para inspirar con�ança em suas constatações (ONU, 2001).” http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/documentos/relatorios/RelatTortnoBrasil.html recebem salário por seu trabalho e se comprometem a manter a independência, e�ciência, competência e integridade através da probidade, imparcialidade, honestidade e boa-fé. As três atividades principais do mandato do Relator Especial sobre a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes da Organização das Nações Unidas são as seguintes: 1. Encaminhar apelos urgentes aos Estados em relação à pessoas que pareçam correr o risco de serem submetidas à tortura, bem como enviar comunicações sobre supostos casos de tortura já cometidos. 2. Realizar missões de pesquisa (visitas) aos países. 3. Apresentar relatórios anuais sobre suas atividades, mandato e métodos de trabalho ao Conselho de Direitos Humanos e à Assembleia Geral. O Sistema de Direitos Humanos da ONU consiste em quatro entidades permanentes separadas, porém interligadas, além de entidades temporárias [feitos para uma �nalidade especí�ca], tais como: comissões de inquérito independentes ou missões de determinação de fatos estabelecidos pelo Conselho de Direitos Humanos. Os quatro organismos permanentes de direitos humanos são: 1. O Conselho de Direitos Humanos da ONU, órgão subsidiário da Assembleia Geral, com 47 Estados-membros eleitos por um período de 3 anos. 2. Procedimentos Especiais (na sua maioria Relatores Especiais, mas também alguns Grupos de Trabalho e Especialistas Independentes). 3. Os Organismos de Tratados da ONU. 4. O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), que faz parte do Secretariado da ONU. Conclusão A de�nição do crime de tortura estabelecido pela Convenção contra a Tortura da ONU e da OEA associam o ato à realização apenas por funcionário público, empregado público ou por outra pessoa atuando no exercício de funções públicas. A autoria ocorre quando o agente comete o ato, mas também quando ordena sua realização, instiga ou induz terceira pessoa a fazê-lo ou ainda quando consente com o ato, podendo impedir a ocorrência e não o faz. Ainda segundo as convenções, o ato da tortura tem por �nalidade obter informações ou con�ssão da vítima (ou de terceira pessoa); punir por ato que a vítima (ou terceira pessoa) cometeu ou se suspeita que tenha cometido ou ainda como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro �m; intimidar ou coagir a vítima (ou terceira pessoa) ou ainda por discriminação de qualquer espécie. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como garantia fundamental a proteção do direito à vida e integridade física, estabelecendo que o crime de tortura é ina�ançável. Com o advento da Lei n. 9.455 de 1997, a tortura foi tipi�cada como crime. Saiba mais – Para mais informações sobre a atuação do relator especial, acesse: https://www.ohchr.org/SP/Issues/Torture/SRTorture/Pages/SRTortureIndex.aspx Para saber mais sobre o sistema de Direitos Humanos da ONU, acesse: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/sistemaonu/ https://www.ohchr.org/SP/Issues/Torture/SRTorture/Pages/SRTortureIndex.aspx https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/sistemaonu/ Esta lei estabeleceu que a prática de tortura é conduta que pode ser praticada também por agentes privados, ou seja, qualquer pessoa que venha a constranger alguém com uso de violência ou grave ameaça causando-lhe sofrimento físico ou mental para obter informação, declaração ou con�ssão da vítima ou de terceiro; para provocar ação ou omissão de natureza criminosa e ainda para discriminar em função da raça ou religião. Deste modo, no Brasil, a tipi�cação do crime de tortura não estabeleceu a exclusividade da prática por agente público, mas atribuiu um agravante de pena nestes casos. A Lei n. 9.455 de 1997 previu ainda que o ato de submeter alguém que está sob sua guarda, poder ou autoridade, utilizando violência ou ameaçando gravemente, a intenso sofrimento físico ou mental como forma de aplicar castigo pessoal ou como medida preventiva também se caracteriza como tortura. Sendo assim, para se caracterizar a tortura, é preciso que três elementos estejam presentes: a forma em que foi in�igida (autoria, modo, circunstâncias) a consequência da ação (efeitos na vítima) e a motivação ou objetivo (informação, castigo, ação ou omissão, descriminação). É preciso a demonstração destes três elementos ou, a tipi�cação �ca comprometida e o ato praticado pode ser denunciado e julgado como outro tipo criminal, como, por exemplo, maus- tratos, lesão corporal, entre outros. Resumo Neste módulo, você aprendeu sobre a de�nição do crime de tortura estabelecido pela Convenção contra tortura da ONU e da OEA e a previsão da Constituição Federal e da Lei n. 9.455, de 1997. Aprendeu ainda as diferenças existentes entre a de�nição internacional e a previsão brasileira que ampliou o agente do crime para pessoas que não são agentes públicos. Por �m, aprendeu quais os elementos essenciais para a formulação de uma denúncia sobre tortura para ser encaminhada às autoridades competentes. Referências – BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm BRASIL. Decreto-lei n.2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm BRASIL. Decreto n. 40, de 15 de fevereiro de 1991. Promulga a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm BRASIL. Decreto n. 98.386, de 9 de dezembro de 1989. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D98386.htm BRASIL. Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1977. De�ne os crimes de tortura e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9455.htm ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório sobre a Tortura no Brasil Produzido pelo Relator Especial sobre a Tortura da CDH da ONU, Genebra, em 11 de Abril de 2001. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes- permanentes/cdhm/documentos/relatorios/RelatTortnoBrasil.html ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório sobre a Tortura no Brasil Produzido pelo Relator Especial sobre a Tortura da CDH da ONU, Genebra, em 29 de janeiro de 2016. Disponível em: https://documents-dds- ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G16/014/16/PDF/G1601416.pdf?OpenElement ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Assinada em 9 de dezembro de 1985. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D98386.htm Você chegou ao �nal desse módulo. Agora vamos testar seus conhecimentos? Feche esta página de conteúdo e acesse o exercício avaliativo que está disponível no ambiente virtual. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D98386.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9455.htm http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/documentos/relatorios/RelatTortnoBrasil.html https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G16/014/16/PDF/G1601416.pdf?OpenElement http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D98386.htm
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