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(LEI Nº 9.455/97) DEFINIÇÃO DOS CRIMES DE TORTURA DEFINE OS CRIMES DE TORTURA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. LEI Nº 9.455, DE 07 DE ABRIL DE 1997. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 5º, III, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante”. O texto constitucional é cópia do que foi determinado na Declaração dos Direitos Humanos, de 10 dezembro de 1948, conhecido como pacto de São José da Costa Rica. Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III - Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLIII - A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; A Constituição também determinou, em seu art. 5º, XLIII, que a Lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, omitirem-se; Esse instituto constitucional primeiramente foi regulado pela Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072/90, que equiparou a tortura a crimes hediondos, tratando-a com cunho processual penal mais grave. A lacuna legal inicialmente foi suprimida pelo art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente – que previa a tortura a adolescentes, mas que hoje se encontra revogado. Para sanar a falha, foi aprovada e promulgada a Lei 9.455/97, que regulamentou o crime de tortura e deu outras providências. DOS CRIMES EM ESPÉCIES A Lei dos Crimes Hediondos, em seu bojo, traz insculpidos vários delitos penais ligados à prática de tortura, sendo que cada crime tem as próprias características. TORTURA-PROVA, TORTURA PARA PRÁTICA DE CRIMES E TORTURA DISCRIMINATÓRIA. Art. 1º - Constitui crime de tortura: I - Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: Temos, no inciso I, do art. 1º, três figuras típicas com o mesmo nome jurídico. Para fazer a diferenciação, basta uma leitura do próprio texto de lei. Temos como ponto inicial a objetividade jurídica que é a incolumidade física e mental dos cidadãos. Como meio de execução, temos a violência e a grave ameaça à pessoa. O ponto interessante é que a tortura não é crime próprio, pode ser cometido por qualquer pessoa e não apenas pela autoridade e seus agentes. A consumação do crime se dá no momento do emprego da provação do sofrimento físico ou mental. A tentativa é possível, por exemplo, quando o agente emprega violência, mas essa não atinge a vítima, mas se prova a intensão do agente. O elemento subjetivo depende do próprio ilícito que o agente quer cometer. a) Com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; Na alínea “a”, o agente torturador quer obter informação, declaração ou confissão, como por exemplo, empregar violência contra um pai para obter informações do filho. Um ponto importante é acerca do conflito aparente de normas penais. No caso de crimes mais graves, como no caso da extorsão, teremos o princípio da consunção, ou seja, se o agente quiser cometer o crime de extorsão e, para isso, emprega violência com sofrimento físico ou mental para obter senha do banco e, posteriormente, sacar dinheiro, teremos apenas o crime de extorsão e não o crime de tortura. b) Para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; Na alínea “b”, temos a tortura para a prática de crimes. Nesse caso, não haverá conflito aparente de normas penais e o agente responderá em concurso material (soma-se as penas) pelos delitos perpetrados. Assim, caso o torturador empregue violência ou grave ameaça na vítima, para que ela cometa um crime de furto, teremos a chamada autoria mediata, em que o agente criminoso responderá como autor dos crimes de tortura e furto. A vítima ficará isenta de pena, pois estava em uma coação moral irresistível. Uma coisa importante é que se o agente emprega violência ou grave ameaça com sofrimento físico e mental para a prática de contravenção penal, não teremos o crime de tortura e sim de constrangimento ilegal (art. 146 do CP), em concurso material com a contravenção penal perpetrada. Por fim, no caso da alínea “a” e “b”, o agente responde mesmo se o resultado intentado não ocorrer, visto serem espécies de crimes formais. c) Em razão de discriminação racial ou religiosa; Na alínea “c”, o agente responde pela tortura se tiver como meio motivacional a discriminação. Lembrando que, dependendo do caso concreto, poderá o agente responder pelo crime de racismo, art. 20 da Lei 7.716/89. II - Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - Reclusão, de 2 a 8 anos. Tratamos, aqui, de crime próprio, pois só pode ser cometido por quem possui autoridade, guarda ou vigilância sobre a vítima. Temos como sujeito ativo tanto o agente público quanto o privado. O importante é ter a custodia, guarda ou estar sob o poder ou autoridade, por isso pode ser praticado contra filho, pai, preso, tutelado, sempre que ocorrer violência ou grave ameaça com fim de causar sofrimento físico ou mental. As mulheres não entram nessa figura típica, pois não estão sob a guarda dos maridos. Assim, quando se trata de violência contra elas, estaremos diante do art. 129 § 9° (lesão corporal). O elemento subjetivo, aqui, exige o chamado animus corrigendi, que compreende a intenção de expor a vítima a grave sofrimento como forma de aplicação de castigo ou medida de caráter preventivo. Por fim, os tipos penais descritos são normalmente crimes comissivos, mas podem ser omissivos impróprios (comissivo por omissão) também. Comissivo nos exemplos mais comuns, como socos, pontapés e choques elétricos. Comissivo por omissão, quando o sujeito ativo tem o dever de “garante” (art. 13, parágrafo 2º, CP), como no caso do policial que tem a vítima sob custódia, que sabe ser portadora de determinada moléstia, e que precisa fazer uso de determinado medicamento, e deixa de fornecer a medicação, provocando-lhe sofrimento, com o fim de obter confissão, informação ou declaração. Vale lembrar que a tortura castigo se diferencia das torturas do inciso I por necessitar do “intenso” sofrimento físico ou mental, o que não ocorre no inciso I que pede apenas sofrimento físico ou mental, ou seja, não prevê o “intenso”. § 1º - Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Temos, aqui, a proteção do art. 5º, inciso XLIX, da CF/88 que garante aos presos a integridade física e corporal. Por esse motivo, estão proibidos os castigos físicos, celas escuras e solitárias. Só temos que nos atentar ao RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). Nesse caso, temos uma espécie de solitária, mas regulada pela lei. Assim, quem o faz está amparado por uma excludente de ilicitude de exercício regular de um direito e quem faz sem as disposições legais comete o crime de tortura. § 2º - Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá- las, incorre na pena de detenção de 1 a 4 anos.Temos, aqui, a chamada tortura imprópria, ou seja, o agente garantidor que se omite em face à tortura deverá responder por esse dispositivo legal. Nesse caso, o agente tinha o dever de evitar ou apurar a ocorrência. Podemos notar que o agente que incorrer em tal fato típico não pratica efetivamente a tortura, mas de forma omissiva, permite que outro a realize. A tortura imprópria é crime próprio, pois só poderá ser praticada por aquele que estiver na posição de garante, o que tinha o dever de evitar o crime, grande parte das vezes será um funcionário público. Vale lembrar que de maneira diversa o crime de tortura é crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa. A tortura imprópria admite a prática apenas na modalidade dolosa, não sendo possível tortura imprópria culposa. A pena prevista é de detenção, ao contrário das demais formas de tortura que preveem a possibilidade de cumprimento da pena em regime fechado. Cabe salientar que a tortura imprópria não é equiparada ao crime hediondo, o que caracteriza exceção às demais espécies de tortura. Temos, como exemplo, o delegado de polícia que sabe da existência da tortura e nada faz para apurá-la. EX.: Cinco guardas municipais em serviço foram desacatados por dois menores. Após breve perseguição, um dos menores evadiu-se, mas o outro foi apreendido. Dois dos guardas conduziram o menor apreendido para um local isolado, imobilizaram-no, espancaram-no e ameaçaram-no, além de submetê-lo a choques elétricos. Os outros três guardas deram cobertura. Nessa situação, os cinco guardas municipais responderão pelo crime de tortura, incorrendo todos nas mesmas penas. § 3º - Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de 4 a 10 anos; se resulta morte, a reclusão é de 8 a 16 anos. As lesões graves e gravíssimas estão assim previstas no art. 129 do CP: Lesão corporal de natureza grave: § 1º Se resulta: I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II – Perigo de vida; III – Debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV – Aceleração de parto. Pena – Reclusão, de 1 a 5 anos. Lesão corporal de natureza gravíssima: § 2° Se resulta: I – Incapacidade permanente para o trabalho; II – Enfermidade incurável; III - Perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV – Deformidade permanente; V – Aborto. Pena – Reclusão, de 2 a 8 anos. No caso da qualificadora por morte, temos a diferenciação entre a tortura qualificada e o homicídio qualificado pela tortura. Aqui, o que vai diferenciar é a intenção do agente. Se o agente tortura e causa a morte por culpa, teremos a tortura qualificada Se a tortura é utilizada como meio para o homicídio, teremos o homicídio qualificado pela tortura. § 4º - Aumenta-se a pena de 1/6 até 1/3: I - Se o crime for cometido por agente público; II - Se o crime for cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 anos; III - Se o crime for cometido mediante sequestro. O inciso I traz como causa de aumento de pena a qualidade de funcionário público. Porém, temos que nos atentar para o no bis in idem, ou seja, não podemos aplicar esse aumento de pena quando a própria elementar do crime necessite dela. Isso vale para o caso da tortura do § 2º”omissão em face da tortura”, já que, para se omitir, tem que ter o dever de apurar, e quem tem o dever de apurar é funcionário público. Os incisos II e III trazem, em seu bojo, aplicações objetivas no caso da tortura. ATENÇÃO: Só existem 04 penas previstas na Lei de Tortura: 1) RECLUSÃO de 2 a 8 anos - REGRA GERAL. 2) DETENÇÃO de 1 a 4 anos - TORTURA OMISSÃO. 3) RECLUSÃO 6 a 10 anos - Tortura QUALIFICADA por lesão grave ou gravíssima. 4) RECLUSÃO 8 a 16 anos - Tortura QUALIFICADA PELA MORTE. § 5º - A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. A condenação por delito, previsto na Lei de Tortura, acarreta, como efeito extrapenal automático da sentença condenatória, a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada – Precedentes do STJ e do STF. Em resumo, a perda do cargo é automática, segundo os Tribunais. EX.: Na hipótese de um servidor público ser condenado pelo crime de tortura qualificada pelo resultado morte a uma pena de doze anos de reclusão, referida condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício por 24 anos. § 6º - O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Esse dispositivo legal repete o que é determinado no texto constitucional, em seu art. 5º, inciso XLIII. O STF entende que a palavra graça é gênero que comporta a espécie indulto, assim, o indulto também está proibido. § 7º - O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A qualquer que seja a pena, mesmo que o agente seja primário, deve-se aplicar a regra do regime inicialmente fechado. A pessoa condenada pelo crime de tortura poderá progredir de regime, depois de cumpridos os seguintes prazos: Primário: após cumprir dois quintos da pena. Reincidente: Cumprido três quintos da pena. Contudo, devemos nos atentar à figura da tortura imprópria, prevista no art. 1º § 2º da lei. Nesse caso, é possível o início em regime aberto, bem como concessão do sursis ou a substituição da pena pela restritiva de direito. Art. 2º. O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira. Aqui, há duas condições, de modo que deve ocorrer uma das duas, para que a lei se aplique: – Que vítima seja brasileira. – Que o agente torturador esteja em local que a lei brasileira seja aplicável. Da revogação do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente Os institutos relativos à tortura passaram a ser regulamentados pela Lei 9.455/97, revogando, assim, expressamente o art. 233 do ECA. Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º. Revoga-se o art. 233 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 07 de abril de 1997; 176º da Independência e 109º da República. BONS ESTUDOS!
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