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Literatura no Vestibular da UFPR

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Literatura no vestibular da UFPR 
 
 
 
 
Leticia Pilger da Silva (Org.). 
Camila Marchioro 
Luana Thaísa Portella 
Milena Woitovicz Cardoso 
Renata Mocelin Penachio 
Suéliton de Oliveira Silva Filho 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
© 2022 Curso CWB 
 
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte dos parágrafos 
de análise. 
 
Edição: Leticia Pilger da Silva 
Capa e projeto gráfico: Leticia Pilger da Silva 
Revisão: os autores 
 
ISBN 978-65-998300-0-6 
 
Projeto realizado com apoio financeiro da CAPES. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para todas as pessoas que farão o 
vestibular da UFPR em 2022 
 
 
SUMÁRIO 
 
Apresentação 
Leticia Pilger da Silva...........................................................................5 
 
O Uraguai, de Basílio da Gama 
Luana Thaísa Portella..........................................................................8 
 
Últimos cantos, de Gonçalves Dias 
 Camila Marchioro..............................................................................30 
 
Casa de pensão, de Aluísio Azevedo 
Luana Thaísa Portella........................................................................50 
 
Sagarana, de Guimarães Rosa 
 Milena Woitovicz Cardoso...................................................................72 
 
Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto 
 Renata Mocelin Penachio...................................................................95 
 
Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus 
 Leticia Pilger da Silva.......................................................................113 
 
Nove noites, de Bernardo Carvalho 
 Suéliton de Oliveira Silva Filho..........................................................137 
 
O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques 
 Leticia Pilger da Silva.......................................................................159 
 
Sobre os autores.......................................................................................184 
Gabaritos.................................................................................................185 
5 
 
Apresentação 
 
Como pesquisadora e professora de literatura, é com alegria que apresento nosso 
livro digital dirigido a todos aqueles que farão o vestibular da nossa universidade, 
principalmente àqueles oriundos de escolas públicas brasileiras. A motivação desta 
publicação é, na mesma linha de que fala Antonio Candido em seu texto “Direito à 
literatura”, democratizar não apenas a literatura – aqui, mais crítica literária –, mas 
também o acesso à universidade pública, com educação gratuita e de qualidade. A 
literatura se mostra em suas funções formadora e social em dose dupla, porque contribui 
para a experiência estética da palavra, o contato com realidades outras, assim como é 
uma ponte para que o leitor acesse o mundo universitário. 
A partir dos cursos de Letras, as universidades criam críticos, escritores e 
professores de literatura, de modo que se mostram uma instituição que alimenta a crítica 
e a construção do cânone. Ao cobrarem livros literários nos seus vestibulares, também 
estão agindo dentro do sistema literário, tendo em vista que tal ação faz com que milhares 
de estudantes, no papel de leitores, leiam e analisem determinadas obras. Nesse sentido, 
é importante analisarmos que textos são cobrados e quais os efeitos das escolhas quando 
pensamos a construção da identidade literária brasileira, bem como do leitorado. Afinal, 
o vestibular pode ser determinante como primeiro acesso de leitores a certos livros, 
principalmente os tidos como clássicos, o que o faz ativo na construção de repertório e 
ajuda a movimentar o mercado editorial. 
Vemos, há anos, que a lista de livros literários da UFPR segue um viés conservador, 
ligado a uma crítica literária mais engessada que afirma o cânone construído ao longo da 
historiografia literária. Analisar a lista dos últimos anos é um reflexo da pesquisa de Regina 
Dalcastagné sobre o perfil do escritor brasileiro, mas de forma mais ampla, da cara da 
literatura brasileira consolidada: homem, branco, do Sudeste, da classe média. Por isso 
defendo que tal lista deve ser repensada e modificada, como foi feito para o vestibular de 
2022/2023. Na lista anterior, dos oito livros, todos eram escritos por homens, 
majoritariamente brancos (com exceção de Lima Barreto e Gonçalves Dias) e 
reconhecidos quando estavam vivos (basta ver a trajetória de João Guimarães Rosa e 
6 
 
João Cabral de Melo Neto). Como professora de literatura, quando preparava minhas 
aulas para o vestibular da UFPR, me perguntava: onde estão as mulheres? Onde está a 
autoria indígena? Onde estão as escritoras negras? Cadê os textos antiquíssimos que 
foram (arqueologicamente) recuperados recentemente pela pesquisa acadêmica? Por que 
não há nenhum livro de autoria paranaense, ou curitibana? Eu fazia essas perguntas ao 
comparar a lista da UFPR com as de outras universidades, que deixavam clara a 
intervenção literária para fazer que certos textos fossem lidos por meio das provas. 
Enquanto uma pesquisadora de crítica literária feminista, tamanha foi minha 
surpresa – positiva – ao me deparar com a lista deste ano. Carolina Maria de Jesus 
finalmente na lista daqui, depois de passar por tantos outros vestibulares. E Ana Martins 
Marques, com poesia contemporânea, também marcando presença. Duas mulheres, com 
identidades, gêneros e propostas literárias bem distintas. Da mesma forma, na lista de 
filosofia, Djamila Ribeiro – que, inclusive, dialoga fortemente com Carolina Maria de Jesus. 
A representatividade se mostra um pouco mais forte, fazendo com que o repertório 
daqueles que fazem o vestibular seja mais diverso, de modo que pensem quem escreve 
no Brasil e como escreve. 
As duas escritoras marcam uma mudança na lista de literatura da universidade, e 
vamos aguardar a formulação de questões, mas ainda há muito a ser feito. Além de uma 
lista que pense ainda mais a equidade na escolha da autoria, sigo na esperança de autores 
paranaenses e curitibanos (já sabendo que serei chamada de “bairrista” por alguns), do 
passado e/ou de hoje, para corromper essa leitura enviesada e inadequada da literatura 
feita fora do eixo Rio-São Paulo como “regional” e para mostrar aos que estudam e/ou 
estudarão no nosso estado quem escreve aqui e como a literatura é vivida entre as 
araucárias. 
Por hora, analisemos a representação dos indígenas pela escrita de Basílio da Gama 
e Gonçalves Dias; a construção da História pela metaficção de Bernardo Carvalho; luta 
pela vida dos retirantes pela escrita de João Cabral de Melo Neto e pela dos favelados 
pela voz de Carolina Maria de Jesus; a denúncia da hipocrisia humana pelo romance de 
Aluísio Azevedo; as histórias sertanejas pelos contos de Guimarães Rosa, e a poesia 
dentro do cotidiano pelos versos de Ana Martins Marques. Leiamos e analisemos. 
7 
 
Para finalizar esta apresentação, é importante ressaltar, no entanto, que os textos 
aqui propostos são um material de apoio para a análise crítica, de modo que não 
substituem a leitura integral das obras. Cada capítulo foca em um dos oito livros da atual 
lista da UFPR e apresenta seu autor, o contexto de publicação da obra, seu estilo, temas 
e informações que devem ser focadas, bem como análise de trechos. Além disso, com o 
objetivo de testar seus conhecimentos depois da leitura, apresentamos, no final de cada 
análise, cinco questões autênticas de vestibulares, isto é, criadas pelas bancas de 
diferentes universidades. Também é necessário dizer que o fato de todos os autores 
serem pesquisadores da UFPR, esse não é um material oficial da universidade, de modo 
que não corresponde à voz do Núcleo de Concursos, ao qual não temos acesso. 
Sugerimos que leiam os capítulos junto dos livros, para que sua leituradialogue 
com a análise que fizemos de cada texto. Preciso comentar que apresentamos uma leitura 
possível de cada texto, dada a dimensão pequena de capítulo e o recorte teórico de cada 
um de nós, visto que os textos são mais amplos e possibilitam que sejam feitas várias 
entradas temáticas. 
Desejamos boa leitura e boa prova. 
 
 
Leticia Pilger da Silva 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
O Uraguai, de Basílio da Gama 
 
Luana Thaísa Portella 
 
Escrito em 1769 pelo poeta luso-brasileiro Basílio da Gama, O Uraguai representa, 
de modo romanceado, as Guerras Guaraníticas decorrentes da assinatura do Tratado de 
Madri. O poema épico, ao abordar o episódio que retraçou a geopolítica do sul da América, 
elogia a política pombalina, canta um hino laudatório aos feitos militares de espanhóis e 
portugueses na conquista dos Sete Povos das Missões, mas, sobretudo, louva ao indígena. 
Assim, embora pretendesse enaltecer o poder bélico do colonizador, o que se sobressai 
no poema é a valorização do nativo e de seu espírito puro, refletido nas figuras indígenas 
de Sepé, Cacambo e Lindóia. Para tanto, no intuito de oferecer aporte teórico-crítico para 
o vestibulando, perpassaremos, a seguir, o contexto histórico de produção da obra, seu 
9 
 
autor, sua forma e conteúdo e, ainda, o período literário em que se encaixa dentro da 
historiografia literária brasileira, o Arcadismo. 
 
Momento histórico: o Século das Luzes 
Compreender o contexto de produção de O Uraguai, de Basílio da Gama, faz-se 
imprescindível para a interpretação de seu enredo. Publicada em 1769, a obra reflete os 
ideais vigentes no século XVIII – o “Século das Luzes” –, ou seja, contempla preceitos 
trazidos pelo Iluminismo. O momento, caracterizado pela remodelação do pensamento 
intelectual, é marcado por grandes revoluções e mudanças de paradigmas históricos, 
como a Revolução Industrial, a Revolução Comercial, a Independência das Treze Colônias 
da América do Norte, a Revolução Francesa e, no Brasil, a Inconfidência Mineira. 
Além disso, governantes europeus, provocados pelo imperativo de transformação, 
se apropriaram de algumas ideias e práticas iluministas e as inseriram, já moldadas, às 
suas políticas. Esses reis são chamados de “déspotas esclarecidos”, uma vez que 
partilhavam com o absolutismo a glorificação do Estado e do poder do dominador e 
pretendiam uma forma reformista de governar com vistas em acelerar o processo de 
modernização e aumentar seu prestígio público. Em Portugal, o representante dessa 
atitude governamental foi Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal ou 
Conde de Oeiras. Secretário de Estado do Reino durante o reinado de D. José I (1750-
1777), Marquês de Pombal foi responsável por várias reformas administrativas, políticas, 
sociais, econômicas e religiosas, tanto que o período ficou conhecido como Pombalismo. 
Neste estudo, dois principais fatos nos interessam – seu papel como restaurador 
arquitetônico da cidade de Lisboa, após o terremoto de 1755, e, sobretudo, sua 
responsabilidade pela expulsão dos jesuítas de Portugal e de suas colônias –, ambos 
figuram na obra O Uraguai. 
No ano de 1494, Portugal e Espanha haviam assinado o Tratado de Tordesilhas, 
no intuito de dividir as posses territoriais portuguesas e espanholas na América do Sul, 
chamado de “Novo Continente”. Entretanto, durante a União Ibérica, 1580 e 1640, os 
territórios já haviam sido ocupados indistintamente entre os países. Desse modo, numa 
tentativa mais correta de distinguir os territórios e definir limites, os reis João V de 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Absolutismo
10 
 
Portugal e Fernando VI de Espanha, em 13 de janeiro de 1750, assinaram o Tratado de 
Madri. A partir desse acordo, a Colônia dos Sete Povos de Missões do Uruguai, pertencente 
à Espanha, deveria passar a ser de Portugal que, como contrapartida, cederia à Espanha 
sua Colônia do Santíssimo Sacramento. Além disso, o contrato estabelecia a remoção dos 
povos guarani da região de Colônia dos Sete Povos de Missões do Uruguai, ou seja, a 
retirada de cerca de 30 mil nativos que ali constituíam morada. Esse fato culminou na 
Guerra Guaranítica. Contrários à cláusula do Tratado de Madri, os indígenas que 
habitavam os Sete Povos das Missões, orientados pelos jesuítas, se negaram a passar 
para o domínio dos portugueses, sobretudo porque havia um decreto da Administração 
Colonial Espanhola que permitia mão de obra escrava de indígenas, e puseram-se a lutar 
pela permanência. Assim, em 1752, organizou-se uma expedição militar, sob o comando 
de Gomes Freire de Andrade, o Conde de Bobadela, integrada por tropas portuguesas e 
espanholas, para submeter jesuítas e índios. O conflito, massacre do povo indígena pelos 
colonizadores, envolvendo indígenas da tribo Guarani e as tropas luso-espanholas, pelo 
domínio das terras próximas ao rio Uruguai, durou entre 1753 e 1756. 
Basílio da Gama, em O Uraguai, retrata a Guerra Guaranítica de modo a cumprir 
sua incumbência política ao criar um poema épico aos feitos das tropas que guerrearam 
e criticar os jesuítas, agradando Marquês de Pombal, mas subverte a lógica ao mostrar 
simpatia pelo índio vencido e centrar seu enredo nas virtudes dos indígenas que ali viviam. 
 
Basílio da Gama, aspectos biográficos 
José Basílio da Gama nasceu no arraial de São José do Rio das Mortes, hoje cidade 
de Tiradentes, em Minas Gerais, em 1741. Aos 16 anos, em 1757, foi levado para estudar 
no Colégio dos Jesuítas, no Rio de Janeiro, local onde iniciou seu desenvolvimento 
religioso. Dois anos depois, em 1759, Gomes Freire de Andrade, o Conde de Bobadela, 
ordenou o fechamento do colégio, como cumprimento da campanha de perseguição aos 
jesuítas movida pelo governo de Portugal. Basílio da Gama, que tinha envolvimento direto 
com os jesuítas, passou a ser visto com suspeita pelas autoridades, ainda assim, estudou 
no colégio episcopal de São José, conservou-se fiel aos preceitos religiosos e, em seguida, 
seguiu para Roma em busca de subsídio da Igreja para sua fé. 
11 
 
Na Itália, Basílio da Gama conseguiu ingressar na Arcádia Romana, modelo de 
sociedade literária dos sécs. XVII e XVIII que cultivava preceitos do classicismo – 
possivelmente com o amparo dos jesuítas, visto que era um feito singular entre os 
brasileiros da época, ainda mais para um poeta principiante –, e assumiu o pseudônimo 
de Termindo Sipílio. Escreveu, em 1765, a “Ode a Dom José I”, rei de Portugal. Em 1767 
passou uma temporada no Rio de Janeiro, onde assistiu, em fevereiro, ao lançamento ao 
mar da nau Serpente, fato mencionado no Canto Terceiro de O Uraguai. 
A bordo da nau Senhora da Penha de França com destino a Lisboa para matricular-
se na Universidade de Coimbra, em 1768, Basílio da Gama foi preso, por ordem de 
Marquês de Pombal, sob acusação de estar associado ao jesuitismo. O decreto pombalino 
sentenciava qualquer pessoa que mantivesse contato com os jesuítas ao exílio por oito 
anos em Angola, na África. Para livrar-se do degredo, o astuto Basílio da Gama escreveu 
o “Epitalâmio às Núpcias da Sra. D. Maria Amália” (1769), sendo que Maria Amália era 
filha de Marquês de Pombal, e o hino nupcial, epitalâmio, além de celebrar o casamento, 
ainda elogiava o ministro, “a mão que da ruína ergueu Lisboa”, em referência às atitudes 
diante do, anteriormente mencionado, terremoto de 1755. Com isso, Pombal perdoou o 
poeta, concedeu-lhe carta de nobreza e fidalguia e, ainda, o admitiu como oficial da 
Secretaria do Reino. 
Sob essas condições é que O Uraguai foi concebido. Basílio da Gama passou a se 
identificar com a política Pombalina e para conquistar estima de Pombal, compôs O 
Uraguai, publicado em 1769 na Régia Oficina Tipográfica, de Lisboa. Pode-se pensar que 
o poeta, de fato, soube como fazer política através da poesia, visto que, em 1776 publicou 
um poema, chamado “Os Campos Elísios”, em que exaltou as virtudes cívicasda família 
de Marquês de Pombal. Entretanto, com a morte do rei, em 1777, e a consequente queda 
Pombal, bem como a anulação de seus atos, enquanto muitos passam a desprezá-lo, 
Basílio da Gama permaneceu fiel a ele e, inclusive, escreveu em sua defesa. 
Basílio da Gama ainda foi admitido na Academia das Ciências de Lisboa, tempo em 
que publicou traduções e versos esparsos. Sua última publicação foi em 1791, o poema 
“Quitúbia”. Aos 54 anos, Basílio da Gama faleceu em Lisboa, Portugal, no dia 31 de julho 
de 1795. 
12 
 
 
Arcadismo 
A leitura de O Uraguai, de Basílio da Gama, além de empreender o aspecto 
contextual anteriormente explicitado, agrupa em si aspectos da escola literária vigente no 
século XVIII: o Arcadismo. Denominado assim em referência às arcádias, sociedades 
literárias – ou Neoclassicismo – por buscar inspiração na tradição clássica – foi um estilo 
de arte fortemente influenciado pelo Iluminismo e que reflete as transformações e 
intelectualidades do século XVIII. Surgido primeiramente na Europa, em Portugal, a 
escola literária compreende o período entre 1756 e 1825, e no Brasil abrange os anos 
entre 1768 e 1808. Como visto anteriormente, ocorriam, nesse momento, por exemplo, 
a Revolução Francesa, a Independência das Treze Colônias da América do Norte e, no 
contexto brasileiro, a Inconfidência Mineira. Esse último tem fundamental importância 
para o desenvolvimento do Arcadismo em nosso país. 
Faz-se interessante destacar que a Inconfidência Mineira foi uma ação de cunho 
republicano e separatista, ocorrido em Minas Gerais, que tinha por objetivo a proclamação 
de uma república independente de Portugal, a criação de uma universidade em terras 
brasileiras e a proscrição de dívidas junto à Fazenda Real. Conforme sabemos, a revolta 
foi descoberta antes de sua efetivação, o que culminou na condenação, prisão ou 
execução de seus líderes. Entretanto, exceto Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, 
os guias do movimento eram mineradores, latifundiários, padres ou exerciam altos cargos, 
como, por exemplo, Cláudio Manuel da Costa, que havia estudado em Coimbra e 
trabalhava na administração colonial, e Tomás Antônio Gonzaga, que era ouvidor, juiz, 
em Vila Rica, Ouro Preto. Além disso, afora a Inconfidência Mineira, esses homens ilustres, 
letrados e que tinham acesso a estudo na Europa, importavam ao Brasil conceitos 
filosóficos do Iluminismo e, sobretudo, ideias artísticas e estéticas do Arcadismo. Desse 
modo, os inconfidentes, que eram poetas, foram os responsáveis pela estética árcade no 
Brasil. 
Razão, conhecimento e ciência perfazem o contexto de surgimento do Arcadismo. 
Entre os principais aspectos do Arcadismo, podemos destacar a oposição ao Barroco, 
escola literária anterior e caracterizada, sobretudo, pela tensão entre teocentrismo e 
13 
 
antropocentrismo, pelo exagero de formas, contrastes de cores, cultismo e conceptismo. 
Ao remeter à arcádia – local na Grécia Antiga onde viviam pastores que cultuavam a 
poesia e viviam em perfeita harmonia com a natureza –, a estética do Arcadismo centra-
se na simplicidade. Aos poetas árcades, a expressão latina inutilia truncat, “cortar o inútil”, 
denotava o equilíbrio em suas obras; para tanto, a linguagem costumava ser simples, sem 
figuras de linguagem ou inversões sintáticas. 
Os poemas árcades refletem o movimento intelectual de seu século, o Iluminismo, 
de modo a desenvolver o racionalismo e ter, como motes, a razão e o equilíbrio. Assim, 
os autores voltam-se ao Classicismo e realizam a mimese, ou seja, imitam os clássicos 
gregos e romanos da antiguidade em suas estruturas textuais, como soneto e epopeia, e 
mencionam figuras mitológicas. O Uraguai, nesse sentido, tenta aproximar-se de Os 
Lusíadas, de Camões. 
Os temas árcades podem ser facilmente identificados pelas expressões do latim 
norteadoras da estética. Por exemplo, carpe diem (“colhe o dia”), no sentido de aproveitar 
o hoje porque o tempo é efêmero, locus amoenus (lugar agradável), por uma valorização 
dos cenários bucólicos e primaveris, fugere urbem (fuga da cidade), uma visão de que a 
vida urbana é associada à ostentação e à vaidade, e aurea mediocritas (equilíbrio de 
ouro), num elogio à vida simples, sem luxos nem privações. Percebemos, desse modo, 
que os poetas do Arcadismo tendem ao bucolismo e ao pastoralismo, ou seja, à 
valorização da vida em comunhão com a natureza campestre, uma vez que o campo é 
associado a valores positivos como liberdade e verdade. No entanto, esses poetas não 
viviam, de fato, no campo e nem eram pastores. Longe disso, como vimos, os poetas 
árcades eram homens ligados a fatores administrativos e políticos de, no caso do Brasil, 
Vila Rica. O que ocorre é que para compor sua representação das arcádias da Grécia 
Antiga, os poetas adotavam “pseudônimos pastoris” que valorizavam esse estilo de vida 
e por isso eram chamados de “poetas fingidores”. Desse modo, Tomás Antônio Gonzaga 
admitia o pseudônimo de Dirceu, Claudio Manuel da Costa assinava como Glauceste 
Saturnio e, nosso objeto de estudo, Basílio da Gama subscrevia como Termindo Sipílio. 
No Brasil, o Arcadismo teve início com a publicação de Obras Poéticas de Cláudio 
Manuel da Costa. Outras publicações importantes foram Marília de Dirceu, de Tomás 
14 
 
Antônio Gonzaga, dividido em partes que denotam tanto traços árcades quanto pré-
românticos, Cartas Chilenas, do mesmo autor, texto de caráter político-satírico que faz 
uma alegoria crítica sobre a má administração das Minas ao colocar Chile, representando 
Minas Gerais, Santiago, Vila Rica, e Fanfarrão Minésio, Luís da Cunha Meneses, 
administrador português em Vila Rica. Podemos citar, ainda, Santa Rita Durão e o poema 
épico Caramuru que, escrito no modelo camoniano de dez cantos, estrofes em oitava 
rima, versos decassílabos e esquema ABABABCC, descreve o descobrimento da Bahia num 
elogio da paisagem brasileira e da figura do indígena. 
Por fim, faz-se interessante notar que o Arcadismo, último movimento literário 
brasileiro da era colonial, antecipa elementos da era nacional acarretada após a 
independência e do próprio Romantismo, ao incorporar o contexto histórico peculiar do 
país e a questão indígena às obras. Sendo esse, o índio, corporatura central de O Uraguai, 
de Basílio da Gama, para além da inclinação anti-jesuítica, é fruto da influência da 
racionalidade da filosofia iluminista. 
 
Síntese analítica de O Uraguai 
O Uraguai, de Basílio da Gama, é uma ficção histórica. O poema épico, publicado 
em 1769, tem a intenção de relatar os conflitos que decorreram a partir da assinatura do 
Tratado de Madri, no intuito de, sobretudo, exaltar a expedição das tropas portuguesas e 
espanholas contra as missões jesuíticas, em 1756. 
Todo o texto se passa ao longo do Rio Uruguai, chamado na época de Uraguai. 
Nesse local, havia sete povoados de indígenas guaranis, sob o comando de padres jesuítas 
espanhóis e, ao sul, havia uma colônia chamada Sacramento, administrada por jesuítas 
portugueses. Com a assinatura do Tratado de Madri, a Colônia de Sacramento deveria ser 
passada para a Espanha e os Sete Povos deveriam passar para Portugal. Entretanto, os 
índios que habitavam os Sete Povos das Missões resistiram a essa resignação territorial 
e, incitados pelos jesuítas, lutaram para defender sua permanência. Para combatê-los, 
um exército luso-espanhol, formado e chefiado por Gomes Freire de Andrade, de Portugal, 
e Catâneo, da Espanha, foi enviado. 
15 
 
Diante da leitura do contexto histórico do poema e dos fatos biográficos de Basílio 
da Gama, ficam-nos abertos os propósitos da obra. O poeta a dedica a Francisco Xavier 
de Mendonça Furtado, irmão do déspota esclarecido Marquês de Pombal, e, ainda, abre 
o texto com um poema em homenagem ao Conde de Oeiras, no qual exalta sua vida e 
seus feitos administrativos. Além disso, no intuito de valorizar a política pombalina,O 
Uraguai prenuncia a metáfora a ser narrada com uma epígrafe extraída de Eneida, de 
Virgílio, - “Mas a caverna, e o imenso reino de Caco apareceu descoberto, e o sombrio 
inferno se abriu por completo.” (At specus, et Caci detecta apparuit ingens Regia et 
umbrosae penitus patuere cavernae) – sobre o momento que Eneias toma nota da história 
de como Hércules assassinou o gigante Caco, que explorava os povos nativos da Arcádia, 
numa alusão aos jesuítas e sua influência sobre os indígenas. 
Dividido em cinco cantos, o poema mistura personagens fictícios com pessoas reais 
que viveram o fato histórico. Para tanto, temos, de um lado, o general Gomes Freire de 
Andrade e Catâneo, e, do outro lado, o padre Balda, jesuíta administrador de Sete Povos 
das Missões, Baldeta, seu afilhado, Sepé, o índio guerreiro, Cacambo, o chefe indígena, 
Lindóia, esposa de Cacambo, Caititu, guerreiro indígena e irmão de Lindóia, e a feiticeira 
Tanajura. Assim, cada canto tem um intuito distinto e perpassa um momento diferente 
dessa Guerra Guaranítica. 
No primeiro canto, Basílio da Gama se utiliza de um recurso chamado in media res, 
uma inversão da ordem narrativa, e inicia retratando a vitória das tropas sobre os povos 
indígenas que viviam às margens do rio Uruguai. Podemos observar, como no trecho a 
seguir, a dimensão desse massacre da população indígena: 
 
Fumam ainda nas desertas praias 
Lagos de sangue tépidos e impuros 
Em que ondeiam cadáveres despidos, 
Pasto de corvos. Dura inda nos vales 
O rouco som da irada artilharia. 
MUSA, honremos o Herói que o povo rude 
Subjugou do Uraguai, e no seu sangue 
Dos decretos reais lavou a afronta. 
Ai tanto custas, ambição de império! (GAMA, 1998, p. 21). 
 
16 
 
A introdução evoca a vitória do herói Gomes Freire de Andrade, sobre os povos 
rudes e, em seguida, a história retorna ao eixo normal dos acontecimentos. Desse modo, 
o general Andrade explica as razões da guerra, a má influência do jesuitismo, enquanto 
o narrador deixa evidente a dúvida do governo espanhol em relação à batalha, relata a 
invasão dos indígenas e a prisão deles, as cheias do rio Jacuí e, então, as tropas 
portuguesas se reúnem para combater indígenas e jesuítas: 
 
Tudo em silêncio, e dá princípio Andrade: 
O nosso último rei e o rei de Espanha 
Determinaram, por cortar de um golpe, 
Como sabeis, neste ângulo da terra, 
As desordens de povos confinantes, 
Que mais certos sinais nos dividissem. 
Tirando a linha de onde a estéril costa, 
E o cerro de Castilhos o mar lava 
Ao monte mais vizinho, e que as vertentes 
Os termos do domínio assinalassem. 
Vossa fica a Colônia, e ficam nossos 
Sete povos, que os Bárbaros habitam 
Naquela oriental vasta campina 
Que o fértil Uraguai discorre e banha. 
Quem podia esperar que uns índios rudes, 
Sem disciplina, sem valor, sem armas 
Se atravessassem no caminho aos nossos, 
E que lhes disputassem o terreno! (GAMA, 1998, p. 29). 
 
O canto II retrata a marcha dos soldados em direção a Sete Povos das Missões e 
a tentativa de resolver a questão com diálogo e diplomacia. Aqui surgem Sepé e Cacambo, 
que expõe suas razões para não deixar o lugar: 
 
E começou: Ó General famoso, 
Tu tens à vista quanta gente bebe 
Do soberbo Uraguai a esquerda margem. 
Bem que os nossos avôs fossem despojo 
Da perfídia de Europa, e daqui mesmo 
Co’s não vingados ossos dos parentes 
Se vejam branquejar ao longe os vales, 
Eu, desarmado e só, buscar-te venho. 
Tanto espero de ti. E enquanto as armas 
Dão lugar à razão, senhor, vejamos 
Se se pode salvar a vida e o sangue 
17 
 
De tantos desgraçados. Muito tempo 
Pode ainda tardar-nos o recurso 
Com o largo oceano de permeio, 
Em que os suspiros dos vexados povos 
Perdem o alento. O dilatar-se a entrega 
Está nas nossas mãos, até que um dia 
Informados os reis nos restituam 
A doce antiga paz. Se o rei de Espanha 
Ao teu rei quer dar terras com mão larga 
Que lhe dê Buenos Aires, e Correntes 
E outras, que tem por estes vastos climas; 
Porém não pode dar-lhes os nossos povos. (GAMA, 1998, p. 39). 
 
Cacambo denuncia, em um discurso de viés iluminista, a crueldade dos brancos, 
embora confie que as armas podem dar lugar à razão. A fala de Andrade enuncia o desejo 
de paz contra a tirania dos padres jesuítas. O acordo, entretanto, é impossível e o combate 
torna-se inevitável, nas palavras de Sepé: 
 
Sepé, que entra no meio, e diz: Cacambo 
Fez mais do que devia; e todos sabem 
Que estas terras, que pisas, o céu livres 
Deu aos nossos avôs; nós também livres 
As recebemos dos antepassados. 
Livres as hão de herdar os nossos filhos. 
Desconhecemos, detestamos jugo 
Que não seja o do céu, por mão dos padres. 
As frechas partirão nossas contendas 
Dentro de pouco tempo: e o vosso Mundo, 
Se nele um resto houver de humanidade, 
Julgará entre nós; se defendemos 
Tu a injustiça, e nós o Deus e a Pátria. 
Enfim quereis a guerra, e tereis guerra. (GAMA, 1998, p. 47). 
 
A guerra então tem início. Os índios lutam com bravura, mas não têm chances 
diante das armas de fogo dos brancos europeus. Sepé, o índio guerreiro, acaba morrendo 
em combate: 
 
Que regada de sangue aos pés cedia 
A terra, ou que pusesse as mãos em falso, 
Rodou sobre si mesmo, e na caída 
Lançou longe a Sepé. Rende-te, ou morre, 
18 
 
Grita o governador; e o tape altivo, 
Sem responder, encurva o arco, e a seta 
Despede, e nela lhe prepara a morte. 
Enganou-se esta vez. A seta um pouco 
Declina, e açouta o rosto a leve pluma. 
Não quis deixar o vencimento incerto 
Por mais tempo o espanhol, e arrebatado 
Com a pistola lhe fez tiro aos peitos. 
Era pequeno o espaço, e fez o tiro 
No corpo desarmado estrago horrendo. 
Viam-se dentro pelas rotas costas 
Palpitar as entranhas. Quis três vezes 
Levantar-se do chão: caiu três vezes, 
E os olhos já nadando em fria morte 
Lhe cobriu sombra escura e férreo sono. 
Morto o grande Sepé, já não resistem 
As tímidas esquadras. Não conhece Leis o temor. (GAMA, 1998, p. 53). 
 
Com a morte de Sepé, Cacambo comanda a retirada dos demais indígenas do 
campo de batalha: 
Tinha-se retirado da peleja 
Caitutu mal-ferido; e do seu corpo 
Deixa Tatu-Guaçu por onde passa 
Rios de sangue. Os outros mais valentes 
Ou eram mortos, ou feridos. 
Pende O ferro vencedor sobre os vencidos. 
Ao número, ao valor cede Cacambo: 
Salva os índios que pode, e se retira. (GAMA, 1998, p. 54). 
 
O canto III descreve o breve descanso após o combate. De um lado da margem 
do Rio Uruguai, as tropas portuguesas e espanholas acampam, enquanto, na outra 
margem, os indígenas acampam. Durante o descanso, Cacambo acaba por sonhar com o 
espírito de Sepé que o incentiva a incendiar o acampamento inimigo: 
 
Ao longe o rio, e menear-se o vento. 
Respirava descanso a natureza. 
Só na outra margem não podia entanto 
O inquieto Cacambo achar sossego. 
No perturbado interrompido sono 
(Talvez fosse ilusão) se lhe apresenta 
A triste imagem de Sepé despido, 
Pintado o rosto do temor da morte, 
Banhado em negro sangue, que corria 
19 
 
Do peito aberto, e nos pisados braços 
Inda os sinais da mísera caída. 
Sem adorno a cabeça, e aos pés calcada 
A rota aljava e as descompostas penas. 
Quanto diverso do Sepé valente, 
Que no meio dos nossos espalhava, 
De pó, de sangue e de suor coberto, 
O espanto, a morte! 
E diz-lhe em tristes vozes: Foge, foge, Cacambo. 
E tu descansas, Tendo tão perto os inimigos? 
Torna, Torna aos teus bosques, e nas pátrias grutas 
Tua fraqueza e desventura encobre. 
Ou, se acaso inda vivem no teu peito 
Os desejos de glória, ao duro passo 
Resiste valeroso; ah tu, que podes! 
À fortuna de Europa: agora é tempo, 
Que descuidados da outra parte dormem. 
Envolve em fogo e fumo o campo, e paguem 
O teu sangue e o meu sangue. Assim dizendo 
Se perdeu entre as nuvens, sacudindo 
Sobre as tendas, no ar, fumante tocha; 
E assinala com chamas o caminho. 
Acorda o índio valeroso, e salta 
Longe da curva rede, e sem demora 
O arco e as setas arrebata, e fere 
O chão com o pé:quer sobre o largo rio. (GAMA, 1998, p. 59). 
 
Movido pelo heroísmo e dominado pela vontade de defender a conservação de seu 
povo, Cacambo atravessa o rio e incendeia o acampamento inimigo: 
 
Viu abrasar de Tróia os altos muros, 
E a perjura cidade envolta em fumo 
Encostar-se no chão e pouco a pouco 
Desmaiar sobre as cinzas. Cresce entanto 
O incêndio furioso, e o irado vento 
Arrebata às mãos cheias vivas chamas, 
Que aqui e ali pela campina espalha. (GAMA, 1998, p. 62). 
 
A cena que se segue mostra a construção de caráter do indígena em contraponto 
ao do padre jesuíta. Antes, porém, é necessário entender os escopos dessa constituição. 
Entusiasmada pelas ideias iluministas, a estética do Arcadismo inspira-se em Jean Jacques 
Rousseau, especificamente na teoria do Bom Selvagem, e transmite ao índio a atitude de 
ser humano puro e inocente por estar em seu estado natural, enquanto aos padres 
20 
 
jesuítas cabe a designação de mal-intencionados. Além disso, ao exaltar a política 
pombalina, a guerra seria benéfica aos indígenas, pois, segundo os versos, os portugueses 
e espanhóis representam a possibilidade de restaurar a vida natural dos nativos, após 
derrotar os padres. Como podemos perceber nos versos do Canto II abaixo: 
 
Não queiras ver se cortam nossas frechas. 
Vê que o nome dos reis não nos assusta. 
O teu está muito longe; e nós os índios 
Não temos outro rei mais do que os padres. 
Acabou de falar; e assim responde 
O ilustre General: Ó alma grande, 
Digna de combater por melhor causa, 
Vê que te enganam: risca da memória 
Vãs, funestas imagens, que alimentam 
Envelhecidos mal fundados ódios. 
Por mim te fala o rei: ouve-me, atende, 
E verás uma vez nua a verdade. 
Fez-vos livres o céu, mas se o ser livres 
Era viver errantes e dispersos, 
Sem companheiros, sem amigos, sempre 
Com as armas na mão em dura guerra, 
Ter por justiça a força, e pelos bosques 
Viver do acaso, eu julgo que inda fora 
Melhor a escravidão que a liberdade. 
Mas nem a escravidão, nem a miséria 
Quer o benigno rei que o fruto seja 
Da sua proteção. Esse absoluto 
Império ilimitado, que exercitam 
Em vós os padres, como vós, vassalos… (GAMA, 1998, p. 43). 
 
Após incendiar o território do inimigo, Cacambo foge para casa para contar a 
notícia. Entretanto, como afirmação do caráter maléfico dos jesuítas anteriormente 
exemplificada, o indígena encontra o padre Balda, que manda prendê-lo e envenená-lo 
porque deseja que seu afilhado Baldeta se torne Cacique no lugar de Cacambo e se case 
com Lindóia: 
 
Mas não sabia que a fortuna entanto 
Lhe preparava a última ruína. 
Quanto seria mais ditoso! 
Quanto Melhor lhe fora o acabar a vida 
Na frente do inimigo, em campo aberto, 
21 
 
Ou sobre os restos de abrasadas tendas, 
Obra do seu valor! Tinha Cacambo 
Real esposa, a senhoril Lindóia, 
De costumes suavíssimos e honestos, 
Em verdes anos: com ditosos laços 
Amor os tinha unido; mas apenas 
Os tinha unido, quando ao som primeiro 
Das trombetas lho arrebatou dos braços 
A glória enganadora. Ou foi que Balda, 
Engenhoso e sutil, quis desfazer-se 
Da presença importuna e perigosa 
Do índio generoso; e desde aquela 
Saudosa manhã, que a despedida 
Presenciou dos dous amantes, nunca 
Consentiu que outra vez tornasse aos braços 
Da formosa Lindóia e descobria 
Sempre novos pretextos da demora. 
Tornar não esperado e vitorioso 
Foi todo o seu delito. Não consente 
O cauteloso Balda que Lindóia 
Chegue a falar ao seu esposo; e manda 
Que uma escura prisão o esconda e aparte 
Da luz do sol. Nem os reais parentes, 
Nem dos amigos a piedade, e o pranto 
Da enternecida esposa abranda o peito 
Do obstinado juiz: até que à força 
De desgostos, de mágoa e de saudade, 
Por meio de um licor desconhecido, 
Que lhe deu compassivo o santo padre, 
Jaz o ilustre Cacambo - entre os gentios 
Único que na paz e em dura guerra 
De virtude e valor deu claro exemplo. 
Chorado ocultamente e sem as honras 
De régio funeral, desconhecida 
Pouca terra os honrados ossos cobre. 
Se é que os seus ossos cobre alguma terra. (GAMA, 1998, p. 63). 
 
Lindóia, ao tomar ciência da morte do amado, procura ajuda da feiticeira Tanajura 
para também morrer. A velha índia prepara um feitiço, no entanto, ao invés de conseguir 
o que queria, Lindóia alucina e tem visões dos grandes feitos de Marquês de Pombal, em 
Portugal. Entre as visões está a do já referenciado Terremoto em Lisboa: 
 
Três vezes Girou em roda, e murmurou três vezes 
Co’a carcomida boca ímpias palavras, 
E as águas assoprou: depois com o dedo 
22 
 
Lhe impõe silêncio e faz que as águas note. 
Como no mar azul, quando recolhe 
A lisonjeira viração as asas, 
Adormecem as ondas e retratam 
Ao natural as debruçadas penhas, 
O copado arvoredo e as nuvens altas: 
Não de outra sorte à tímida Lindóia 
Aquelas águas fielmente pintam 
O rio, a praia o vale e os montes onde 
Tinha sido Lisboa; e viu Lisboa 
Entre despedaçados edifícios, 
Com o solto cabelo descomposto, 
Tropeçando em ruínas encostar-se. 
Desamparada dos habitadores 
A Rainha do Tejo, e solitária, 
No meio de sepulcros procurava 
Com seus olhos socorro; e com seus olhos 
Só descobria de um e de outro lado 
Pendentes muros e inclinadas torres. 
Vê mais o Luso Atlante, que forceja 
Por sustentar o peso desmedido 
Nos roxos ombros. Mas do céu sereno 
Em branca nuvem Próvida Donzela 
Rapidamente desce e lhe apresenta, 
De sua mão, Espírito Constante, 
Gênio de Alcides, que de negros monstros 
Despeja o mundo e enxuga o pranto à pátria. 
Tem por despojos cabeludas peles 
De ensanguentados e famintos lobos 
E fingidas raposas. Manda, e logo 
O incêndio lhe obedece; e de repente 
Por onde quer que ele encaminha os passos 
Dão lugar as ruínas. Viu Lindóia 
Do meio delas, só a um seu aceno, 
Sair da terra feitos e acabados 
Vistosos edifícios. Já mais bela 
Nasce Lisboa de entre as cinzas - glória 
Do grande conde, que co’a mão robusta 
Lhe firmou na alta testa os vacilantes 
Mal seguros castelos. Mais ao longe 
Prontas no Tejo, e ao curvo ferro atadas 
Aos olhos dão de si terrível mostra, 
Ameaçando o mar, as poderosas 
Soberbas naus. Por entre as cordas negras 
Alvejam as bandeiras: geme atado 
Na popa o vento; e alegres e vistosas 
Descem das nuvens a beijar os mares 
As flâmulas guerreiras. No horizonte 
23 
 
Já sobre o mar azul aparecia 
A pintada Serpente, obra e trabalho 
Do Novo Mundo, que de longe vinha 
Buscar as nadadoras companheiras 
E já de longe a fresca Sintra e os montes, 
Que inda não conhecia, saudava. (GAMA, 1998, p. 66-68). 
 
Lindóia não entende nada e volta para casa e, no canto IV, são retratados os 
preparativos de seu casamento com Baldeta, que agora liderava, por vontade do padre 
Balda. Entretanto, Lindóia está melancólica, sofrendo por ter perdido seu amado 
Cacambo, não quer se casar e decide fugir para um bosque. A índia, angustiada, cansada 
de viver, é encontrada por seu irmão, Caitutu, adormecida, tendo enrolada em seu corpo 
uma verde serpente venenosa: 
 
Descobrem que se enrola no seu corpo 
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge 
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio. 
Fogem de a ver assim, sobressaltados, 
E param cheios de temor ao longe; 
E nem se atrevem a chamá-la, e temem 
Que desperte assustada, e irrite o monstro, 
E fuja, e quem apresse no fugir a mortes 
Porém o destro Caitutu, que treme 
Do perigo da irmã, sem mais demora 
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes 
Soltar o tiro, e vacilou três vezes 
Entre a ira e o temor. Enfim sacode 
O arco faz voar a aguda seta, 
Que toca o peito da Lindóia, e fere 
A serpente na testa, e a boca e os dentes 
Deixou cravados no vizinho tronco. 
Açouta o campo côa ligeira cauda 
O irado monstro, e em tortuosos giros 
Se enrosca no cipreste, e verte envolto 
Em negro sangue o lívido veneno. 
Leva nos braços a infeliz Lindóia 
O desgraçado irmão, que ao despertá-la 
Conhece, com que dor! No frio rosto 
Os sinais do veneno, e vê ferido 
Pelo dente sutil o brando peito. 
Os olhos, em que amor reinava,um dia, 
Cheios de morte, e muda aquela língua 
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes 
Contou a larga história dos seus males. 
24 
 
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto, 
E rompe em profundíssimos suspiros, 
Lendo na testa da fronteira gruta 
De sua mão já trêmula gravado 
O alheio crime e a voluntária morte. 
E por todas as partes repetido 
O suspirado nome de Cacambo. 
Inda conserva o pálido semblante 
Um não sei quê de magoado e triste, 
Que aos corações mais duros enternece. 
Tanto era bela, no seu rosto a morte!” (GAMA, 1998, p. 82). 
 
Ao descobrir o suicídio, o padre Balda proíbe o sepultamento ou mesmo a tristeza 
pela morte de Lindóia e exige que seu corpo seja deixado exposto às feras. Em seguida, 
procura vingança, condenando Tanajura à morte. Enquanto isso, o general Andrade chega 
em Sete povos das Missões. Os indígenas já abandonaram o local e fugiram, mas antes, 
ordenados pelo padre, colocaram fogo em tudo. Diante das ruínas, Andrade e os soldados 
adentram ao santuário jesuíta, observam, destruídas pelo incêndio, as imagens sagradas 
e, na abóbada, uma grande pintura. Defronte a essa imagem, o narrador conclui o canto 
invocando o artista da inculta América para inspirá-lo a continuar a história: 
 
Salvas as tropas do noturno incêndio, 
Aos povos se avizinha o grande Andrade, 
Depois de afugentar os índios fortes 
Que a subida dos montes defendiam, 
E rotos muitas vezes e espalhados 
Os tapes cavaleiros, que arremessam 
Duas causas de morte em uma lança 
E em largo giro todo o campo escrevem. 
Mas neste tempo um índio pelas ruas 
Com gesto espavorido vem gritando, 
Soltos e arrepiados os cabelos: 
Fugi, fugi da mal segura terra, 
Que estão já sobre nós os inimigos. 
Eu mesmo os vi, que descem do alto monte, 
E vêm cobrindo os campos; e se ainda 
Vivo chego a trazer-vos a notícia, 
Aos meus ligeiros pés a vida eu devo. 
Debalde nos expomos neste sítio, 
Diz o ativo Tedeu: melhor conselho 
É ajuntar as tropas no outro povo: 
Perca-se o mais, salvemos a cabeça. 
25 
 
Embora seja assim: faça-se em tudo 
A vontade do céu; mas entretanto 
Vejam os contumazes inimigos 
Que não têm que esperar de nós despojos, 
Falte-lhe a melhor parte ao seu triunfo. (GAMA, 1998, p. 85). 
 
A pintura no teto suscita muitas interpretações. Andrade enxerga nela uma alegoria 
da Companhia de Jesus e, a partir da imagem, interpreta e descreve os crimes e 
corrupções cometidos pelos jesuítas. Mortes, massacres, influência clandestina no oriente, 
comércio clandestino, tudo é atribuído às maquinações do jesuitismo. O quinto canto traz 
as intenções e opiniões de Basílio da Gama acerca dos padres jesuítas, algo que agradava 
muito ao Marquês de Pombal. Assim, preparado para a última batalha, o general Andrade 
segue para surpreender os inimigos, mas o que encontra é a demonstração, novamente, 
do caráter e da atitude maldosa dos padres, pois, ao invés de lutarem ao lado dos nativos, 
eles abandonaram a batalha e, sobretudo, os indígenas. Sozinhos e com medo, o general 
português desiste da batalha, mostra-se acolhedor com os nativos e, assim, é cercado 
por eles em sinal de gratidão, dando fim à república jesuítica no sul do Brasil: 
 
Cai a infame República por terra. 
Aos pés do General as toscas armas 
Já tem deposto o rude Americano, 
Que reconhece as ordens e se humilha, 
E a imagem do seu rei prostrado adora. 
Serás lido, Uraguai. Cubra os meus olhos 
Embora um dia a escura noite eterna. 
Tu vive e goza a luz serena e pura. 
Vai aos bosques de Arcádia: e não receies 
Chegar desconhecido àquela areia. 
Ali de fresco entre as sombrias murtas 
Urna triste a Mireo não todo encerra. 
Leva de estranho céu, sobre ela espalha 
Co’a peregrina mão bárbaras flores. 
E busca o sucessor, que te encaminhe 
Ao teu lugar, que há muito que te espera. (GAMA, 1998, p. 99). 
 
Assim se encerra O Uraguai, um poema-épico que tem como pano de fundo um 
fato histórico, mas em que se sobressaem a bravura dos índios e a paisagem brasileira. 
Sobre sua estrutura, são cinco cantos, em versos decassílabos, sem esquema de rimas 
26 
 
(brancos) e sem estrofação; o poema obedece à tradição épica das cinco partes – 
proposição, invocação, dedicatória, narração e epílogo –, mas não segue essa sequência. 
Além disso, é repleto de referências e homenagens ao poeta classicista português 
Camões, mas difere em estrutura e conteúdo do poema épico Os Lusíadas, sua possível 
inspiração. 
Ainda que atrelado à estética do Arcadismo, o texto afasta-se de referências 
mitológicas clássicas, mas apoia-se na mitologia indígena, trazendo à tona, além do anti-
jesuitismo e da exaltação de tropas bélicas, o choque cultural entre o dito como civilizado 
e o dito como selvagem. Desse modo, embora a exigência intencional do texto fosse 
exaltar o espírito guerreiro do português e do espanhol e desmoralizar o jesuíta, é o 
indígena quem recebe o protagonismo, por sua natureza simples e caráter bondoso, 
tornando-se o verdadeiro herói do poema épico e antecipando, como já dissemos, a 
estética nacionalista da literatura brasileira. Ainda que as descrições recebam um caráter 
exótico, o tema tratado em O Uraguai – a possibilidade de permanência de um povo – 
merece muita e cada vez mais atenção, visto que hoje em dia, os povos indígenas ainda 
lutam para estabelecer seu espaço. 
 
Referências 
CASTELLO, José Aderaldo, Manifestações Literárias da Era Colonial, Vol. I, São Paulo, 
Cultrix, 1969. 
GAMA, Basílio. O Uraguai. Rio de Janeiro, Record, 1998. 
VERÍSSIMO, José, Obras Poéticas de José Basilio da Gama, São Paulo, Garnier, 1920. 
 
Questões 
 
1. (UPF) Analise as afirmativas abaixo, sobre a obra O Uraguai, de Basílio da Gama. 
I. Nas cenas iniciais de guerra descritas pelo poeta Basílio da Gama, os indígenas 
aparecem como heróis gloriosos, lembrando os protagonistas de guerras de épicos 
antigos. Cacambo, por exemplo, ao incendiar o acampamento do inimigo europeu, lembra 
Ulisses, que incendiou Troia. Entretanto, no decorrer do texto esse mesmo indígena é 
ridicularizado, passando a ser apresentado como um derrotado ou covarde. 
II. Nos versos "Tem por despojos cabeludas peles/ De ensanguentados e famintos lobos/ 
e fingidas raposas.", o poeta, fazendo referência ao que cabe aos heróis depois da luta, 
27 
 
deixa clara a sua condenação à ação dos jesuítas nas Missões. Assim, afirma a ideia de 
que a guerra guaranítica prestou-se à libertação dos índios do poder dos jesuítas. 
III. A heroína indígena Lindoia, diante da dor pelo amor que se tornou impossível, procura 
a morte na floresta. Na cena em que se deixa picar por uma serpente, realizando, assim, 
o desejo de morrer, observa-se uma relação harmônica entre a natureza e a personagem, 
visto que aquela age sobre esta com suas plantas e seus animais. 
 
Está correto o que se afirma em: 
 a) I, II e III 
 b) I e II 
 c) II e III 
 d) I e III 
 e) II 
 
2. (UFPR) O Uraguai foi publicado pela primeira vez antes da independência do Brasil, em 
1769, e narra as disputas entre espanhóis e portugueses pelos territórios do sul do 
continente, envolvendo os índios e os jesuítas. No fragmento abaixo, podemos conferir 
um trecho da fala do comandante português: 
 
O nosso último rei e o rei de Espanha 
Determinaram por cortar de um golpe, 
Como sabeis, neste ângulo da terra, 
As desordens de povos confinantes, 
Que mais certos sinais nos dividissem. 
(GAMA, Basílio da. “Canto Primeiro”. O Uraguai. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 47.) 
 
O talento de Basílio da Gama, que transforma o árido assunto em matéria literária, recebe, 
cem anos depois, o elogio de Machado de Assis. Ao compará-lo com seu contemporâneo, 
Tomás Antônio Gonzaga, o escritor afirma: “Não lhe falta, também a ele, nem 
sensibilidade, nem estilo, que em alto grau possui; a imaginação é grandemente superior 
à de Gonzaga, e quanto à versificação nenhum outro, em nossa língua, a possui mais 
harmoniosa e pura” (MACHADO DE ASSIS. A nova geração. In. Obras completas. Riode 
Janeiro: José Aguilar Editora, 1973. p.815). 
 
Sobre o poema de Basílio da Gama, considere as seguintes afirmativas: 
1. O contexto histórico trabalhado no poema de Basílio da Gama é fundamental para o 
seu entendimento: a descentralização do poder colonial, protagonizada pelo Marquês de 
Pombal, e a disputa de territórios coloniais entre Espanha e Portugal, mediada e pacificada 
pelos jesuítas, na segunda metade do século XVIII. 
2. Ao longo dos cinco cantos de O Uraguai, compostos em decassílabos sem rima, 
podemos perceber a marca da epopeia, na narração da guerra e dos feitos dos heroicos 
portugueses, e a presença da sátira, na caricatura dos jesuítas, particularmente na figura 
do Padre Balda. 
28 
 
3. O grande destaque dado aos índios e à defesa da sua terra, a exaltação lírica da 
natureza e a centralidade do par amor/morte, presente na relação de Lindoia e Cacambo, 
deram ao poema de Basílio da Gama o lugar de inaugurador do romantismo em todos os 
manuais de história da literatura brasileira. 
4. Para narrar acontecimentos reais da ação de portugueses e espanhóis na disputa dos 
territórios delimitados pelo rio Uruguai, que hoje correspondem ao noroeste do Rio 
Grande do Sul e ao norte da Argentina, Basílio da Gama toma o cuidado de inserir apenas 
personagens ficcionais no seu poema, para não se comprometer. 
 
Assinale a alternativa correta. 
a) Somente a afirmativa 1 é verdadeira. 
b) Somente a afirmativa 2 é verdadeira. 
c) Somente as afirmativas 2 e 3 são verdadeiras. 
d) Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras. 
e) As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras. 
 
3. (UM-SP) Sobre o poema O Uraguai, é correto afirmar que: 
a) o herói do poema é Diogo Álvares, responsável pela primeira ação colonizadora na 
Bahia. 
b) o índio Cacambo, ao saber da morte de sua amada, Lindoia, suicida-se. 
c) escrito em plena vigência do Barroco, filiou-se à corrente cultista. 
d) os jesuítas aparecem como vilões enganadores dos índios. 
e) segue a estrutura épica camoniana, com versos decassílabos e estrofes em oitava rima. 
 
4. (UFSM) O poema épico O Uraguai, de Basílio da Gama, é uma: 
a) composição que narra as lutas dos índios de Sete Povos das Missões, no Uruguai, 
contra o exército espanhol, sediado lá para pôr em prática o Tratado de Madri; 
b) das obras mais importantes do Arcadismo no Brasil, pois foi a precursora das Obras 
Poéticas de Cláudio Manuel da Costa; 
c) exaltação à terra brasileira, que o poeta compara ao paraíso, o que pode ser 
comprovado nas descrições, principalmente do Ceará e da Bahia; 
d) crítica a Diogo Álvares Correia, misto de missionário e colono português, que comanda 
um dos maiores extermínios de índios da história; 
e) exaltação à índia Lindoia, que morre após Diogo Álvares decidir-se por Moema, que 
ajudava os espanhóis na luta contra os índios. 
 
5. (UFRS) Assinale a afirmativa incorreta em relação à obra O Uraguai, de Basílio da Gama. 
a) O poema narra a expedição de Gomes Freire de Andrada, Governador do Rio de 
Janeiro, às missões jesuíticas espanholas da banda oriental do rio Uruguai. 
b) O Uraguai segue os padrões estéticos dos poemas épicos da tradição ocidental, como 
a Odisseia, a Eneida e Os Lusíadas. 
c) Basílio da Gama expressa uma visão europeia em relação aos indígenas, acentuando 
seu caráter bárbaro, incapaz de sentimentos nobres e humanitários. 
29 
 
d) Nas figuras de Cacambo e Sepé Tiaraju está representado o povo autóctone que 
defende o solo natal. 
e) Lindoia, única figura feminina do poema, morre de amor após o desaparecimento de 
seu amado Cacambo. 
 
 
30 
 
 
Últimos cantos, de Antonio Gonçalves Dias 
Camila Marchioro 
Antonio Gonçalves Dias, mais conhecido apenas como Gonçalves Dias, foi poeta, 
professor, crítico de história e etnólogo. Nascido em Caxias, no Maranhão, em 10 de 
agosto de 1823, era filho de um comerciante português que, ao se separar da mãe do 
poeta, levou-o consigo e o matriculou no curso do Prof. Ricardo Leão Sabino, no qual 
aprendeu Latim, Francês e Filosofia. Gonçalves morreu em um naufrágio (sim, ele era 
bastante aventureiro e curioso) no ano de 1864. Em 1838, consegue ir para Portugal a 
fim de estudar Direito em Coimbra (foi lá que escreveu o famoso poema “Canção do 
Exílio”, em 1843). Em Portugal, entrou em contato com o Romantismo europeu, 
conhecendo escritores portugueses como Almeida Garrett, Alexandre Herculano e 
Feliciano de Castilho. 
31 
 
Gonçalves só voltou para o Brasil em 1845, quando foi morar no Rio de Janeiro, lá 
permanecendo por 10 anos (nesse período, foi apenas uma vez visitar o Maranhão). 
Muitos de seus poemas foram escritos quando ainda estava em Coimbra. No Brasil, 
Gonçalves então publica Primeiros Cantos, em 1847, cujo nome se justifica pelo fato de 
que pretendia ainda escrever mais. Em 1848, publicou Segundos Cantos. Nos anos 
seguintes, contribuiu para jornais da época, como Jornal do Comércio, a Gazeta Mercantil 
e Correio da Tarde. Em 1851, publica Últimos Cantos. 
Considerando a historiografia literária brasileira, o poeta faz parte da primeira 
geração de poetas românticos do Brasil. Com a independência política de 1822, a 
consciência para a formação de uma nação cresce entre os brasileiros, que seguem o 
ritmo dos Estado-nação da Europa. Essa consciência faz com que uma cultura brasileira 
passe a ser buscada a partir da identificação com a história, as culturas e as línguas 
faladas no país. 
O Romantismo surgiu na Europa e tinha uma conexão muito forte com os ideais 
burgueses, pois coube a essa escola literária desvincular-se da retomada que o Arcadismo 
havia feito do Classicismo e criar uma linguagem nova, mais simples e vinculada aos ideais 
da nova classe dominante. Sendo assim, no Brasil, a busca por essa nova linguagem 
encontrou terreno fértil na obra de Gonçalves Dias. O poeta modernista Manuel Bandeira 
notou que a famosa “Canção do Exílio” é um dos primeiros poemas brasileiros a 
apresentar uma sonoridade, ritmo e jeito de falar típicos da nossa terra. 
Esse movimento se caracteriza por uma série tão diferente de motivos que fica 
difícil defini-lo adequadamente. No Romantismo, juntaram-se elementos como 
conservadorismo, desejo libertário, inovação formal, repetição e valorização de formas 
consagradas ou populares e revolta radical; apesar de contraditórios, todos fizeram parte 
desse movimento multiforme. Podemos dizer, no entanto, que há algumas marcas 
recorrentes tais como o anticlassicismo (oposição ao Arcadismo), maior espaço para a 
individualidade, desejo de romper com a normatividade e aversão ao racionalismo. Dessa 
maneira, encontramos um grande apelo à emoção, à liberdade e à paixão nas obras desse 
período. 
32 
 
Os românticos encontraram suas referências ao se voltarem para o passado 
próximo da industrialização e da Revolução Francesa, fosse para louvá-las ou para negá-
las. Desse modo, passam a valorizar espaços rurais, o Oriente (de forma estigmatizada, 
pois viam nos países orientais um “aspecto selvagem” que contrastavam com o modo de 
vida ocidental), a imaginação e a sensibilidade. Ao darem maior espaço a esses valores, 
acabam negando deliberadamente a racionalidade que o Iluminismo havia sistematizado 
(tendo a Enciclopédia como principal símbolo desse processo), sendo que um dos filósofos 
mais importantes do período foi o francês Jean-Jaques Rousseau. Para além do campo 
das ideias, o Romantismo ganha uma forma mais visível, que chamamos de estética, 
assim, poemas e pinturas da época dão espaço para a imaginação, com motivos tidos 
como exóticos, melancólicos ou aterradores. Outros nomes importantes do período foram 
os escritores e poetas Victor Hugo, Goethe, Keats, Lord Byron e os compositores 
Beethoven, Schubert e Chopin (você deve conhecer alguns deles, não é mesmo?). 
Por ter vivido em Portugal em meados do século XIX, Gonçalves Dias teve contato 
próximo com os acontecimentos do período na Europa e assimilou essas ideias, todavia,por todas as singularidades de nosso país, o movimento romântico tomou formas diversas 
por aqui. Gonçalves e outros românticos brasileiros escolheram os elementos que faziam 
sentido para a nossa realidade e deixaram de lado outros. Desse modo, no Brasil, um dos 
traços principais do Romantismo foi o nacionalismo, a partir do qual se desenvolveram o 
indianismo, o regionalismo, a pesquisa histórica, linguística e cultural, que tinham por 
objetivo a criação de uma identidade nacional. O Romantismo estreou por aqui em 1836, 
com o livro Suspiros poéticos, de outro Gonçalves (o Gonçalves de Magalhães), mas o 
movimento só se solidificou com o trabalho do poeta de que estamos tratando aqui, 
Antonio Gonçalves Dias. 
A nossa recente independência naquele período era algo bastante particular, além 
de que nossa população diversificada, formada por etnias indígenas e africanas, possuíam 
uma cultura vasta e línguas diferentes, trazia elementos que nenhum país europeu 
poderia ter. Nesse ponto, uma informação sobre a vida de Gonçalves Dias se torna muito 
importante para entendermos o seu romantismo: a origem de sua mãe. 
33 
 
Gonçalves era filho de pai português e mãe maranhense, Vicência Mendes Ferreira, 
que, segundo a pesquisadora Marisa Lajolo, era mestiça de índio e de negro. Sendo assim, 
o nosso poeta tinha nas suas raízes os povos originários do Brasil e os africanos 
escravizados trazidos no processo mais doloroso e marcante de nossa história. Uma 
informação importante para analisarmos os poemas de Últimos cantos e que dialoga com 
esse seu traço biográfico é que Gonçalves também foi etnólogo (aquele que estuda povos 
e suas culturas) e estudou com muito interesse os povos indígenas do Maranhão, sendo 
um dos primeiros a fazer isso. 
Estar em contato com suas raízes e com parte de sua história materna parecia ser 
de suma importância para ele e é por isso que o indígena assume um espaço central na 
sua poesia. Assim, não é por mero acaso que se tornou o mais célebre poeta indianista. 
Infelizmente, muitos livros que contam a história de Gonçalves se esquecem de mencionar 
esse fato importantíssimo. Gonçalves apreciava a cultura indígena dos povos do Maranhão 
que, em certa medida, era também a sua cultura e esse contato cultural era um modo de 
estar mais próximo da memória de sua mãe. Por todo esse interesse, entre 1859 e 1862, 
ele fez parte da Comissão Científica de Exploração, viajando pelo Norte e Nordeste do 
Brasil a fim de estudar as suas culturas e povos. 
A obra Últimos Cantos é de 1851, anterior a essa expedição. No entanto, em um 
artigo publicado em 1850, na Revista Guanabara, o poeta justificou a importância de 
estudar os povos indígenas do Brasil ao dizer que um estudo etnográfico faria nascer um 
poeta conhecedor do passado, pois, segundo ele, conhecer as culturas também era 
poesia. Gonçalves era curioso e nutria um carinho especial pela língua Tupi e suas tribos, 
interessava-se pelos ritos, religião, objetos de caça e guerra. O poema “I-Juca-Pirama” 
demonstra todo o seu vasto conhecimento sobre o tema. O indígena de Gonçalves Dias 
representa o nacionalismo e a independência e não é um mero cavaleiro medieval 
fantasiado com a roupagem histórica brasileira. Nas palavras de Gonçalves, os indígenas 
“são instrumento do quanto aqui se praticou de útil ou de glorioso; são o princípio de 
todas as nossas coisas; são os que deram a base para o nosso caráter nacional; ainda 
mal desenvolvido, e será a coroa da nossa prosperidade o dia da sua inteira reabilitação”. 
(GUANABARA, 1850, p. 28-29). 
34 
 
 
Últimos Cantos se inicia com uma carta de Gonçalves (datada de 1850) ao amigo 
Alexandre Theophilo de Carvalho Leal dizendo que o livro reunia seus últimos poemas 
esparsos. O poeta explica que se trata de um livro que reúne os últimos “arpejos de uma 
lira”, ou seja, versos que foram escritos “ao balanço” da desventura e com as de um 
espírito doente, ainda, muitos poemas são baseados em dores imaginadas, mas nem por 
isso menos tristes “como se a realidade já não fosse por si bastante penosa”. Esse tom 
que ressalta o sofrimento se refere à parte lírica do livro, em que encontramos os poemas 
que apresentam as tais dores. Você deve ter notado que o tom de Gonçalves ao amigo 
revela algumas das características dos poetas românticos, como um aguçado sentido da 
individualidade “dores de um espírito” e uma atenção especial aos motivos melancólicos 
35 
 
e arrebatadores. Veja como o tom de Gonçalves na carta reforça o cenário do Romantismo 
de sua época: 
 
Desejar e sofrer — eis toda a minha vida neste período; e estes desejos 
imensos, indizíveis, e nunca satisfeitos,— caprichosos como a 
imaginação,— vagos como o oceano, — e terríveis como a tempestade ; 
— e estes sofrimentos de todos os dias, de todos os instantes, obscuros, 
implacáveis, renascentes, — ligados a minha existência, reconcentrados 
em minha alma, devorados comigo,— umas vezes me deixaram sem 
força e sem coragem, e se reproduziram em pálidos reflexos do que eu 
sentia, ou me forçaram a procurar um alívio, uma distração no estudo, e 
a esquecer-me da realidade com as ficções do ideal. (DIAS, 1851, p. IV). 
 
Essa exaltação dos sentimentos promove uma jornada rumo à idealização; assim, 
como fuga das mazelas da realidade, o poeta se refugia em um mundo imaginado de 
ideais. É interessante notar como Gonçalves estava consciente da forma que os seus 
poemas tomavam, dos temas e do modo como foram compostos, a carta deixa as 
características românticas bem evidentes e é um aparato textual importante para 
entendermos o livro Últimos Cantos, pois ele é fruto de um contexto histórico bem 
específico: o século XIX brasileiro. O poeta também demonstra, na carta, satisfação por 
ter contribuído com sua poesia para a formação do país e fica muito feliz por ter sabido 
que muita gente que não sabia ler recitou seus versos de cor. 
Ainda na carta, Gonçalves compara o seu ofício de poeta com o de um soldado ou 
desbravador, porque escrever era uma luta e só o fazia por incentivo do amigo: “Entrei 
na luta, e por mais algum tempo continuarei nela, variando apenas o sentido dos meus 
cantos” (DIAS, 1851, p. V), o poeta revela que seu maior desejo era que sua poesia 
sobrevivesse ainda por mais uma geração (felizmente ele conseguiu muito mais do que 
isso!). 
 
As divisões do livro 
O livro é dividido em três partes, que separam os poemas de acordo com a temática 
e a estrutura. 
36 
 
 
 
37 
 
 
 
A primeira parte do livro é chamada de “Poesias Americanas”. Hoje, é muito comum 
que o termo “americana” seja sinônimo para os EUA, uma infeliz apropriação do nome do 
continente. Naquela época, “americana” se referia a qualquer característica ou elemento 
relacionado a todos os povos e territórios da América e é nesse sentido que Gonçalves o 
emprega. 
 O primeiro poema, chamado “O gigante de pedra” – longo e dividido em 5 partes 
– é o que dá origem à famosa expressão “o gigante acordou”; nesse poema, um gigante 
de pedra e ferro fundido dorme enquanto as terras brasileiras se desmantelam pelos 
constantes massacres e guerras, desfazendo e extinguindo etnias indígenas, todavia, 
paradoxalmente, é esse mesmo processo que forma o próprio país: 
 
Brilha a lua cintilante, 
E sempre mudo o gigante, 
Imóvel, sem acordar 
(DIAS, 1851, p. 4) 
 
E o gérmen da discórdia 
Crescendo em duras brigas, 
38 
 
Ceifando os brios rústicos 
Das tribos sempre amigas, 
—Tamoy a raça antígua, 
Feroz Tupinambá. 
(DIAS, 1851, p. 7). 
 
Na sequência, o eu lírico narra a chegada de embarcações flamejantes soltando 
“Um troço ardido e forte/ Cobrindo os campos úmidos/ De fumo, e sangue, e morte” 
(DIAS, 1851, p. 7). Aqui, o poeta se refere à chegada dos portugueses e às correntes 
invasões que o país sofria também de outros europeus, espalhando a tragédia entres os 
povos originários do Brasil. Adiante, o poema apresenta as cidades, quecomeçavam a 
crescer. Nesse ponto, fica claro que o gigante adormecido simboliza o próprio país. Ao 
fim, o eu lírico se conforma com a dormência do gigante, mas pede que acorde caso a 
pátria venha a se desfazer, provavelmente com o propósito de mantê-la unida: 
 
Porém se algum dia fortuna inconstante 
Poder-nos a crença e a pátria acabar, 
Arroja-te às ondas, oh duro gigante, 
Inunda estes montes, desloca este mar! 
 (DIAS, 1851, p. 9). 
 
O segundo poema das “Poesias Americanas” é um poema de amor chamado “Leito 
de folhas verdes”, que dialoga com a tradicional cantiga de amigo trovadoresca, já que 
uma mulher chora a ausência de seu amado. Nesse caso, os versos louvam a beleza do 
amado indígena; o eu lírico é a amada que, zelosa, constrói um leito de folhas verdes: 
“Eu sob a copa da mangueira altiva/ Nosso leito gentil cobri zelosa/ Com mimoso tapiz de 
folhas brandas,/ Onde o frouxo luar brinca entre flores” (DIAS, 1851, p. 9). Toda a cena 
amorosa se desenrola em meio à mata, louvando as belezas naturais da pátria, apesar 
dos chamados da amada, Jatyr não a ouve ou não aparece e o poema finda de modo 
triste: 
 
Não me escutas, Jatyr; nem tarde acodes 
À voz do meu amor, que em vão te chama! 
Tupan! lá rompe o sol! do leito inútil 
A brisa da manhã sacuda as folhas! 
39 
 
(DIAS, 1851, p. 11). 
 
 
Outro poema dessa primeira parte é “I-Juca-Pirama”. Dividido em dez partes, é 
uma das obras mais conhecidas, importantes e bem-sucedidas do romantismo indianista. 
Esse poema épico tem por herói o guerreiro tupi I-Juca-Pirama. Seu nome, em tupi, 
significa “o que há de ser morto”, nesse caso, você já sabe o que esperar do desfecho 
dessa história, mas vale ressaltar que o desenvolvimento dela é muito interessante. 
O poema se inicia em tom forte anunciando o espaço da floresta como lugar em 
que a ação épica acontecerá, assim, o eu lírico apresenta a tribo dos Timbiras, famosa 
por seu tamanho e por suas habilidades nas artes da guerra. Essa tribo é apresentada 
como a grande vencedora de várias guerras em que outras etnias caíram vencidas. Desse 
modo, o foco avança para o momento em que, no centro da taba Timbira, está um 
prisioneiro de guerra: 
 
No centro da taba se estende um terreiro, 
Onde ora se aduna o concilio guerreiro 
Da tribo senhora, das tribos servis: 
Os velhos sentados praticam d'outr'ora, 
E os moços inquietos, que a festa enamora, 
Derramam-se em torno d'um índio infeliz. 
 
Quem é?— ninguém sabe: seu nome é ignoto, 
Sua tribo não diz: — de um povo remoto 
Descende por certo— d'um povo gentil; 
(...) 
 
Por casos de guerra caiu prisioneiro 
Nas mãos dos Timbiras:— no extenso terreiro 
Assola-se o teto que o teve em prisão, 
Convidam-se as tribos dos seus arredores, 
Cuidosos se incumbem do vaso das cores, 
Dos vários aprestos da honrosa função. 
(DIAS, 1851, p. 13). 
 
Na sequência, o prisioneiro começa a ser preparado pelas mulheres timbiras para 
um ritual; além do guerreiro desconhecido preso, um timbira de função importante no 
grupo, também recebe seus adornos de pena, como parte importante do ritual que está 
40 
 
sendo preparado. O prisioneiro tem os cabelos raspados e é tingido de vermelho. A 
primeira parte é formada por versos de 11 sílabas, mantendo um ritmo constante, estrofes 
de seis versos e esquema de rimas AABCCB. 
 
Entanto as mulheres com leda trigança, (A) 
Afeitas ao rito da barbara usança, (A) 
O índio já querem cativo acabar: (B) 
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem, (C) 
Brilhante induápe no corpo lhe cingem, (C) 
Sombreia-lhe a fronte gentil kanitar. (B) 
(DIAS, 1851, p. 14). 
 
 
A segunda parte muda de ritmo. Essas mudanças são muito importantes ao logo 
do poema, pois a silabação mais longa na primeira parte, por exemplo, reforça a tristeza 
do prisioneiro. Já na segunda parte, o ritmo acelera. Nesse caso, as estrofes são de quatro 
versos que se alternam entre 10 e 4 sílabas, rimando entre si apenas os versos curtos: 
 
A dura corda, que lhe enlaça o colo, 
Mostra-lhe o fim 
Da vida escura, que será mais breve 
Do que o festim! 
(DIAS, 1851, p. 15). 
 
 
Desse modo, o eu lírico nos apresenta a subjetividade do prisioneiro, que ainda 
não sabemos exatamente quem é. Suas expressões e sentimentos são descritos e fica 
anunciado que ele não chegará a ver o sol se pôr. 
O terceiro momento é formado por versos decassílabos e mostra a chefe da tribo 
Timbira se dirigindo ao prisioneiro anônimo para anunciar-lhe a morte. Toda a ação 
acontece dentro dos limites do ritual indígena da antropofagia e o chefe da tribo pede 
que o prisioneiro se apresente. Nesse ponto, chegamos à parte IV, na qual finalmente 
conheceremos nosso personagem. O presente canto é um dos mais conhecidos do poema. 
Cada verso tem 5 sílabas poéticas, o ritmo veloz do canto endossa a força de I-Juca-
Pirama, que finalmente se apresenta em primeira pessoa. Esse é o ápice do épico e as 
rimas e metrificação fazem com que o canto de I-Juca parece uma marcha de guerra: 
41 
 
 
Meu canto de morte, 
Guerreiros, ouvi: 
Sou filho das selvas, 
Nas selvas cresci; 
Guerreiros, descendo 
Da tribo Tupi. 
 
Da tribo pujante, 
Que agora anda errante 
Por fado inconstante, 
Guerreiros, nasci: 
Sou bravo, sou forte, 
Sou filho do Norte; 
Meu canto de morte, 
Guerreiros, ouvi. 
(DIAS, 1851, p. 18). 
 
 
Adiante, ainda na mesma parte, I-Juca-Pirama conta a sua história, dizendo que é 
guerreiro da tribo Tupi e que foi capturado enquanto andava pela floresta. I-Juca implora 
pela vida, pois diz que precisa cuidar de seu pai, que é velho e cego. Aqui temos uma 
demonstração de amor filial. 
No canto V, os decassílabos voltam, pois volta o ritmo da fala do chefe Timbira 
que, após ouvir o apelo do guerreiro Tupi para ficar vivo e cuidar de seu pai, dá a ordem 
para que seja liberado. Nos rituais antropofágicos, apenas guerreiros fortes e muito bem 
posicionados em suas tribos são mortos para o festejo final, sendo assim, quando I-Juca-
Pirama chora, o Tibira o considera covarde e indigno de passar pelo ritual. O guerreiro 
Tupi percebe a falha e tenta argumentar que voltaria assim que o pai morresse a fim de 
morrer dignamente, todavia, o chefe da tribo inimiga não quer mais saber: 
 
— És livre; parte! 
—Ora não partirei; quero provar-te 
Que um filho dos Tupis vive com honra, 
E com honra maior, se acaso o vencem, 
Da morte o passo glorioso affronta. 
— Mentiste, que um Tupi não chora nunca, 
E tu choraste!... parte; não queremos 
Com carne vil enfraquecer os fortes. 
(DIAS, 1851, p. 23). 
 
42 
 
 
A parte de número VI nos leva para a tribo Tupi, onde o herói (que até o momento 
não apresentou muitas características heroicas) é recebido pelo pai cego. O velho Tupi 
quer saber por onde o filho havia andado e, ao tatear seu rosto e corpo, o pai logo percebe 
a tintura e os cabelos raspados. Sentindo lágrima em seus olhos, entende que o filho 
havia sido capturado pelos inimigos e agora estava solto, então compreende que algo 
estranho se passara e questiona o filho, que tudo lhe conta. 
No canto VII, ao saber que o rapaz havia chorado diante do inimigo, o velho pai 
fica extremamente envergonhado e irritado, pois seu filho rompera com a tradição 
milenar, de modo que o velho pai vai aos Timbiras e leva o filho para ser morto, mas nada 
pode convencer a tribo inimiga. 
Assim, no canto VIII, o pai diz: 
 
“Tu choraste em presença da morte? 
Na presença de estranhos choraste? 
Não descende o cobarde do forte; 
Pois choraste, meu filho não és! 
Possas tu, descendente maldito 
De uma tribo de nobres guerreiros, 
Implorando cruéis forasteiros, 
Seres presa de vis Aimorés. 
(DIAS, 1851, p. 30). 
 
O filho é renegado, na sequência do canto, o ancião Tupi lança a I-Juca-Pirama 
todos os tipos de maldições: 
“Um amigo não tenhas piedoso 
Que o teu corpo na terra embalsame, 
Pondo em vaso d’argila cuidoso 
Arco e frecha e tacape a teus pés! 
Sê maldito, e sozinho na terra; 
Pois que a tanta vileza chegaste,Que em presença da morte choraste, 
Tu, cobarde, meu filho não és.” 
(DIAS, 1851, p. 31). 
 
 
Essa é uma parte muito emocionante do épico. Após dar vazão ao desgosto do pai, 
chegamos à parte de número IX, em que as características heroicas de I-Juca-Pirama 
43 
 
aparecem. Assim que o velho Tupi termina seu lamento, ouvem-se os gritos de guerra do 
filho, que ataca a tribo Timbira e luta bravamente como o guerreiro Tupi que de fato era, 
reconstituindo sua hora e emocionando a todos ali presentes. I-Juca-Pirama cai morto no 
colo do pai que, feliz, finaliza o canto IX dizendo: 
O guerreiro parou, caiu nos braços 
Do velho pai, que o cinge contra o peito, 
Com lágrimas de júbilo bradando: 
“Este, sim, que é meu filho muito amado! 
“E pois que o acho enfim, qual sempre o tive, 
“Corram livres as lágrimas que choro, 
“Estas lágrimas, sim, que não desonram.” 
(DIAS, 1851, p. 34). 
 
 
Depois de ter a honra restaurada, sua e de sua tribo, o canto X inicia com a 
narração de que um velho Timbira recontava a história para as pessoas de sua tribo, isso 
mostra que a bravura de I-Juca-Pirama havia virado mito até mesmo na tribo inimiga: 
 
Assim o Timbira, coberto de glória, 
Guardava a memória 
Do moço guerreiro, do velho Tupi. 
E à noite nas tabas, se alguém duvidava 
Do que ele contava, 
Tornava prudente: “Meninos, eu vi!” 
(DIAS, 1851, p. 36). 
 
 
Desse modo termina o poema épico. O herói do poema apresenta algumas 
características que são atribuídas ao conhecimento que Gonçalves tinha dos textos 
medievais, nos quais os cavaleiros demonstravam uma grande fidelidade ao seu senhor 
e ideais de honra. Porém, o poeta romântico também tinha muito conhecimento sobre 
tribos brasileiras e seus modos de guerra, portanto, I-Juca-Pirama também apresenta 
elementos e características de um guerreiro Tupi, sobretudo quando assume essa 
identidade e aceita morrer como tal. Por fim, o herói acaba por representar um ideal de 
brasileiro, representativo de nossa nacionalidade e da fidelidade a ela devida. Esse poema 
épico é uma reviravolta na literatura indianista, pois transforma as manifestações antes 
coloniais em manifestações nacionais, abrindo espaço para uma vertente literária nova, 
44 
 
apartada das complexas relações com Portugal, portanto, finalmente brasileira. De fato, 
o poema mais importante do livro é “I-Juca-Piram”, por isso, as questões de vestibular 
tendem a girar em torno dele. 
Os outros poemas dessa parte são poemas líricos, muitos dos quais têm por eu 
líricos jovens indígenas, relembrando um pouco da tradição das cantigas de amor e de 
amigo do medievalismo galego português. Temas da natureza brasileira são retomados, 
marcando o caráter nacionalista da geração romântica a que Gonçalves pertence. O poeta 
traduz várias lendas indígenas para a sua lírica e tudo isso se condensa nessa terceira 
parte. Temos, então, o canto de uma indígena Marabá, mestiça que, por ser branca, ter 
cabelos ondulados e loiros e olhos azuis, é negada pelos guerreiros indígenas, que 
preferem a beleza das mulheres da tribo; a “Canção do Tamoio”, cujo subtítulo é 
“Natalícia”, se trata de um aconselhamento de um indígena tamoio a seu filho que acabou 
de nascer sobre a força da tribo; “Mangueira”, que consiste no louvor a um pé de manga, 
e um poema para “Mãe d’água”, mais conhecida como Iara no nosso folclore, com um 
fim trágico: 
 
Era figura tão bela! 
E que expressão tão singela, 
Que riso o seu! 
Oh! minha mãe certamente 
Só por não me não ver contente, 
Me repr'hendeu! 
 
Espreita, sim, mas duvida 
Que a bela imagem querida 
Torne a volver; 
E na fonte cristalina 
Para ver lodo se inclina 
Se a pode ver! 
(DIAS, 1851, p. 51). 
 
Por fim, a segunda parte traz poemas diversos e recebe esse mesmo título: 
“´Poesias diversas”. Nela, encontramos poemas ligados à realidade política da época 
alternados com poemas líricos, marcando bem o nacionalismo do poeta. O primeiro 
poema é em louvor a D. Pedro. Na sequência dos poemas cívicos ou de crítica 
45 
 
política/social: um poema sobre voto, “Cumprimento de um voto”; “As duas coroas”; “O 
que mais dói na vida”, “A história”, entre outros. 
Já o primeiro poema lírico dessa parte é feito em louvor de uns “olhos verdes”, 
bastante conhecido ainda hoje, mostra toda a habilidade de Gonçalves nessa vertente: 
 
Olhos verdes 
 
São uns olhos verdes, verdes, 
Uns olhos de verde-mar, 
Quando o tempo vai bonança; 
Uns olhos côr de esperança, 
Uns olhos por que morri; 
Que ai de mi! 
Nem ja sei qual fiquei sendo 
Depois que os vi! 
(DIAS, 1851, p. 68). 
 
De poemas líricos, ainda temos: “Lira quebrada”, “A Pastora”, “A Infância”, “Urge 
o tempo”, “Sobre o túmulo de um menino”, “Menina e moça”, “Como eu te amo”, 
“Harpejos”, “Triste do trovador”, “Velhice e mocidade”, “As flores”, “Flor de beleza”, “Anjo 
da harmonia”, entre outros. Temas do amor, da morte de pessoas queridas e da solidão 
fazem do livro um espaço para reflexão e conhecimento histórico. “Lira quebrada”, por 
exemplo, fala do cansaço de alguém que já não pode mais fazer versos, ou não quer: 
 
Mas não peças um hymno ao triste bardo 
Verde ramo d'uma arvore gigante 
O raio no passar queimou-lhe o viço, 
Deixando-o por escarneo entre verdores. 
 
Uma febre, um ardor nunca apagado, 
Um querer sem motivo, um tédio á vida 
Sem motivo também,—caprixos loucos, 
Anhelo d'outro mundo, d'outras coisas; 
(DIAS, 1851, p. 76). 
 
O poema “Sobre o túmulo de um menino” remete ao ano de 1818 e descreve um 
túmulo onde está enterrada uma criança, os versos não revelam de quem se trata, mas 
deixam clara a dor experenciada pela perda: 
 
46 
 
O invólucro de um anjo aqui descança, 
Alma do céu nascida entre amargores, 
Como flor entre espinhos!—tu, que passas, 
Não perguntes quem foi.—Nuvem risonha, 
Que um instante correu no mar da vida; 
Romper da aurora que não teve occaso, 
Realidade no céu, na terra um sonho! 
Fresca rosa nas ondas da existência, 
Levada à plaga eterna do infinito, 
Como oferenda de amor ao Deus que o rege; 
Não perguntes quem foi, não chores: passa. 
(DIAS, 1851, p. 91). 
 
“Flor de Beleza” parece ter um tom mais alegre e louva a beleza de uma mulher, 
todavia, ao final, há uma leve indicação de que a mulher está morta: 
 
Mas antes que nos curvemos 
Ante a belleza que vemos, 
Tua angélica bondade 
Conquista a nossa affeição: 
Não és mulher, mas deidade, 
Uma fada seductora, 
Que nos pede amor agora, 
Logo mais—adoração. 
(...) 
Mas d'alma a vida é mais fina, 
Exhala essência divina, 
Que avigora e fortifica 
O dorido coração; 
Morto o corpo, ainda fica, 
Como em rosai arrancado, 
Leve aroma derramado 
Dos espaços na extensão. 
(DIAS, 1851, p. 428-430). 
 
Por fim, a terceira parte do livro, denominada “Hinos”, é composta por três 
poemas: “O meu sepulcro”, “A harmonia” e “A tempestade”. O primeiro trata das alegrias 
que tomarão o ser do eu-lírico com a chegada de sua própria morte. O eu-lírico encara a 
morte com tranquilidade, pensando em um descanso merecido, portanto, não tem medo 
de encontrá-la: 
 
Grato descanço aos membros fatigados 
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Presta igualmente a relva das campinas 
E os torrões pelo sol endurecidos. 
Como o trabalhador que asésta aguarda, 
O meu termo fatal sem medo espero! 
(DIAS, 1851, p. 256). 
 
O segundo – “A harmonia” – fala da harmonia do mundo, dos astros, anjos, animais 
e homens como parte de um grande concerto harmonioso em que cada coisa está no seu 
devido lugar. Esses elementos são ouvidos pelo poeta que os coloca em forma de 
hino/poema: 
 
E tristes gemidos 
E incerto rumor; 
—Quem ouve?—0 poeta 
Que imita e suspira 
Nas cordas da lyra 
Mais doce cantar. 
(DIAS, 1895, p. 266). 
 
O terceiro – “A tempestade” – descreve uma tempestade, começando os versos 
com apenas uma palavra, os versos aumentam conforme a intensidade dos raios e da 
chuva também cresce, decorre a destruição proveniente da tormenta e os versos voltam 
a diminuir. Assim, ao fim, quando a tempestade termina

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