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ÉTICA PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL AULA 5 Profª Carla Andréia Alves da Silva Marcelino 2 CONVERSA INICIAL Dando continuidade aos estudos sobre o Código de Ética Profissional do/a Assistente Social, seguiremos agora trabalhando e debatendo ponto a ponto a deontologia do código, ou seja, suas regras e normas propriamente ditas. Iniciaremos abordando o Título II, art. 2.º do Código de Ética, que versa sobre os direitos dos assistentes sociais no exercício de sua profissão. Assim como em todo o projeto ético-político, a liberdade e a autonomia aparecem como centrais nessa seção, sendo elas direito do profissional quando está atuando, não permitindo que o assistente social seja obrigado a agir de forma ilegal ou que desrespeite os princípios da profissão, de modo a protegê-lo de interesses políticos e econômicos que possam tentar interferir no seu trabalho e no resultado dele. No segundo tema, seguiremos falando do Título II do Código de Ética, mas agora com foco no art. 3.º, que versa sobre os deveres dos profissionais de Serviço Social quando em exercício, e no art. 4.º, que trata das vedações ao assistente social quando estiver atuando na sua função. Vale lembrar que o termo vedado equivale a “proibido”. Portanto, enquanto deveres são itens que o assistente social tem que levar em consideração obrigatoriamente durante o seu trabalho, as vedações referem-se às coisas as quais é proibido o profissional fazer, e que, caso o faça, poderá ser responsabilizado por meio de processos éticos. Vale destacar, como veremos a seguir, que os arts. 3.º e 4.º referem-se a deveres e vedações gerais, pois em outras seções do Código existirão também deveres e proibições relacionados a temas específicos. Chegando aos terceiro, quarto e quinto temas, focaremos no Título III do Código de Ética, que traz regras, recomendações e orientações para o trabalho do assistente social, no que se refere às relações estabelecidas durante a atividade profissional. O Capítulo I, art. 5.º, traz deveres para os assistentes sociais nas relações que ele estabelece com o usuário final do seu trabalho, ou seja, com quem recebe diretamente o atendimento pelo profissional e é beneficiário dos serviços sociais por ele administrados; o art. 6.º do mesmo capítulo estão as atitudes vedadas ao assistente social nessa mesma relação. No Capítulo II, estão previstos diretos, deveres e vedações aos assistentes sociais com seus empregadores. Esse item, mais do que trazer regras e normas para regular o exercício, é comumente utilizado para a proteção e defesa do 3 assistente social como trabalhador, diante de desmandos e autoritarismos que por vezes podem ser vistos no cotidiano do Serviço Social, praticados por chefes imediatos, gestores ou até pessoas de influência política que tentam interferir no trabalho técnico, sendo, portanto, um item de fundamental importância dentro do Código de Ética. Ainda dentro do regramento das relações profissionais do assistente social, apresentaremos o Capítulo III do Título II, que trata sobre as relações com outros profissionais, sejam eles do próprio Serviço Social ou de outras profissões com as quais o assistente social trabalha em seu cotidiano. Tal item também é importante, uma vez que na maioria dos espaços sócio-ocupacionais o assistente social está inserido em equipes multi, inter ou transdisciplinares, e está a todo o tempo em interface direta com psicólogos, pedagogos, educadores sociais, operadores do direito, entre tantos outros, sendo essencial que haja normativas que balizem tais relações. Para encerrar esta aula, trabalharemos as últimas partes da seção do Código que trata das relações profissionais, mas agora, aquelas estabelecidas pelos assistentes sociais com as entidades de organização da categoria e com as organizações da sociedade civil em geral, assim como as tão conturbadas relações dos assistentes sociais com a justiça, permeadas por questões éticas afetas a sigilo, cumprimento de ordens judiciais muitas vezes conflitantes com os princípios do Código de Ética, entre outras situações do cotidiano dessa relação. TEMA 1 – DIREITOS DO ASSISTENTE SOCIAL O art. 2.º do Código de Ética integra a seção que versa sobre os direitos e as responsabilidades gerais dos assistentes sociais no exercício da profissão. Diz-se “gerais” porque, em alguns artigos mais adiante, o Código abordará direitos, deveres e vedações em condições específicas das relações profissionais. De acordo com Barroco e Terra (2012, p. 140), esse art. 2.º tem como objetivo jurídico a “defesa das prerrogativas e da qualidade do exercício profissional do assistente social”. O que se quer dizer com isso é que há nesse artigo um pressuposto de que para atuar adequadamente e garantir a qualidade dos serviços prestados, o profissional do Serviço Social deve ter algumas garantias que lhe propiciem o bom desenvolvimento de seu trabalho, resguardando-o de ingerências, intromissões e interferências externas no seu trabalho, que deve ser de natureza técnica. Segundo as mesmas autoras, 4 sempre que um assistente social for vítima de abuso de autoridade, cerceamento de seus direitos ou de ofensas a sua honra ou imagem, na condição de assistente social, este poderá ofertar denúncia ao Conselho Regional de Serviço Social (Cress) ou ao Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), assim como aos superiores hierárquicos daquele que o ofendeu, assediou ou abusou de autoridade com o profissional. A alínea a desse artigo versa acerca do direito do assistente social poder exercer suas atribuições privativas e competências previstas na Lei de Regulamentação da profissão. Nesse sentido, essa norma protege a categoria, de modo que as atribuições pertinentes ao assistente social sejam por ele executadas, defendendo assim os campos e espaços de trabalho da categoria, como também assegura ao assistente social o direito de negar-se a realizar atribuições que não sejam próprias da profissão ou das quais não esteja apto ou se sinta capacitado para fazê-la. A tentativa de obrigar o profissional a realizar atividades que não são suas atribuições poderá acarretar, segundo Barroco e Terra (2012), em assédio moral. Na mesma linha, a alínea b assegura o livre exercício das atividades inerentes à profissão, desde que a pessoa tenha diploma de Bacharel em Serviço Social por instituição reconhecida pelo MEC e esteja registrada e em situação regular no CFESS/Cress. As autoras aqui citadas alertam que exercer a profissão de assistente social sem o devido registro é passível de responsabilização por contravenção penal, tipificada no art. 47 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/1941). Já a alínea c do art. 2.º do Código prevê que é direito do assistente social participar da elaboração e da gestão de políticas sociais, assim como da formulação e elaboração de programas sociais, deixando evidenciado que o profissional não é apenas ume executor de atividades, mas pode e deve também estar inserido nos espaços decisórios das políticas públicas tanto nos governos quanto nas instâncias de controle social. Cabe destacar que, como gestor ou atuante nesses espaços, o profissional deve sempre agir orientado pelos princípios que fundamentam o projeto ético-político do Serviço Social. A alínea d traz algo que é fundamental para assegurar o sigilo no trabalho do assistente social: a inviolabilidade do seu local de trabalho. Em momento futuro, teremos um tema específico sobre esse ponto – sigilo profissional – e o abordaremos com maior profundidade. A alínea d garante ao assistente social o direito a ter reparada a sua imagem e a sua honra por meio do desagravo público, que 5 geralmente abrange a oportunidade de se defender pelos mesmos meios em que foi ofendido, podendo o ofensorser obrigado a reparar também publicamente o agravo cometido. Nesse quesito, vale destacar o que preconizam Barroco e Terra (2012, p. 148): Para que o assistente social mereça um tratamento digno, em como respeito e garantia de suas prerrogativas profissionais, é necessário – senão imprescindível – que tenha agido de forma profissional moderada, competente, fundamentada, sem ultrapassar os limites do razoável na sua relação profissional com terceiros, sejam autoridades constituídas, superiores hierárquicos ou outros. Isso posto, para que se caracterize o direito ao desagravo público, é necessário que na situação posta reste provado que o assistente social agiu dentro dos parâmetros de suas atribuições e de acordo com os princípios ético- políticos da profissão. Em razão disso, o CFESS/Cress, ao receber denúncias de agravos e ofensas sofridos por profissional, inicia um procedimento de apuração para avaliar se de fato o assistente social estava agindo adequadamente. No que se refere a alínea f, é direito do assistente social se qualificar e se aprimorar tecnicamente para o exercício da profissão. Dessa forma, os empregadores devem não apenas liberar o profissional para cursos dentro de seu horário de trabalho, como também incentivá-lo a realizar formações complementares, uma vez que tais saberes acumulados qualificam o exercício do Serviço Social dentro das instituições. Na mesma linha, a alínea g traz em seu bojo que é direito do assistente social falar sobre assuntos de sua competência técnica, não podendo pessoas de outras profissões falar, escrever ou se pronunciar sobre questões que se referem às atribuições privativas da profissão. As alíneas g e h estão inscritas na mesma senda: liberdade e autonomia para o exercício da atividade profissional. Como já citamos, o assistente social é um profissional liberal, o que implica dizer que é ele quem faz as escolhas sobre os seus instrumentais de trabalho, orientados pelos referenciais teórico- metodológicos e ético-políticos da profissão. Ademais, o profissional tem independência técnica para agir, especialmente quando realiza estudos sociais, avaliações e perícias sociais de acordo com seus parâmetros técnicos, não podendo ser sujeitado aos desmandos de seus superiores, no que se refere ao conteúdo e/ou parecer de tais estudos. Destaca-se que tal liberdade também se refere a de realizar pesquisas e estudos de caráter científico, não podendo ser 6 cerceado ou censurado, desde que as faça dentro dos parâmetros da ética em pesquisa e da ética profissional. TEMA 2 – DEVERES E VEDAÇÕES AO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE ASSISTENTE SOCIAL Antes de adentrarmos ao art. 3.º, destaca-se que Barroco e Terra (2012) afirmam que até o art. 2.º o Código de Ética traz normas afirmativas, no sentido de prever o que é direito assegurado ao assistente social. De agora em diante, a partir do art. 3.º, adentra-se no que as autoras chamam de norma negativa, ou seja, aquelas que passam a constituir deveres e obrigações e são de fato normas jurídicas, para as quais a infração é passível de responsabilização. Seguem esclarecendo que a partir de agora o Código traz duas modalidades de condutas: a obrigatória, a qual deve ser executada, não podendo o assistente social omitir- se em relação a ela; e a proibida, a qual é vedada ao profissional, a qualquer tempo e em qualquer circunstância, fazer. Outro fator muito importante é a aplicação, no caso da ética profissional, do princípio jurídico de que “a conduta que não estiver proibida pelo sistema normativo ou de princípios ou não for obrigatória, é permitida” (Barroco; Terra, 2012, p. 156). Isso posto, se uma conduta não estiver proibida, em tese, ela é permitida. Assim como se uma conduta não estiver no rol daquelas obrigatórias, o profissional não poderá ser obrigado a fazê-la. Nessa direção, passamos ao art. 3.º, que traz os deveres gerais dos assistentes sociais no exercício da profissão, o qual os elenca divididos em quatro alíneas, sendo elas: • Alínea a: refere à obrigação de desempenhar as suas atividades com qualidade, de forma eficiente, eficaz e responsável, sendo essa qualidade nos serviços prestados o objeto jurídico desse item. • Alínea b: obrigatoriedade do uso do registro profissional no Cress em qualquer situação do exercício profissional, sendo obrigatório sempre constar o nome do profissional, a profissão, o número do registro, assim como a regional do Cress no qual ele está inscrito. Por exemplo, ao assinar qualquer documento, o profissional deverá fazê-lo de forma a constarem todos os dados que estão elencados a seguir (o nome apresentado no exemplo é fictício): 7 Maria Janete Ribeiro de Andrade Assistente Social – CRESS n.º 0.000/11.ª Região • Alínea c: tem como objeto jurídico a defesa da liberdade como valor ético central para os assistentes sociais, uma vez que traz como dever uma atuação livre de preconceitos, censuras, cerceamento de liberdades, tanto de sua parte quanto de outrem, sendo obrigação do profissional denunciar tais fatos quando tiver conhecimento, não sendo conivente com eles. • Alínea d: traz a defesa dos direitos humanos e o dever de solidariedade humanitária como premissas, na medida em que obriga o assistente social a atuar em situações de calamidade pública, sempre que for convocado. Podem se caracterizar situações de calamidade pública aquelas causas por desastres naturais, tais como enchentes, furacões, terremotos, tempestades, deslizamentos de terra, ou ainda, aqueles causados por elementos não naturais, como rompimentos de barragens, entre outros, como pandemias. Passemos agora ao art. 4.º, que de forma mais enfática veda determinadas condutas aos assistentes sociais, lembrando que as vedações estão no rol das coisas que são proibidas. As vedações gerais estão inscritas em dez alíneas, iniciando na a, com a vedação à transgressão de qualquer norma prevista no Código de Ética ou na Lei de Regulamentação da profissão, não sendo, portanto, facultado não seguir as regras nelas colocadas. De forma complementar, a alínea c traz que ao assistente social é vedado acatar qualquer ordem superior que viole os princípios e diretrizes do Código de Ética. O item b veda praticar ou ser conivente com crimes e contravenções penais. Cabe destacar que a prática de crime e de contravenção penal, ou ainda, ser cúmplice de prática criminosa, além de sofrer processo ético, pode incorrer em investigação policial e consequente processo criminal, com responsabilização na esfera penal, aplicada pelo Poder Judiciário. As alíneas d e e estão interligadas, já que versam sobre a vedação de compactuar com exercício ilegal de profissão, incluindo-se aí atribuir a estagiário funções que são próprias e de responsabilidade do profissional de Serviço Social, fazendo com que este atue substituindo um assistente social graduado e registrado no Cress, assim como é proibido supervisionar estagiários à distância, ou seja, supervisionar um estagiário inserido em um espaço sócio-ocupacional 8 no qual não existe um assistente social. Barroco e Terra (2012) alertam que no caso dos estagiários que estiverem atuando em substituição a um assistente social também será imputado a eles o exercício ilegal da profissão. O item f versa que o assistente não pode assumir funções para a qual não esteja capacitado, estando de acordo com um dos princípios fundamentais do Código de Ética que é o compromisso com a qualidade dos serviços prestados. A alínea subsequente vai proibir o assistente social de substituir um colega de profissão que tenha sido demitido ou exonerado por defender os princípios éticos da profissão, enquanto perdurar o motivo da demissão, ou seja, não poderá substituir um colega para fazer o que ele se recusou, por não estar dentro dos parâmetros éticos. A alínea hé complementar a anterior, pois refere-se de forma indireta à competividade desleal entre assistentes sociais no mundo do trabalho, vez que veda pleitear para si ou para outro assistente social uma vaga de trabalho que já está sendo ocupada por outro colega de profissão. A alínea i implica uma das faltas mais graves que pode ser cometida pelo assistente social: adulterar resultados ou fazer declarações falaciosas sobre situações ou estudos de que tome conhecimento. Barroco e Terra (2012) explicam que o objeto jurídico desse item se refere ao prestígio e à credibilidade da profissão, pois um profissional que falta com a verdade no exercício de suas atribuições coloca em xeque a confiança em toda a categoria dos assistentes sociais. As mesmas autoras afirmam que nessa alínea existem dois dispositivos diferentes, sendo o primeiro o que se refere a alterar, adulterar ou falsificar informações em documentos públicos; o outro, refere-se a fazer declarações inverídicas em manifestações técnicas, escritas ou verbais, conforme explicam: A manifestação técnica ou declaração do assistente social que atuou ou não naquela situação deve, para se tipificar como violação, ser falaciosa, ou seja, sem fundamento, sem base, com parcialidade manifesta, em geral caracterizada como manifestação irresponsável, preconceituosa, leviana, sem credibilidade, sem estar em conformidade com os princípios do Código de Ética do assistente social. (Barroco; Terra, 2012, p. 170) Nesse item, merece especial destaque a manifestação de um profissional acerca da atuação ou parecer de outro profissional, que muitas vezes pode ocorrer de forma leviana, com julgamentos pré-concebidos, sem ter conhecimento acerca da situação, podendo assim causar ofensa à honra e à imagem de outro assistente social. Ressalta-se, ainda, que a falsificação, adulteração ou alteração de documento público é crime tipificado na esfera 9 penal, assim como a calúnia e a difamação também, podendo, além de responder junto dos órgãos da categoria, responder criminalmente pelas atitudes. Por fim, na alínea j, de forma complementar às anteriores, o Código veda ao assistente social o exercício de qualquer tipo de plágio, proibindo este de assinar ou publicar em seu nome qualquer material produzido por outro profissional. Ressalta-se que a prática de plágio também é crime tipificado como violação ao direito autoral, previsto no Código Penal brasileiro em vigor. TEMA 3 – RELAÇÕES PROFISSIONAIS – PARTE 1 Chegamos agora ao Título III do Código de Ética, que versa sobre as relações que o assistente social estabelece no exercício de sua atividade. O Capítulo I dessa seção versará sobre as relações profissionais com os usuários dos serviços sociais prestados pelo assistente social. Podemos dividir as oito alíneas em três grandes grupos: 1. Dever de democratizar o acesso dos usuários, perpassando pela viabilização de participação destes em espaços decisórios e de controle social das políticas públicas, divulgar informações sobre os programas, projetos e serviços disponíveis e desburocratização do acesso dos usuários aos serviços prestados (alíneas a, c e g). 2. Dever de dar conhecimento ao usuário sobre os objetivos da atuação do Serviço Social dentro da instituição em que se atua, de esclarecer os procedimentos que serão realizados durante o estudo ou intervenção na situação posta, de dar devolutiva dos resultados dos estudos sociais aos usuários e instrumentalizá-los para o exercício dos seus direitos com base em tais informações. Ainda nesse grupo podemos inserir a obrigação de pedir autorização e comunicar aos usuários caso seja necessário o uso de registros audiovisuais ou de dados coletados sobre eles para fins de pesquisa (alíneas d, e, f e h). 3. Dever de respeitar a autonomia dos usuários sobre as decisões que envolvem suas próprias vidas, não permitindo que as crenças e valores pessoais influenciem ou determinem a atuação. Apesar de ter que respeitar a decisão do usuário, é obrigação do profissional propiciar aos atendidos a reflexão sobre as possibilidades e consequências de cada caminho possível de ser seguido (alínea b). 10 No que se refere às vedações na atuação do assistente social em relação aos usuários, o art. 6.º traz três alíneas: a a veda o cerceamento do direito do usuário de exercer sua autonomia e decidir sobre os seus interesses, prática esta muitas vezes comuns no cotidiano, no qual o assistente social pode tentar, com uma hipotética autoridade, impor os seus valores, ideais e interesses aos usuários de seus serviços. O item b veda ao assistente social obter qualquer tipo de vantagem de sua relação com os usuários, sendo objeto jurídico dessa alínea a honestidade e a probidade na atuação profissional. Destaca-se que a improbidade administrativa, cometida na área pública, também é crime, tipificado no mesmo bojo da corrupção. A última alínea das vedações proíbe que o assistente social haja de forma a bloquear ou dificultar o acesso dos usuários às instituições e aos serviços que elas oferecem, podendo se caracterizar como prática de coação e desrespeito ao exercício da cidadania. TEMA 4 – RELAÇÕES PROFISSIONAIS – PARTE 2 Como se sabe, o assistente social, apesar de estar inscrito no campo das profissões liberais, é um trabalhador assalariado, e como tal, está sujeito às regras e normas de seu local de trabalho, assim como possivelmente estará subordinado a alguma chefia. É para resguardar essa relação que temos os arts. 6.º, 7.º e 8.º do Código de Ética, que estabelecem direitos, deveres e vedações nas relações com as instituições empregadoras e demais instituições com as quais o assistente social se relacione. Vale ressaltar que ao profissional não é facultado ferir os princípios éticos da profissão sob alegação de que as normas as quais está sujeito em trabalho se sobrepõem ao Código de Ética, pois isso não é verdadeiro e o Código deve ser observado em qualquer contexto de trabalho. No art. 7.º temos os direitos do assistente social na relação com seu empregador e, entre eles, está o de dispor de condições dignas e adequadas para que possa exercer seu trabalho com qualidade (alínea a). As alíneas b e c versam sobre o livre acesso do assistente social à população usuária e às informações institucionais necessárias para o exercício de suas atividades profissionais, não podendo, portanto, ser cerceado de ter contato com as pessoas que usam os serviços da instituição, devendo esta inclusive lhe garantir as condições de acesso a esses usuários, tais como veículo para realização de visita domiciliar, quando se aplicar. Por fim, a alínea d desse artigo versa sobre 11 o direito de integrar comissões interdisciplinares de ética, tanto as relacionadas à ética profissional quanto as que debatem e decidem as políticas institucionais. O art. 8.º tratará sobre os deveres do assistente social com as instituições empregadoras, iniciando-se pela primeira alínea, que traz a obrigação de programar, administrar e executar os serviços sociais ofertados pela instituição; ressalta-se que esse item coincide com uma das atribuições privativas do assistente social, prevista na Lei de Regulamentação da Profissão, reafirmando assim que esse é o profissional competente para atender às demandas dos serviços sociais. A alínea b compromete o assistente social a fazer denúncia junto ao Cress ou aos órgãos competentes quando verificar a existência de normas, regulamentos e programas que estejam em desacordo não apenas com os princípios do Código, mas também aqueles que podem violar direitos humanos, tanto do profissional quanto da população usuária. Consoante ao compromisso dos assistentes sociais com a classe trabalhadora, as três alíneas seguintes, c, d e e, abordam a obrigação de que a atuação do assistente social se dê de forma a minoraras correlações de forças institucionais e de privilegiar os interesses dos usuários, assim como de empenhar-se para a viabilização dos direitos sociais destes, por meio das políticas sociais na qual atua, e por fim, na mesma toada, é dever utilizar as verbas sob sua responsabilidade com lisura e transparência, tendo como prioridade o atendimento das demandas coletivas dos usuários. O art. 9.º traz vedações para o profissional nas relações com seu empregador, sendo a primeira delas a proibição de que o assistente social empreste seu nome e seu registro profissional para uma instituição na qual não trabalha nem presta serviços no intuito de simular ali o efetivo exercício. Muitas vezes, essas situações ocorrem para que o local possa contar com estagiários sem ter o profissional para supervisioná-los, contribuindo para a precarização das relações de trabalho, assim como empresas privadas muitas vezes precisam comprovar que têm um assistente social em seus quadros para poderem firmar contratos com governos, como é o caso de construtoras que participam de projetos como o “Minha casa, minha vida”, da União. Ainda, nas vedações, o item b traz a proibição de usar de tráfico de influência para obter empregos ou ferir regras de concursos públicos ou seleções. Na mesma lógica, firma-se a alínea c, com a vedação ao uso de recursos institucionais para fins partidários, 12 eleitorais ou clientelistas, o que na área pública muitas vezes somos instados a fazer em períodos eleitorais. TEMA 5 – RELAÇÕES PROFISSIONAIS – PARTE 3 Na reta final desta aula, trabalharemos as últimas seções do Título III do Código de Ética, as quais abordam as relações dos assistentes sociais com outros profissionais, com as entidades de representação da categoria e com a justiça. Entre os deveres do profissional ao se relacionar com outros assistentes sociais ou com qualquer outro profissional estão o de ser solidário com outros colegas, mas não se eximindo de denunciá-los quando estes infringirem os princípios do Código ou violarem direitos humanos, no caso das demais categorias. Barroco e Terra (2012, p. 190) afirmam que essa solidariedade trazida nesse item se refere a “contribuir com a superação ou mesmo com a compreensão da dimensão da dificuldade do outro”, mas asseveram que ela não se sobrepõe aos princípios do Código, como já citamos. O segundo item das relações com outros profissionais refere-se à obrigação de repassar ao seu substituto as informações inerentes ao trabalho, de forma a não haver descontinuidade e não prejudicar a população usuária. A alínea c traz que, na função de chefia, o assistente social tem a obrigação de propiciar aos seus subordinados condições para que estes realizem cursos de qualificação e aprimoramento, bem como de incentivá-los e possibilitar que realizem pesquisas, com igualdade de oportunidades a todos. Na mesma linha, o item d traz o dever de incentivar a prática interdisciplinar, ou seja, que o assistente social atue em conjunto com outras profissões, de forma a atender integralmente às demandas da população usuária. De maneira complementar, a alínea e traz que é dever dos assistentes sociais respeitarem as normas e os princípios éticos das outras profissões. Barroco e Terra (2012) alertam que, além de respeitar tais princípios, o assistente social deve também respeitar as atribuições privativas das outras profissões, não realizando atividades para a qual não está capacitado. A última alínea dos deveres para com outros profissionais traz assunto bastante delicado, já que versa sobre fazer crítica a colegas de profissão e a outros profissionais, para o que deve fazê-la de forma objetiva, construtiva e comprovável. Barro e Terra (2012, p. 195) explicam que: 13 São muito comuns as divergências e discordâncias no desenvolvimento de atividades profissionais que envolvam trabalhadores. São as diferenças que se manifestam no cotidiano da atividade profissional. Trabalhar na perspectiva do pluralismo significar aceitar a diversidade de opiniões, de condutas de procedimentos, de entendimento, muitas vezes conflitantes e tensos entre si. Partindo do pressuposto de que o conflito é inerente das relações sociais, as autoras asseveram que as críticas e debates sempre acabarão ocorrendo, mas que estes devem ser realizados com fundamentação técnica e com vistas a melhorar a qualidade do trabalho e não a fazer ataques pessoais ou de forma a fazer demérito ou deslegitimar o colega. Ademais, ressaltam que tais críticas jamais podem ser feitas de forma anônima, vez que o texto da alínea em discussão é concluído com os termos “assumindo sua inteira responsabilidade”, no sentido de que deve fazer a crítica identificada de forma a responsabilizar-se pelo seu conteúdo. No que se refere às vedações nas relações com outros profissionais, estas estão previstas no art. 11 do Código de Ética e são quatro: a primeira, veda ao assistente social intervir ou interferir em situação que já esteja sendo atendida por outro profissional, salvo em emergência ou quando tratar-se de atuação interdisciplinar; a segunda veda ao assistente social, quando estiver em posição de chefia, abusar de autoridade ou agir de forma discriminatória; a alínea c traz a proibição de ser conivente com qualquer conduta antiética ou com erros técnicos praticados por assistentes sociais ou outros profissionais; a alínea d determina que o assistente social não deve prejudicar deliberadamente colegas de trabalho e tampouco agir de forma a manchar a reputação destes. Passando à seção seguinte, temos as relações do assistente social com as entidades da categoria e com as Organizações da Sociedade Civil em geral. Assim como nas relações com empregadores, essa seção conta com direitos, deveres e vedações, visando a salvaguardar o profissional e a sua autonomia técnica. Assim, no art. 12 está explícito o direito do assistente social de participar de sociedade científicas e de entidades de organizações da categoria, incluindo- se nesse caso os conselhos e mesmo os sindicatos, para o que não poderá ser cerceado por seu empregador e tampouco pelas próprias instituições. O segundo direito trata de apoiar e participar de movimentos sociais, especialmente aqueles que defendem a classe trabalhadora, os direitos sociais e os direitos humanos em geral. Barroco e Terra (2012) destacam que estes são direitos facultativos e não obrigações do profissional, o que implica dizer que o 14 assistente social é livre para participar ou não das instituições de organização da categoria e de movimentos sociais. No que se refere aos deveres dos assistentes sociais para com essas instituições, temos no art. 13, alínea a, o de denunciar ao Cress qualquer instituição na qual não haja condições dignas de trabalho, que possam prejudicar o profissional e afetar a qualidade dos serviços prestados aos usuários; na mesma linha, a alínea b também traz o dever de denunciar ao CFESS/Cress e às autoridades competentes qualquer conduta que viole os direitos humanos ou que caracterize corrupção. A última alínea do art. 13 versa sobre o dever do assistente social de respeitar a autonomia dos movimentos populares e de organização da classe trabalhadora, devendo apoiá-los, mas não interferir em suas decisões coletivas, desde que estas não violem os direitos humanos. Por fim, o art. 14 das relações com as entidades da categoria e da sociedade civil apresenta única vedação aos assistentes sociais, proibindo o profissional de, quando em cargo de direção de entidade da categoria, obter vantagens pessoais para si ou para terceiros. Agora, daremos um salto até os art. 19 e 20, que tratarão das relações do assistente social com a justiça, uma vez que os arts. 15 ao 18 falam sobre a questão do sigilo profissional. Tais artigos abordam uma relação que poderíamos afirmarser uma das mais conflituosas e conturbadas dentro da profissão, que são as relações do assistente social com a Justiça. Isso porque, como veremos em momento futuro, o profissional poderá atuar como perito social, assim como, com frequência, é chamado para audiências na condição de testemunha ou para tomar depoimento de crianças e adolescentes na modalidade do chamado depoimento especial, colocando em xeque a questão ética acerca do sigilo profissional. Nessa relação com a Justiça, é dever do assistente social, consignado no art. 19, alíneas a e b, apresentar as conclusões de seus laudos ou prestar depoimento como testemunha, de forma a não extrapolar a competência profissional e tampouco a não violar o sigilo das informações prestadas pelos usuários, não podendo, sob nenhuma hipótese, violar qualquer regra posta no Código de Ética sob pretexto de tratar-se de determinação judicial. A segunda alínea é de fundamental importância, pois o assistente social jamais deverá deixar de atender a um chamado, intimação ou convocação judicial; porém, este deve comparecer e declarar que está obrigado a guardar sigilo. Barroco e Terra 15 (2012) destacam que é necessário diferenciar quando o profissional é chamado como testemunha porque no exercício de sua profissão teve contato com fatos e situações que estão judicializadas, de quando este é convocado na condição de cidadão, quando aí então está desobrigado de guardar sigilo. Um exemplo do segundo caso seria um assistente social ser convocado a depor em processo criminal por ter testemunhado um acidente de trânsito que vitimou uma pessoa, ou seja, um fato que nada teve a ver com seu trabalho. O art. 20 versará sobre o que é vedado ao assistente social na sua relação com a justiça, trazendo na primeira alínea a proibição de depor como testemunha sobre situação sigilosa de que tenha conhecimento por meio do exercício profissional. A segunda alínea veda ao profissional aceitar ser perito social em processo judicial cujo litígio não seja de competência do Serviço Social. Abordaremos mais sobre essas questões em momento posterior, quando tratarmos dos dilemas éticas contemporâneos. NA PRÁTICA No ano de 2021, um vídeo postado em uma rede social gerou grande comoção e revolta entre os assistentes sociais. Isso porque uma advogada do estado do Amazonas fazia demérito e acusações graves contra uma profissional que atuava no Instituto Nacional de Seguro Nacional (INSS) porque essa assistente social não teria autorizado que o advogado de um beneficiário participasse da entrevista e dos procedimentos para a realização do estudo e da perícia social para concessão de benefício. A advogada, com total desconhecimento das normativas que regem o exercício do Serviço Social, acusava a profissional de ter cerceado e violado os direitos do cliente defendido por ela e expôs o nome, o local de trabalho dessa profissional, bem como manchou a imagem dela. O vídeo foi compartilhado por milhares de pessoas, muitos deles reproduzindo o discurso da advogada e caluniando a categoria como um todo. Diante do que estudamos nesta aula, o que poderia ser feito em relação a essa advogada, no sentido se resgatar a imagem da profissão e do profissional que sofreu o agravo público? 16 Leitura complementar Indicamos a leitura da nota oficial publicada pelo CFESS sobre o tema. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS-ParecerJuridico21- 2016.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2021. Sugere-se a leitura da Nota de Desagravo Público, publicada pelo Cress de Minas Gerais, no ano de 2016, após situação similar envolvendo um conflito entre um assistente social e um advogado. Disponível em: <http://www.cress- mg.org.br/Upload/Pics/a6/a6c12d0f-314b-4503-b438-91e0c53dbf52.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2021. FINALIZANDO Nesta aula, demos prosseguimento à apresentação e ao debate, item a item, do Código de Ética Profissional do/a Assistente Social. Apesar de ser por vezes cansativo, tal estudo aprofundado é estritamente necessário, pois o Código requer uma práxis de leitura e reflexão sobre suas normas. Muito antes de estarem graduados, os estudantes de Serviço Social precisarão passar pelos estágios obrigatórios e conhecer o Código para essa prática de aprendizagem. Isso é fundamental para evitar que cometamos infrações éticas e, principalmente, que não sejamos submetido por outros a cometê-las, funcionando assim como um aparato de proteção. Isso posto, nesta aula trabalhamos inicialmente os direitos e deveres gerais dos assistentes sociais, que versam sobre a obrigação de cumprir os princípios previstos no Código e de poder usá-los também para defender-se quando estivermos sujeitos a normas institucionais que violem seus princípios. Na sequência, em todos os demais temas, passamos a trabalhar as normas éticas que regram as relações dos assistentes sociais no seu exercício profissional. Como alertam Barroco e Terra (2012), essas regras afetas às relações visam a proteger os profissionais e a profissão, preservar a autonomia, garantir a qualidade dos serviços prestados e condições de trabalho adequadas, o que implica dizer que, apesar de estabelecer parâmetros para atuação, mais do que a finalidade de responsabilização, essas regras têm caráter de apoio e proteção ao exercício profissional. Assim, falamos dos direitos, deveres e proibições nas relações profissionais com os usuários, com os empregadores, com as entidades que representam a categoria e demais entidades da sociedade civil, com outros 17 profissionais, sejam eles do Serviço Social ou não, assim como das relações com a justiça, tema controverso e polêmico na área. Abordaremos futuramente outros temas, como o do sigilo e os dilemas contemporâneos, os quais requererão que os alunos voltem a esta aula, uma vez que os temas apresentam relação direta entre si. 18 REFERÊNCIAS BARROCO, M. L. S.; TERRA, S. H. Código de ética do/a assistente social comentado. São Paulo: Cortez, 2012.