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Currículo e Conhecimento Escolar MARCELLA DA SILVA ESTEVEZ PACHECO GUEDES 1ª Edição Brasília/DF - 2023 23-153448 CDD-375.006 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Guedes, Marcella da Silva Estevez Pacheco Currículo e conhecimento escolar [livro eletrônico] / Marcella da Silva Estevez Pacheco Guedes. -- 1. ed. -- Brasília, DF : Unyleya, 2023. PDF Bibliografia. ISBN 978-65-85643-13-9 1. Educação - Estudo e ensino I. Título. Índices para catálogo sistemático: 1. Currículo e didática : Educação 375.006 Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415 Autores Marcella da Silva Estevez Pacheco Guedes Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4 Introdução ............................................................................................................................................................................. 6 Capítulo 1 Currículo: Conceituação e Historicidade .............................................................................................................. 9 Capítulo 2 Currículo, Conhecimento Escolar e Formação de Professores: As Teorias Críticas e Pós-Críticas de Currículo ..................................................................................................................................................................23 Capítulo 3 A Didática Intercultural e a Diversidade Cultural na Formação de Professores: Debates do Currículo ........................................................................................................................................................................43 Capítulo 4 Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação e Metodologia de Projetos: Em busca de Práticas Pedagógicas Contextualizadas ..............................................................................................................56 Capítulo 5 O Trabalho Docente e sua Multidimensionalidade: Dilemas da Profissão Docente e Cultura Organizacional da Escola .........................................................................................................................................75 Capítulo 6 O Planejamento Escolar e o Projeto Pedagógico Curricular .......................................................................82 Referências .......................................................................................................................................................................110 4 Organização do Livro Didático Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. 5 ORgANIzAçãO DO LIvRO DIDáTICO Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Gotas de Conhecimento Partes pequenas de informações, concisas e claras. Na literatura há outras terminologias para esse termo, como: microlearning, pílulas de conhecimento, cápsulas de conhecimento etc. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 6 Introdução Este Livro Didático tem por objetivo proporcionar uma reflexão diante das principais teorias de currículo, portanto, conceituamos e apresentamos a historicidade das teorias tradicionais, críticas e pós-críticas de currículo. Debates sobre o currículo são estimulados a partir da compreensão sobre a didática intercultual e a diversidade cultural na formação de professores. As novas tecnologias da informação e da comunicação são apresentadas a partir da metodologia de projetos, visando a projetos curriculares mais contextualizados com as demandas da educação no século XXI. A análise sobre o trabalho docente e sua multidimensionalidade implica compreender os dilemas da profissão docente, bem como entender a cultura organizacional da escola como elementos importantes para a constução curricular. O planejamento escolar e o projeto pedagógico curricular, compreendidos a partir do Projeto Político-Pedagógico, ajudam no debate sobre: a) educação para a cidadania; b) processos de ensino-aprendizagem; c) relação escola e comunidade; d) propostas pedagógicas para a educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio). Esperamos que o livro didático possa ampliar a sua compeensão sobre currículo e conhecimento escolar a fim de que você possa ter uma visão crítica dos processos educativos, reconhecendo que o currículo escolar é de suma importância para projetos curriculares contextualizados com as demandas do século XXI. Objetivos » Compreender a etimologia e a epistemologia do currículo escolar, a fim de reconhecer que a definição de currículo é polissêmica, ou seja, apresenta sentidos diversos. » Analisar a perspectiva histórica do currículo, com foco para o surgimento das teorias tradicionais do currículo, a partir do eficientismo social e do progressivismo. » Compreender o movimento de reconceptualização do currículo a partir das Teorias Críticas de Currículo. » Analisar os questionamentos do Pós-Estruturalismo e os principais conceitos das Teorias Pós-Críticas de Currículo. » Conhecer os saberes necessários ao pedagogo a partir da BNC – Formação. 7 INTRODuçãO » Refletir sobre a didática intercultural e sua importância para um processo de ensino-aprendizagem mais contextualizado. » Estabelecer uma relação entre didática e currículo. » Compreender que o currículo é espaço de crítica cultural. » Refletir criticamente sobre o uso das novas tecnologias da comunicação e informação na educação. » Compreender as novas competências profissionais dos professores na era digital. » Analisar a abordagem de metodologia de projetos para práticas pedagógicas contextualizadas. » Refletir criticamente sobre o trabalho docente e sua multidimensionalidade. » Compreender os dilemas da profissão docente. » Analisar a cultura organizacional da escola a partir da perspectiva dadidática fundamental. » Compreender a relação do projeto político-pedagógico (PPP) com a cidadania. » Analisar o conhecimento escolar e o currículo a partir dos processos de ensino-aprendizagem. » Compreender a relação entre currículo, escola e comunidade. » Compreender a proposta pedagógica da educação infantil, séries iniciais do ensino fundamental e ensino médio. 8 9 Figura 1. Currículo e Escola. Fonte: www.shutterstock.com.1284179008. Introdução do Capítulo A proposta do primeiro capítulo é uma reflexão sobre a conceituação e a historicidade do campo disciplinar no Brasil. A resposta à questão: “O que é currículo?” será oferecida ao longo do capítulo. Cabe a você, estudande crítico e reflexivo, elencar as convergêngias e as divergências das abordagens apresentadas a fim de que você possa construir um repertório sobre os embates curriculares na educação brasileira. Para que se faz necessário o conhecimento sobre currículo escolar? Que vantagens esse tipo de conhecimento pode oferecer para os professores brasileiros? Por que a formação docente deve considerar esses conhecimentos? Quais as implicações do currículo para o cotidiano escolar? As políticas educacionais se apropriam dos currículos para que finalidades? Qual é a relação da gestão escolar com os currículos? Há possibilidade de professores construírem seus próprios currículos escolares? Essas e muitas outras questões estão presentes no pensamento crítico sobre currículo e por isso convido a todos e todas para também fazerem as suas questões, ainda que não existam respostas prontas e acabadas. Além disso, a resposta a cada uma dessas questões envolve a compreensão de que para cada abordagem epistemológica sobre currículo escolar são necessárias respostas diferenciadas. O que temos, portanto, é uma luta por significação. 1 CAPÍTULO CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE 10 CAPÍTULO 1 • CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE Sendo assim, o primeiro item a ser considerado no estudo sobre currículo escolar é que o currículo é multidimensional e polissêmico. São diversos os significados de currículo escolar. Cabe ao professor (a) brasileiro (a) compreender os diversos sentidos de currículo. Já o segundo item a ser considerado é que temos diversas disputas e tensões por esses significados nas políticas curriculares, na formação de professores e nas práticas pedagógicas dos professores. Não existe neutralidade na construção dos currículos escolares. Há muitos embates para a escolha de quais caminhos curriculares seguir. Isso acontece nas diferentes instituições escolares e nas diferentes modalidades educacionais. E claro: com os professores brasileiros também! Convidamos você a se aventurar no mundo polissêmico dos currículos a fim de que projetos educativos significativos possam estar presentes na construção dos diferentes caminhos curriculares no Brasil. Objetivos » Compreender a etimologia e a epistemologia do currículo escolar, a fim de reconhecer que a definição de currículo é polissêmica, ou seja, apresenta sentidos diversos. » Analisar a perspectiva histórica do currículo, com foco para o surgimento das teorias tradicionais do currículo, a partir do eficientismo social e do progressivismo. 1.1 Etimologia e Epistemologia do Currículo Escolar A etimologia da palavra currículo nos remete a “curriculum”, do latim, que significa “pista de corrida”. No dicionário Michaelis on-line, temos algumas definições: a) ato de correr, corrida ou curso; b) pequena corrida, atalho; c) programação de um curso; d) conjunto de matérias incluídas em um curso de uma escola, de uma faculdade etc; e) documento no qual se apresentam informações pessoais, educacionais e profissionais, bem como cargos e funções anteriores desempenhadas em empregos, também, conhecido como curriculum vitae. Quem nunca ouviu falar de currículo, no sentido escolar, acredita que a última definição listada no dicionário Michaelis é o significado da palavra. Para quem começa a compreender os processos educativos, já consegue ter a noção de que currículo pode ser algo relacionado a um conjunto de matérias que devem ser apresentadas e ensinadas na instituição escolar. 11 CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE • CAPÍTULO 1 No entanto, o que iremos aprender nesta disciplina é que currículo é algo mais complexo do que simplesmente um conjunto de matérias. É isso e muito mais! Para começo de conversa, o currículo, segundo Lopes e Macedo (2011, p. 19), pode ser definido como uma ideia de organização, prévia ou não, de experiências/situações de aprendizagem realizada por docentes/redes de ensino de forma a proporcionar um processo educativo, de ensino-aprendizagem. Figura 2. Processos Educacionais. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/education-icons-school-curriculum-equipment- teachers-1060044974. Saiba mais Figura 3. Tomaz Tadeu da Silva. Fonte: AILA, 2011. Disponível em: http://www.aila.com.br/fotos/5b6140488fa8ab83bd399a2725580119.jpg. Para ampliarmos a nossa compreensão sobre currículo, o professor e pesquisador Tomaz Tadeu da Silva nos aponta que devemos concentrar nosso esforços, entendendo as reflexões propostas por cada teoria de currículo. Portanto, claro que é importante conhecermos a definição e a conceituação da palavra currículo. Mas a nossa busca e estudo sobre a temática Currículo Escolar deve ser: quais perguntas estas teorias buscam responder? Existem similaridades nas teorias de currículo? Estas teorias apresentam questionamentos diferentes? Qual o objetivo a ser alcançado pelo estudo de cada teoria de/sobre o currículo escolar? Tais reflexões nos ajudam a aprofundar a nossa análise, justificando a relevância deste debate. 12 CAPÍTULO 1 • CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE As experiências de aprendizagem, no contexto formal de ensino são planejadas e guiadas em busca de determinados resultados, por meio de uma reconstrução sistemática do conhecimento. O documento que norteia essas experiências e práticas, bem como especifica os objetivos e as competências a serem desenvolvidas, no contexto educacional, podemos chamar de “currículo escolar”. A definição de currículo escolar como experiência de aprendizagem implica considerar qual conhecimento deve ser ensinado. O conhecimento escolhido para compor este currículo é importante? Qual a razão, o motivo, da escolha de determinado conteúdo? Por que determinado tema/conteúdo merece destaque? Por que esse conteúdo/tema, e determinado objetivo/competência deve ser desenvolvido e apresentado, tal como descrito no documento? Figura 4. Educação e Currículo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/elearning-isometric-composition-textbooks-smartphone- graduation-754612459. Já podemos compreender que currículo é seleção e, portanto, selecionar o que fica dentro e o que fica fora do currículo é considerar que as relações de poder permeiam essas escolhas. E, desta forma, percebe-se que o currículo escolar é um “espaço de luta” e “disputa”, tendo em vista que cada escolha realizada para a apresentação dos conteúdos e das disciplinas refletem o que consideramos relevante ser conhecido e aprendido. Um exemplo atual é a apresentação da história do nosso país nos livros didáticos. Como você aprendeu a história do nosso país? Como seus pais aprenderam? Como é ensinada atualmente? Todos esses questionamentos revelam escolhas. https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/elearning-isometric-composition-textbooks-smartphone-graduation-754612459 https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/elearning-isometric-composition-textbooks-smartphone-graduation-754612459 13 CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE • CAPÍTULO 1 Figura 5. Desembarque de Cabral em Porto Seguro, óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva, 1922. Fonte: Acervo do Museu Histórico Nacional. Disponível em: https://i.em.com.br/O__4Jm3bnb2_iEHgpBCrvj61agY=/820x0/ smart/imgsapp.em.com.br/app/noticia_127983242361/2019/04/22/1047990/20190422135454851222e.jpg.Figura 6. Índios Soldados da província de Curitiba escoltando prisioneiros nativos”. Tela de Jean-Baptiste Debret. Fonte: Atlas FGV, 2017. Disponível em: https://atlas.fgv.br/sites/atlas.fgv.br/files/marcos/midias/10_6.jpg. A partir da constatação dessa tensão social, percebemos que exitem muitas disputas curriculares que perpassam pelas lutas sociais de representatividade de certos saberes, que muitas vezes não são tão valorizados no currículo escolar. Que saberes podem ser mais valorizados? Que conhecimentos merecem fazer parte do currículo escolar? Apesar de parecer uma exigência apenas da escola ou rede de ensino, argumentaremos ao longo da disciplina que o professor também pode ser o que escolhe os saberes, com mais ou menos autonomia, a depender das possibilidades existentes em suas instituições escolares. https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Baptiste_Debret https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Baptiste_Debret 14 CAPÍTULO 1 • CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE Figura 7. Luta por Representação Social nos Currículos. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/group-people-speech-bubbles-comunication-vector-1757602118. No que concerne à representatividade de movimentos sociais no currículo, não podemos deixar de mencionar uma importante Lei, que alterou o currículo escolar brasileiro desde então: Lei n. 10.639/2003, que determina a obrigatoriedade da inserção da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”. É necessário destacar que tal processo de seleção de saberes resultou em ganhos significativos para os movimentos sociais que estavam lutando para a legitimidade e representatividade desses conteúdos no currículo escolar. É possível perceber que o currículo tem relação com as dimensões sociais, culturais e políticas, configurando uma área na qual diversos grupos lutam por legitimidade e inclusão social. Currículo é disputa por espaço e representatividade. Desta forma, temos que compreender que construir um currículo escolar está longe de ser algo tranquilo e sem disputas. Pelo contrário: toda a construção de currículo escolar, a despeito de suas abordagens epistemológicas, implica luta por significação. Entram em jogo questões sobre visão de educação, com seus fundamentos científicos, éticos, sociais e políticos. Quando falamos sobre educação, estamos nos referindo a um termo polissêmico, que nos obriga a responder à pergunta: “De que visão sobre educação estamos falando?”. Quais as abordagens? Tradicionais,construtivistas, histórico-críticas? O mesmo raciocínio se aplica ao currículo. São múltiplas as abordagens. Quais escolhas faremos? A fim de que possamos compreender melhor a multiplicidade de conceitos referentes ao currículo escolar, vamos elencar algumas definições para análise presentes em Silva et al., 2020. https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/group-people-speech-bubbles-comunication-vector-1757602118 15 CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE • CAPÍTULO 1 Figura 8. vera Maria Candau. Fonte: DHNET.ORg, 2011. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/veracandau/textos.htm. Na visão de Candau (2008 apud Silva et al,. 2020), o currículo é o coração, o órgão pulsante da escola. Portanto, é compreendido como um coletivo, uma coleção, composta por todas as práticas educacionais que ocorrem no espaço escolar, sendo de forma intencional e planejada ou não. A concepção de Candau nos revela que currículo é todo o processo educativo presente na escola. Vejam a responsabilidade disso para as instituições e para os profissionais que nelas trabalham. O currículo é produtor de identidades sociais e para Arroyo (2008 apud Silva et al., 2020), quanto maiores forem as possibilidades de identificação, mais multicultural é o currículo, que não deve silenciar grupos em detrimento de outros. Perceba que para Arroyo é muito importante considerar as infâncias, as adolescências e a vida adulta como importantes dimesões que serão impactadas pelos currículos. Na visão de Sacristán (2003 apud Silva et al., 2020), o currículo deve estar vinculado ao PPP da escola para direcionar as atividades desenvolvidas com a finalidade de construir projetos educativos centrados na proposta da escola, favorecendo os encaminhamentos políticos, sociais e educacionais, a partir da especificidade do público atendido e dos desafios postos no cotidiano. Nessa dimensão, a concepção de educação que possibilita a vivência de um currículo dinâmico, flexível e participativo é a educação emancipatória que compreende a educação como um campo em construção, pautado em uma perspectiva participativa. Por meio dessa lógica, a participação ativa de todos os profissionais, a abertura da escola para a comunidade e o protagonismo dos estudantes favorece a vivência de um currículo multicultural e democrático. Vejam como o protagonismo dos sujeitos é importante para essas definições de currículo. Percebam o quanto a participação dos diferentes atores sociais é defendida para que 16 CAPÍTULO 1 • CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE haja a construção de currículos mais democráticos. Qual é o papel das instituições nesse contexto? Qual é a influência da gestão escolar? O que cabe aos professores? Essas são algumas questões que podem ser trazidas para o debate. Em uma concepção tecnicista de currículo – visto como prescrição de conteúdos – que iremos compreender melhor no subcapítulo seguinte, referente à perspectiva histórica de currículo, presenciamos claramente que o currículo visto apenas como prescrição de conteúdos a ensinar é algo muito reducionista frente à multiplicidade de variáveis presentes na construção do currículo. Currículo é muito mais. Desta forma, temos que defender os currículos participativos, considerando as vozes dos que fazem os currículos – sujeitos do processo educativo – suas culturas, dinâmicas e propostas educacionais. Estamos, portanto, diante de um dos principais dilemas do currículo: como defender saberes e experiências diversificados em um modelo curricular que valoriza a padronização e preza pela redução de subjetividades? 1.2 Perspectiva Histórica do Currículo: As Teorias Tradicionais como Origem do Campo O final do século XIX e início do século XX marca o início do currículo como campo de estudos específico. Segundo Silva (2002, p. 21), a emergência do currículo está estritamente ligada a processos tais como a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a formação de disciplinas e departamentos universitários sobre currículo, a institucionalização de setores especializados sobre currículo na burocracia educacional Provocação Segundo Arroyo (2013, p. 13): a escola é disputada na correlação de forças sociais, políticas e culturais. Nós mesmos como profissionais da escola, somos o foco de tensas disputas. Bom sinal. Quando os controles gestores se voltam contra os profissionais é sinal de que estes estão se afirmando mais autônomos na sala de aula e no ensinar-educar. Estão construindo seus currículos. Diante desse quadro social e político em que a escola, nós, os educandos, e os currículos estamos imersos, somos obrigados (as) a avançar nas consequências dessas disputas para o território da escola, da sala de aula e dos currículos. São os espaços concretos onde nossso trabalho se materializa e se particulariza. A sala de aula é o território onde a relação pedagógica mestre- educador-aluno-educando encontra seu lugar, adquire ou perde seus significados, seja de realização ou de mal-estar. Fica a provocação: em que medida os currículos estão sendo construídos pelos profissionais da educação? 17 CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE • CAPÍTULO 1 do estado e o surgimentos de revistas acadêmicas especializadas sobre currículo. Sendo assim, todas as teorias pedagógicas e educacionais são também teorias sobre o currículo. Figura 9. História do Currículo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/light-coming-old-book-womans-hands-1726038985.Vale destacar as reflexões de Lopes e Macedo (2011, pp. 20-21) sobre a construção do currículo como seleção e organização do que vale a pena ensinar. Pode ser que hoje possamos afirmar, e até mesmo determinar, alguma obviedade em relação à importância do planejamento pedagógico, bem como da seleção dos conteúdos, das vivências e das atividades a serem mediadas, ao longo da permanência do indivíduo neste espaço formal de ensino-aprendizagem. No entanto, até pouco tempo, ainda sob a influência do ensino jesuítico e tradicional, ainda acreditávamos na relevância de determinadas disciplinas e princípios como facilitadores do raciocínio lógico, privilegiando aspectos memorizáveis, também. Com o início da industrialização americana, em 1900, e com o movimento da Escola Nova no Brasil, em 1920, a concepção de que era preciso decidir sobre o que ensinar ganha força e, para muitos autores, aí se iniciam os estudos curriculares. Para refletir Após o estudo sistemático desta disciplina “Currículo e Conhecimento Escolar”, convido você a resgatar os conceitos de teorias educacionais importantes a fim de que você possa desvendar o que de currículo existe em cada uma dessas teorias e compreender que o currículo é um conjunto de ideias e preceitos que fundamentam a educação, proporcionando embasamento para as práticas pedagógicas. Contextualizar historicamente essas teorias se faz muito necessário quando queremos compreender o curriculo e suas potencialidades e seus limites. 18 CAPÍTULO 1 • CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE Nos Estados Unidos surgiram dois movimentos que nos ajudam a pensar sobre a construção histórica do currículo: o eficienticismo social e o progressivismo, este representado pela Escola Nova no Brasil. Vejamos a construção do eficientismo social: Nos anos 1910, na psicologia, o comportamentalismo, e na administração, o taylorismo, ganham destaque na sociedade americana que se industrializa. As demandas sobre a escolarização aumentam. Como forma de fazer face à rápida urbanização e às necessidades de trabalhadores para o setor produtivo. Surge, assim, a preocupação com a eficiência da escola que tem como função socializar o jovem norte-americano segundo os parâmetros da sociedade industrial em formação, permitindo sua participação na vida política e econômica. Pretende-se, assim, que a industrialização da sociedade se dê sem rupturas e em clima de cooperação. A escola e o currículo são, portanto, importantes instrumentos de controle social (LOPES; MACEDO, 2011, pp.21-22). O eficientismo social, segundo Lopes e Macedo (2011), não é uma referência à seleção de conteúdos ou sobre a importância de determinada diciplina para a formação dos aprendizes. Para este grupo, os eficientistas, devemos sempre considerar as atividades e os objetivos como o centro do processo ensino-aprendizado. Já com relação ao progressivismo: Rivalizando com o eficientismo no controle da elaboração de currículos “oficias”, o progressivismo conta com mecanismos de controle social bem menos coercitivos. Mas também para os progressistas, a educação se caracteriza como um meio de diminuir as desigualdades sociais geradas pela socieade urbana industrial e tem por objetivo a construção de uma sociedade harmônica e democrática. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 23). Os autores reconhecem que existem níveis diferenciados e que a distribuição e organização do poder, na sociedade, não pode ser reconhecido como um fenômeno natural. Ao contrário, a distribuição do poder, é uma construção social que pode ser modificada pela ação dos indivíduos, considerando a Educação uma ferramenta para a promoção e formação de pessoas capazes de agir na transformação, alteração, das mudanças necessárias ao bem-estar social. 19 CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE • CAPÍTULO 1 Figura 10. John Dewey. Fonte: www.shutterstock.com.653482144. Quem representou o progressivismo no Brasil foi John Dewey. O objetivo principal do currículo para Dewey concentra-se nas possibilidades de solucionar os mais diferentes problemas da sociedade. O ambiente escolar é organizado de modo a que a criança se depare com uma série de probelmas, também presentes na sociedade, criando oportunidades para ela agir de forma democrática e cooperativa. As atividades curriculares e os problemas servem para as crianças como uma forma de adquirirem habilidades e como estímulo à criatividade. O currículo compreende três núcleos: as ocupações sociais, os estudos naturais e a língua. Os conteúdos – assuntos que se relacionam a problemas de saúde, cidadania e meios de comunicação – deixam de ser o foco na formulação curricular e se tornam uma fonte através da qual os alunos podem resolver os problemas que o social lhes coloca (LOPES; MACEDO, 2011, pp. 23-24). No que concerne à organização temporal das diferentes atividades ao logo do curso, Dewey defende que as exeperiências educacionais da escola sejam conectadas com outras instituições da própria sociedade, como a família, por exemplo. É importante que todas as experiências da criança tenham unidade e Dewey argumenta que essas experiências devem ser organizadas a partir das mais contemporâneas. Desta forma, os assuntos escolares surgem de necessidades práticas e apenas posteriormente devem assumir formas abstratas mais avançadas (LOPES; MACEDO, 2011, p. 23). É preciso enfatizar que as concepções de Dewey marcaram muitas reformas educacionais que ocorreram em 1920, fazendo emergir o Movimento da Escola Nova na educação brasileira, o que também foi de garnde valia para os estudos iniciais sobre currículo e concepções pedagógicas. Esse modelo de currículo prescritivo e eficientista também teve influência de dois autores: Bobbit e Tyler. Para Bobbit, a questão do currículo se transforma em uma questão de organização. O currículo é simplesmente uma mecânica. A atividade supostamente científica do especialista em currículo não passa de uma atividade burocrática (SILVA, 2002, pp. 22-24). 20 CAPÍTULO 1 • CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE Segundo Silva (2002, p. 24), o modelo de currículo de Bobbit se consolidou definitivamente na proposta de Ralph Tyler, em 1949. Em seu livro, Tyler enfatizou os estudos sobre currículo a partir da visão da organização e do desenvolvimento, assumindo uma perspectiva técnica, que muito influenciou os Estados Unidos e também o Brasil ao longo de muitas décadas, consolidando essa visão de currículo eficiente. Vejamos o modelo proposto de Tyler: A organização e o desenvolvimento do currículo deve buscar responder a quatro questões básicas: Saiba mais Figura 11. Capa do Livro “The Curriculum”. Fonte: https://m.media-amazon.com/images/I/41+nJCEEfwL.jpg. John Franklin Bobbitt é um autor americano que escreveu o livro “O curriculo”, num momento em que o cenário educacional era marcado por diferentes forças econômicas, políticas e culturais, que objetivavam estabelecer uma formação bem específica para os indivíduos trabalhadores e outra para aqueles que seguiriam um caminho de escolarização mais acadêmico. Leia com atenção algumas das indagações, diante do currículo escolar, que Bobbit fez naquela epoca: » Quais são os objetivos da educação escolarizada? » O que devemos ensinar? » Quais são as fontes principais do conhecimento a ser ensinado nos espaços formais? » O que e/ou quem deve estar no centro do ensino? » Quais são as finalidades da educação? As perguntas acima poderiam ser feitas e respondidas no contexto atual, aqui no Brasil? Os pesquisadores e autores deste campo de saber, bem como os professores, acreditam que sim. Basta que tenhamos o cuidado para que as respostas reflitam as concepções de currículos que estão sendo enfatizadas. 21 CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE • CAPÍTULO 1 1. Quais objetivos educacionais a escola deve procurar alcançar? 2. Quais experiências educacionais devem ser proporcionadas para que possamos ampliar a probabilidade de alcançaros objetivos determinados? 3. Como podemos organizar, eficientemente, as experiências educacionais a fim de que a experiência de aprendizagem seja bem sucedida? 4. Como ter a segurança e a certeza de que os propósitos estabelecidos estão sendo alcançados? Notem que os questionamentos acima, evidenciados pelo autor, se relacionam e evidenciam a organização tradicional das atividades educacionais, vamos reler as indagações: 1. (CURRÍCULO) Quais objetivos educacionais a escola deve procurar alcançar? 2. (ENSINO E INSTRUÇÃO) Quais experiências educacionais devem ser proporcionadas para que possamos ampliar a probabilidade de alcançar os objetivos determinados? 3. (ENSINO E INSTRUÇÃO) Como podemos organizar, eficientemente, as experiências educacionais a fim de que a experiência de aprendizagem seja bem sucedida? 4. (AVALIAÇÃO) Como ter a segurança e a certeza de que os propósitos estabelecidos estão sendo alcançados? Para Tyler (1949 apud SILVA, 2020, p. 25) os objetivos educacionais devem ser olhados e considerados a partir do tripé abaixo, considerando a importância da inserção da Psicologia e das disciplinas acadêmicas, ampliando o debate e análise de Bobbitt: 1. Estudos sobre os próprios aprendizes 2. Estudos sobre a vida contemporânea fora da educação 3. Estudos e sugestões dos especialistas das diferentes disciplinas 22 CAPÍTULO 1 • CuRRÍCuLO: CONCEITuAçãO E HISTORICIDADE Até o presente momento foram apresentados os modelos tradicionais de currículo – tantos técnicos quanto os progressistas de base psicológica – e podemos dizer que essas teorias tradicionais de currículo foram uma reação ao modelo clásisso e humanístico de educação, que tinha como objetivo introduzir os estudantes ao repertório das grandes obras literárias e artísticas das heranças clássica grega e latina, incluindo o domínio das respectivas línguas (SILVA, 2020, pp. 26-27). O campo do currículo se consolidou com as teorias tradicionais. Desta forma, compilamos os conceitos fundamentais que são partes integrantes das teorias tradicionais: Tabela 1. Teorias Tradicionais: Principais Conceitos. Teorias Tradicionais: Conceitos Principais (SILVA, 2002. p. 17) Ensino Aprendizagem Avaliação Metodologia Didática Organização Planejamento Eficiência Objetivos Fonte: Silva, 2002, p.17. A partir da década de 1970 os modelos tradicionais de currículo começaram a ser contestados, originando o movimento denominado de “reconceptualização do currículo”, que iremos estudar no próximo capítulo, com as teorias críticas e também as teorias pós-críticas de currículo. 23 Figura 12. Fonte: www.shutterstock.com.1903684642. Introdução do Capítulo O segundo capítulo tem por objetivo apresentar as relações existentes entre currículo, conhecimento escolar e formação de professores. Quais os currículos defendidos pelos pesquisadores da área? De que forma o conhecimento escolar está presente nos currículos? Como a formação de professores pode assegurar um conjunto de conhecimentos válido para a construção de currículos escolares? Para responder a essas perguntas, começamos com o estudo do movimento de reconceptualização do currículo, que nos traz as teorias críticas de currículo, com suas questões de ideologia, reprodução, classe social e conscientização, dentre outros. Para tal, iremos estudar alguns pesquisadores que foram importantes para esse processo. Os questionamentos das teorias pós-críticas também se fazem presentes em nosso estudo, com as críticas do pós-estruturalismo e a ênfase nos principais conceitos pós-críticos: 2 CAPÍTULO CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO 24 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO identidade, alteridade, diferença, subjetividade, multiculturalismo. A ideia de currículos discursivamente produzidos se faz presente nessa categorização e nos ajuda a compreender as questões de currículo relacionadas à pós-modernidade. Ao questionarmos o papel da formação de professores na construção dos currículos, trazemos os aspectos e dispositivos legais e os saberes necessários ao pedagogo como importantes reflexões para fazermos as conexões necessárias entre conhecimento escolar e currículo. Para tal, destacamos as competências específicas e as habilidades presentes na Base Nacional Comum Nacional para a Formação de Professores da Educação Básica (BNC – Formação). Vamos juntos para aprofundarmos o conhecimento sobre currículo, conhecimento escolar e formação de professores, bem como os saberes do pedagogo para que haja protagonismo dos professores na construção dos currículos. Objetivos » Compreender o movimento de reconceptualização do currículo a partir das Teorias Críticas de Currículo. » Analisar os questionamentos do Pós-Estruturalismo e os principais conceitos das Teorias Pós-Críticas de Currículo. » Conhecer os saberes necessários ao pedagogo a partir da BNC – Formação. 2.1 Movimento de Reconceitualização do Currículo: Teorias de Críticas de Currículo A década de 1960 foi marcada por grandes agitações e transformações: protestos estudantis na França e em vários outros países, continuação do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, protestos contra a guerra do Vietnã, os movimentos da contracultura, o movimento feminista, a liberação sexual e, no Brasil, as lutas contra a ditadura militar. Toda essa agitação propiciou o surgimento de livros, ensaios e teorizações que questionavam o pensamento e a estrutura educacional tradicionais (SILVA, 2002, p. 29). As teorias críticas de currículo realizaram uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais. A crítica às teorias tradicionais, representadas pela racionalidade de Tyler, que vimos anteriormente, é que essas teorias se concentram no status quo como referência desejável, ou seja na realidade social como ela é, abrindo espaço para uma única preocupação: organização e elaboração do currículo. Desta forma, eram enfatizadas as atividades técnicas relacionadas a como fazer o currículo (SILVA, 2002, pp. 29-30). 25 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 Com a teorização crítica de currículo estamos diante de um conjunto de argumentos que tenta ressignificar a escola e a educação através de currículos que possam transformar realidades sociais. Essas concepções foram muito importantes para a área educacional e permanecem até hoje como um importante legado para os estudos sobre currículo. Foram muitas as críticas e diversos conceitos, com suas representações ideológicas, emergiram sobre o campo do currículo, tentando ressignificá-lo. Para que você possa compreender, de uma forma geral, os autores e obras que ajudaram na consolidação das teorias críticas de currículo, veja abaixo uma tabela com os principais destaques desse movimento, a partir de um cronograma. Tabela 2. Cronograma da Teoria Crítica de Currículo (SILvA, 2002, p. 30). Ano Autor (es)/Obra 1970 Paulo Freire – A Pedagogia do Oprimido 1970 Louis Althusser – A Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado 1970 Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron – A Reprodução 1971 Boudelot e Establet – L´ école capitaliste en France 1971 Basil Bernstein – Class, Code and Control 1971 Michael Young – Knowledge and Control: New Directions for the Sociology of Education 1976 Samuel Bowles e Herbert gintis – Schooling in Capitalist America 1976 William Pinar e Madeleine grumet – Toward a poor curriculum 1979 Michael Apple – Ideologia e Currículo Fonte: Silva, 2002, p.30. É importante saber, ainda que resumidamente, o que cada uma dessas obras contribuiu para as teorias críticas. Embora Paulo Freire não tenha desenvolvido uma teorização específica sobre currículo, o autor desenvolveu uma obra que tem implicações importantes sobre a teorizaçãosobre o currículo. Em “Pedagogia do Oprimido”, Freire faz uma análise do processo de dominação, sendo assim, traz uma crítica à escola tradicional, mas sua preocupação está voltada para o desenvolvimento da educação de adultos em países subordinados na ordem mundial. Freire faz críticas à “educação bancária”, que expressa uma visão epistemológica que concebe o conhecimento como sendo constituído de informações e de fatos a serem simplesmente transferidos do professor para o aluno, por isso, através do conceito de “educação problematizadora”, Freire busca desenvolver uma concepção que possa se constituir numa alternativa à “educação bancária”, pois todos os sujeitos estão envolvidos no ato de conhecimento, já que educador e educando criam, dialogicamente, um conhecimento do mundo (SILVA, 2002, pp. 57-60). 26 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO Figura 13. Paulo Freire. Fonte: https://cdn.brasildefato.com.br/media/8dd4fc0e0e0e1ae0680150abfadad760.jpg. Para Freire (2011) devemos sempre considerar a experiência do estudante, como fonte primária, identificando os temas geradores dos conteúdos programáticos que serão apreendidos e dinamizados no contexto escolar. Assim, o conteúdo a ser trabalhado, sempre será o resultado de uma investigação do universo experimentado pelo aprendiz, envolvendo-o sempre nesta pesquisa de forma ativa e significativa. Os estudos de Bourdieu e Passeron, na obra “A Reprodução”, revelam que o currículo da escola baseia-se na cultura das classes dominantes, ou seja, não consideram os movimentos sociais e artísticos de todos os grupos sociais, em especial, da comunidade em que aquele indivíduo está inserido. Portanto, a escolha de determinado tema e/ou conteúdo para compor um curriculo escolar possui uma intenção e esta reflexão e cuidado deve ser considerado em nosso debate. Quando o indivíduo, em situação escolar, não se reconhece no conteúdo e nas práticas divulgadas no livro didático e outros materiais informativos utilizados no cenário Sugestão de estudo complementar Como sugestão de estudo, assista ao documentário: “Paulo Freire Contemporâneo”, disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=5y9KMq6G8l8 No dia 19 de setembro de 2021 houve a comemoração do centenário do nascimento de Paulo Freire. Portanto, muitas homenagens a esse grande mestre ocorrerão neste ano. Dica de leitura: Um dos grandes clássicos da obra de Paulo Freire, “Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa” é um livro imprescindível para todos os professores brasileiros. Em três capítulos, Freire (2011) nos faz refletir sobre a ética presente no ensinar através de premissas como “ensinar não é transferir conhecimento” e “ensinar é uma especificidade humana”, dentre outras politicamente e criticamente argumentadas nesse livro tão encantador. Acesse 17 livros de Paulo Freire gratuitamente, em PDF, entre eles a “Pedagogia da Autonomia”: https://cpers.com.br/paulo-freire-17-livros-para-baixar-em-pdf/# 27 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 educacional, ocorre um movimento excludente, que os autores da obra “A reprodução” nomeariam como “mecanismo de exclusão”. Na imagem a seguir, retirada de um Guia de Atividades para aulas de Educação Física, aprovado pelo Programa Nacional do Livro e Material Didático do Ministério da Educação no ano de 2019, para os anos iniciais do ensino fundamental, observe a brincadeira sugerida para ser realizada com as crianças para a compreensão dos temas “Senzala” e “Quilombo”: Figura 14. Imagem do Livro Didático. Será preciso demarcar com um giz um espaço na quadra, dentro do qual deverá escrever senzala e, afastado deste, delimitar outro espaço e escrever quilombo. Alguns alunos serão os capitães do mato e terão a função de levar os escravos capturados para a senzala. Os demais alunos serão escravos, os quais estarão dentro desse “alojamento” e tentarão fugir em direção ao quilombo. Quando você der o seu sinal os escravos correm, fugindo para o quilombo, onde não podem mais ser pegos. Depois, trocam-se as funções. Você poderá encontrar muitas outras atividades lúdicas no documento “Lutas, Capoeira e Práticas Corporais de Aventura”, do Ministério do Esporte, disponível em: <http://www. esporte.goc.br/ arquivos/snelis/ segundoTempo/ livros/lutasCapoeira PraticasCorporais.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2017. Fonte: https://ogimg.infoglobo.com.br/in/23433660-027-aeb/FT1086A/652/FotoJet.png. Para o históriador e professor da Universidade Federal da Bahia, Romulo Souza, o conteúdo dinamizado no livro didático anteriormente à apresentação da brincadeira está adequado e pertinente, no entanto, perdeu completamente o sentido a partir da indicação desta atividade para a vivência do conteúdo escrito. A partir deste exemplo, podemos refletir sobre as escolhas realizadas na composição deste material que formará um currículo escolar, como exemplo: os textos, os autores, a forma de escrita, entre outros, de código cultural dominante ou linguagem dominante. Outras reflexões são possíveis, considerando a imagem destacada, bem como a relevância dos códigos apresentados ao longo do processo de escolarização. Ao conjunto de recursos, competências e informações disponíveis, tal como mobilizáveis em matéria de cultura dominante (o que realmente é considerado cultura nas práticas sociais e educativas e o que não é indicado como cultura), nomeamos “capital cultural”. 28 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO Para Bernstein, em “Class, Code and Control”, o conhecimento educacional formal encontra sua realização através de três sistemas de mensagem – o currículo, a pedagogia e avaliação. Bernstein não está preocupado com o “conteúdo” do currículo, mas sim com as relações estruturais entre os diferentes tipos de conhecimento que constituem o currículo, por isso o autor quer saber como o currículo está estruturalmente organizado. Além disso, ele pergunta como os diferentes tipos de organização do currículo estão ligados a princípios diferentes de poder e controle (SILVA, 2002, pp. 71-72). Para o autor em questão, não se pode separar questões de currículo de questões de pedagogia e avaliação. Quanto maior o controle do processo de transmissão por parte do professor, maior é o enquadramento. Assim, o ensino tradicional tem um forte enquadramento, já o ensino centrado no aluno é fracamente enquadrado. O autor faz uma crítica ao pensamento educacional mais progressista, legitimado pelas pedagogias centradas nas crianças. Para Bernstein essas pedagogias mudavam os princípios de poder e controle no interior do currículo, deixando intactos os princípios de poder da divisão social (SILVA, 2002, pp. 72-76). Os estudos de Bernstein representaram os novos estudos sociológicos sobre o currículo na Inglaterra, Michael Young, com a obra “Knowledge and Control: New Directions for the Sociology of Education”, criou o que se denominou de “Nova Sociologia da Educação (NSE), que surgiu na Inglaterra em meio a movimentos mundiais nas décadas de 1960 e 1970. Michael Young encontra-se no grupo dos teóricos críticos da sociologia do currículo, o qual prioriza discussões sobre ideologias, relações de poder, reprodução cultural e social, entre outras. Uma contribuição relevante da NSE para o campo do currículo versa sobre uma perspectiva curricular cuja construção de seu currículo reflete as abordagens culturais e epistemológicas dos grupos subordinados e não apenas dos dominantes (SILVA, 2002, p. 69). Sendo assim, quando estivermos diante de currículos que valorizam as múltiplas manifestações culturais, sabemos que tal fato se deve ao legado que NSE deixou na história do currículo, contribuindo até os dias de hoje para um olhar mais crítico do currículo e do conhecimentoescolar. Sugestão de estudo complementar Para você aprofundar o conhecimento sobre a NSE, sugerimos a leitura do artigo de Antonio Flavio Moreira – “Sociologia do Currículo: Origens, Desenvolvimento e Contribuições”. Disponível em: http://rbepold.inep.gov.br/index.php/emaberto/ article/viewFile/1776/1747. 29 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 Figura 15. Currículo Oculto. Fonte: https://www.shutterstock.com/image-photo/school-classroom-blur-background-without-young-666030916. Dando continuidade aos estudos de Althusser e de Baudelot e Establet, os pesquisadores Bowels e Gintis escreveram o livro “A Escola Capitalista na América”, no qual enfatizaram a aprendizagem, através da vivência das relações das relações sociais da escola, das atitudes necessárias para se qualificar como um bom trabalhador capitalista. Os autores defenderam a tese de que as escolas contribuem para a reprodução das relações sociais da sociedade capitalista. Sendo assim, para os dois autores em questão, a escola é um reflexo da economia capitalista, ou mais especificamente, do local de trabalho capitalista (SILVA, 2002, pp. 32-33). Para Bowels e Gintis, as relações sociais do local de trabalho capitalista exigiam certas atitudes dos trabalhadores: obediência a ordens, pontualidade, assiduidade, confiabilidade, no caso do trabalhador subordinado; capacidade de comandar, de formular planos, de se conduzir de forma autônoma, no caso dos trabalhadores situados nos níveis mais altos da escala ocupacional. Para os autores, a escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito de seu currículo, mas ao espelhar, no seu funcionamento as relações sociais do local de trabalho, através do princípio da correspondência: habilidades e competências para grupos subordinados e outros tipos de habilidades e competência para os grupos do alto escalão de produtividade (SILVA, 2002, p. 33). A partir dos estudos de Bowels e Gintis (estudos do princípio de correspondência da escola capitalista), de Althusser (estudos da ideologia como aparelho ideológico do Estado) e Bernstein (estudos sobre a estrutura do currículo e da pedagogia como códigos de classe), podemos trazer à tona um conceito muito importante para os estudos de currículo: o currículo oculto. Para Bobbit, a questão do currículo se transforma numa questão de organização. O currículo é simplesmente uma mecânica. A atividade supostamente científica do especialista em currículo não passa de uma atividade burocrática (SILVA, 2002, pp. 22-24). 30 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO Assim, o currículo oculto é composto por diferentes aspectos do ambiente escolar, especialmente aqueles que não estão presente no currículo nomeado como oficial, são temas/conteúdos/valores/princípios que de maneira implícita contribuem para as aprendizagens sociais. Na visão crítica do currículo, os autores ressaltam que: a partir do currículo oculto são desenvolvidos atitudes, comportamentos, valores e diretrizes. Essas características presentes no currículo oculto propiciam ao aprendiz que se ajustem às estruturas e regras sociais. Para essa visão teórica, o currículo não é constituído de fatos nem de conceitos abstratos, distantes do fazer cotidiano: o currículo é um espaço que propicia aos educadores e estudantes a chance de analisar criticamente diferentes aspectos do nosso dia a dia, especialmente, aqueles que naturalizamos o nosso olhar, costumamos a percebê-los e compreendê-los como naturais e corriqueiros. No currículo, visto como um local de experimentação e interrogação, vivo e ativo, o estudante deve ser encorajado a ser o protagonista do seu aprendizado, da sua história trazendo à tona as experiências subjetivas. É nesse contexto que aparece o pesquisador William Pinar, com seu método autobiográfico, que permite investigar as formas pelas quais nossa subjetividade e identidade são formadas. Figura 16. William Pinar. Fonte: https://formacce.ufba.br/sites/formacce.ufba.br/files/william_pinar.jpg. Para refletir Perceba que o currículo oculto é um conceito muito importante para a teoria crítica de currículo, pois as aprendizagens implícitas no cotidiano das escolas formam muitas identidades sociais. A partir de agora resgate suas memórias de escola e veja de que forma o currículo oculto influenciou sua visão de mundo. Além disso, sempre que você estiver diante de processos educativos escolares, analise o que está implícito no currículo oculto. Essa análise é muito importante para uma visão crítica de currículo. 31 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 O método autobiográfico, na visão de Pinar, permite focalizar o concreto, o singular, o situacional, o histórico na nossa vida. Ele permite conectar o individual ao social de uma forma que outras perspectivas não fazem. Esse método é em oposição às perspectivas tradicionais e às perspectivas macrossociológicas. Essa dimensão é formativa e autotransformativa, mas essa perspectiva não seria viável como uma abordagem única do processo curricular. Por isso o método autobiográfico pode ser um importante processo de formação docente. Por exemplo, Pinar nos indica uma análise da nossa autobiografia, da nossa vida escolar e educacional: como foi nossa experiência educacional quando entramos na escola; de quais episódios lembramos; quais nossos sentimentos nesses episódios; quais as conexões entre nosso eu e o conhecimento formal? (SILVA, 2002, 43-44). Para completarmos o nosso estudo sobre a abordagem do currículo na perspectiva da teoria crítica, destacamos a contribuição de Michael Apple, que compreende o currículo em termos estruturais e relacionais. Para o pesquisador, todo currículo está relacionado às estruturas econômicas e sociais mais amplas, ou seja, não é algo neutro, sem intenção específica ou desinteressada na escolha dos seus conteúdos. Portanto, a seleção e organização de um currículo, seus temas, estratégias metodológicas, recursos para avaliação, entre outros, refletem interesses particulares de grupos e classes dominantes. Michael Apple revelou não somente a politização do currículo, mas as relações de poder existentes entre conhecimento e poder. Essa crítica é muito importante para a teoria crítica de currículo. Percebemos, com os diversos autores citados e estudados por nós, que um conjunto de ideias e conceitos faz parte dessas Teorias Críticas, como vemos em destaque na Tabela 3: Tabela 3. Teorias Críticas: Principais Conceitos. Teorias Críticas: Conceitos Principais (SILVA, 2002. p. 17) Ideologia Reprodução Cultural e Social Poder Classe Social Capitalismo Relações Sociais de Produção Conscientização Emancipação e Libertação Currículo Oculto Resistência Fonte: Silva, 2002, p. 17. 32 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO As teorias críticas ajudaram a problematizar as relações de poder na sociedade e consequentemente nos currículos escolares, por denunciarem as desigualdades existentes nas classes sociais, desvendando as questões de ideologia, reprodução cultural e social. Por isso é que as pedagogias críticas e a educação popular foram muito importantes nesse contexto. Veremos a seguir as contribuições das teorias pós-críticas e como elas influenciam a visão de currículo contemporânea. 2.2 Teorias Pós-Críticas de Currículo: Os Questionamentos do Pós-Estruturalismo e Principais Conceitos Pós-Críticos Figura 17. Educação, Currículo e Saberes. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/education-online-training-course-tutorial-university-1612002328. Se as teorias críticas de currículo apostaram nos conceitos de ideologia, reprodução cultural e social, poder,classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência, é preciso saber que conceitos embasam a teorização pós-crítica. As teorias pós-críticas de currículo tiveram início a partir dos primeiros estudos pós-estruturais do currículo, nos anos 1970. Ainda que muitas vezes confundido com o pós-modernismo, o pós-estruturalismo engloba autores que dialogam especialmente com o estruturalismo, assumindo alguns de seus pressupostos e questionando outros. À medida que esse questionamento implica o questionamento de aspectos fundamentais da Modernidade, por vezes ele se aproxima do que é denominado pensamento pós-moderno (LOPES; MACEDO, 2011, pp. 38-39). O estruturalismo tem uma pretensão científica de se construir em método para as ciências sociais e isso impacta fortemente sua capacidade de lidar com a linguagem. Desenvolvido por autores como Saussure, no campo da linguística, Lévi-Strauss, na antropologia, ou Piaget, na psicologia da educação, o estruturalismo advoga a existência de uma estrutura ou https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/education-online-training-course-tutorial-university-1612002328 33 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 sistema ou conjunto de relações que subjaz aos fenômenos. Nesse sentido, o estruturalismo elimina o sujeito como até então postulava a Modernidade, seja porque os sentidos estão na estrutura, seja porque a própria “consciência humana” é também ela produzida por estruturas invariantes. Contrapondo-se ao estruturalismo, o pós-estruturalismo critica o fato de ele não perceber que a ideia de estrutura estaria ela mesma marcada pela linguagem. O estruturtalismo deixa, então, de levar em conta a construção sócio-histórica das estruturas. Sendo assim, o abandono proposto pelo pós-estruturalismo da noção de estrutura obriga a releitura da linguagem (LOPES; MACEDO, 2011, pp. 38-39). Para o estruturalismo, a linguagem é um sistema de signos, compostos por signficante (som ou palavra) e significado (seu conceito) que guardam entre si uma relação arbitrária. Na medida em que a linguagem não representa a realidade, qualquer significado pode ser atribuído a um significante e isso é um processo cultural. O que nos permite atribuir um significado a um significante é a sua diferença em relação a outros significantes que constituem o sistema linguístico. Assim, o termo aluno não tem correspondência necessária com algo que existe na realidade; a ideia de que ele está associado a um dado conteúdo seria uma ilusão. O aluno só pode ser entendido em relação ao professor ou à aluna ou à pessoa não escolarizada, ou seja, em relação à sua diferença. Em cada uma dessas relações, cria-se um significado para aluno (LOPES; MACEDO, 2011, p. 39). É preciso enfatizar que: Com a crítica à estrutura, o pós-estruturalismo é obrigado a desconectar a ideia de significado do significante. Não há relações estruturais entre dois significantes, não há relações estruturais entre dois significantes, não há relações diferenciais fixas entre eles e, portanto, não há significados a eles associados. Cada significante remete a outro significante, indefinidamente, sendo impossível determinar-lhe um significado; este é sempre adiado. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 40). Segundo Lopes e Macedo (2011, p. 40), para a perspectiva pós-estruturalista, os discursos são atos de poder. Desta forma, compreender os discursos pedagógicos e curriculares como atos de poder permite que tenhamos consciência do poder de significar, de criar sentidos e hegemonizá-los. Para tal, é preciso que tenhamos em mente que as diversas definições sobre currículo escolar disputam legitimidade no cenário educacional e cabe a nós reconhecer que essa disputa é discursivamente produzida: Assim como as tradições que definem o que é currículo, o currículo é, ele mesmo, uma prática discursiva. Isso significa que ele é uma prática de poder, mas também uma prática de significação, de atribuição de sentidos. Ele constrói a realidade, nos governa, constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 41). 34 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO Com relação à teorização pós-crítica de currículo, iremos enfatizar os principais conceitos estudados pelos diversos pesquisadores que se apoiam nessa perspectiva. Vejamos a tabela abaixo: Tabela 4. Teorias Pós-Críticas. Teorias Pós-Críticas: Conceitos principais (SILVA, 2002. p. 17) identidade, alteridade, diferença subjetividade significação e discurso saber-poder representação cultura genêro, raça, etnia, sexualidade multiculturalismo Fonte: Silva, 2002, p. 17. Se a teorização crítica privilegiou a ideologia, a classe social, a reprodução cultural e social, dentre outros, na teorização pós-crítica temos os seguintes conceitos em destaque: identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo. Todos esses conceitos são importantes para que possamos refletir sobre a teorização pós-crítica de currículo, tendo em vista que estas ampliam e modificam o nosso olhar diante às teorias críticas. Para refletir A perspectiva pós-estruturalista do currículo nos convida a refletir sobre a sua organização. Aproveite esta “parada” para “refletir” e busque em sua memória um determinado discurso ou fato aprendido e vivenciado no espaço escolar. Pense em como diversos discursos vivenciados no cotidiano educacional podem e são descontruídos ou ressignificados a partir de um novo olhar. Por exemplo: como aprendemos a história dos índios? Hoje, em muitos materiais, nomeados como povos originários. Quantos novos aprendizados, considerados sólidos e “certos”, foram revisitados e modificados ao longo da história? Se buscar por discursos antagônicos, que se opõem, perceberá que o que está em jogo não é o que é considerado o “verdadeiro” currículo, mas sim que essas visões curriculares em disputa são produzidas discursivamente, dentro de um contexto sócio-histórico e cultural. É claro que podemos tomar partido e defender um dos currículos, mas essa defesa consiste na compreensão de que buscamos algo que faça sentido para nós e para o mundo. Tal é o poder da produção de sentidos a partir de visões curriculares. 35 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 As teorias pós-críticas reforçam que o currículo deve ser entendido, sempre, a partir do contexto e do cenário em que ele está inserido. Suas escolhas não são neutras e aleatórias. Mas o que requer uma especial atenção é a descentralização do poder. As relações de poder não desapareceram, pelo contrário, pois considera como “mapa do poder” os processos de dominação, explícitos e implícitos, centrados na raça, etnia e na sexualidade. Para compreender as teorias pós-críticas de currículo é necessário reconhecer que as questões de gênero, raça, etnia, sexualidade ganham evidência e representam os temas que têm sido discutidos pelos especialistas de currículo, adeptos das teorizações críticas. Para que possamos aprofundar o conhecimento, temos duas perspectivas: a pedagogia pós-colonial e os Estudos Culturais. A pedagogia Pós-Colonial e os Estudos Culturais possibilitam novas indagações sobre a nossa biografia, a organização das práticas educativas, sociais, artísticas, entre outras. Para os pesquisadores deste campo do saber precisamos refletir sobre o que compreendemos e apresentamos para os aprendizes como nacionalidade, se realmente, estamos propiciando um conhecimento da história da nossa nação, sob múltiplas perspectivas. Ressaltam que ainda observamos, em nosso cotidiano educacional,práticas e análises relacionadas ao processo de conquista do território brasileiro, bem como da expansão do Brasil ainda como colônia. E para apoiar essas reflexões, essenciais para que sejamos únicos e autênticos, entendendo as nossas dinâmicas e necessidades sociais, destacamos algumas perguntas: Em que medida as definições de nacionalidade e “raça”, forjadas no contexto da conquista e expansão colonial, continuam predominantes nos mecanismos de formação de identidade cultural e de subjetividade embutidos no currículo oficial? De que forma as narrativas que constituem o núcleo do currículo contemporâneo continuam celebrando a soberania do sujeito imperial europeu? Como, nessas narrativas, são construídas concepções sobre raça, gênero e sexualidade que se combinam para marginalizar identidades que não se conformam às definições da identidade considerada “normal”? Uma análise pós-colonial do currículo deveria também buscar analisar as formas contemporâneas de imperialismo econômico e cultural. Como as formas culturais que estão no centro da sociedade de consumo contemporânea expressam novas formas de imperialismo cultural? Qual o papel dessas novas formas de imperialismo cultural na formação de uma identidade cultural, hegemônica e uniforme? Como o currículo, considerado como um local de conhecimento e poder, reflete e, ao mesmo tempo, questiona formas culturais que podem ser vistas como manifestações de um poder neocolonial ou pós-colonial?” (SILVA, 2002. p. 129). 36 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO Figura 18. Para refletir. Fonte: www.shutterstock.com.1858976764. Uma perspectiva pós-colonial de currículo deveria estar particularmente atenta às formas aparentemente benignas de representação do Outro, que se encontram presentes nos currículos contemporâneos. Nessas formas superficialmente vistas como multiculturais, o Outro é “visitado” a partir da “perspectiva do turista”, a qual estimula uma abordagem superficial e voyeurística das culturas alheias. A perspectiva pós-colonial nos convida a refletir, a questionar, as experiências multiculturais estimuladas nas chamadas “datas comemorativas” tão conhecidas no espaço escolar: o dia do Índio, da Mulher, do Negro. A perspectiva pós-colonial nos convida a pensar e materializar um currículo multicultural que não separe questões de conhecimento, cultura e estética de questões de poder, política e interpretação, reivindicando, um currículo descolonizado. Um currículo com as características únicas da nossa comunidade, do nosso país. A partir de um currículo multicultural, Silva (2002, pp. 88-89) argumenta que essa visão multicultural do currículo não se limitaria a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria numa análise e, profunda reflexão, dos processos pelos quais as diferenças são produzidas por meio de relações de assimetria e desigualdade. Por exemplo, num currículo multiculturalista crítico, a diferença não é somente tolerada e aceita, mas é levada sempre a ser questionada, saindo do que chamamos de “lugar comum”, ampliando o nosso olhar e as nossas possibilidades de estranhamento para que possamos possibilitar espaços e aprendizados equitativos. Para refletir A visão pós-crítica de currículo rejeita as tradicionais datas comemorativas presentes em muitos currículos escolares brasileiros, que celebram, por exemplo, o dia do índio, o dia da consciência negra, dentre outras datas. Muitos desses currículos enfatizam as datas comemorativas, mas não questionam a fundo todo o processo de segregação ocorrido com os grupos homenageados. Não há, muitas vezes, questionamento ou problematização sobre os contextos sócio-históricos das identidades em destaque, o que oferece espaço para uma “tolerância’” acrítica e ingênua dessas identidades. 37 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 Figura 19. Estudos culturais e o mundo globalizado. Fonte: 1*J8wL7FC5-nddY4HxNbD_MA.png (320×305) (medium.com). Além do currículo pós-colonial e do multiculturalismo, o currículo pós-crítico enfatiza os Estudos Culturais, que tiveram origem em 1964, no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de Birmingham, Inglaterra. O questionamento inicial foi o relacionado à cultura dominante na crítica literária britânica. Em oposição à tradição literária britânica, a cultura, para um dos expoentes dos Estudos Culturais – Raymond Williams – deveria ser entendida como o modo de vida global de uma sociedade, como experiência vivida de qualquer agrupamento humano (SILVA, 2002, p.131). Sobre os Estudos culturais e o currículo, faz-se necessário destacar que é uma área onde diferentes saberes que visam os aspectos culturais da sociedade interagem, sendo considerado um campo unificado, tendo como característica uma multiplicidade de objetos de investigação Para os pesquisadores, a cultura é uma manifestação heterogênea e diferenciada, é uma experiência ativa, portanto, enxerga o indivíduo como sujeito do processo que produz e constrói intervenções. A “cultura” é percebida com um campo de luta, pois os mais diferentes grupos sociais produzem os seus saberes e significados e almejam tê-los reconhecidos. Como o nosso país é uma junção, união, de diversas culturas e etnias, os estudos culturais nos proporcionam novos “óculos” que buscam valorizar a diversidade cultural, estimulando que, nas escolas, o universo cultural dos estudantes seja privilegiado, permitindo que o processo de ensino-aprendizagem seja adequado, ajustado, a realidade social e cultural de cada sujeito. 38 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO Para o referido autor (SILVA, 2002. pp. 134-135), alguns questionamentos ainda precisam ser feitos: quais são as implicações dos Estudos Culturais para a análise do currículo e para o currículo? Os Estudos Culturais permitem-nos conceber o currículo como um campo de luta em torno da significação e da identidade. Nessa perspectiva, o currículo é um artefato cultural em pelo menos dois sentidos: 1) o currículo é uma invenção social como tantas outras 2) o currículo, bem como os seus conteúdos, é uma construção social. Portanto, para analisar e compreender um currículo se faz necessário identificar as relações de poder que determinam a relevância das temáticas apresentadas como essenciais para a dinamização e o aprendizado dos saberes convencionados Figura 20. Indústria cultural. Fonte: https://4.bp.blogspot.com/-dTzSBSs1FuA/W2Okg0ikLtI/AAAAAAAAAEM/x_ Pa6t1vEkgTszYPoliBSy44zjpC7owagCLcBgAs/s640/acontece_novas-tecnologias-.jpg. É importante destacar o papel de crítica cultural trazida pelos Estudos Culturais, tendo como cenário a contemporaneidade, caracterizada pelo apagamento das fronteiras, revoluções nos sistemas de informação, fluidez nas relações e comunicações, pois nesta perspectiva, a maneira de viver e conviver de uma sociedade, deve sempre ser investigada. O pós-estruturalismo e o pós-modernismo foram importantes na construção das teorizações pós-críticas, que rejeitam a ideia de um essencialismo individual e subjetivo. É preciso ter em mente um outro campo de estudos sobre currículo: o currículo e o conhecimento em rede, elaborado pelas pesquisadoras brasileiras Nilda Alves (UERJ) e Regina Leite Garcia (UFF). 39 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 Para as pesquisadoras, pensar sobre o currículo em rede, é compreender a existência de uma teia de conexões, um rizoma, promovendo a colaboração e compartilhamento de saberes, integrando e articulando os mais diferentes elementos. A metáfora da rede, composta por nós e links/conexões, evidencia a existência derelações assimétricas, com ponto e fluxos descentralizados e não regulares no tempo e no espaço. Nos últimos anos, a organização em rede, permitiu novas formas de atuação, de ser e estar no mundo. E, dessa forma, as teorias pós-críticas salientam o papel formativo do currículo, enfatizando a relação e o envolvimento dele na composição do que somos, do que nos tornamos e do indivíduo que seremos no futuro. Assim, da mesma forma que o currículo possibilita a produção do conhecimento no espaço escolar, o currículo nos forma. Diferentemente das teorias críticas, as teorias pós-críticas rejeitam a hipótese de uma consciência coerente, centrada, unitária. As teorias pós-críticas rejeitam, na verdade, a própria noção de consciência, com suas conotações racionalistas e cartesianas. Elas desconfiam também da tendência das teorias críticas a postular a existência de um núcleo subjetivo pré-social que teria sido contaminado pelas relações de poder do capitalismo e que seria libertado pelos procedimentos de uma pedagogia crítica. Para as teorias críticas, a subjetividade é já e sempre social. Não existe nenhum processo de libertação que torne possível a emergência de um eu livre e autônomo. As teorias pós-críticas olham com desconfiança para conceitos como alienação, emancipação, libertação, autonomia, que supõem, todos, uma essência subjetiva que foi alterada e precisa ser restaurada” (SILVA, 2002. pp.149-150). Após esses nossos estudos das teorias críticas e pós-críticas, teremos um novo olhar diante do currículo escolar, pois os múltiplos saberes que envolvem a constituição desse documento, extrapola os conceitos que o limitam a determinados papéis e funções. O currículo é território, é luta, é trajetória, é viagem, é percurso, é autobiografia, é cultura e muito mais. No currículo e por meio dele construímos a nossa identidade. É preciso ter em mente que iremos ter, nas escolas brasileiras, exemplos de currículos tradicionais, críticos e pós-críticos. Além disso, as políticas de currículo contemporâneas tendem a ter a perspectiva da teorização crítica ainda muito presente em seus fundamentos. Desta forma, devemos reconhecer que na sociedade brasileira existe uma hibridização de práticas curriculares, que nos coloca na posição de avaliadores dessas práticas – e muitas vezes autores desses currículos – e suas múltiplas relações estabelecidas entre conhecimento, cultura e relações de poder. 40 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO 2.3 Aspectos e Dispositivos Legais: Saberes necessários ao Pedagogo a partir da BNC – Formação Figura 21. Pedagogo e os saberes necessários para a sua atuação. Fonte: www.shutterstock.com.2037678389. Com o conhecimento das teorias tradicionais, críticas e pós-críticas de currículo ganhamos mais autonomia intelectual para analisar as abordagens educativas presentes nas legislações, nas políticas públicas de educação e que são expressas nos currículos da educação básica, em diversas redes de ensino do Brasil. Lembramos que currículo é construção social, com múltiplas abordagens, e por isso não existe um modelo único de currículo a ser seguido. O que nos cabe é avaliar os currículos que se expressam na realidade educacional brasileira a fim de que possamos contribuir para a qualidade educacional no país. Constatamos que são múltiplos e diversos os currículos existentes e essa riqueza reflete a nossa identidade nacional tão diversa. Neste subcapítulo, iremos enfatizar os saberes docentes exigidos na formação inicial de professores, segundo a Resolução do Conselho Nacional de Educação, n. 2, de 20 de dezembro de 2019. Essa Resolução define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). É uma legislação atual e que merece nossa atenção e estudo. Vejamos as competências gerais docentes, exigidas na Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores, presentes na tabela abaixo: 41 CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 2 Tabela 5. Competências gerais Docentes (BNC-Formação). Competências Gerais Docentes - BASE NACIONAL COMUM PARA A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA (BNC-FORMAÇÃO) 1. Compreender e utilizar os conhecimentos historicamente construídos para poder ensinar a realidade com engajamento na aprendizagem do estudante e na sua própria aprendizagem colaborando para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática e inclusiva. 2. Pesquisar, investigar, refletir, realizar a análise crítica, usar a criatividade e buscar soluções tecnológicas para selecionar, organizar e planejar práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas. 3. valorizar e incentivar as diversas manifestações artísticas e culturais, tanto locais quanto mundiais, e a participação em práticas diversificadas da produção artístico-cultural para que o estudante possa ampliar seu repertório cultural. 4. utilizar diferentes linguagens - verbal, corporal, visual, sonora e digital - para se expressar e fazer com que o estudante amplie seu modelo de expressão ao partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos, produzindo sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas docentes, como recurso pedagógico e como ferramenta de formação, para comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e potencializar as aprendizagens. 6. Valorizar a formação permanente para o exercício profissional, buscar atualização na sua área e afins, apropriar- se de novos conhecimentos e experiências que lhe possibilitem aperfeiçoamento profissional e eficácia e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania, ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7. Desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações científicas para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns, que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental, o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas, desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos estudantes. 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza, para promover ambiente colaborativo nos locais de aprendizagem. 10. Agir e incentivar, pessoal e coletivamente, com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência, a abertura a diferentes opiniões e concepções pedagógicas, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários, para que o ambiente de aprendizagem possa refletir esses valores. Fonte: BRASIL, CNE, 2019. https://abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Resolucao-CNE-CEB-002-2019-12-20.pdf. Todas as competências listadas ajudam a construir uma identidade docente que possibilita formar um professor reflexivo, crítico, pesquisador e intelectual. Para além de currículos prescritos, é necessário investir na formação de professores que poderão contribuir na elaboração de currículos escolares, que enfatizem o conhecimento escolare a cultura como elementos constitutivos dos currículos em construção. Não existem receitas prontas, mas podemos afirmar que a formação de professores que possam ser críticos culturais e agentes socioculturais já é um grande passo em busca desse objetivo tão importante para uma educação de qualidade. O conhecimento profissional, a prática profissional e o engajamento profissional são dimensões importantes para a formação inicial de professores, segundo a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC – Formação), o que resulta em um conjunto de competências específicas e habilidades. Vejamos a tabela abaixo: 42 CAPÍTULO 2 • CuRRÍCuLO, CONHECIMENTO ESCOLAR E FORMAçãO DE PROFESSORES: AS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DE CuRRÍCuLO Tabela 6. Conhecimento Profissional, Prática Profissional e Engajamento Profissional (BNC - Formação). 1. Conhecimento Profissional 2. Prática Profissional 3. Engajamento Profissional 1.1 Dominar os objetos de conhecimento e saber como ensiná- los 2.1 Planejar as ações de ensino que resultem em efetivas aprendizagens 3.1 Comprometer-se com o próprio desenvolvimento profissional 1.2 Demonstrar conhecimento sobre os estudantes e como eles aprendem 2.2 Criar e saber gerir ambientes de aprendizagem 3.2 Comprometer-se com a aprendizagem dos estudantes e colocar em prática o princípio de que todos são capazes de aprender 1.3 Reconhecer os contextos 2.3 Avaliar o desenvolvimento do educando, a aprendizagem e o ensino 3.3 Participar do Projeto Pedagógico da escola e da construção dos valores democráticos 1.4 Conhecer a estrutura e a governança dos sistemas educacionais 2.4 Conduzir as práticas pedagógicas dos objetos conhecimento, competências e habilidades 3.4 Engajar-se profissionalmente, com as famílias e com a comunidade Fonte: BRASIL, CNE, 2019. https://abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Resolucao-CNE-CEB-002-2019-12-20.pdf. Os saberes docentes são construídos com base em um conjunto de saberes, que são (TARDIF, 2002): » Saberes da formação profissional: transmitidos pelas instituições de formação de professores, pertencentes às Ciências da Educação e à ideologia pedagógica. » Saberes disciplinares: pertencentes às variadas áreas do conhecimento. » Saberes curriculares: correspondentes aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos constantes dos programas escolares, e que o professor precisa saber aplicar. » Saberes experienciais: desenvolvidos pelos professores na sua própria prática, no exercício das suas funções. Defendemos que as dimensões da BNC – Formação sejam utilizadas pelos professores em seu trabalho docente a fim de que eles possam desenvolver as habilidades necessárias para um bom trabalho, dentro do planejamento curricular de suas disciplinas. Para tal, é preciso que essas dimensões possam estar presentes nos saberes docentes, sejam eles os saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais. E sempre, claro, com muitas flexibilidade e autonomia para garantir o protagonismo docente na elaboração dos currículos escolares. Para refletir Assista ao vídeo da UNIVESP TV sobre Formação de Professores: “O papel do curso de Pedagogia”. Perceba o que está sendo dito sobre os saberes necessários aos pedagogos: https://www.youtube.com/watch?v=YUF3CtebT5Q. 43 Figura 22. Didática intercultural e diversidade cultural. Fonte: www.shutterstock.com.1976773355. Introdução do Capítulo 3 Outro tema que ganha centralidade na nossa reflexão é a didática intercultural, que por meio da identidade e da diferença, marca posição no debate pedagógico ao considerar a diversidade cultural presente na escola. Esta visão rompe com o caráter monocultural da educação e é um dos grandes desafios para a formação de professores no século XXI. Sendo assim, a questão do currículo se faz presente em nosso debate por apostarmos em currículos culturalmente orientados. Além disso, compreendemos que, quando fazemos uma relação entre didática e currículo, estamos promovendo diálogos que potencializam os dois campos de estudos, o que contribui para uma educação de qualidade. Esperamos que este Capítulo 3 desperte você para debates pedagógicos críticos e reflexivos. Compreender os mecanismos curriculares que acontecem no trabalho docente é ter uma visão holística, abrangente e crítica da educação. É saber que todo o processo educativo é repleto de disputas e negociações de sentidos, que elegem os saberes mais valorizados ou menos valorizados. Ter isso em mente é perceber que o currículo é lugar de luta política. 3 CAPÍTULO A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO 44 CAPÍTULO 3 • A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO Quando chamamos a atenção para a questão da cultura no currículo escolar estamos trazendo à tona questões muito importantes para a nossa reflexão, à medida que, segundo Moreira e Candau (2007), elaborar currículos culturalmente orientados implica uma nova postura, por parte da comunidade escolar, de abertura às distintas manifestações culturais. Faz-se indispensável superar o “daltonismo cultural”, ainda bastante presente nas escolas. O professor “daltônico cultural” é aquele que não valoriza o “arco-íris de cultura” que encontra nas salas de aulas e com que precisa trabalhar , não tirando proveito da riqueza desse panorama. É muito crítica a realidade do daltonismo cultural nas escolas brasileiras. Muitos professores não têm sido formados para lidar com essas diversidades! São alunos de diferentes classes sociais, revelando diferenças de raça, etnia, gênero, sexualidade. Além disso, temos a presença dos alunos com necessidades especiais que necessitam da inclusão escolar. Ou seja, temos em salas de aula turmas heterogêneas, com alunos diferentes. O que o professor deve fazer nesses casos? Moreira e Candau (2007) argumentam algumas boas estratégias que são necessárias para que posssamos transformar a diversidade em vantagem pedagógica (CANDAU, 2014): » É importante buscar sensibilizar o corpo docente para a pluralidade e a diversidade. Sendo assim, se faz necessário articular o aprofundamento teórico com vivências de experiências em que os profissionais da educação são convidados a se colocar “em situação” e analisar as suas próprias reações. Por exemplo: como se sentiriam e reagiriam, por exemplo, se, como algumas pessoas negras ainda têm sido, fossem impedidos(as) de entrar pela “porta da frente” em um edifício residencial ou em um hotel de luxo? » Uma outra estratégia é resgatar as histórias de vida e os estudos de caso reais, trazidos pelos próprios educadores ou registrados em pesquisas realizadas sobre tal temática. Talvez alguns docentes se estimulem a apresentar e a discutir situações em que se viram, eles próprios, discriminados, ou em que presenciaram pessoas sendo depreciadas e desrespeitadas. Como se comportaram nesses momentos? Percebam que essas estratégias são interessantes para professores que permanecem na lógica da formação continuada. Desta forma, conseguimos compreender a importância da formação centrada na escola como uma grande aliada às estratégias pedagógicas que devem dar conta das diversidades. Espaços escolares que oferecem esses espaços de reflexão ajudam muito no trabalho dos professores. Desta forma, a equipe da gestão escolar (diretores, coordenação pedagógica e orientação educacional) possui grande influência nessa formação continuada. 45 A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 3 Se quisermos currículos multiculturalmente orientados, temos que apostar em escolas que seguem alguns princípios que ajudam a lidar pedagogicamente com a pluralidade, como defendem Moreira e Candau (2007). Veremos alguns desses princípios nos subcapítulos.Objetivos » Refletir sobre a didática intercultural e sua importância para um processo de ensino-aprendizagem mais contextualizado. » Estabelecer uma relação entre didática e currículo. » Compreender que o currículo é espaço de crítica cultural. 3.1 Currículo como Espaço em que se reescreve o Conhecimento Escolar Figura 23. Educação e Diversidade Cultural. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/world-diversity-earth-day-international-culture-1814911268. É necessário reescrever o conhecimento escolar, tendo em mente as diferentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista envolvidos na sua produção. Como o conhecimento não é neutro, os interesses ocultados na produção do conhecimento escolar devem ser identificados, evidenciados e subvertidos, para que possamos, então, reescrever os conhecimentos. Por exemplo, o conhecimento referente aos diversos continentes, da disciplina Geografia, foi construído em íntima associação com o interesse de certos países, em aumentar suas riquezas pelas conquistas e colonização de outros povos (MOREIRA; CANDAU, 2007). Vejamos uma importante crítica: 46 CAPÍTULO 3 • A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO as culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de estruturas de poder costumam ser excluídas das salas de aula, chegando mesmo a ser deformadas ou estereotipadas, para que se dificultem (ou de fato se anulem) suas possibilidades de reação, de luta e de afirmação de direitos (TORRES SANTOMÉ, 1995 apud MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 33). Reescrever o conhecimento escolar implica desafiar a lógica dominante e promover o atrito de diferentes abordagens, diferentes obras literárias, diferentes interpretações de eventos históricos para que o aluno possa perceber que o conhecimento socialmente valorizado tem sido escrito de uma dada forma e que pode ser reescrito. É importante que os alunos possam compreensão sobre as relações de poder envolvidas na hierarquização das manifestações culturais e dos saberes, assim como nas diversas imagens e leituras que resultam quando certos olhares são privilegiados em detrimento de outros. Para atingir a tal objetivo pedagógico, é importante que a escola seja concebida como um espaço ecológico de cruzamento de culturas (PÉREZ GOMEZ, 1998 apud MOREIRA; CANDAU, 2007). A escola precisa acolher, criticar e colocar em contato diferentes saberes, diferentes manifestações culturais e diferentes óticas. A contemporaneidade requer culturas que se misturem e ressoem mutuamente, que convivam e se modifiquem. A partir desta ótica, vejamos uma estratégia pedagógica interessante para as séries iniciais: Professores dos primeiros anos do ensino fundamental podem também estimular o(a) aluno(a) a reescrever conhecimentos, saberes, mitos, costumes, lendas, contos. Inúmeras histórias infantis, por exemplo, têm sido reescritas com base no emprego de pontos de vista distintos dos usuais. O caso dos Três Porquinhos pode surpreender se a figura do Lobo representar o especulador imobiliário que tão bem conhecemos. As atitudes da Cigarra e da Formiga podem ser reavaliadas, tendo-se em mente a forma como se concebem e se organizam trabalho e lazer na sociedade contemporânea. O desfecho do passeio de Chapeuzinho Vermelho à casa da avó pode ser outro, caso imaginemos novos perfis e novas relações para os personagens da história (Garner, 1996, 1999). Ou seja, de novos patamares podemos perceber novos horizontes, novas trajetórias, novas possibilidades. (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 34) Reescrever o conhecimento escolar é necessário para ampliar a visão cultural dos alunos. De que forma você pode contribuir para essa reescrita? Já parou para pensar o quanto você poderá ser um professor que irá ampliar a visão de mundo e por isso mesmo ser respeitado e reconhecido por esse trabalho? 47 A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 3 3.2 Currículo como um espaço em que se explicita a ancoragem social dos conteúdos Figura 24. Escola Rural B do Sítio em São Bento do Sapucaí. Fonte: https://www.saobentodosapucai.sp.gov.br/site/wp-content/uploads/2018/12/AC%CC%A7A%CC%83O- ACAMPAMENTO-09. É importante que sejam evidenciados no currículo a construção social e os rumos subsequentes dos conhecimentos, cujas raízes históricas e culturais tendem a ser “esquecidas”, o que faz com que costumem ser vistos como indiscutíveis, neutros, universais, intemporais. Devemos questionar a pretensa estabilidade e o caráter a-histórico do conhecimento produzido no mundo ocidental, cuja hegemonia tem sido incontestável. Trata-se de ir na contramão da transposição didática, durante o qual usualmente se costumam eliminar os vestígios de construção histórica dos saberes. Percebemos que Moreira e Candau (2007) são críticos com relação ao processo de construção histórica dos conhecimentos escolares e por isso eles defendem a ancoragem social dos conteúdos. Algumas questões podem ser feitas ao pensarmos sobre currículos escolares críticos e reflexivos, que analisam os conhecimentos escolares: (a) onde situar as origens da ciência: em culturas europeias ou culturas não europeias?; (b) em que medida a ciência moderna pode ser considerada ocidental?; (c) existem ou podem vir a existir ciências, elaboradas em outras culturas, que também “funcionem”, que também expliquem a realidade?; (d) por que a escola insiste em apresentar a ciência ocidental como a única possibilidade?; (e) que conflitos se encontram subjacentes aos processos de construção e de difusão do conhecimento científico?; (f ) que debates têm sido gerados pela introdução, na comunidade científica, de novas teorias?; (g) por que a escola insiste em apresentar uma teoria consensual da ciência, subestimando as divergências referentes a temáticas priorizadas, 48 CAPÍTULO 3 • A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO metodologias, fundamentos teóricos, objetivos? (APPLE, 1982; HARDING, 1996). Acreditamos que a exploração de questões como essas, em um curso de Ciências Naturais, tanto ajuda a desafiar a suposta neutralidade cultural da ciência quanto a iluminar perspectivas e possibilidades insuspeitadas de desenvolvimento científico (MOREIRA; CANDAU, 2007, pp. 36-37). Possuir uma visão crítica sobre a ciência é promover a ancoragem social dos conteúdos e a capacidade de reflexão crítica sobre as relações de poder existentes na produção de conhecimento. Quanto mais uma instituição escolar levar em consideração esses embates, mais crítica e reflexiva ela será, favorecendo o desenvolvimento de identidades sociais e culturais de igual maneira críticas e reflexivas. Vamos, portanto, defender currículos que façam tais questionamentos aos saberes que neles se encontram. 3.3 Currículo como espaço de reconhecimento de nossas identidades culturais Figura 25. Identidade cultura do Brasil. Fonte: www.shutterstock.com.1862610913. Devemos promover na escola ocasiões que favoreçam a tomada de consciência da construção da identidade cultural de cada um de nós, docentes e gestores, relacionando-a aos processos do contexto em que vivemos e à história de nosso país. É importante tornarmos conscientes de nossos enraizamentos culturais, dos processos que se misturam ou se silenciam determinados pertencimentos culturais, bem como sermos capazes de reconhecê-los, nomeá-los e trabalhá-los. Vejamos algumas boas estratégias para esse fim: 49 A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 3 Como favorecer essa tomada de consciência? Alguns exercícios podem ser propostos, buscando-se criar oportunidades em que o profissional da educação se estimule a falar sobre como percebe a construção de sua identidade. Como vêm sendo criadas nossas identidades de gênero, raça,sexualidade, classe social, idade, profissão? Como temos aprendido a ser quem somos, como profissionais da educação, brasileiros(as), homens, mulheres, casados(as), solteiros(as), negros(as), brancos(as), jovens ou idosos(as)? Nesses momentos, tem sido bastante frequente a afirmação “nunca pensei na formação da minha identidade cultural”, ou então “me considero uma órfã do ponto de vista cultural”, expressão usada por uma professora jovem, querendo se referir à dificuldade de nomear os referentes culturais configuradores de sua trajetória de vida. (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 39) As estratégias enfatizadas revelam que o reconhecimento de identidades culturais diversas é válido para práticas pedagógicas multiculturalmente orientadas, o que é muito interessante para a didática intercultural e para o currículo. 3.4 Currículo como espaço de questionamento de nossas representações sobre os “outros” Figura 26. Comunidade Lagoa Encantada no Recife. Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/5f6d/e04c/63c0/17c2/6200/005a/newsletter/Mv_Lagoa-Archdaily03. jpg?1601036360. Como temos representado os “outros” e como temos representado o “nós”? Nossa maneira de nos situarmos em relação aos outros tende a constitui-se em uma perspectiva etnocêntrica. Quem são os “nós”? A tendência é incluir todas aquelas pessoas e aqueles grupos sociais que têm referenciais semelhantes aos nossos, que têm hábitos de vida, valores, estilos e 50 CAPÍTULO 3 • A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO visões de mundo que se aproximam dos nossos e os reforçam. Os “outros” tendem a ser os que entram em choque com nossas maneiras de nos situarmos no mundo, por sua classe social, etnia, religião, valores, tradições e sexualidade etc. De acordo com Skliar e Duschatzky (2001 apud MOREIRA; CANDAU, 2007), temos representado os “outros” principalmente de três formas distintas: o outro como fonte de todo mal, o outro como sujeito pleno de um grupo cultural, o outro como alguém a tolerar. A primeira perspectiva pode ser traduzida na escola de acordo com os seguintes exemplos: (a) atribuímos o fracasso escolar dos(as) alunos(as) às suas características sociais ou étnicas; (b) diferenciamos os tipos de escolas segundo a origem social dos(as) estudantes, considerando que alguns têm maior potencial que outros e, para desenvolvermos uma educação de qualidade, não podemos misturar estudantes de diferentes potenciais; (c) nos situamos, como professores(as), diante dos(as) alunos(as), com base em estereótipos e expectativas diferenciadas segundo a origem social e as características culturais dos grupos de referência; (d) valorizamos exclusivamente o racional e desvalorizamos os aspectos afetivos presentes nos processos educacionais; (e) privilegiamos somente a comunicação verbal, desconsiderando outras formas de comunicação humana, como a corporal, a artística etc. (SKLIAR; DUSCHATZKY, 2001 apud MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 40). A segunda forma, o outro como sujeito pleno de um grupo cultural, se refere ao outro como como membro de uma dada cultura, vista como uma comunidade homogênea de crenças e estilos de vida. O outro é diferente de nós, tem uma essência claramente definida, distinta da que nos caracteriza. Na área de educação essa visão se expressa quando nos limitamos a abordar o outro de forma genérica e “folclórica”, apenas em dias especiais, usualmente incluídos na lista de festejos escolares, tais como o Dia do Índio ou Dia da Consciência Negra. Essa forma é a mais comum nos espaços escolares e por isso devemos fazer o esforço de combater tais visões. Como fazer isso? Tentando trazer à tona a visão do outro como alguém a tolerar convida tanto a admitir a existência de diferenças quanto a aceitá-las. No entanto essa visão possui um paradoxo. Se aceitarmos todo e qualquer diferente, deveríamos aceitar os grupos cujas marcas são antissociais ou opressivas, como os racistas. Esta posição pode nos fazer ter tolerância sem questionar os valores atuais da sociedade contemporânea. No entanto, defendemos que é preciso sim resgatar os valores éticos e assumirmos uma postura de tolerância, mas com consciência ética, promovendo o respeito aos diferentes. 51 A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 3 3.5 Currículo como espaço de crítica cultural Figura 27. Passistas de Frevo. Fonte: www.shutterstock.com.1232353567. Transformar o currículo como espaço de crítica cultural implica abrir as portas, na escola, a diferentes manifestações da cultura popular, além das que compõem a chamada cultura erudita. Músicas populares, danças, filmes, programas de televisão, festas populares, anúncios, brincadeiras, jogos, peças de teatro, poemas, revistas e romances precisam fazer-se presentes nas salas de aula. Desta forma é possível ampliar os horizontes culturais dos estudantes, bem como promover interações entre diferentes culturas. É preciso também incluir as manifestações dos grupos dominantes. Isso porque: A intenção é que a cultura dos estudantes e da comunidade possa interagir com outras manifestações e outros espaços culturais como museus, exposições, centros culturais, música erudita, clássicos da literatura. Se aceitarmos a inexistência, no mundo contemporâneo, de qualquer “pureza cultural” (MCCARTHY, 1998), se pretendermos abrir espaço na escola para a complexa interpenetração das culturas e para a pluralidade cultural, tanto as manifestações culturais hegemônicas como as subalternizadas precisam integrar o currículo e ser objeto de apreciação e crítica. Talvez fosse útil, para o desenvolvimento do que sugerimos, que discutíssemos, na escola, com que recursos podemos contar em nossa comunidade e como fazer para que outros recursos venham, de alguma forma, a tornar-se familiares a nossos(as) alunos(as). (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 41). O professor deve ser crítico cultural por excelência. Ele deve analisar os artefatos culturais a fim de questionar o que parece naturalizado. Essa crítica pode nos ajudar a identificar e a desafiar visões estereotipadas da mulher propagadas em anúncios. Imagens desrespeitosas de homossexuais difundidas em programas cômicos de televisão, preconceitos contra povos não ocidentais evidentes em desenhos animados, entre outros exemplos. 52 CAPÍTULO 3 • A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO Vejamos: Os professores e as professoras que percebem em sua ação pedagógica como os conceitos de gênero, raça e etnia são socialmente construídos e discursivamente usados para marginalizar o “outro” poderão contribuir para a constituição de uma diversidade cultural que não seja apenas tolerante, mas que perceba que o “eu” e o “outro” têm os mesmos direitos e devem ter a mesma representatividade, tanto nos conteúdos escolares quanto nas instituições sociais (FELIPE; FRANÇA, 2014, p. 56) O currículo como artefato cultural implica o constante questionamento das identidades de gênero, raça e etnia e isso significa descontruir visões estereotipadas. Por isso que dar voz aos diferentes grupos é um dos objetivos dos currículos culturalmente orientados. E isso pode ser feito nos livros didáticos, que podem desconstruir certas visões de mundo produzidas culturalmente, como também pode estar presente nas estratégias didáticas dos professores. Para que haja esse comprometimento dos professores, é necessário que sua formação – inicial e continuada – enfatize a perspectiva da diversidade cultural e conceba o currículo como artefato cultural, considerando as diferentes manifestações culturais como importantes questionamentos sócio-históricos, inseridos nas relações de poder presentes na sociedade. Quando, por exemplo, vemos livros didáticos que discutem as questões raciais no Brasil, questionando algumas visões hegemônicas sobre a abolição da escravatura, estamosdiante de uma crítica cultural na qual o currículo escolar assume o protagonismo nesse papel tão importante. Para refletir Vejamos uma reflexão presente em Aguiar (2012), que revela como podemos trabalhar pedagogicamente o currículo como artefato cultural. Ao trazer o exemplo do questionamento sobre as mulheres, percebemos um artefato cultural significativo que pode potencializar as ações curriculares em prol de uma maior representatividade de determinados grupos sociais. Disponível em: https://pedagogiadavirtualidade.wordpress.com/2012/11/29/curriculo-como-artefato-cultural-e-as- identidades-femininas/, acessado em 16/4/2021. As culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizados, que não exercem o poder costumam ser silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reação. Para Torres Santomé (1995), o mundo feminino é uma das culturas ausentes no currículo, no qual podemos relacionar com os filmes e as histórias hollywoodianas, onde apresenta os homens como seres ativos e fortes e por outro lado as mulheres sempre relacionadas à beleza e sexualidade. De acordo com o mesmo autor o sistema educacional tem que contribuir para situar a mulher no mundo, o que implica, entre outras coisas, redescobrir sua história, recuperar a voz perdida. E acrescenta: “se existe alguma coisa que os alunos e alunas das instituições escolares desconhecem é a história da mulher, a realidade dos porquês de suas opressões e silenciamentos” (1995, p.172). Estudar e compreender essa história é um bom antídoto para impedir a marginalização destes discursos e evitar que continuem sendo reproduzidos. O currículo como um artefato cultural, um espaço, um campo de produção e criação de significados, permite que se façam presentes os interesses das diversas manifestações sociais contribuindo com a valorização dos grupos e das identidades femininas no processo educativo. 53 A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 3 3.6 Currículo como um espaço de desenvolvimento de pesquisas Figura 28. Professora Debora garofalo coleta lixo das ruas com os estudantes e busca soluções para as questões da comunidade. Fonte: BBC NEWS, 2019. Disponível em: https://ichef.bbci.co.uk/news/640/cpsprodpb/10F3C/production/_106063496_ photo-2019-03-15-20-29-48-2.jpg. É preciso defender um currículo que aposte nas pesquisas dos professores como importantes instrumentos da educação. Desta forma, concordamos com a argumentação de Moreira e Candau (2007): Propomos que todo(a) profissional da educação venha, de algum modo, a participar de pesquisas sobre sua prática pedagógica ou administrativa, sobre a disciplina que ensina, sobre os saberes docentes, sobre o currículo, sobre a avaliação, sobre a educação em geral, sobre a sociedade em que vivemos ou sobre temas diversificados (não incluídos no currículo) (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 43). A pesquisa que defendemos difere da pesquisa presente na universidade, mas nem por isso é inferior. Os professores devem enfrentar esse desafio, tornando-se pesquisadores dos saberes, valores e práticas que ensinam, vinculando o ensino à pesquisa. Desta forma, afirmam Moreira e Candau (2007), pode existir o aperfeiçoamento do desempenho profissional, fazendo com que os professores se situem melhor no mundo, se engajando na luta para melhorá-lo. Com base nessas ideias, percebemos o quanto o olhar da gestão escolar, para práticas educativas fundamentadas por pesquisas, pode influenciar a forma como os professores realizam as suas atividades nas instituições escolares. Se tivermos uma gestão aberta a 54 CAPÍTULO 3 • A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO esse aprendizado, mais chances temos de ter reuniões pedagógicas que possam expressar essa modalidade curricular, evidenciando a pesquisa como parte integrante e importante das propostas educacionais. Figura 29. Para refletir. Fonte: www.shutterstock.com.507901105. Você consegue perceber que está tudo interligado? Se quisermos propostas educativas interculturais, baseadas em currículos culturalmente orientados, temos que ter uma gestão escolar forte e um corpo docente comprometido. A união desses dois importantes fatores é condição essencial para currículos efetivamente interculturais. Desta forma, vá pensando sobre a sua atuação, seja na educação infantil, nas séries iniciais do ensino fundamental, na educação de jovens e adultos ou até mesmo na orientação pedagógica ou educacional. Aproveite o seu estágio supervisionado para ir se familiarizando com sua prática pedagógica. Lembre-se: ela tem que fazer sentido para você e para seus alunos, tendo como base um currículo que emancipa os educandos. Temos a certeza de que a sua formação em pedagogia está contribuindo para essas futuras ações pedagógicas promissoras. Compreendemos, neste capítulo, que todo o processo educativo é repleto de disputas e negociações de sentidos, que elegem os saberes mais valorizados ou menos valorizados. Ter isso em mente é perceber que o currículo é lugar de luta política. É muito crítica a realidade do daltonismo cultural nas escolas brasileiras, por isso é importante buscar sensibilizar o corpo docente para a pluralidade e a diversidade. A escola deve ser concebida como um espaço ecológico de cruzamento de culturas. Defendemos que os profissionais da educação devem fazer pesquisas sobre suas práticas pedagógicas ou administrativas com o intuito de estarem melhor preparados para lidarem com situações curriculares desafiadoras. 55 A DIDáTICA INTERCuLTuRAL E A DIvERSIDADE CuLTuRAL NA FORMAçãO DE PROFESSORES: DEBATES DO CuRRÍCuLO • CAPÍTULO 3 Para refletir Vejamos a reflexão presente no site Brasil Escola. Disponível em: https://educador.brasilescola.uol.com.br/orientacoes/ professor-pesquisador.htm. Acesso em: 16/4/2021. Será que professor e pesquisador são profissões diferentes? Dentro da nossa cultura educacional são, mas se parássemos para analisar veríamos que são profissões que se cruzam, que podem perfeitamente ser trabalhadas em conjunto, tanto um professor pode ser um pesquisador como um pesquisador pode ser um professor. Na nossa sociedade o professor é visto como aquele que coloca em prática o que diz os pesquisadores que seguem modelos clássicos, desconhecendo a prática da sala de aula. Quando um professor é também um pesquisador (vice-versa) ele agrega ao seu currículo um forte ponto positivo, pois consegue aliar prática e teoria. São vários dentre os estudiosos que defendem a interação da prática (do professor) com a teoria (do pesquisador) dentre eles destacam-se Pedro Demo, Marli André, Zeichner. Cada um defende sua ideia a partir de um ponto de vista diferente. Em uma visão mais tradicional o professor-pesquisador deve assumir as seguintes características: » um especialista em metodologia da pesquisa; » um grande conhecedor de estratégias; » um grande leitor do assunto de seu estudo. » um pessoa capaz de utilizar mecanismos satisfatórios de coleta de dados. Com uma visão menos rígida, um professor-pesquisador deve: » apresentar uma experiência prática sobre os mecanismo de ensino e aprendizagem; » ter consciência sobre problemas recorrentes em sala de aula; » ter poder de reflexão e questionamento; » ser capaz de resolver problemas; » expressar criatividade em suas ações. Todo professor deve experimentar em sua aula, ou seja, fazer dela um laboratório, abrindo os olhos dos seus alunos para vários processos de aprendizado. 56 Figura 30. Escola Municipal Pedro II fazendo uso dos netbooks – PROuCA. Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-Fc_t73pSz94/u5YfzlSYRjI/AAAAAAAAAtw/0hCkKuJAlEE/s1600/DSC06192.JPg. Introdução do Capítulo O quarto capítulo leva em consideração as novas tecnologias da comunicação e da informação como ferramentas capazes de reestruturar o cenário pedagógico. Apostamosna Metodologia de Projetos para que tenhamos práticas pedagógicas mais contextualizadas. Esperamos que os conteúdos deste capítulo possam te proporcionar uma reflexão crítica sobre o uso das novas tecnologias na educação, bem como ajudem a conscientizar sobre a importância de se trabalhar com projetos contextualizados. Objetivos » Refletir criticamente sobre o uso das novas tecnologias da comunicação e informação na educação. » Compreender as novas competências profissionais dos professores na era digital. » Analisar a abordagem de metodologia de projetos para práticas pedagógicas contextualizadas. 4 CAPÍTULO NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS 57 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 4.1 Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação em Educação Figura 31. Novas tecnologias na Era Digital. Fonte: www.shutterstock.com.1711210816. Atualmente o trabalho do professor está sendo influenciado pelas novas tecnologias da informação e da comunicação. Nesse sentido, o trabalho docente passa por uma reconfiguração exigindo que o professor se adapte aos novos tempos. O uso de tecnologias da informação e da comunicação em situações de ensino-aprendizagem, como o uso do computador e da internet, fazem parte das ferramentas tecnológicas que o professor pode dispor, especialmente na nossa sociedade tecnológica (BRITO; PURIFICAÇÃO, 2011). Brito e Purificação (2011) nos chamam a atenção para o uso do computador e da internet. Segundo as autoras, o computador é uma tecnologia da informação da comunicação, propiciando uma nova relação com a informação e a construção/produção das atividades educativas. A realidade brasileira e mundial tem mostrado o crescente número de softwares, mas temos que compreender a significação desses recursos no contexto escolar, vinculando essa atividade científico-tecnológica aos compromissos sociais. Temos percebido que a internet interfere nas estruturas sociais, econômicas e educacionais em diferentes vertentes. No entanto, ainda presenciamos nas escolas um paradigma edificado por procedimentos dedutivos e lineares, desconhecendo o substrato tecnológico do mundo contemporâneo. Sendo assim, é necessário que as escolas devem ficar atentas às novas formas de aprender, propiciadas pelas tecnologias da informação e da comunicação, criando novas formas de ensinar. Essa nova demanda exige uma preocupação com as implicações sociais e éticas das tecnologias, capacidade de uso do computador e do software utilitário, capacidade de uso das tecnologias da informação e da comunicação em situações de ensino-aprendizagem (IDEM). 58 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS Convidamos você a se posicionar criticamente sobre o uso das novas tecnologias na educação. O conhecimento escolar é de suma importância para a educação escolar. Não estaria esse conhecimento escolar sendo modificado pela inserção dessas novas tecnologias? Não estaria a internet promovendo mudanças na maneira de ensinar e na maneira de aprender? Como podemos pensar sobre estratégias pedagógicas que possam aprimorar o ensino-aprendizagem, seja na educação infantil, nas séries iniciais e na educação de jovens e adultos? 4.2 Novas Competências Profissionais dos Professores Contemporâneos Figura 32. Professora na Educação Básica. Fonte: Agência Brasil, 2017. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/default/files/atoms/image/sala_de_aula. jpg. Se estamos falando de novos tempos relacionados à era digital, não podemos deixar de considerar novas posturas, pensamentos e ações sobre as formas de ensinar e aprender. É por isso que defendemos a argumentação de Pérez Gómez (2015), que afirma que as finalidades da escola devem se concentrar no propósito de ajudar cada indivíduo a construir o seu próprio projeto de vida (pessoal, social, profissional), para percorrer o seu próprio caminho da informação ao conhecimento e do conhecimento à sabedoria. Sendo assim, a escola e o currículo devem oferecer oportunidades de experiências, para que os indivíduos se formem como autores de suas próprias vidas, como aprendizes que se autodirigem ao longo da vida, pesquisadores rigorosos, comunicadores eficazes, cidadãos solidários e comprometidos com a construção das regras do jogo comunitário, criadores singulares em suas respectivas áreas de especialização e interesse, colaboradores efetivos 59 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 nos grupos e na comunidade. Tais compromissos educacionais exigem uma visão de educação respaldada no caráter holístico da natureza humana, em que o conhecimento, a beleza e a bondade são componentes irrenunciáveis e interdependentes, ainda que tenham sido considerados, de múltiplas formas, diferentes pelas diversas culturas e comunidades humanas. Todas essas exigências éticas e comportamentais fazem com que sejam valorizadas competências importantes, como as representadas na tabela abaixo: Tabela 7. Três Competências para a Era Contemporânea. Três Competências Básicas para a Era Contemporânea (PÉREZ GOMEZ, 2015, p. 77) » Capacidade de utilizar e comunicar de maneira disciplinada, crítica e criativa o conhecimento e as ferramentas simbólicas que a humanidade foi construindo até os nossos dias; » Capacidade para viver e conviver democraticamente em grupos humanos cada vez mais heterogêneos, na sociedade global; » Capacidade de viver e atuar autonomamente e construir o próprio projeto de vida. Fonte: Pérez Gomez, 2015, p. 77. Não seria ótimo poder contar com projetos educativos que possibilitassem o desenvolvimento dessas três competências? Isso é possível sim! Basta você fazer a sua parte quando estiver à frente de uma turma! Pense em propostas que possam ampliar as visões dos alunos, promovendo as competências contemporâneas. No Capítulo 3 aprendemos sobre a importância da didática intercultural e neste capítulo estamos estudando sobre a questão da inserção das novas tecnologias na educação. Lembramos que a temática intercultural no âmbito educacional não está distante das reflexões sobre as novas tecnologias. Pelo contrário, percebemos que as duas temáticas dialogam no sentido de estarmos em uma sociedade mais conectada, na qual diferentes culturas podem estar em interação, ainda mais com o advento das redes sociais. De acordo com Burbules e Callister (2001 apud PÉREZ GOMEZ, 2015, p. 21), a internet permite explorar, conhecer e até mesmo participar de comunidades alheias, talvez próximas e talvez distantes, das concepções culturais que compartilham e assim entrar em um cenário de socialização mais plural, que pode servir para contrastar a nossa cultura vivencial e também, por vezes, incompatível com as próprias pressuposições, valores e propósitos. Como afirmam Wagner et al. (2011 apud PÉREZ GÓMEZ, 2015, p. 87), aprender a cooperar entre iguais é uma capacidade fundamental no mundo contemporâneo, pelas possibilidades ilimitadas que se abrem nas redes globais de intercâmbio digital e porque os problemas e situações no mundo contemporâneo são de tal magnitude e complexidade que ultrapassam a capacidade individual de enfrentá-los. Ao entrarmos em contato com culturas diferentes da nossa, via novas tecnologias da informação e da comunicação, estamos abrindo espaço para relações interculturais que podem promover aprendizagens significativas. Desta forma, cabe à escola reconhecer o 60 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS poder dessa interação e promover esse intercâmbio cultural, que só tem a agregar valor àsatividades pedagógicas da instituição. Para que tais atividades sejam pensadas, é preciso que a gestão escolar e os professores tenham esse olhar mais intercultural. É por isso que sua formação é importante para que você tenha esse olhar! Com certeza você poderá fazer a diferença na sua realidade escolar, seja como professor, como coordenador pedagógico ou como gestor escolar. A palavra-chave é interação, conforme podemos observar na argumentação de Mercer (2001 apud PÉREZ GÓMEZ, 2015, p. 87): Quanto mais nos entendemos como extensões das nossas interações e percebemos as nossas diferenças como potencialidades para o nosso enriquecimento, maior será o nosso desenvolvimento cultural, social, profissional. (MERCER, 2001 apud PÉREZ GÓMEZ, 2015, p. 87). Defendemos a visão de Pérez Gómez (2015) que argumenta que o desafio da escola contemporânea reside na dificuldade e na necessidade de transformar a enxurrada desorganizada e fragmentada de informações em conhecimento, ou seja, em corpos organizados de proposições, modelos, esquemas, mapas mentais que ajudem a entender melhor a realidade, bem como na dificuldade para transformar o conhecimento em sabedoria. Para o autor: A proliferação de computadores e de outros artefatos tecnológicos utilizados permanentmente fora e dentro das escolas mudou e vai mudar a definição da sala de aula como um espaço pedagógico, o conceito de currículo e o sentido dos processos de interação do aprendiz com o conhecimento e com os docentes. O ensino frontal, simultâneo e homogêneo é incompatível com esta nova estrutura e exigirá dos professores o desenvolvimento de uma metodologia muito mais flexível e plural, bem como uma atenção mais personalizada aos estudantes (PÉREZ GÓMEZ, 2015, p. 28). É por isso que devemos pensar sobre o novo papel da escola e as novas funções do trabalho docente. Desta forma, é preciso refletir sobre as competências dos professores que estão vivenciando a era digital. Para tal, os professores não devem apenas fornecer informação aos alunos, temos que ensiná-los como utilizar de forma eficaz essa informação que rodeia e enche as suas vidas, como acessá-la e avaliá-la criticamente, analisá-la, organizá-la, recriá-la e compartilhá-la. As escolas devem se transformar em poderosos cenários de aprendizagem, nos quais os alunos possam investigar, compartilhar, aplicar e refletir. Os alunos, muitas vezes reconhecidos por terem hábitos multitarefa, precisam compreender que a quantidade infinita e interminável de informação exige uma intensa tarefa de seleção, foco e concentração, se não quiserem naufragar em uma tempestade contínua de ruído informacional e dispersão (PÉREZ GÓMEZ, 2015). 61 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 Figura 33. Projeto Âncora, em Cotia, inspirada na Escola da Ponte (Portugal). Fonte: https://porvir.org/wp-content/uploads/2012/08/projeto_ancora1.jpg. É preciso reinventar a escola, para que ela seja capaz de estimular o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções que são necessários para a convivência em contextos sociais heterogêneos, variáveis, incertos e saturados de informação e contextos caracterizados pela supercomplexidade. Podemos refletir sobre algumas questões: » Como podemos ajudar os indivíduos a desenvolverem uma identidade pessoal com autonomia suficiente para enfrentar as demandas da sociedade contemporânea? » Como contribuir para a compensação das enormes e crescentes desigualdades de origem que geram uma sociedade na qual as diferenças entre ricos e pobres são cada vez mais importantes e onde quem perde o rápido trem da informação ficará excluído das interações mais relevantes? (IDEM). São muitos os questionamentos e poucas certezas. Mas o que é certo é que vivemos em uma era que não nos permite parar no tempo. As competências dos professores para lidarem com as novas tecnologias são importantes para currículos embasados na era digital, a partir de uma visão crítica e intercultural da realidade sócio-histórica. Diante do cenário da era digital, devemos pensar sobre as competências profissionais que seriam relevantes para os educadores enfrentarem esta tão complexa realidade. A despeito do segmento de ensino do professor, é preciso refletir sobre a sua função docente na tarefa de educar no século XXI. Sendo asssim, cabe a reflexão sobre a seguinte argumentação: A função docente , obviamente, terá de experimentar uma transformação tão radical quanto o resto dos componentes do sistema educacional. A visão terá de mudar de uma concepção do docente como profissional definido pela capacidade de transmitir conhecimentos e avaliar resultados para a de um profissional capaz de diagnisticar as situações e as pessoas; elaborar o currículo ad hoc e preparar materiais, desenvolver atividades, 62 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS experiências e projetos de aprendizagem, configurar e criar os contextos; avaliar processos e monitorar o desenvolvimento integral dos indivíduos e dos grupos. Evidentemente, este docente exige competências profissionais mais complexas e distintas das tradicionalmente exigidas, para poder enfrentar uma atividade tão rica quanto difícil: provocar, acompanhar, questionar, orientar e estimular a aprendizagem dos alunos (PÉREZ GÓMEZ, 2015, p. 141). O nosso objetivo em sua formação é fazer com que você possa ser o profissional que a era digital e o século XXI necessitam! Se você é curioso, gosta de refletir sobre a vida e temas gerais, sabe da importância da educação para a nossa sociedade e gosta de desenvolver pessoas, você está no caminho certo! Além disso, é preciso ser um investigador da própria prática e comprometido com o aprendizado e desenvolvimento dos alunos, como bem defendem Darling-Hammond et al (2008 apud PÉREZ GÓMEZ, 2015), ao enfatizarem oito competências para o professor da era digital: » Criar e construir o currículo de formação com base nos interesses, pontos fortes e pensamento prático prévio dos alunos. » Construir um cenário aberto, democrático e flexível e um conjunto de atividades autênticas que pretendem provocar o envolvimento de cada aluno, a experiência educativa de cada aprendiz, respeitando suas diferenças e enfatizando seus pontos fortes. » Monitorar e orientar a aprendizagem de cada aluno, definindo as estruturas de apoio personalizadas necessárias. » Avaliar o processo de aprendizagem de tal forma que ajude aos alunos a compreenderem os seus pontos fortes e fracos e a ssumirem sua própria autorregulação para melhorar. » Demonstrar respeito e afeto por todos os alunos, compreendendo suas diferentes situações pessoais e emocionais e confiando em sua capacidade de aprender. Procurar uma interação e comunicação próxima e respeitosa, provocando nos alunos sensação de que são respeitados e ouvidos. » Desenvolver em si mesmos as melhores qualidades humanas que querem provocar nos alunos: entusiasmo pelo conhecimento, investigação, e curiosidade intelectual, justiça, honestidade, respeito, colaboração, compromisso, solidariedade e compaixão. » Tornar-se membros ativos da comunidade de aprendizage, responsabilizando-se pelo projeto coletivo. 63 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 » Assumir a responsabilidade do próprio processo de formação permanente e desenvolvimento profissional, questionando o valor de seus próprios conhecimentos, habilidades, valores, crenças e atitudes, maneiras de pensar, sentir e agir como pessoas e como docentes. Todas essas competências podem se agrupadas em três competênciais profissionais básicas que sustentam a maioria dos programas mais inovadores de formação docente: Tabela 8. TrêsCompetências Profissionais Básicas dos Professores. Três competências profissionais básicas dos professores (DARLING-HAMMOND et al 2008 apud PÉREZ GÓMEZ, 2015) Competência de planejar, desenvolver e avaliar o ensino que visa incentivar o desenvolvimento das qualidades humanas desejáveis nos alunos; Competência para criar e manter contextos de aprendizagem abertos, flexíveis, democráticos e ricos culturalmente, em que se incentive um clima positivo de aprendizagem; Competência para promover o próprio desenvolvimento profissional e a formação de comunidades de aprendizagem com os colegas e com o resto dos agentes envolvidos na educação. Fonte: Pérez Gomez, 2015, p. 80. Perceba que o envolvimento do professor na aprendizagem dos alunos e na sua própria aprendizagem é uma constante nesse modelo de formação de professor, que deve ser visto como um processo relevante de “metamorfose”, “transição”, um processo interno de reorientação e transformação pessoal, que aproveita e se baseia em aquisições prévias e que conduz a uma mudança desejada, durável e sustentável. Melhor dizendo é um autêntico processo de educação (PÉREZ GOMES, 1998 apud PÉREZ GÓMEZ, 2015). Sendo assim, a formação inicial e a formação continuada do professor têm papel muito importante nessa missão, cabendo ao professor ficar atento aos seguintes aspectos de seu trabalho docente (MERLEAU-PONTY, 1945; STRATI, 2007 apud PÉREZ GÓMEZ, 2015): » questionar por que as coisas são e são feitas de uma determinada maneira; » indagar o sentido do conhecimento local e informal que é difundido no contexto da sala de aula; » considerar os processos históricos e sociais que afetam as próprias decisões, rotinas, rituais e hábitos da cultura escolar; » aceitar as formas de conhecimento não tradicionais, como emoções, sentimentos, percepções, sensibilidades estéticas, intuições; » questionar as próprias perguntas; » buscar as discrepâncias entre o que se diz e o que se faz; » conscientizar-se do caráter racionalizador e autojustificativo dos próprios argumentos e das teorias declaradas. 64 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS A forma como o professor deve se portar na escola é relacionada a uma postura muito apreciada na era digital: o professor deve ser sempre crítico com relação à sua própria prática a fim de que haja processos educativos mais voltados para aprendizagens significativas. Não há espaço para práticas tradionalistas, que não vislumbrem mudanças nas formas de ensinar e aprender! É claro que o professor não saberá todas as respostas para lidar com esses novos tempos, mas sua busca pelo saber e a vontade de aprender mais e sempre são ingredientes necessários para o sucesso! Isso significa: Criar na escola ricos entornos de produção de aprendizagem de caráter natural e recursos cultivados é a melhor estratégia para a formação das competências, ou seja, entornos culturais em que os problemas e as situações habituais da vida natural e social sejam vividos, mas com linguagens, significados, ideias, modelos, expectativas e horizontes mais elaborados, cultivados, permanentemente submetidos ao questionamento, ao contraste e à crítica pública. Participar de projetos culturais, científicos, artísticos ou tecnológicos de elevada qualidade é a melhor garantia de formação das competências necessárias para a participação ativa nos complexos cenários sociais contemporâneos. Este propósito e este programa requerem definitivamente refundar, reinventar a escola que conhecemos. Reduzir o espaço de reprodução e ampliar ao máximo o espaço de produção e aplicação parece ser a chave para favorecer um ensino que eduque e que favoreça o desenvolvimento autônomo dos sujeitos do século XXI. (PÉREZ GÓMEZ, 2015, p. 160) É de fato uma revolução na educação o que podemos presenciar nesse novo cenário social tecnológico e digital. Cada vez mais será exigida autonomia dos sujeitos participantes dos processos educativos. Alunos e professores devem desenvolver a autonomia. Na era digital, muitos especialistas defendem o uso das metodologias ativas como forma de promover o protagonismo dos estudantes. Em oposição às práticas pedagógicas tradicionais, espera-se que os alunos sejam autônomos na construção das suas aprendizagens. Sendo assim: É nessa perspectiva que se situa o método ativo – tido aqui como sinônimo de metodologias ativas – como uma possibilidade de deslocamento da perspectiva do docente (ensino) para o estudante (aprendizagem), ideia corroborada por Freire (2015) ao referir-se à educação como um processo que não é realizado por outrem, ou pelo próprio sujeito, mas que se realiza na interação entre sujeitos históricos por meio de suas palavras, ações e reflexões. Com base nessa ideia, é possível inferir que, enquanto o método tradicional prioriza a transmissão de informações e tem sua centralidade na figura do docente, no método ativo, os estudantes ocupam o centro das ações educativas e o conhecimento é construído de forma colaborativa. 65 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 Assim, em contraposição ao método tradicional, em que os estudantes possuem postura passiva de recepção de teorias, o método ativo propõe o movimento inverso, ou seja, passam a ser compreendidos como sujeitos históricos e, portanto, a assumir um papel ativo na aprendizagem, posto que têm suas experiências, saberes e opiniões valorizadas como ponto de partida para construção do conhecimento. Com base nesse entendimento, o método ativo é um processo que visa estimular a autoaprendizagem e a curiosidade do estudante para pesquisar, refletir e analisar possíveis situações para tomada de decisão, sendo o professor apenas o facilitador desse processo (Bastos, 2006, apud Berbel, 2011). Com efeito, essa mudança não é simples de ser efetivada, posto que toda metodologia de ensino e de aprendizagem parte de uma concepção de como o sujeito aprende. Dessa forma, cada um, no seu percurso formativo, quer como estudante, quer como professor ou professora, age em consonância com as concepções de educação e de aprendizagem que possui. Portanto, faz-se necessário trazê-las à reflexão como possibilidade de ressignificação da prática docente”. (DIESEL et al., 2017, pp. 270-271) No que diz respeito à especificidade do uso das novas tecnologias da educação, Gabriel (2013) nos chama a atenção para as principais mudanças de paradigmas na educação em função das transformações tecnossociais das últimas décadas. Tais mudanças são: » educação contínua; » educação fragmentada; » educação distribuída; » educação personalizada; » aprendizagem ativa; » estudantes híbridos; » professor interface. Vejamos as características de cada um desses conceitos e como eles podem estar relacionados à missão de compreender a educação como prática social viva. Sugestão de estudo complementar Para saber mais sobre as metodologias ativas, assista ao vídeo “Metodologias Ativas para Educar”, do Canal Futura: https:// www.youtube.com/watch?v=z0Y3BzUWnMI 66 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS Tabela 9. Mudanças de Paradigmas na Educação em Função das Transformações Tecnossociais das Últimas Décadas. Mudanças de Paradigmas na Educação em função das transformações tecnossociais das últimas décadas (GABRIEL, pp.102-104) Educação Contínua: não existe mais uma idade para começar ou para parar de estudar, pois o ambiente em transformação constante e acelerada requer aprendizado contínuo. Além disso, as tecnologias computacionais estão se tornando cada vez mais amigáveis e intuitivas, com usabilidade cada vez melhor, e disponíveis virtualmente em todo lugar do planeta por causa dos avanços nastecnologias móveis. Isso possibilita que desde bebês até pessoas da terceira idade consigam utilizá-las confortavelmente, incluindo potencialmente qualquer pessoa, de qualquer idade e em qualquer lugar. Em função disso, surgem duas tendências importantes: a educação de adultos e as universidades corporativas. Portanto, a educação contínua passa a ser um processo natural e constante de sobrevivência do ser humano, como a respiração e a alimentação. Educação Fragmentada: em função da proliferação de plataformas de informação e comunicação, as pessoas estão expostas constantemente a conteúdos provenientes de inúmeras e distintas fontes e dispositivos interconectados. O ambiente informacional, que era linear em sentido único (mídia-espectadores, professor – aluno) transformou-se em hipertextual, não linear, complexo. Além disso, em virtude da velocidade, disponibilidade e interatividade dessas plataformas (duas vias, e não mais apenas sentido único), os conteúdos estão cada vez mais curtos, são como pílulas de informação, e permitem participação ativa. Esse cenário requer habilidades distintas de consumo de informação e aprendizagem, como validação e filtragem da informação, capacidade de lidar com o desafio do multitasking e produtividade, capacidade de reflexão analítica e sintética para lidar com o bombardeio informacional fragmentado, além de cuidados mais criteriosos em relação à ética e à privacidade. Além disso, os processos educacionais precisam levar em conta essa multiplicidade de plataformas para disseminar conteúdos educacionais de modo transmidiático. Educação Distribuída: Enquanto as tecnologias digitais fragmentam a informação em pílulas nas diversas plataformas, elas também permitem, principalmente, a conexão, colaboração e troca de informações no modelo many-to-many (de muitos para muitos), e não mais apenas no modelo one-to-many (de um para muitos), que era predominante na educação tradicional. Isso gera um ambiente propício para o social learning, o qual transforma a dinâmica dos processos de aprendizado que, anteriormente, eram em sua maioria individualizados e passam a ser em grupos colaborativos. Educação Personalizada: ao mesmo tempo que a conexão digital alavanca o social learning, ela também permite o modelo de relacionamento one-to-one (um a um), ou seja, individualizado e personalizado. Por causa da disponibilização da informação em qualquer tempo, local e dispositivo, cada pessoa pode aprender nos formatos que lhe forem mais interessantes, no ritmo que lhe convenha, nos horários em que é mais produtiva, escolhendo os assuntos que mais lhe interessam e consultando de forma individualizada professores e tutores. Isso era impossível no século passado porque a educação individualizada era dependente principalmente da contratação de professores particulares, que além de significar um custo alto, não tinham como estar presentes 100% do tempo. A tecnologia transformou rapidamente esse cenário, permitindo uma aprendizagem assíncrona e disponível de forma ininterrupta. Aprendizagem Ativa: no modelo educacional tradicional, a aprendizagem era predominantemente passiva, em que os alunos aprendiam por meio dos conteúdos fixos e limitados que os professores disponibilizavam para eles por meio dos ambientes e instrumentos formais de educação – matrizes e disciplinas específicas, sala de aula, livros. Com a disseminação das tecnologias que alavancam a educação distribuída e personalizada, as pessoas passam a aprender o que querem, quando querem, de forma dinâmica, ativa, e não mais apenas por meio do modelo passivo. Dessa forma, os conteúdos educacionais precisam ser pensados nesse novo modelo que favoreça e atenda mais as necessidades específicas de cada aluno do que a padronização que era característica dos modelos predominantemente passivos. Nesse contexto, os professores passam a ter um papel importantíssimo na orientação, instigação e inspiração dos estudantes, e não mais como provedor de conteúdo. Estudantes Cíbridos: as tecnologias funcionam como extensão do cérebro dos estudantes e, nesse sentido, não é mais necessário que as pessoas usem as suas capacidades para memorizar informação (isso fazia sentido na época em que o cérebro humano, e não o computador, era o principal recurso disponível para armazenar e acessar informação). Portanto, não faz mais sentido uma educação focada na memorização de conteúdos, mas, sim, na articulação destes – essa é a nova habilidade necessária para atuar no ambiente informacional emergente. Isso requer uma transformação radical nos sistemas de educação e avaliação da aprendizagem. O ambiente educacional formal precisa se transformar em um ambiente que abrace as tecnologias digitais como ferramentas de extensão das capacidades humanas e plataformas de colaboração para a aprendizagem, que continua naturalmente nos ambientes informais de educação – fora da sala de aula e da escola. Professor Interface: se no modelo educacional tradicional a principal função do professor é de provedor de conteúdo, no cenário tecnológico atual, em que o conteúdo e as informações são amplamente disponíveis a todos e não precisam mais ficar armazenados em nossos cérebros, o papel do professor muda drasticamente, embora não deixe de ser importantíssimo. Em um contexto sobrecarregado de informações, a principal habilidade necessária passa a ser como escolher a informação correta em cada situação, como validar organizar, extrair significado, refletir e solucionar problemas. Portanto, apesar de os estudantes terem tudo à disposição, saber como articular e validar requer aprendizado. Assim, o professor, que antes funcionava como um filtro de conteúdo, passa a ter um valor essencial como interface, para auxiliar a navegação no mar de informações. A validação da informação e reflexão para analisá-la e construir significados, na realidade, passa a ser uma das principais habilidades da era digital, e, portanto, não apenas os professores, mas todos os profissionais que lidam com a informação – como jornalistas e bibliotecários – passam por uma mudança crucial em seus papeis sociais e ganham mais importância. No entanto, para tal, eles precisam abraçar as necessidades do novo modelo informacional e social e de desapegarem dos modelos tradicionais que não funcionam mais e que, assim, perderam valor. Fonte: gabriel, 2013, pp.102-104. 67 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 Todos os conceitos enfatizados por Gabriel (2013) revelam o quanto a educação participa das tramas sociais mais amplas. Diante do novo cenário, é preciso defender práticas educacionais mais inovadoras. E uma das grandes apostas para se atingir esse objetivo é deixar de ver o professor como aquele que irá passar o conteúdo (professor-conteúdo) e perceber o professor como mediador, formador (professor-interface). Desta forma: […] parece que o fator “tecnologia” em si não é definitivo para a educação na era digital – ele só é diferencial positivo se contar com a participação efetiva do professor e dos planos pedagógicos. O professor deve deixar de ser informador para ser um formador; caso contrário, o uso da tecnologia terá apenas aparência de modernidade (GABRIEL, 2013, p. 109). Saber fazer da tecnologia uma aliada da educação é reconhecer que o professor-interface deve possuir adaptabilidade ao usuário, ao contexto, ao ambiente. Deve também ter dinamicidade para se modificar automaticamente em função dos parâmetros de adaptabilidade, disponibilidade, transparência, usabilidade, entre outras. Segundo Wagner (2013 apud GABRIEL, 2013, p. 112), existem duas habilidades essenciais para os professores atuarem no novo cenário e prepararem os estudantes de forma adequada: » Assumir responsabilidade do que realmente importa: testes e indicadores bons conseguem avaliar as capacidades dos alunos, no entanto, muitos deles são criados para cumprir formalidadesadministrativas pré-estabelecidas e mascaram a real situação da educação. O que realmente importa é o futuro dos estudantes, por isso, todo o esforço educacional tem que estar comprometido. Os instrumentos e ferramentas usados não devem ser finalidade da educação em si, mas devem ser moldados para capacitar e preparar os estudantes para a vida. » Fazer o novo trabalho de novas maneiras: a profissão de professor tem sido uma das mais isoladas do mundo, no entanto, o isolamento é inimigo do progresso. A tecnologia hoje não só permite como também favorece a colaboração, consubstanciando uma oportunidade. Professores que colaboram uns com os outros conseguem melhores resultados. Conteúdo é importante, mas não é suficiente, ou seja, é preciso usá-lo para ensinar novas habilidades. Sendo assim, podemos dizer que o trabalho está se modificando e, portanto, requer novos modos de atuação. A partir das considerações sobre as competências docentes na era contemporânea, defendemos a autonomia docente na construção dos currículos, bem como o protagonismo dos estudantes em projetos que valorizem metodologias ativas, por exemplo. O que esperamos é uma ressignificação da educação a partir do uso das novas tecnologias da informação e comunicação. 68 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS 4.3 Metodologia de Projetos: A Ação Educativa na Era Digital Figura 34. Projeto sobre a Promoção e Igualdade Social no município de várzea grande (MT). Fonte: https://www.cnm.org.br/cms/images/stories/comunicacao_novo/educacao/21112018_varzea_grande_ apresentacoes_alunos.png. Vimos que são muitas as exigências para que o professor possa trabalhar de forma satisfatória em suas turmas do século XXI. Para que haja bom planejamento e boa realização de trabalhos pedagógicos com qualidade, defendemos a metodologia de projetos de investigação. De acordo com Hernández e Ventura (1998 apud KOFF, 2009), os projetos de trabalho valorizam um sentido da aprendizagem que quer ser significativo, ou seja, que pretende conectar o que os alunos já sabem com a temática a ser trabalhada. E quanto mais o professor for capaz de fazer essas conexões, mais favorável será a atitude do aluno para o conhecimento e melhores serão as condições para sua aprendizagem. Desta forma, devem ser considerados alguns aspectos, tais como: protagonismo dos alunos, seja na escolha de temas, na formulação de hipóteses ou na elaboração das perguntas a respeito do que se deseja saber; parceria dos professores na definição de um índice para orientar a pesquisa em múltiplas e variadas fontes de informação; sistemática organização e/ou realização de dossiês ou sínteses, bem como a elaboração de diversos produtos, criados em diferentes linguagens para expressar as descobertas e/ou aprendizagens realizadas; o incentivo à autoavaliação e à avaliação recíproca, contínua e global dos resultados alcançados. A vivência de inúmeras e múltiplas atividades individuais e/ou coletivas, o uso de variados espaços de trabalho e a flexibilização dos tempos escolares (HERNÁNDEZ, 1998 apud KOFF, 2009) são outros aspectos relevantes na configuração dos projetos, enquanto uma estratégia possível de (re) organização do currículo e da prática educativa na escola. Vale lembrar que “as pessoas estabelecem conexão a partir dos conhecimentos que já possuem 69 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 e, em suas aprendizagens, não procedem por acumulação, e sim pelo estabelecimento de relações entre diferentes fontes e procedimentos para abordar a informação” (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 57 apud KOFF, 2009). Vejamos a proposta dos projetos investigativos na abodagem da metodologia de projetos: A proposta de trabalho por projetos investigativos, interdisciplinares e colaborativos privilegia a construção de conhecimentos, a autonomia de pensamento e a tomada de consciência de que cada um(a) é autor(a) de ações que objetivam uma interferência positiva no meio em que vive. Sendo assim, todos os momentos, desde a estruturação da pesquisa, desenvolvimento, considerações finais e ações de relevância social e ambiental são coletivos e colaborativos, pois tanto a busca de informações ou construção de dados, quanto os resultados obtidos, são socializados em grande grupo para que possa ir sendo de apropriação comum a todas(os) os integrantes da turma. Portanto, trata-se de uma produção científica resultante das ações do grande grupo, o qual, ao final do processo, se identificará como autor de um novo conhecimento que, por sua vez, poderá ser o ponto de partida para novas pesquisas. (KOLLING, 2021, p. 154). Percebemos em Kolling (2021, p. 154) uma proposta pedagógica interativa e colaborativa, na qual grupos de estudantes assumem o protagonismo e, juntos, devem dar conta de seus processos investigativos, contribuindo para uma construção de conhecimento ativa e em constante movimento. Araújo (2008) argumenta que, ao defendermos a metodologia de projetos como ferramenta pedagógica estratégica, reconhemos a importância do conhecimento em rede. A rede é entendida como metáfora para a representação do conhecimento e possui, como material constitutivo de sua teia de relações, as significações expressas por Machado (1995, p. 138 apud ARAÚJO, 2008): a) compreender é apreender o significado; b) apreender o significado de um objeto ou de um acontecimento é vê-lo em suas relações com outros objetos ou acontecimentos; c) os significados constituem, pois, feixes de relações; d) as relações entretecem-se, articulam-se em teias, em redes, construídas social e individualmente e em permanente estado de atualização; e) em ambos os níveis – individual ou social – a ideia de conhecer assemelha-se a de enredar. Sendo assim, a rede: contrapõe-se diretamente à ideia de cadeia, de encadeamento lógico, de ordenação necessária, de linearidade na construção do conhecimento, com as determinações pedagógicas relaciondas com os pré-requesitos, as seriações, os planejamentos e as avaliações”(MACHADO, 1995, p. 140 apud ARAÚJO, 2008, p. 199). 70 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS Em complementação ao significado de rede, Machado (1995 apud ARAÚJO, 2008) recorre à metáfora do hipertexto, proposta por Pierre Levy (1993 apud ARAÚJO, 2008), que princípios conformadores do hipertexto e que estão relacionados ao conhecimento em rede: » Princípio de metamorfose: a rede está em constante construção e transformação e a cada instante podem se alterar os feixes que compõem os nós, atualizando o desenho da rede; » Principio de heterogeneidade: os nós e as conexões são heterogêneos, significando que existe uma multiplicidade de possibilidades de interligação entre eles. Apenas como exemplo, nessas ligações, que podem ser lógicas afetivas, analógicas, sensoriais, multimodais, multimídias, podem ser utilizados sons, imagens, palavras e muitas outras linguagens; » Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas: a rede organiza-se de modo “fractal”, ou seja, qualquer nó ou conexão, quando analisado, pode revelar-se como sendo composto por toda uma rede e assim por diante, indefinidamente; » Princípio de exterioridade: a rede é permanentemente aberta ao exterior, à adição de novos elementos, a conexões com outras redes; » Princípio de topologia: na rede, o curso dos acontecimentos é uma questão de topologia, de caminhos; » Princípio de mobilidade dos centros: a rede não tem um centro, ou pode ter vários centros que trazem ao redor de si pequenas ramificações. Todos esse príncipios revelam que o conhecimento em rede é aquele que presenciamos na era digital e que faz parte das nossa vida contemporânea. A escola não deve fugirdesses príncipios e por isso estratégias são bem-vindas para que toda a comunidade escolar possa se beneficiar desse processo. Sendo assim, é imprescindível refletirmos sobre a reinvenção da escola, já que: a reinvenção da escola pressupõe, entre outros aspectos, colocar em debate o modo de viver o currículo e/ou a prática educativa, refletindo e discutindo, portanto, o que entendemos são os seus modos de organizar tempos e espaços, relações, papéis de seus diferentes sujeitos e atores, saberes e conhecimentos, métodos, técnicas e recursos, linguagens, planejamento e avaliação. E, embora reconheçamos que não é suficiente promover transformações de caráter teórico-metodológico para mudar a escola, consideramos que esse é um aspecto significativo para construir uma outra escola e, portanto, uma outra educação, desde que tais mudanças sejam contextualizadas histórica e culturalmente e estejam orientadas por princípios claramente formulados e que expressem respostas às questões: 71 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 que educação queremos construir? Que sujeitos/atores desejamos ajudar a formar? Ou, em outras palavras, que prática escolar desejamos realizar a serviço de quem e do quê” (CANDAU; KOFF, 2015, p. 335). A reinvenção da escola pode ser feita através do desenvolvimento de projetos de investigação, mas que estejam ancorados em uma direção pedagógica muito clara: a questão da interculturalidade crítica. Desta forma, argumentamos que, se a escola possibilitar a realização dos projetos de investigação e oferecer uma visão intercultural nesses projetos, já estaremos bem encaminhados no sentido de problematizar o conhecimento escolar. Assim, as novas tecnologias podem nos ajudar a pensar sobre essas questões tão importantes para a educação do século XXI. Tendo como base Candau e Koff (2015), defendemos processos de ensino-aprendizagem orientados no sentido de: » valorizar a construção da autonomia do aluno, reconhecendo-o sujeito da construção da sua história particular e da história em geral; » ampliar e/ou reforçar os mecanismos para o seu autoconhecimento, valorizando processos de construção de identidades; » reconhecer e valorizar os diferentes sujeitos socioculturais presentes e, consequentemente, fazer dialogar os diferentes grupos culturais que nela circulam; » trabalhar os conflitos que emergem das relações interpessoais, apostando no potencial dos mecanismos de negociação e na construção coletiva de normas/regras e/ou códigos de convivência; » reconhecer, valorizar, fazer dialogar e/ou articular diferentes saberes, incorporando diversas narrativas e linguagens; » valorizar e empregar procedimentos metodológicos diversificados, dando ênfase ao diálogo, à participação e à produção coletiva e/ou colaborativa, sem deixar de valorizar a experiência e a produção de cada um; » conceber e realizar processos de ensino-aprendizagem contextualizados, tendo presente que os contextos são multiculturais, sem negar a busca pela igualdade de direitos; » buscar o diálogo entre as práticas vividas na escola e as demais práticas sociais. Pérez Gómez (2015) também destaca os principais elementos da metodologia pedagógica baseada na investigação e na elaboração de projetos, problemas e situações: 72 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS Tabela 10. Principais Elementos da Metodologia Pedagógica de Projetos, Problemas e Situações. Principais Elementos da Metodologia Pedagógica de Projetos, Problemas e Situações (PÉREZ GÓMEZ, 2015, pp.114-115): Os alunos têm de assumir a responsabilidade de sua própria aprendizagem, e o professor atuar como tutor, orientador, conselheiro que apoia de forma contínua os processos de aprendizagem; O currículo baseado em projetos, problemas ou preocupações deve ocupar um lugar central, constituir a base pedagógica do currículo escolar e não ser um episódio isolado de uma unidade didática; Os projetos devem envolver investigação e construção do conhecimento; Os problemas devem ser autênticos, aqueles que preocupam as pessoas do mundo real que rodeia o aprendiz; Os problemas, projetos ou situações devem ser apresentados de forma aberta e pouco estruturada, de modo que permitam a investigação livre e criativa e a formulação de múltiplas hipóteses e caminhos de busca, e não como problemas simples que podem ser abordados por meio de soluções mecânicas ou algorítmicas; A aprendizagem deve abranger e integrar várias disciplinas e campos do conhecimento, pois os projetos, situações e problemas reais exigem abordagens multi e interdisciplinares e a fragmentação disciplinar terá dificuldade ou impedirá o desenvolvimento desta metodologia; A colaboração é essencial. Ninguém tem uma única visão correta do problema nem dispõe das únicas soluções válidas, pelo contrário, cada indivíduo traz suas riquezas diferenciais, indispensáveis para abordar o problema satisfatoriamente. As contribuições individuais, fruto do trabalho independente, não podem ser justapostas, mas devem contribuir para a reformulação do problema, do diagnóstico e das propostas de intervenção; É necessário desenvolver análises compartilhadas sobre o que foi aprendido e um debate sobre as conclusões, os novos problemas emergentes e, quando necessário, sobre projetos futuros a serem realizados; O processo de autoavaliação e de avaliação em pares é fundamental para identificar os pontos fortes e fracos de cada indivíduo e do grupo como um todo, de modo que possam estabelecer processos de melhoria para o futuro. Fonte: Pérez Gomez, 2015, pp. 114-115. Todos os aspectos listados na tabela 10 devem estar em consonância com reconhecimento de que a escola tem papel relevante na perspectiva da afirmação da justiça – social, cognitiva e cultural – assim como da construção de relações igualitárias entre os diferentes grupos socioculturais e da democratização da sociedade, por meio de políticas que articulam os direitos da igualdade e da diferença (CANDAU; KOFF, 2015). É importante deixar claro que a metodologia de projetos não é a única alternativa para um ensino mais contextualizado. Outras opções metodológicas podem e devem se fazer presentes na escola. Tal diversidade metodológica é muito importante. Reconhecemos que em determinados tempos escolares, em qualquer segmento de ensino, será preciso uma intervenção didática do professor com metodologias mais diretivas, como aquelas que enfatizam o conhecimento escolar e estes são apresentados aos alunos. A despeito da opção metodológica do professor, duas ideias ficaram bem claras neste capítulo: se quisermos um processo de ensino-aprendizagem mais contextualizado, temos que: a) trabalhar de forma crítica com as novas tecnologias; b) trabalhar de forma crítica com a didática intercultural. Se nos basearmos na metodologia de projetos a fim de contextualizarmos esses dois importatntes aspectos da educação do século XXI, estaremos em um bom caminho pedagógico. 73 NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS • CAPÍTULO 4 Agora que você assistiu à palestra do professor José Pacheco, te convido para realizar a leitura de uma crônica sobre projetos, que irá contribuir para a sua visão crítica sobre os projetos escolares e sua relação com a aprendizagem dos alunos. Fica o questionamento sempre: os projetos defendidos pela escolas estimulam a aprendizagem dos alunos? Sugestão de estudo complementar Para saber mais sobre aprender em comunidade, assista à palestra do professor português José Pacheco. Neste vídeo ele destaca algumas experiências vivenciadas na Escola da Ponte, em Portugal. Assista: https://www.youtube.com/watch?v=NMNVc0Yz434. Para refletir Leia uma crônica intitulada “Projetos” do livro“Reconfigurar a Escola, Transformar a Educação”, do José Pacheco (2018, pp. 61-63). Perceba a visão crítica do autor sobre o tema de projetos e sua relação com a aprendizagem dos alunos. Projetos A educação parece ser um “reino do faz de conta”. Aqui, trabalhamos por projetos – apressou-se a dizer a simpática diretora. E fez-me sentar junto de um aluno, para que eu visse “o projeto que ele fez”. Sentamo-nos num canto de uma biblioteca vazia. Quis saber o seu nome. Dei-lhe um abraço e perguntei: Qual é o teu projeto, meu jovem? É sobre o tubarão – respondeu. Então, tu quiseste estudar o tubarão... Não, tio. Eu não queria estudar o tubarão. Não quiseste estudar o tubarão e estás a estudar o tubarão? Explica, por favor. O tubarão é um tema, tio. Na semana passada, a senhora diretora foi à nossa sala e disse que, nesta semana, vinha cá um senhor, para ver a gente a fazer projetos. E a tia perguntou o que nós queríamos estudar. Eu queria estudar robótica. Mas a tia fez uma votação. A maioria da turma queria estudar o tubarão. Aí, a tia disse que o tema era tubarão. E que era para todo mundo. Compreendi. E, agora, o que estás a fazer? Estou a fazer pesquisa. A esperança, que em mim esmorecera, reacendeu-se: Posso ver? O jovem abriu o caderno e eu li; “Pesquisa: O tubarão não pode parar de nadar, conforme gravura anexa.” Interrompi a leitura e perguntei: Onde está a gravura anexa? Está no livro, tio. Se está no livro, mas não está neste caderno, por que escreveste no caderno “conforme a gravura anexa”? Porque é o que está no livro, tio. 74 CAPÍTULO 4 • NOvAS TECNOLOgIAS DA INFORMAçãO E DA COMuNICAçãO E METODOLOgIA DE PROJETOS: EM BuSCA DE PRáTICAS PEDAgÓgICAS CONTEXTuALIzADAS Agradeci a amabilidade do jovem e, pesaroso, afastei-me. Aquele aluno não estava a fazer um projeto, não estava a aprender. Estava a copiar a informação inútil e a perder tempo. Soube, mais tarde, que essa escola recebeu um prêmio... Impunemente, muitas escolas disfarçam a grave lacuna de não cumprirem (na prática) o seu PP-P (escrito). Nelas, o professor confecciona projetos com cada aluno, a partir de necessidades, desejos, interesses. Desperdiça o seu precioso tempo planejando aulas, quando deveria ensinar o aluno a planejar: saber gerir tempos, espaços, recursos. Tenta transmitir informação, quando deveria propor roteiros de estudo, habilitar o aluno na pesquisa, assegurar mediação pedagógica, propiciar a passagem da informação à produção de conhecimento. Impunemente, secretarias burocratizadas legitimam o “faz-de-conta”, enquanto praticam um legalismo desprovido de legalidade. Impunemente, produzem portarias, resoluções e outros normativos, que atentam contra o dispositivo na Lei de Diretrizes e Bases e perpetuam um modelo de escola obsoleto. A educação anda à deriva de ocultos interesses. Sacrifica-se a ética no altar da “governabilidade”. Ignora-se que nas decisões de política educativa devem prevalecer critérios de natureza pedagógica, pereniza-se o “faz-de-conta”. Até quando iremos adiar o projeto educacional, que poderá fazer do Brasil um país próspero e fraterno? No MEC, um ministro pedagogo já foi substituído por um economista. Mutatis mutandis, espero ver, um dia, um pedagogo a dirigir o Ministério da Economia. 75 Figura 35. Trabalho Docente e sua Multidimensionalidade. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/teachers-characters-educational-tools-stationery-ball-1470650177. Introdução do Capítulo O quinto capítulo leva em consideração o trabalho docente e sua multidimensionalidade. Sendo assim, os dilemas da profissão docente, bem como a cultura organizacional das escolas são enfatizados. Esperamos que este capítulo possa te ajudar a analisar como a função do professor está inserida na forma escolar de socialização e sua lógica específica de funcionamento, o que implica investigação que abarque seus aspectos coletivos para além dos dilemas individuais da profissão. Objetivos » Refletir criticamente sobre o trabalho docente e sua multidimensionalidade. » Compreender os dilemas da profissão docente. 5 CAPÍTULO O TRABALHO DOCENTE E SuA MuLTIDIMENSIONALIDADE: DILEMAS DA PROFISSãO DOCENTE E CuLTuRA ORgANIzACIONAL DA ESCOLA 76 CAPÍTULO 5 • O TRABALHO DOCENTE E SuA MuLTIDIMENSIONALIDADE: DILEMAS DA PROFISSãO DOCENTE E CuLTuRA ORgANIzACIONAL DA ESCOLA » Analisar a cultura organizacional da escola a partir da perspectiva da didática fundamental. 5.1 Trabalho Docente, Ensino e Escola: Dilemas da Profissão É muito importante refletirmos sobre o trabalho docente e a sua multidimensionalidade. Sendo assim, questões sobre ensino e escola devem estar presentes nessa análise. Ao enfatizarmos os dilemas da profissão docente, estamos adotando uma consciência crítica, o que não significa dizer que estamos de mãos atadas e que nada podemos fazer para mudar realidades já consolidadas. Acreditamos que já tenha ficado muito claro, na leitura deste livro didático, que somos do grupo dos educadores (e futuros educadores) que leva a esperança pedagógica de transformação social e cultural, ainda que seja um processo difícil. Acreditamos em projetos educativos contextualizados e é por isso que devemos integrar análises sobre escola e gestão escolar, ampliando a eficácia de currículos bem elaborados. Ter um olhar reflexivo e crítico sobre a multidimensionalidade do trabalho docente é reconhecer que esse trabalho é interativo e sofre influência social, cultural, política e econômica. E quem acompanha todas essas transformações sociais é a escola. Por isso, a escola e o trabalho docente devem ser vistos como dois importantes aspectos que dão vida à educação. É na escola que os processos educativos ocorrem e é por causa do trabalho docente que eles existem. No que concerne à vivência no espaço escolar, Penna (2011, p. 17) argumenta que esse espaço pressupõe formas específicas de socialização, além de saberes a ela relacionados e funções a serem desempenhadas, que acabam por constituir a cultura escolar. A escola é o lugar de se aprender formas de exercício de poder, de obediência a regras impessoais, que se impõem a alunos e professores Para que possamos compreender o magistério atualmente, recorremos à análise de Candau (2009), que argumenta sobre os principais desafios dos professores, cuja atividade é considerada de risco, desafiando a resistência dos professores, sua saúde e equilíbrio emocional, capacidade de enfrentar, a cada dia, conflitos e construir experiências pedagógicas significativas. No entanto, apostamos aqui que é possível fazer algo além do que se lamentar. É possível ir à luta e buscar forças para lidar com os dilemas educacionais, que não são poucos. O primeiro dilema de Candau (2009) se refere a “entre saberes e culturas: o que ensinar?” Para a referida autora o conhecimento escolar não é um “dado” inquestionável e “neutro”, a 77 O TRABALHO DOCENTE E SuA MuLTIDIMENSIONALIDADE: DILEMAS DA PROFISSãO DOCENTE E CuLTuRA ORgANIzACIONAL DA ESCOLA • CAPÍTULO 5 partir do qual os professores configuram o ensino. É uma construção permeada por relações sociais e culturais, processos complexos de transposição/recontextualização didática e dinâmicas que têm de ser ressignificadas continuamente. Por isso que perguntas como “o que ensinar?” e “como favorecer aprendizagens significativas”, que antes eram óbvias e tranquilas, hoje são questões desestabilizadoras e instigantes, que admitem respostas múltiplas, segundo as concepções epistemológicas e educativas das práticas educativas. O segundo dilema se refere ao seguinte questionamento: “Nossos alunos e alunas: identidades plurais e fluidas que nos escapam a cada momento?”. Se antes tínhamos o “aluno médio”, hoje é evidente que presenciamos diferentes identidades na sala de aula. Conforme explicita Candau (2009), são diferenças de gênero, físico-sensoriais, étnicas, religiosas, de contextos sociais de referência, de orientação sexual, entre outras, que se viabilizame são expressas nos cenários escolares. Sendo assim, os alunos estão exigindo dos educadores novas formas de reconhecimento de suas alteridades, de atuar, negociar, dialogar, propor e criar. Os professores são desafiados a superar visões homogêneas e padronizadoras, abrindo espaço para compreender novas configurações identitárias, plurais, fluidas, presentes nas escolas e na sociedade. O terceiro dilema se refere ao seguinte desafio: “Entre o quadro negro/verde/branco e as tecnologias da informação e comunicação: que dinâmicas construir na sala de aula?”. O ensino frontal está sendo confrontado, pois a familiaridade das crianças e adolescentes com as TICs é cada vez maior. Os alunos manifestam intimidade com este mundo, “navegam” com autonomia e, muitas vezes, ensinam seus professores. Sendo assim, Candau (2009), indaga: Como integrar de modo consistente as TICs nos processos de ensino-aprendizagem? Como utilizá-las na perspectiva de favorecer processos de construção de conhecimento, análise e reflexões críticas? Como operar com as múltiplas possibilidades que as TICs oferecem a partir de uma visão reflexiva e crítica de sua utilização, tanto no meio escolar, como na sociedade em geral? Temos muitos desafios para integrar as TICs na educação contemporânea. O quarto e último dilema possui a seguinte reflexão: “Que significa cidadania em sociedades marcadas pelo individualismo e a cultura do consumo? Qual o papel da escola nesta perspectiva?”. Um dos grandes desafios da escola é a formação para a cidadania. Como fazer isso na lógica individualista e de consumo, que assola a sociedade contemporânea? Desta forma, Candau (2009) faz a seguintes reflexões: De que cidadania falamos? Que cidadania queremos ajudar a construir? Como ressignificar este conceito que está relacionado com a dimensão pública, sociopolítica e coletiva da vida? Sendo assim, é preciso se preocupar com uma cidadania diferenciada, que articule igualdade e diferença. Para a referida autora, muitas são hoje as experiências de voluntariado, projetos promovidos por organizações não-governamentais e outros da sociedade civil que apontam nesta direção. 78 CAPÍTULO 5 • O TRABALHO DOCENTE E SuA MuLTIDIMENSIONALIDADE: DILEMAS DA PROFISSãO DOCENTE E CuLTuRA ORgANIzACIONAL DA ESCOLA Isso significa que a escola não pode se isentar dessa construção de rede de solidariedade }e compromisso social. Os quatro conceitos trazidos por Candau (2009) ajudam a desnaturalizar a profissão docente e podem ressignificar saberes, práticas, atitudes e compromissos cotidianos orientados para a promoção de uma educação de qualidade social para todos. É ou não é uma possibilidade de transformação social? Só depende do nosso ponto de vista. É melhor optarmos pelas oportunidades que podem surgir nos desafios do que ficarmos presos aos problemas, sem perspectiva de mudanças. 5.2 Cultura Organizacional da Escola: Em busca de uma didática fundamental Toda pessoa que estuda educação e já entrou em uma escola consegue perceber, ainda que inicialmente e sem certo aprofundamento, como é a cultura organizacional de uma escola e como esta cultura influencia a construção da identidade da instituição. Como podemos, então, alcançar uma didática contextualizada aliando os atores sociais, os projetos educativos e seus respectivos espaços institucionais? Para Libâneo (2004 apud SEGURA, 2007), a cultura organizacional da escola é algo que surge da interação entre diretores, professores, coordenadores, funcionários e alunos na vivência do dia a dia. São crenças, valores, modos de agir e práticas que configuram traços culturais próprios da escola. Podemos dizer que isso se refere à identidade institucional da escola. Quanto melhores forem as relações estabelecidas na instituição, melhor será essa identidade e mais agradável será o clima de trabalho sentido pelos seus atores sociais. Provocação Recentemente a humanidade foi atingida pela pandemia da COVID-19, um vírus mortal (coronavírus), que se espalhou pelo mundo todo, causando grandes transformações sociais, políticas e econômicas. Em 2020 a educação brasileira teve que se readaptar aos novos desafios de conviver com essa pandemia e por isso muitos desafios ainda estão presentes no trabalho docente, na aprendizagem dos alunos e no cotidiano das escolas. Estamos diante de um grande problema social e os currículos escolares estão se reconfigurando constantemente por causa desse contratempo. É por isso que estamos trazendo alguns desafios educacionais que estão fazendo parte desses atuais tempos, nos quais a incerteza é uma constante para o planejamento educacional de currículos escolares. Para que você possa aprofundar o seu conhecimento sobre o assunto, listamos alguns desafios trazidos por Mattjie (2020): a) falta de planejamento; b) dificuldade de acesso a um computador e/ou internet; c) programas de adaptação; d) estresse e ansiedade por conta do confinamento. Leia na íntegra o texto “Educação em tempos de pandemia: os desafios de alunos e professores: https://ensino.digital/blog/educacao-em-tempos-de-pandemia-os-desafios-de-alunos-e-professores. 79 O TRABALHO DOCENTE E SuA MuLTIDIMENSIONALIDADE: DILEMAS DA PROFISSãO DOCENTE E CuLTuRA ORgANIzACIONAL DA ESCOLA • CAPÍTULO 5 No que concerne aos estudos de Nóvoa (1995), a cultura organizacional tanto desempenha um importante papel de integração, como também é um fator de diferenciação externa. As modalidades de interação com o meio social envolvente constituem um dos principais aspectos na análise da cultura organizacional das escolas. Para o autor, falar de cultura organizacional é falar dos projetos de escola, com ênfase para uma ação educativa que busca novas vias para se exprimir. Por isso é importante que as escolas vejam os projetos educativos como fatores importantes que constroem a identidade institucional e organizacional das escolas. Podemos ampliar ainda mais o debate trazendo os achados de Sarasola (2004, pp. 14-15), que cita seis itens que podem estar presentes na cultura organizacional das escolas: » Colaboração/Reconhecimento: este elemento reconhece, em nível interpessoal, as relações entre os docentes. Está relacionado ao valor das boas relações, da ajuda aos companheiros e da confiança. Inclui também estímulo pelo reconhecimento do trabalho bem-feito e ajuda para lidar com novas ações, não em uma estrutura organizacional formal e hierárquica, mas de uma forma mais humanista e informal. » Liderança Transformacional: está vinculada à capacidade do gestor em considerar individualmente cada docente e em considerá-lo como membro da comunidade escolar, ao se relacionar com os colegas, empreendendo ações inovadoras. Essa atitude poderá promover espaços de desenvolvimento e autonomia profissional do professor. » Professores eficazes: a eficácia docente reconhece dimensões pessoais da prática, como a reflexão sobre a prática e o impacto que um bom desempenho tem no resto da comunidade escolar. Existe, acima de tudo, ênfase na sala de aula como espaço importante para a formação dos alunos para o seu futuro, reconhecendo o valor da investigação educativa como nutriente do seu trabalho. » Colegialidade: este elemento tem a ver com a dimensão mais profissional das relações entre os diferentes membros da comunidade escolar. A maneira e o tempo que os professores se dedicam a trocas sobre o que se deve ensinar e como ensinar nos diferentes cursos, bem como questionam formas de avaliar as aprendizagens. São também pensadas as estratégias de trabalho sobre o comportamento dos alunos e atenção às suas diferenças e ao desenvolvimento de seu potencial criativo. » Planejamento/Visão Compartilhada: este elemento visa reconhecer a capacidade da comunidade escolar em compartilhar o planejamento através de sistemas de decisões que asseguram a participação dos professores, que é fundamental para se construir o presente e o futuro da instituição. Além disso, garante uma supervisãoadequada dos projetos através de sua avaliação sistemática com relação às prioridades centrais. 80 CAPÍTULO 5 • O TRABALHO DOCENTE E SuA MuLTIDIMENSIONALIDADE: DILEMAS DA PROFISSãO DOCENTE E CuLTuRA ORgANIzACIONAL DA ESCOLA » Professores que aprendem: este elemento pretende resgatar um dos âmbitos fundamentais da aprendizagem organizacional, que é a aprendizagem dos professores. Sua capacidade para renovar-se e preocupação para buscar e implementar novas maneiras de melhorar o seu trabalho em sala de aula são considerados. Os professores aprendem juntos aos outros professores, reconhecendo a capacidade de aprendizagem de colegas e alunos. Os gestores escolares ajudam a promover essas convicções. É importante comentar que Sarasola (2004, pp. 7-8) defende dois conceitos pertinentes à análise da cultura organizacional das escolas. São eles: cultura transformacional e cultura transacional. A Cultura Transformacional se caracteriza por promover e apoiar inovações e discutir temas e ideias que abrem novas oportunidades em vez de inibi-las (BASS, 1998, apud SARASOLA, 2004). A liderança é exercida de forma que os objetivos organizacionais e os propósitos são assumidos como próprios de todos os atores da comunidade escolar e isso seria um aspecto fundamental da visão organizacional. Há um sentimento generalizado de propósito e um sentimento de família. Os membros adiam seus interesses pessoais em favor dos interesses da comunidade escolar, em contraposição ao que ocorre na cultura transacional (BASS; AVOLIO, 1993, p. 3 apud SARASOLA, 2004, p. 8). A cultura transacional está toda concentrada nas relações contratuais, tanto explicitamente quanto implicitamente (BASS; AVOLIO, 1993, p. 3 apud SARASOLA, 2004, p. 8). Nesta cultura tudo tem um preço fixado e cada ação atribuída ao seu valor. Os autores anteriormente citados comentaram que nesse tipo de cultura o individualismo é muito forte e, portanto, os interesses individuais são enfatizados em detrimento dos interesses organizacionais. Além disso, já que os membros destas instituições não se identificam com a missão, os compromissos são sempre a curto prazo. As organizações que possuem a cultura transacional são consideradas rígidas e menos flexíveis, em comparação com as organizações de cultura transformacional. Que cultura escolar está mais em consonância com a reflexão que estamos fazemos neste livro didático? A cultura transformacional ou a cultura transacional? Com certeza a cultura transacional nos aproxima daquilo que almejamos: currículos construídos de forma contextualizada. Para que possamos fechar a nossa reflexão com chave de ouro, devemos considerar a didática fundamental (CANDAU, 1996), expressa no seguinte trecho: A perspectiva fundamental da didática assume a multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem e coloca a articulação das três dimensões, técnica, humana e política, no centro configurador de sua temática. Procura partir da análise da prática pedagógica concreta e de seus determinantes. Contextualiza a prática pedagógica e procura repensar as dimensões técnica e humana, sempre “situando-as”. Analisa as diferentes 81 O TRABALHO DOCENTE E SuA MuLTIDIMENSIONALIDADE: DILEMAS DA PROFISSãO DOCENTE E CuLTuRA ORgANIzACIONAL DA ESCOLA • CAPÍTULO 5 metodologias explicitando seus pressupostos, o contexto em que foram geradas, a visão de homem, de sociedade, de conhecimento e de educação que veiculam. Elabora a reflexão didática a partir da análise e da reflexão sobre experiências concretas, procurando trabalhar continuamente a relação teoria-prática. Nesta perspectiva, a reflexão didática parte do compromisso com a transformação social, com a busca de práticas pedagógicas que tornem o ensino eficiente (não se deve ter medo da palavra) para a maioria da população. Ensaia. Analisa. Experimenta. Rompe com a prática profissional individualista. Promove o trabalho em comum de professores e especialistas. Busca formas de aumentar a permanência das crianças na escola. Discute a questão do currículo em sua interação com uma população concreta e suas exigências etc. (CANDAU, 1996, p. 20). O trecho de Candau (1996) nos afirma a importância de vivenciarmos uma didática contextualizada (fundamental) e por isso devemos negar a concepção da didática instrumental, que significa a técnica pela técnica, sem contextualização dos processos pedagógicos. Todo livro didático foi baseado na didática fundamental, pois articula as dimensões técnica (sim, ela é importante, mas é uma técnica contextualizada), humana (importância das relações éticas e humanas presentes nos processos educativos) e político-social (contextualizações políticas e sociais sobre o contexto sócio-histórico do qual fazemos parte), evidenciadas pelas discussões e reflexões feitas nos capítulos. Sendo assim, as análises que fizemos sobre conhecimento escolar, currículo e formação de professores revelam que temos muito o que fazer para que os projetos educativos estejam em consonância com a multidimensionalidade didática. É um desafio grande, mas estamos dispostos a enfrentá-los! A recompensa? A luta por uma educação de qualidade para que possamos trilhar o constante caminho do aprender a aprender. Sugestão de estudo complementar Sugerimos o vídeo abaixo como um importante instrumento de estudo sobre temas muito importantes sobre didática, currículo e formação de professores. Apesar de ser um vídeo longo, vale muito a pena ouvir e estudar as reflexões feitas por cada um dos professores convidados. Dica: assista ao vídeo fazendo anotações no seu caderno de estudos. Se for necessário, pause o vídeo para registrar por escrito essas falas e suas percepções. Você terá um material poderoso de estudo nas mãos. Sessão especial: Didática, Currículo e Formação de Professores: relações históricas e emancipadoras – Outra Conversa Maria Rita Neto Sales Oliveira (CEFET/MG) Antonio Flavio Barbosa Moreira (UCP) Bernardete A. Gatti (FFC) Mediação: Isabel Alice Oswald Monteiro Lelis (PUC-Rio) Lançamento do livro comemorativo à vigésima edição do ENDIPE Fazeres-Saberes Pedagógicos: Diálogos, Insurgências e Políticas Giseli Barreto da Cruz – Vera Maria F. Candau – Claudia Fernandes (orgs.) Petrópolis/RJ – Editora Vozes – 2020 Link: https://www.youtube.com/watch?v=bP7YDDRSVgs. https://www.youtube.com/watch?v=bP7YDDRSVgs 82 Figura 36. Fonte: www.shutterstock.com.1459233707. Chegamos ao último capítulo da nossa disciplina e até aqui aprendemos sobre as diversas perspectivas do currículo escolar e suas relações com o conhecimento escolar e com a formação de professores. Estudamos sobre as teorias tradicionais, as teorias críticas e pós-críticas de currículo. Conhecemos os saberes necessários ao pedagogo na Base Nacional Comum para a Formação de Professores da Educação Básica (BNC – Formação). Compreendemos a didática intercultural e a diversidade cultural na formação de professores. Estudamos as novas tecnologias da informação e da comunicação e sua relação com a metodologia de projetos, contribuindo para o olhar da ação educativa na era digital. Analisamos o trabalho docente e sua multidimensionalidade a partir dos dilemas da profissão e da cultura organizacional da escola. Um caminho de conhecimento foi percorrido e agora na reta final estudaremos o planejamento escolar e o projeto pedagógico curricular. Iremos estudar como o Projeto Político-pedagógico (PPP) pode ajudar na construção dos currículos escolares, bem como na sua efetiva implementação nos currículos planejados. Desta forma, iremos compreender a relação do PPP com a cidadania. Estudaremos a relação entre conhecimento escolar e currículo a partir dos processos de ensino-aprendizagem e da relação estabelecida com a comunidade. Iremos compreender as propostas pedagógicas para a educação infantil, 6 CAPÍTULO O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR 83 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6para o ensino fundamental e o ensino médio, a partir da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Após a finalização do nosso estudo, ainda teremos muitas indagações, dúvidas e incertezas, pois estamos estudando um dos temas mais complexos da humanidade: a educação. Por sua complexidade e multidimensionalidade, não temos respostas prontas e acabadas para os diversos dilemas que permeiam a profissão docente. Mas não desanime! A compreensão dos problemas educacionais e sua contextualização com a realidade social, política, econômica e cultural é a chave para que possamos construir currículos cada vez mais assertivos com o mundo que queremos viver! É um comprometimento ético e político! É sim um desafio, mas um dos mais emocionantes na vida de todo professor! Que venha o último capítulo para fecharmos com chave de ouro o nosso estudo sobre currículo e conhecimento escolar! Objetivos » Compreender a relação do projeto político-pedagógico (PPP) com a cidadania. » Analisar o conhecimento escolar e o currículo a partir dos processos de ensino-aprendizagem. » Compreender a relação entre currículo, escola e comunidade. » Compreender a proposta pedagógica da educação infantil, séries iniciais do ensino fundamental e ensino médio. 6.1 O Projeto Político-Pedagógico da escola na perspectiva de uma educação para a cidadania Compreender o projeto político-pedagógico (PPP) implica enfatizar conceitos muito importantes nessa construção, tais como: gestão democrática, currículo, conhecimento escolar, tempo escolar e avaliação. Sendo assim, o estudo do currículo deve levar em consideração todo o planejamento escolar e o PPP construídos coletivamente na escola. Desta forma, convidamos você a revisitar as disciplinas de sua formação que aprofundam os conceitos listados acima, bem como orientamos que o estudo do currículo seja algo contínuo, tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista da prática, a partir dos estágios supervisionados e/ou das experiências vividas como professores de turmas nas escolas. Muito importante também é resgatar as memórias do seu processo de escolarização. Ao lembrar de situações escolares vividas em sua trajetória de vida (tanto positivas como 84 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR negativas), você aprofunda a compreensão dos fenômenos e dilemas educacionais, à medida que você estabelece relação entre o que está aprendendo teoricamente sobre o currículo e suas vivências escolares. Essa relação costuma ser muito significativa, pois você pode ressignificar o momento vivido a partir do conhecimento que está adquirindo. Um outro ponto muito importante no estudo do currículo é: estudar currículo significa se conectar a vários conceitos educacionais. Ou seja, está tudo conectado quando o assunto é currículo! Compreender os diversos temas da área educacional é uma boa forma de estudar o currículo e sua multidimensionalidade, sua contextualização sócio-histórica e sua relação com os processos de ensino-aprendizagem e conhecimento escolar. Segundo Veiga (2011, p. 33), para que possamos contextualizar a importância do PPP para a construção de currículos, precisamos ter em mente que o projeto político-pedagógico da escola é uma reflexão do seu cotidiano, exigindo continuidade das ações, compartilhamento das decisões, envolvimento de toda a comunidade, partilha das tomadas de decisão, avaliação de todo o processo de forma coletiva. É necessário, portanto, gerar uma nova forma de organização do trabalho pedagógico. A escola é uma realidade temporal instituída. Desenvolve-se num espaço e tempo histórico. Compreender os problemas postos pela prática pedagógica passa a ser uma exigência da gestão democrática. O projeto é a identidade da escola, que orienta as ações pedagógicas. A avaliação das atividades pedagógicas leva à reflexão com base em informações sobre como a escola se organiza para colocar em ação o seu projeto (VEIGA, 2013, p. 160). Essa organização da escola depende de muito fatores, mas o principal é o senso de coletividade, pois essa construção em conjunto implica um planejamento escolar quer leve em consideração: a) construção coletiva; b) gestão da escola; c) relações de poder; d) autonomia; e) princípios básicos do planejamento participativo; f ) relações de ensino-aprendizagem; g) organização dos educadores (VEIGA, 2011). Quando assumimos as relações da escola a partir dos seus cotidianos, devemos ter em mente que: [...] para entender as peculiaridades dos intercâmbios dentro da instituição, é imprescindível compreender a dinâmica interativa entre as características das estruturas organizativas e as atitudes, os interesses, os papéis e os comportamentos dos indivíduos e dos grupos (PÉREZ GÓMEZ, 2001, pp. 131-132 apud VEIGA, 2013, p. 160). Sendo assim, a coletividade exige uma postura de valorização de todos os grupos pertencentes à escola. Isso implica reconhecer as diferenças existentes na escola. Isso também exige uma postura de diálogo constante para que haja um espaço democrático 85 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 para a organização do trabalho pedagógico na escola. Além disso, é preciso haver confiança nos educadores como profissionais e agentes de mudança, bem como uma visão sociopolítica da educação voltada para a emancipação humana. Trindade (2009 apud VEIGA 2013, p. 160-161) destaca três dimensões para que possamos compreender, e ter referências, sobre a função das relações que são vivenciadas no espaço escolar: » o epistemológico em função do qual se afirma a especificidade da escola como espaço relacionado. Uma relação que se constrói em função da importância e necessidade da existência da escola como uma instituição de socialização de cultura; » a praxe lógica, que diz respeito ao conjunto de iniciativas e decisões relativas às situações formativas, contando com a participação dos professores, alunos e outros profissionais da escola; » o político-pedagógico, que tem a ver com o conjunto de crenças e decisões que se constroem, ou são assumidas, em instâncias extremas à escola. Essa dimensão merece uma reflexão mais atenta das ideias e decisões, a fim de verificar como elas influenciam os debates, os projetos que têm lugar nos contextos educativos. O projeto político pedagógico não é um mero manual, ele deve expressar a identidade educativa da escola, descrevendo a filosofia, a metodologia, os processos avaliativos, enfim, evidenciando todas as diretrizes. Para realmente promover sentido, o currículo deve ser construído e dinamizado por toda comunidade escolar, gestores, professores, estudantes, entre outros. Veiga (2013, p. 163) salienta as três dimensões que são apontadas pela LDBEN (9394/96) na construção do projeto político-pedagógico. São elas: » a liberdade se expressa no âmbito do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 3o, inciso III) e da proposta de gestão democrática do ensino público (art. 3o, inciso VIII), a ser definida em cada sistema de ensino; » a flexibilidade que se vincula à autonomia, possibilitando à escola organizar o seu próprio trabalho pedagógico (art. 12, inciso I); » a avaliação reforça um aspecto importante a ser observado nos vários níveis do ensino público (art. 9o, inciso VI). No que concerne ao papel da avaliação do projeto político-pedagógico: 86 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR Acompanhar as atividades pedagógicas e avaliá-las conduz à reflexão, com base em dados e informações concretas sobre como a escola organiza-se para colocar em ação o seu projeto político-pedagógico orientado e coordenado por um processo de gestão democrática. Considerando a avaliação dessa forma integradora, é possível fazer duas observações importantes: a primeira, a avaliação é um ato dinâmico que qualifica e oferece subsídios ao projeto político-pedagógico; a segunda, ela permeia todo o processo de planejamentodo projeto: a elaboração, a execução e a avaliação propriamente dita. A avaliação, na perspectiva formativa e crítica, pode ser instrumento de inclusão, de sucesso e, portanto, democrática” (VEIGA, 2013, p. 164). Perceba que tudo o que estudamos até aqui sobre o projeto político-pedagógico está relacionado ao currículo escolar, o que implica a construção de um currículo que leve em consideração a reflexão coletiva e o fazer participativo. O projeto político-pedagógico, ao se constituir em processo democrático de decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que supere os conflitos, buscando eliminar as relações competitivas, corporativas, autoritárias, rompendo com a rotina do mando impessoal e racionalizado da burocracia que permeia as relações no interior da escola, diminuindo os efeitos fragmentários da divisão do trabalho que reforça as diferenças e hierarquiza os poderes de decisão (VEIGA, 2011, pp. 13-14). O que essa argumentação pode nos dizer a respeito do trabalho pedagógico na escola? São muitos os questionamentos possíveis. No entanto, é muito importante um comprometimento ético e político nesse contexto de produção curricular através do PPP. 6.2 Conhecimento Escolar, Currículo e Aprendizagem para todos: O Indivíduo e a Aprendizagem Com relação ao conhecimento escolar, ao currículo e à aprendizagem, trazemos as contribuições de Libâneo (2012) para que possamos refletir as implicações que os três conceitos possuem quando relacionados entre si. Temos a relação dinâmica entre professor, aluno e matéria, que formam o triângulo didático. Veja na figura abaixo: Sugestão de estudo complementar Sugerimos o vídeo abaixo como forma de complementar o estudo sobre o PPP e sua dimensão ética e cidadã: D-01 - Educação e Sociedade - Projeto Político Pedagógico Link: https://www.youtube.com/watch?v=kCWvLWR_0XU 87 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 Figura 37. Triângulo Didático. Matéria Professor Aluno Fonte: Adaptado de Libâneo, 2012, p. 51. A partir desse triângulo didático, temos quatro elementos que nos ajudam a pensar na relação entre conhecimento escolar, currículo e aprendizagem: Tabela 11. Triângulo Didático. Quatro elementos a partir do Triângulo Didático – professor, aluno, matéria (LIBÂNEO, 2012, pp. 51-52) “Para que ensinar?” – põe o problema dos objetivos da educação geral: o que se espera da escola e do ensino em relação à formação humana, consideradas as demandas e exigências da sociedade, da localidade, do desenvolvimento científico e tecnológico, das exigências pela qualidade de vida? Que objetivos definir numa sociedade marcada por desigualdades sociais, econômicas, culturais, em que os grupos sociais dominantes exercem influência determinante sobre objetivos e conteúdos da educação escolar? “Para que ensinar” consiste, assim. Numa questão crucial, que antecede tudo o mais. “O que ensinar?” – remete à análise e à organização dos conteúdos, decorrentes de exigências sociais, culturais, políticas, éticas, ação essa intimamente ligada aos objetivos, os quais expressam as intenções sociais e políticas de ensino. A análise dos conteúdos implica, ao menos, os conceitos básicos das matérias e respectivos métodos de investigação, a adequação às idades e ao nível de desenvolvimento mental dos alunos, aos processos internos de interiorização, aos processos comunicativos na sala de aula, aos significados sociais dos conhecimentos. “Quem ensina” – remete aos agentes educativos, presentes na família, no trabalho, nas mídias. Na escola, o professor põe-se como mediador entre o aluno e os objetos de conhecimento, enquanto os alunos estabelecem com esses objetos uma relação cognitiva, envolvendo significados e sentidos. “Quem ensina” supõe, pois, “quem aprende”, incluindo aí as características individuais e socioculturais. A par disso, professores e alunos são sujeitos envolvidos numa relação social que se materializa na sala de aula, mas também na dinâmica das relações internas que ocorrem na escola, em suas práticas organizativas e institucionais, o que remete ao “como ensinar” e aos contextos e condições em que se realiza o ensino. “Como ensinar” – corresponde aos métodos, procedimentos e formas de organização do ensino, em estreita relação com as características individuais e socioculturais e motivos dos alunos, estando presentes, também, no processo de constituição dos objetos de conhecimentos. Fonte: Libâneo, 2012, pp. 51-52. Os quatro elementos enfatizados nos ajudam a pensar sobre a construção de currículos escolares que possam dar conta da aprendizagem dos alunos, sempre contextualizadas com a dimensões sociais e culturais. Para tal, é preciso reconhecer que o trabalho docente é de fundamental importância para esse processo. A relação existente entre a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem perpassa por quatro características: a) a atividade de aprendizagem refere-se à apropriação pelo aluno de conhecimentos, habilidades e modos de ação; trata-se de priorizar na escola a apropriação de conceitos científicos, tendo-se como pressuposto que a questão central do ensino é o 88 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR conhecimento, ou melhor, o processo mental do conhecimento, ou ainda, o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos por meio dos conhecimentos sistematizados nos conteúdos escolares; b) os modos de realizar a atividade de ensino precisam ser aprendidos, ou melhor, apropriados por quem vai desempenhar essa atividade; na formação profissional, a atividade de ensino (aprender a ensinar) converte-se em atividade de aprendizagem, de modo que as diretrizes de formação profissional precisam orientar sobre os modos pelos quais deve ser conduzida a atividade de aprendizagem; c) a atividade de ensino tem como centro (núcleo) a estruturação das tarefas de aprendizagem (ou tarefas cognitivas como análise e síntese, comparação, solução de problemas, formulação de hipóteses etc) que mobilizam, orientam e viabilizam a atividade de aprendizagem dos alunos em relação à apropriação de conceitos científicos; d) a atividade de ensino realiza-se em contextos de práticas socioculturais e institucionais, também intervenientes das formas de apropriação, de aprendizagem, de relações sociais, de utilização dos conhecimentos como ferramentas cultuais (LIBÂNEO, 2012, pp. 55-56). O foco na aprendizagem dos alunos é um dos mais importantes elementos de um currículo escolar e cabe a cada escola providenciar um planejamento consistente e sistemático de suas ações educativas a fim de que possa ter um currículo que consiga atender a todos os objetivos educacionais elencados pela instituição educativa. 6.3 Currículo, Escola e Comunidade: Relações e Possibilidades O currículo, a escola e a comunidade estão interconectados e ao longo da nossa disciplina já estudamos a contribuição de cada um desses conceitos para uma educação de qualidade. No que concerne à comunidade, corroboramos sua importância para um projeto pedagógico contextualizado, bem como um currículo participativo, no qual as famílias, os moradores da localidade da escola e todos os integrantes da escola possam estar engajados em projetos em comum, que visam à transformação da realidade local. Nesse sentido, são bem-vindos projetos pedagógicos que possam atender à comunidade da escola, a fim de que as famílias possam participar do cotidiano escolar, abrindo a escola para um total engajamento com a sua comunidade. É preciso, então, que esse planejamento dê conta de atender às demandas da escola e da comunidade. Pensar sobre a escola significa levar em consideração alguns fatores importantes que contextualizam a instituição de ensino no espaço e no tempo. Nóvoa (2002) nos traz a análise sobre a educação ser vista como referência primeira dos projetos de reforma social. Apesar do “discurso decrise”, que atravessa o pensamento sobre a escola desde finais 89 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 do século XIX, o pensamento educacional estaria dividido em dois eixos principais: a) o primeiro eixo seria referente à descentralização, à autonomia, a comunidades, proximidade ao local, envolvimento das famílias; b) já o segundo eixo seria referente à avaliação, à eficiência, à responsabilidade, à disciplina, à autoridade e à exigência acadêmica. Nóvoa argumenta que é necessário trabalhar para aumentar o compromisso social com a educação, acolhendo e apoiando iniciativas de famílias, associações, de poderes locais ou de professores, que se desenvolvam num quadro de abertura e de integração de todas as crianças, evidenciando assim um espaço público de educação. De acordo com Nóvoa (2002, p. 8-9): A escola não é o princípio da transformação das coisas. Ela faz parte de uma rede complexa de instituições e de práticas culturais. Não vale mais, nem menos, do que a sociedade em que está inserida. A condição de sua mudança não reside num apelo à grandiosidade da sua missão, mas antes na criação de condições que permitam um trabalho diário, profissionalmente qualificado e apoiado do ponto de vista social. A metáfora do continente (grandes sistemas de ensino) não convém à escola do século XXI. É na imagem do arquipélago (a ligação entre pequenas ilhas) que melhor identificamos o esforço que importa realizar. Duas reflexões são feitas por Nóvoa (Idem): a) Como conseguir que as famílias e as comunidades sintam que a escola lhes pertence sem que, ao mesmo tempo, se fechem na “sua” escola?; b) Como conseguir que a educação responda aos anseios e aos desejos de cada um sem que, ao mesmo tempo, renuncie à integração de todos numa cultura partilhada? Para tais questões, o autor sugeriu três apontamentos pertinentes para a renovação da educação como espaço público: » “Poder organizador” das escolas: esse conceito foi inspirado em Perrenoud (2002 apud Nóvoa, 2002) para sugerir novas modalidades de funcionamento das escolas. O verdadeiro desafio consiste em evitar processos atomizados de decisão, consolidando uma responsabilidade coletiva pela educação, sem recriar lógicas de planejamento centralizado (...) que ajudaram a legitimar a tendência atual para considerar a educação como bem privado e não como responsabilidade pública (WHITTY, 2001, p. 218 apud NÓVOA, 2002). O regresso a dinâmicas associativas, desenvolvidas no quadro da narrativa pública da educação, permitirá evitar tendências burocráticas e corporativas, sem cair numa visão fragmentada dos alunos como “clientes” e das escolas como “serviço privado” (CASTELLS, 1996; TOURAINE, 1992 apud NÓVOA, 2002). 90 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR » A escola como realidade multipolar: ao longo da história da educação, os sistemas de ensino organizaram-se a partir do “topo”, com estruturas burocráticas, corporativas e disciplinares que foram dissolvendo modos locais, familiares e tradicionais de promover a educação. A escola foi substituindo estes processos “informais”, assumindo o monopólio do ensino. Os professores tornaram-se os responsáveis públicos pela formação das crianças. Hoje, sabemos que este modelo escolar – espaços físicos fechados, estruturas curriculares rígidas, formas arcaicas de organização do trabalho – está fatalmente condenado. A escola deverá se definir como um espaço público, democrático e participado, no quadro de redes de comunicação e de cultura, de arte e de ciência. Seu futuro passa pela capacidade de “recuperar” práticas antigas (familiares, sociais, comunitárias), dentro do contexto de modalidades novas de cultura e de educação. » Um novo espaço de conhecimento: os debates sobre escola geralmente não levam em consideração o conhecimento. O conhecimento se encontra disponível numa diversidade de formas e lugares. Mas no momento de ensino é fundamental para explicar o conhecimento, revelar a sua evolução histórica e preparar para a sua apreensão crítica. Há quatro itens que merecem destaque: a) é preciso evitar que a educação exclua a “contemporaneidade”, reduzindo-se apenas às formas clássicas de conhecimento; b) é necessário contrariar tendências de desvalorização do conhecimento, pois a pedagogia está invariavelmente ligada aos conteúdos de ensino; c) é fundamental admitir novas formas de relação com o saber; a realidade atual do mundo da ciência e da arte define-se por uma complexidade e uma imprevisibilidade que a escola não pode continuar a ignorar; d) é importante compreender o impacto das tecnologias da informação e da comunicação, que transportam novas formas de conhecer e de aprender: “um dos maiores desafios da Galáxia Internet é a instalação da capacidade de processamento da informação e de produção de conhecimento em cada um de nós – e particularmente em cada criança” (CASTELLS, 2001, p. 278 apud NÓVOA, 2002). Os três apontamentos anteriormente citados procuram lançar as bases da renovação da educação como espaço público. O foco, então, está presente em três itens: comunidade (presença social), autonomia (reorganização da escola como realidade multipolar) e conhecimento (temática do saber e sua recomposição na sociedade atual). Nóvoa se preocupa com a formação docente e por isso defende que as famílias de competências – saber relacionar e saber relacionar-se, saber organizar e saber organizar-se, saber analisar e saber analisar-se – possam estar presentes nesta formação, pois são essenciais para que os professores se situem no novo espaço público da educação. 91 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 No que concerne aos dilemas da profissão docente, Nóvoa (2002) cita três: a) dilema da comunidade; b) dilema da autonomia; c) dilema do conhecimento. Todos os itens estão relacionados às famílias de competências citadas anteriormente. O dilema da comunidade se refere aos novos sentidos para o trabalho docente, conduzindo à valorização de competências profissionais (saber relacionar e saber relacionar-se). O “novo” espaço público da educação chama os professores a uma intervenção técnica, mas também a uma intervenção política, a uma participação nos debates sociais e culturais, a um trabalho continuado junto das comunidades locais. A formação de professores tem concedido pouca atenção a esta “família de competências” – expressivas e comunicacionais, tecnológicas e sociais – que definem grande parte do futuro da profissão. É posta em causa a própria concepção de trabalho pedagógico, tal como se consolidou nas escolas durante o último século. Vivenciamos uma transição fundamental nos processos identitários dos professores. O dilema da autonomia implica repensar o trabalho docente numa lógica de projeto e de colegialidade, pois é importante saber organizar e saber organizar-se. É preciso pensar sobre o projeto de escola: definição dos espaços e tempos letivos, agrupamentos dos alunos e das disciplinas, modalidades de ligação à “vida ativa”, gestão dos ciclos de aprendizagem, dentre outros. É preciso também enfatizar a colegialidade docente no sentido de promover a organização de espaços de aprendizagem interpares, de troca, de partilha. A definição de práticas e de dispositivos de avaliação, no interior e exterior das escolas e da profissão docente é instrumento essencial do diálogo entre as escolas e a sociedade, além de ser instrumento de regulação interna da ação pedagógica e profissional. O dilema do conhecimento é o último dilema citado por Nóvoa (2002). Com relação ao conhecimento profissional, o autor comenta que ele possui uma dimensão teórica, mas não é somente teórico, tem uma dimensão prática, mas não é apenas prático, tem uma dimensão experencial, mas não é unicamente produto da experiência. Ele é um conjunto de saberes, de competências e de atitudes mais a sua mobilização numa determinada açãoeducativa. Hoje em dia o papel dos professores como “investigadores” se faz presente nos contextos de “seminários de observação mútua”, nos “espaços de prática reflexiva”, nos “laboratórios de análise coletiva das práticas” até aos dispositivos de “supervisão dialógica”. Nóvoa defende o conceito de “transposição deliberativa”, que implica uma ação docente que exige um trabalho de deliberação, um espaço de discussão onde as práticas e as opiniões singulares adquiram visibilidade e sejam submetidas à opinião dos outros. É a partir daí que o “saber analisar” e “saber analisar-se” são considerados. 92 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR Com base na argumentação de Nóvoa sobre a comunidade (presença social), a autonomia (reorganização da escola como realidade multipolar) e o conhecimento (temática do saber e sua recomposição na sociedade atual), podemos refletir de que forma podemos conceber o currículo e o conhecimento escolar. São muitos desafios, mas estamos prontos para as batalhas pedagógicas! Figura 38. Educação e Propostas Pedagógicas. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/education-school-student-computer-network- technology-405274327. 6.4 A Proposta Pedagógica para a Educação Infantil A fim de que possamos conhecer a proposta pedagógica da educação infantil, iremos compreender de que forma essa proposta está estruturada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que desde 2017 está em vigor no Brasil e é obrigatória para todos os sistemas educacionais do país. A BNCC – educação infantil está estruturada em três itens: a) campos de experiência; b) objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para a Sugestão de estudo complementar Sugerimos que você assista ao documentário “Quando sinto que já sei” (2014, 78 minutos). Perceba de que forma há a integração com a comunidade nos diversos projetos relatados. O documentário “Quando sinto que já sei” registra práticas educacionais inovadoras que estão ocorrendo pelo Brasil. A obra reúne depoimentos de pais, alunos, educadores e profissionais de diversas áreas sobre a necessidade de mudanças no tradicional modelo de escola. Projeto independente, o filme partiu de questionamentos em relação à escola convencional, da percepção de que valores importantes da formação humana estavam sendo deixados fora da sala de aula. Durante dois anos, os realizadores visitaram iniciativas em oito cidades brasileiras – projetos que estão criando novas abordagens e caminhos para uma educação mais próxima da participação cidadã, da autonomia e da afetividade. A etapa final do projeto foi financiada com a colaboração de 487 apoiadores pela plataforma de financiamento coletivo Catarse. Link: https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg&t=201s. 93 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 educação infantil; c) transição da educação infantil para o ensino fundamental. Estudar a BNCC é analisar os currículos de educação infantil, o que contribui muito para construções curriculares com qualidade. Com relação aos campos de experiência, a BNCC destaca cinco campos de experiências: a) “o eu, o outro e o nós”; b) “corpo, gestos e movimentos”; c) “traços, sons, cores e formas”; d) “escuta, fala, pensamento e imaginação”; e) “espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”. Desta forma, vamos analisar o que Brasil (2018) destaca como importante nessa área. Desta forma, abaixo reproduzimos o que consta na referência indicada. Considerando que, na Educação Infantil, as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças têm como eixos estruturantes as interações e a brincadeira, assegurando-lhes os direitos de conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se, a organização curricular da Educação Infantil na BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Os campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural. A definição e a denominação dos campos de experiências também se baseiam no que dispõem as DCNEI em relação aos saberes e conhecimentos fundamentais a ser propiciados às crianças e associados às suas experiências. Considerando esses saberes e conhecimentos, os campos de experiências em que se organiza a BNCC são: O eu, o outro e o nós: é na interação com os pares e com adultos que as crianças vão constituindo um modo próprio de agir, sentir e pensar e vão descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas diferentes, com outros pontos de vista. Conforme vivem suas primeiras experiências sociais (na família, na instituição escolar, na coletividade), constroem percepções e questionamentos sobre si e sobre os outros, diferenciando-se e, simultaneamente, identificando- se como seres individuais e sociais. Ao mesmo tempo que participam de relações sociais e de cuidados pessoais, as crianças constroem sua autonomia e senso de autocuidado, de reciprocidade e de interdependência com o meio. Por sua vez, na Educação Infantil, é preciso criar oportunidades para que as crianças entrem em contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida, diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados pessoais e do grupo, costumes, celebrações e narrativas. Nessas experiências, elas podem ampliar o modo de perceber a si mesmas e ao outro, valorizar sua identidade, respeitar os outros e reconhecer as diferenças que nos constituem como seres humanos. 94 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR Corpo, gestos e movimentos: com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, conscientes dessa corporeidade. Por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de faz de conta, elas se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem. As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e, com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um risco à sua integridade física. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.). Traços, sons, cores e formas: conviver com diferentes manifestações artísticas, culturais e científicas, locais e universais, no cotidiano da instituição escolar, possibilita às crianças, por meio de experiências diversificadas, vivenciar diversas formas de expressão e linguagens, como as artes visuais (pintura, modelagem, colagem, fotografia etc.), a música, o teatro, a dança e o audiovisual, entre outras. Com base nessas experiências, elas se expressam por várias linguagens, criando suas próprias produções artísticas ou culturais, exercitando a autoria (coletiva e individual) com sons, traços, gestos, danças,mímicas, encenações, canções, desenhos, modelagens, manipulação de diversos materiais e de recursos tecnológicos. Essas experiências contribuem para que, desde muito pequenas, as crianças desenvolvam senso estético e crítico, o conhecimento de si mesmas, dos outros e da realidade que as cerca. Portanto, a Educação Infantil precisa promover a participação das crianças em tempos e espaços para a produção, manifestação e apreciação artística, de modo a favorecer o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade e da expressão pessoal das crianças, permitindo que se apropriem e reconfigurem, permanentemente, a cultura e potencializem suas singularidades, ao ampliar repertórios e interpretar suas experiências e vivências artísticas. 95 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 Escuta, fala, pensamento e imaginação: desde o nascimento, as crianças participam de situações comunicativas cotidianas com as pessoas com as quais interagem. As primeiras formas de interação do bebê são os movimentos do seu corpo, o olhar, a postura corporal, o sorriso, o choro e outros recursos vocais, que ganham sentido com a interpretação do outro. Progressivamente, as crianças vão ampliando e enriquecendo seu vocabulário e demais recursos de expressão e de compreensão, apropriando-se da língua materna – que se torna, pouco a pouco, seu veículo privilegiado de interação. Na Educação Infantil, é importante promover experiências nas quais as crianças possam falar e ouvir, potencializando sua participação na cultura oral, pois é na escuta de histórias, na participação em conversas, nas descrições, nas narrativas elaboradas individualmente ou em grupo e nas implicações com as múltiplas linguagens que a criança se constitui ativamente como sujeito singular e pertencente a um grupo social. Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultura escrita: ao ouvir e acompanhar a leitura de textos, ao observar os muitos textos que circulam no contexto familiar, comunitário e escolar, ela vai construindo sua concepção de língua escrita, reconhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes e portadores. Na Educação Infantil, a imersão na cultura escrita deve partir do que as crianças conhecem e das curiosidades que deixam transparecer. As experiências com a literatura infantil, propostas pelo educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do conhecimento de mundo. Além disso, o contato com histórias, contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propicia a familiaridade com livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre ilustrações e escrita, a aprendizagem da direção da escrita e as formas corretas de manipulação de livros. Nesse convívio com textos escritos, as crianças vão construindo hipóteses sobre a escrita que se revelam, inicialmente, em rabiscos e garatujas e, à medida que vão conhecendo letras, em escritas espontâneas, não convencionais, mas já indicativas da compreensão da escrita como sistema de representação da língua. Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações: as crianças vivem inseridas em espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo constituído de fenômenos naturais e socioculturais. Desde muito pequenas, elas procuram se situar em diversos espaços (rua, bairro, cidade etc.) e tempos (dia e noite; hoje, ontem e amanhã etc.). Demonstram também curiosidade sobre o mundo físico (seu próprio corpo, os fenômenos atmosféricos, os animais, as plantas, as transformações da natureza, os diferentes tipos de materiais e as possibilidades de sua manipulação etc.) e o mundo sociocultural (as relações de parentesco e sociais entre as pessoas que conhece; como vivem e em que trabalham essas pessoas; quais suas tradições e seus costumes; a diversidade entre elas etc.). Além disso, nessas experiências e em muitas outras, as crianças também se deparam, 96 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR frequentemente, com conhecimentos matemáticos (contagem, ordenação, relações entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos e de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e reconhecimento de numerais cardinais e ordinais etc.) que igualmente aguçam a curiosidade. Portanto, a Educação Infantil precisa promover experiências nas quais as crianças possam fazer observações, manipular objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de informação para buscar respostas às suas curiosidades e indagações. Assim, a instituição escolar está criando oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos do mundo físico e sociocultural e possam utilizá-los em seu cotidiano. Para cada um dos cinco campos de experiências, temos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para a educação infantil, que são divididos em bebês (zero a e ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses e 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). Vejamos como exemplo o campo de experiências “o eu, o outro e o nós” e os objetivos de aprendizagem: Tabela 12. Campos de Experiências “O Eu, o Outro e o Nós” - Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento. Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI01EO01) Perceber que suas ações têm efeitos nas outras crianças e nos adultos. (EI02EO01) Demonstrar atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças e adultos. (EI03EO01)Demonstrar empatia pelos outros, percebendo que as pessoas têm diferentes sentimentos, necessidades e maneiras de pensar e agir. (EI01EO02) Perceber as possibilidades e os limites de seu corpo nas brincadeiras e interações das quais participa. (EI02EO02) Demonstrar imagem positiva de si e confiança em sua capacidade para enfrentar dificuldades e desafios. (EI03EO02) Agir de maneira independente, com confiança em suas capacidades, reconhecendo suas conquistas e limitações. (EI01EO03) Interagir com crianças da mesma faixa etária e adultos ao explorar espaços, materiais, objetos, brinquedos. (EI02EO03) Compartilhar os objetos e os espaços com crianças da mesma faixa etária e adultos. (EI03EO03) Ampliar as relações interpessoais, desenvolvendo atitudes de participação e cooperação. (EI01EO04) Comunicar necessidades, desejos e emoções, utilizando gestos, balbucios, palavras. (EI02EO04) Comunicar-se com os colegas e os adultos, buscando compreendê-los e fazendo-se compreender. (EI03EO04) Comunicar suas ideias e sentimentos a pessoas e grupos diversos. (EI01EO05) Reconhecer seu corpo e expressar suas sensações em momentos de alimentação, higiene, brincadeira e descanso. (EI02EO05) Perceber que as pessoas têm características físicas diferentes, respeitando essas diferenças. (EI03EO05)Demonstrar valorização das características de seu corpo e respeitar as características dos outros (crianças e adultos) com os quais convive. (EI01EO06) Interagir com outras crianças da mesma faixa etária e adultos, adaptando-se ao convívio social. (EI02EO06) Respeitar regras básicas de convívio social nas interações e brincadeiras. (EI03EO06) Manifestar interesse e respeito por diferentes culturas e modos de vida. (EI02EO07) Resolver conflitos nas interações e brincadeiras, com a orientação de um adulto. (EI03EO07) Usar estratégias pautadas no respeito mútuo para lidar com conflitos nas interações com crianças e adultos. Fonte: Brasil, 2018. 97 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 Com relação à transição da educação infantil para o ensino fundamental, apresentamos as argumentações presentes em Brasil (2018): A transição entre essas duas etapas da Educação Básica requer muita atenção, para que haja equilíbrio entreas mudanças introduzidas, garantindo integração e continuidade dos processos de aprendizagens das crianças, respeitando suas singularidades e as diferentes relações que elas estabelecem com os conhecimentos, assim como a natureza das mediações de cada etapa. Torna-se necessário estabelecer estratégias de acolhimento e adaptação tanto para as crianças quanto para os docentes, de modo que a nova etapa se construa com base no que a criança sabe e é capaz de fazer, em uma perspectiva de continuidade de seu percurso educativo. Para isso, as informações contidas em relatórios, portfólios ou outros registros que evidenciem os processos vivenciados pelas crianças ao longo de sua trajetória na Educação Infantil podem contribuir para a compreensão da história de vida escolar de cada aluno do Ensino Fundamental. Conversas ou visitas e troca de materiais entre os professores das escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental – Anos Iniciais também são importantes para facilitar a inserção das crianças nessa nova etapa da vida escolar. Além disso, para que as crianças superem com sucesso os desafios da transição, é indispensável um equilíbrio entre as mudanças introduzidas, a continuidade das aprendizagens e o acolhimento afetivo, de modo que a nova etapa se construa com base no que os educandos sabem e são capazes de fazer, evitando a fragmentação e a descontinuidade do trabalho pedagógico. Nessa direção, considerando os direitos e os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, apresenta-se a síntese das aprendizagens esperadas em cada campo de experiências. Essa síntese deve ser compreendida como elemento balizador e indicativo de objetivos a serem explorados em todo o segmento da Educação Infantil, e que serão ampliados e aprofundados no Ensino Fundamental, e não como condição ou pré-requisito para o acesso ao Ensino Fundamental. Sugestão de estudo complementar Veja o vídeo abaixo para aprofundar o seu conhecimento sobre a educação infantil na BNCC Educação Infantil na BNCC Link: https://www.youtube.com/watch?v=gFU0YTvCH3c. 98 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR A proposta pedagógica para a educação infantil, a partir da BNCC – Educação Infantil nos auxilia a ter uma visão sobre o que é esperado para o currículo desse segmento. É importante ressaltar que há espaço para contextualizações e sugestões, à medida que os professores, ao planejarem suas ações pedagógicas a partir da BNCC, poderão também oferecer suas contribuições, de acordo com o que é melhor para cada criança, cada turma e a partir das demandas das famílias e da comunidade. Mais uma vez reforçamos a importância da autonomia docente na construção dos currículos. É por isso que defendemos uma boa formação docente, seja inicial, seja continuada. Não há espaço para currículos prescritivos, sem a contribuição autônoma dos professores. O que estamos estudando nesta disciplina, por exemplo, pode ajudar na produção autônoma de currículos escolares. É esse o nosso objetivo. 6.5 A Proposta Pedagógica para o Ensino Fundamental A Proposta Pedagógica do Ensino Fundamental é dividida entre as propostas das séries iniciais e das séries finais. Além disso, o Ensino Fundamental é dividido em cinco áreas: a) área de linguagens; b) área De matemática; c) área de ciências da natureza; d) área de ciências humanas; e) área de ensino religioso. Reproduzimos, ao longo desse subcapítulo, as principais contribuições da BNCC para o referido segmento (BRASIL, 2018). Vejamos: O Ensino Fundamental, considerado a etapa mais longa da Educação Básica, com nove anos de duração, atende alunos entre 6 e 14 anos. Nesta faixa etária, muitos dos indivíduos que compõem este grupo vivenciam uma série de mudanças relacionadas a aspectos físicos, cognitivos, afetivos, sociais, emocionais, entre outros. E essas mudanças promovem desafios para elaboração de propostas pedagógicas condizentes com essa etapa de escolarização, de modo a superar as rupturas que ocorrem na passagem não somente entre as etapas da Educação Básica, mas também entre as duas fases do Ensino Fundamental: Anos Iniciais e Anos Finais. Sugestão de estudo complementar Sugerimos que você leia a síntese das aprendizagens presentes na BNCC – Educação Infantil e analise as competências necessárias para cada um dos eixos em destaque: a) o eu, o outro e o nós; b) corpo, gestos e movimentos; c) traços, sons, cores e formas; d) escuta fala, pensamento e imaginação; e) espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Acesse: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#infantil/a-transicao-da-educacao-infantil-para-o-ensino- fundamental. 99 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 A BNCC do Ensino Fundamental – Anos Iniciais valoriza a dinamização de situações lúdicas no processo de ensino-aprendizagem, evidenciando a importância de articularmos essas práticas às experiências vivenciadas na Educação Infantil. Progressivamente, o currículo deve propiciar novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las, de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos. As transformações deste período da vida repercutem nas relações consigo, com os outros e com o mundo. Como destacam as DCN (BRASIL, 2010), a maior desenvoltura e a maior autonomia nos movimentos e deslocamentos ampliam suas interações com o espaço; a relação com múltiplas linguagens, incluindo os usos sociais da escrita e da matemática, permite a participação no mundo letrado e a construção de novas aprendizagens, na escola e para além dela; a afirmação de sua identidade em relação ao coletivo no qual se inserem resulta em formas mais ativas de se relacionarem com esse coletivo e com as normas que regem as relações entre as pessoas dentro e fora da escola, pelo reconhecimento de suas potencialidades e pelo acolhimento e pela valorização das diferenças. Ainda, para esta faixa etárias, devemos ampliar as oportunidades de desenvolvimento da oralidade e dos processos de percepção, compreensão e representação, elementos importantes para a apropriação do sistema de escrita alfabética e de outros sistemas de representação, como os signos matemáticos, os registros artísticos, midiáticos e científicos e as formas de representação do tempo e do espaço. Os alunos se deparam com uma variedade de situações que envolvem conceitos e fazeres científicos, desenvolvendo observações, análises, argumentações e potencializando descobertas. As especificidades desse grupo etário solicitam a dinamização de atividades pedagógicas que sejam organizadas em torno dos interesses manifestados pelas crianças, de suas vivências mais imediatas para que, com base nessas vivências, elas possam, progressivamente, ampliar essa compreensão, o que se dá pela mobilização de operações cognitivas cada vez mais complexas e pela sensibilidade para apreender o mundo, expressar-se sobre ele e nele atuar. Observe a lei As experiências das crianças em seu contexto familiar, social e cultural, suas memórias, seu pertencimento a um grupo e sua interação com as mais diversas tecnologias de informação e comunicação são fontes que estimulam sua curiosidade e a formulação de perguntas. O estímulo ao pensamento criativo, lógico e crítico, por meio da construção e do fortalecimento da capacidade de fazer perguntas e de avaliar respostas, de argumentar, de interagir com diversas produções culturais, de fazer uso de tecnologias de informação e comunicação, possibilita aos alunos ampliar sua compreensão de si mesmos, do mundo natural e social, das relações dos seres humanos entre si e com a natureza (BRASIL, 2018). 100 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR Nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter como foco a alfabetização, a fim de garantir amplas oportunidades para que os alunos seapropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao desenvolvimento de outras habilidades de leitura e de escrita e ao seu envolvimento em práticas diversificadas de letramentos. Como aponta o Parecer CNE/CEB n. 11/2010, “os conteúdos dos diversos componentes curriculares [...], ao descortinarem às crianças o conhecimento do mundo por meio de novos olhares, lhes oferecem oportunidades de exercitar a leitura e a escrita de um modo mais significativo” (BRASIL, 2010). Ao longo dos anos, no Ensino Fundamental – Anos Iniciais, a progressão do conhecimento deve ocorrer a partir da consolidação das aprendizagens anteriores e a ampliação das práticas de linguagem e da experiência estética e intercultural das crianças, considerando tanto seus interesses e suas expectativas quanto o que ainda precisam aprender. Ampliam-se a autonomia intelectual, a compreensão de normas e os interesses pela vida social, o que lhes possibilita lidar com sistemas mais amplos, que dizem respeito às relações dos sujeitos entre si, com a natureza, com a história, com a cultura, com as tecnologias e com o ambiente. Além desses aspectos relativos à aprendizagem e ao desenvolvimento, na elaboração dos currículos e das propostas pedagógicas devem ainda ser consideradas medidas para assegurar aos alunos um percurso contínuo de aprendizagens entre as duas fases do Ensino Fundamental, de modo a promover uma maior integração entre elas. Afinal, essa transição se caracteriza por mudanças pedagógicas na estrutura educacional, decorrentes principalmente da diferenciação dos componentes curriculares. Como bem destaca o Parecer CNE/CEB n. 11/2010, “os alunos, ao mudarem do professor generalista dos anos iniciais para os professores especialistas dos diferentes componentes curriculares, costumam se ressentir diante das muitas exigências que têm de atender, feitas pelo grande número de docentes dos anos finais” (BRASIL, 2010). Realizar as necessárias adaptações e articulações, tanto no 5o quanto no 6o ano, para apoiar os alunos nesse processo de transição, evitam rompimentos no processo de aprendizagem, garantindo-lhes maiores condições de sucesso. Nesse sentido, cabe destacar, a relevância do fortalecimento da autonomia desses adolescentes, propiciando a esses estudantes condições e recursos necessários para que acessem e interagem criticamente com diferentes conhecimentos e fontes de informação. Os estudantes dessa fase inserem-se em uma faixa etária que corresponde à transição entre infância e adolescência, marcada por intensas mudanças decorrentes de transformações biológicas, psicológicas, sociais e emocionais. Nesse período de vida, como bem aponta 101 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 o Parecer CNE/CEB n. 11/2010, ampliam-se os vínculos sociais e os laços afetivos, as possibilidades intelectuais e a capacidade de raciocínios mais abstratos. Os estudantes tornam-se mais capazes de ver e avaliar os fatos pelo ponto de vista do outro, exercendo a capacidade de descentração, “importante na construção da autonomia e na aquisição de valores morais e éticos” (BRASIL, 2010). As mudanças próprias dessa fase da vida implicam a compreensão do adolescente como sujeito em desenvolvimento, com singularidades e formações identitárias e culturais próprias, que demandam práticas escolares diferenciadas, capazes de contemplar suas necessidades e diferentes modos de inserção social. Conforme reconhecem as DCN, é frequente, nessa etapa, observar forte adesão aos padrões de comportamento dos jovens da mesma idade, o que é evidenciado pela forma de se vestir e também pela linguagem utilizada por eles. Isso requer dos educadores maior disposição para entender e dialogar com as formas próprias de expressão das culturas juvenis, cujos traços são mais visíveis, sobretudo, nas áreas urbanas mais densamente povoadas (BRASIL, 2010). Há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem promovido mudanças sociais significativas nas sociedades contemporâneas. Em decorrência do avanço e da multiplicação das tecnologias de informação e comunicação e do crescente acesso a elas pela maior disponibilidade de computadores, telefones celulares, tablets e afins, os estudantes estão dinamicamente inseridos nessa cultura, não somente como consumidores. Os jovens têm se engajado cada vez mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-se diretamente em novas formas de interação multimidiática e multimodal e de atuação social em rede, que se realizam de modo cada vez mais ágil. Por sua vez, essa cultura também apresenta forte apelo emocional e induz ao imediatismo de respostas e à efemeridade das informações, privilegiando análises superficiais e o uso de imagens e formas de expressão mais sintéticas, diferentes dos modos de dizer e argumentar característicos da vida escolar. Todo esse quadro impõe à escola desafios ao cumprimento do seu papel em relação à formação das novas gerações. É importante que a instituição escolar preserve seu compromisso de estimular a reflexão e a análise aprofundada e contribua para o desenvolvimento, no estudante, de uma atitude crítica em relação ao conteúdo e à multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais. Contudo, também é imprescindível que a escola compreenda e incorpore mais as novas linguagens e seus modos de funcionamento, desvendando possibilidades de comunicação (e também de manipulação), e que eduque para usos mais democráticos das tecnologias e para uma participação mais consciente na cultura digital. Ao aproveitar o potencial de comunicação do universo digital, a escola pode instituir novos modos de promover a aprendizagem, a interação e o compartilhamento de significados entre professores e estudantes. 102 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR Além disso, e tendo por base o compromisso da escola de propiciar uma formação integral, balizada pelos direitos humanos e princípios democráticos, é preciso considerar a necessidade de desnaturalizar qualquer forma de violência nas sociedades contemporâneas, incluindo a violência simbólica de grupos sociais que impõem normas, valores e conhecimentos tidos como universais e que não estabelecem diálogo entre as diferentes culturas presentes na comunidade e na escola. Em todas as etapas de escolarização, mas de modo especial entre os estudantes dessa fase do Ensino Fundamental, esses fatores frequentemente dificultam a convivência cotidiana e a aprendizagem, conduzindo ao desinteresse e à alienação e, não raro, à agressividade e ao fracasso escolar. Atenta a culturas distintas, não uniformes nem contínuas dos estudantes dessa etapa, é necessário que a escola dialogue com a diversidade de formação e vivências para enfrentar com sucesso os desafios de seus propósitos educativos. A compreensão dos estudantes como sujeitos com histórias e saberes construídos nas interações com outras pessoas, tanto do entorno social mais próximo quanto do universo da cultura midiática e digital, fortalece o potencial da escola como espaço formador e orientador para a cidadania consciente, crítica e participativa. Nessa direção, no Ensino Fundamental – Anos Finais, a escola pode contribuir para o delineamento do projeto de vida dos estudantes, ao estabelecer uma articulação não somente com os anseios desses jovens em relação ao seu futuro, como também com a continuidade dos estudos no Ensino Médio. Esse processo de reflexão sobre o que cada jovem quer ser no futuro, e de planejamento de ações para construir esse futuro, pode representar mais uma possibilidade de desenvolvimento pessoal e social. A proposta pedagógica para o Ensino Fundamental da BNCC (BRASIL, 2018) nos auxilia na construção de currículos que possam ser úteis para as crianças e jovens das séries iniciais e das séries finais. O destaque vai para o papel do professor e da gestão escolar na elaboração de propostas curriculares contextualizadas e que priorizemas identidades sociais e culturais dos alunos, com autonomia e comprometimento ético. A partir das áreas curriculares em destaque, é possível que os professores ofereçam possibilidades de aprendizagem condizentes com o plano estabelecido no PPP (Projeto Político-Pedagógico) de cada escola. Sugestão de estudo complementar Sugerimos a entrevista com três educadores (CANAL FUTURA, 2018) sobre a BNCC Ensino Fundamental – Currículos. Perceba as visões críticas presentes nas falas dos entrevistados: https://www.youtube.com/watch?v=RHj9xAXlqRI&t=90s. 103 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 6.6 A Proposta Pedagógica para o Ensino Médio A Proposta Pedagógica da BNCC para o Ensino Médio está estruturada nas áreas de conhecimento e suas competências específicas e habilidades de área para: a) Linguagens e suas Tecnologias; b) Matemática e suas Tecnologias; c) Ciências da Natureza e suas Tecnologias; d) Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Essas competências específicas estão articuladas com os itinerários formativos, que são de escolha dos estudantes e servem para uma formação técnica e profissional. Vejamos como a BNCC – Ensino Médio enfatiza algumas propostas curriculares para o segmento em questão. Reproduzimos abaixo os destaques mais importantes, presentes em BRASIL (2018). A dinâmica social contemporânea nacional e internacional, marcada especialmente pelas rápidas transformações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, impõe desafios ao Ensino Médio. Para atender às necessidades de formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida. Para orientar essa atuação, torna-se imprescindível recontextualizar as finalidades do Ensino Médio, estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Art. 35) há mais de vinte anos, em 1996: I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Garantir a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental é essencial nessa etapa final da Educação Básica. Além de possibilitar o prosseguimento dos estudos a todos aqueles que assim o desejarem, o Ensino Médio 104 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR deve atender às necessidades de formação geral indispensáveis ao exercício da cidadania e construir “aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea”, como definido na Introdução desta BNCC (BRASIL, 2018). Para atingir essa finalidade, é necessário, em primeiro lugar, assumir a firme convicção de que todos os estudantes podem aprender e alcançar seus objetivos, independentemente de suas características pessoais, seus percursos e suas histórias. Com base nesse compromisso, a escola que acolhe as juventudes deve: » favorecer a atribuição de sentido às aprendizagens, por sua vinculação aos desafios da realidade e pela explicitação dos contextos de produção e circulação dos conhecimentos; » garantir o protagonismo dos estudantes em sua aprendizagem e o desenvolvimento de suas capacidades de abstração, reflexão, interpretação, proposição e ação, essenciais à sua autonomia pessoal, profissional, intelectual e política; » valorizar os papéis sociais desempenhados pelos jovens, para além de sua condição de estudante, e qualificar os processos de construção de sua(s) identidade(s) e de seu projeto de vida; » assegurar tempos e espaços para que os estudantes reflitam sobre suas experiências e aprendizagens individuais e interpessoais, de modo a valorizarem o conhecimento, confiarem em sua capacidade de aprender, e identificarem e utilizarem estratégias mais eficientes a seu aprendizado; » promover a aprendizagem colaborativa, desenvolvendo nos estudantes a capacidade de trabalharem em equipe e aprenderem com seus pares; e » estimular atitudes cooperativas e propositivas para o enfrentamento dos desafios da comunidade, do mundo do trabalho e da sociedade em geral, alicerçadas no conhecimento e na inovação. Essas experiências, como apontado, favorecem a preparação básica para o trabalho e a cidadania, o que não significa a profissionalização precoce ou precária dos jovens ou o atendimento das necessidades imediatas do mercado de trabalho. Ao contrário, supõe o desenvolvimento de competências que possibilitem aos estudantes inserir-se de forma ativa, crítica, criativa e responsável em um mundo do trabalho cada vez mais complexo e imprevisível, criando possibilidades para viabilizar seu projeto de vida e continuar aprendendo, de modo a ser capazes de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores. Para tanto, a escola que acolhe as juventudes precisa se estruturar de maneira a: 105 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 » garantir a contextualização dos conhecimentos, articulando as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura; » viabilizar o acesso dos estudantes às bases científicas e tecnológicas dos processos de produção do mundo contemporâneo, relacionando teoria e prática – ou o conhecimento teórico à resolução de problemas da realidade social, cultural ou natural; » revelar os contextos nos quais as diferentes formas de produção e de trabalho ocorrem, sua constante modificação e atualização nas sociedades contemporâneas e, em especial, no Brasil; » proporcionar uma cultura favorável ao desenvolvimento de atitudes, capacidades e valores que promovam o empreendedorismo (criatividade, inovação, organização, planejamento, responsabilidade, liderança, colaboração, visão de futuro, assunção de riscos, resiliência e curiosidade científica, entre outros), entendido como competência essencial ao desenvolvimento pessoal, à cidadania ativa, à inclusão social e à empregabilidade; e » prever o suporte aos jovens para que reconheçam suas potencialidades e vocações, identifiquem perspectivas e possibilidades, construam aspirações e metas de formação e inserção profissional presentes e/ou futuras, e desenvolvam uma postura empreendedora, ética e responsável para transitar no mundo do trabalho e na sociedade em geral. Nessa mesma direção, é também finalidade do Ensino Médio o aprimoramento do educando como pessoa humana, considerando sua formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Tendo em vista a construção de uma sociedade mais justa, ética, democrática, inclusiva, sustentável e solidária, a escola que acolhe as juventudes deve ser um espaço que permita aos estudantes: » conhecer-se e lidar melhor com seu corpo, seus sentimentos, suas emoções e suas relações interpessoais, fazendo-se respeitar e respeitando os demais; » compreender que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas, e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história; » promover o diálogo, o entendimento e a solução não violenta de conflitos, possibilitando a manifestação de opiniões e pontos devista diferentes, divergentes ou opostos; 106 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR » combater estereótipos, discriminações de qualquer natureza e violações de direitos de pessoas ou grupos sociais, favorecendo o convívio com a diferença; » valorizar sua participação política e social e a dos outros, respeitando as liberdades civis garantidas no estado democrático de direito; e » construir projetos pessoais e coletivos baseados na liberdade, na justiça social, na solidariedade, na cooperação e na sustentabilidade. Subjacente a todas essas finalidades, o Ensino Médio deve garantir aos estudantes a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática. Para tanto, a escola que acolhe as juventudes, por meio da articulação entre diferentes áreas do conhecimento, deve possibilitar aos estudantes: » compreender e utilizar os conceitos e teorias que compõem a base do conhecimento científico-tecnológico, bem como os procedimentos metodológicos e suas lógicas; » conscientizar-se quanto à necessidade de continuar aprendendo e aprimorando seus conhecimentos; » apropriar-se das linguagens científicas e utilizá-las na comunicação e na disseminação desses conhecimentos; e » apropriar-se das linguagens das tecnologias digitais e tornar-se fluentes em sua utilização. Para atender a todas essas demandas de formação no Ensino Médio, mostra-se imperativo repensar a organização curricular vigente para essa etapa da Educação Básica, que apresenta excesso de componentes curriculares e abordagens pedagógicas distantes das culturas juvenis, do mundo do trabalho e das dinâmicas e questões sociais contemporâneas. Na direção de substituir o modelo único de currículo do Ensino Médio por um modelo diversificado e flexível, a Lei n. 13.415/2017 alterou a LDB, estabelecendo que o currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: a) linguagens e suas tecnologias; b) matemática e suas tecnologias; c) ciências da natureza e suas tecnologias; d) ciências humanas e sociais aplicadas; e) formação técnica e profissional (LDB, Art. 36; ênfases adicionadas). Segundo a BNCC (BRASIL, 2018), essa estrutura curricular tem por objetivo adotar a flexibilidade como princípio de organização do currículo, o que permite a construção de currículos e propostas pedagógicas que atendam mais adequadamente às especificidades 107 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 locais e à multiplicidade de interesses dos estudantes, estimulando o exercício do protagonismo juvenil e fortalecendo o desenvolvimento de seus projetos de vida. Muito importante: a BNCC não é o currículo escolar. A BNCC é um documento que ajuda a construir currículos escolares, que serão elaborados pela escola, por seus profissionais, alunos e toda a comunidade. Há algumas críticas com relação ao uso da BNCC para a construção de currículos escolares por conta de alguns pesquisadores argumentarem que a BNCC engessa certas discussões curriculares, promovendo o não debate sobre conteúdos e conhecimentos, habilidades e competências enfatizados pelo documento. Isso porque para tais críticos do documento, a Base, ao elencar as habilidades e competências necessárias para cada segmento, não possibilita a construção autônoma dessas habilidades e competências, que surgem a partir da complexidade do trabalho docente e de sua imprevisibilidade diante da realidade sócio-histórica. A despeito das críticas, consideramos que, após o estudo atento deste livro didático sobre currículo e conhecimento escolar, você estará apto (a) a fazer as críticas necessárias às propostas curriculares que chegarem até você. É que apostamos na criticidade dos professores para que currículos sejam bem realizados e fundamentados. É imprescindível que a proposta pedagógica do ensino médio seja pautada em construções curriculares que tenham por objetivo a autonomia dos educandos, mas também a autonomia docente frente às exigências curriculares dos documentos oficiais. Para que possamos finalizar as reflexões deste livro didático, enfatizamos as reflexões de Arroyo sobre o papel dos professores nas inovações educacionais: A esta altura devemos perguntar: qual seria, então, o papel dos que decidem? Um papel insubstituível, o de elaborar estratégias de educação deixando para os profissionais da escola o papel de fazer a educação. Dar condições materiais e pedagógicas para que os professores mudem as práticas, os currículos, os processos de avaliação, a organização pedagógica dos tempos e dos espaços. Criar equipes capazes de repensar e melhorar essas condições. Desenvolver políticas concretas de expansão e melhoria da rede física, do material didático, das bibliotecas. Desenvolver políticas coerentes de carreira e de salários, garantindo a estabilidade de professores. Sugestão de estudo complementar Sugerimos a entrevista com duas educadoras (Canal Futura, 2018) sobre a BNCC do Ensino Médio aprovada – “O que muda agora?” Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vqQs4tuV0Jw. 108 CAPÍTULO 6 • O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR Criar espaços de trabalho e reservar tempo de estudo e pesquisa para os professores, de modo que lhes seja possível inventar novas práticas. Parar de se prescrever a respeito do que fazer na aula, de que conteúdos e que métodos escolher, de como deve a escola formar, socializar e dar conta do pleno desenvolvimento dos educandos. Deixar essas questões por conta dos professores. São suas questões. São suas tarefas, assim como pensar sobre a saúde e procurar preservá-la nos consultórios e nos hospitais são tarefas dos profissionais da saúde. Os órgãos decisórios desobrigam-se de seu papel de criar condições materiais e rodeiam-se de equipes “pedagógicas”, que se qualificam para assumir o papel que é dos profissionais da escola: pensar e fazer a educação. Insistimos que, em áreas próximas à educação, como a saúde, não acontece a usurpação do papel dos médicos e profissionais da saúde – pensar sobre a saúde e procurar desenvolvê-la. Na universidade, não se ditam normas aos professores referentes ao que e como ensinar em sala de aula. Essa postura tutelar, essa usurpação de papéis só acontece com os professores da escola básica pública, nem sequer com os da escola privada. Será esse o melhor caminho para configurá-la e inová-la? (ARROYO, 2010, pp. 140-141). As reflexões pertinentes de Arroyo (2010, pp.140-141) somam-se às argumentações de Moreira, que defende a escola e a formação docente para enfrentar os desafios sociais contemporâneos: Coloquei-me [...] a favor de uma formação docente em que se conceba o professor como um intelectual capaz de autonomia e de pensamento crítico. Acrescentei a essa perspectiva a concepção da escola como espaço significativo de desenvolvimento do humanismo e da crítica. Assim entendidas, as atividades docentes e escolares podem, ao menos em algum grau, contribuir para que se enfrentem os desafios vividos pela escola brasileira no atual cenário, que se pauta por cruciais mudanças, desenvolvimento tecnológico sem precedentes, acentuada crise de valores e de paradigmas, novas e tensas configurações geográficas e políticas, riscos ambientais, ataques terroristas, xenofobia, preconceitos, discriminações, desigualdades sempre mais acentuadas. Nesse conturbado panorama, a escola brasileira é vista como em permanente crise, marcada por cruéis processos de exclusão e de fracasso de estudantes de grupos subalternizados e oprimidos. (MOREIRA, 2020, p. 46). Terminamos este livro didático com a certeza de que existem muito mais perguntas a serem feitas e muitas dúvidas que aindainsistem em nos incomodar, mas estudamos o currículo e o conhecimento escolar de forma crítica e questionadora, o que nos coloca na posição de sempre nos indagarmos: “que educação queremos ter?”. A despeito das diferenças entre currículos tradicionais, currículos críticos e pós-críticos, sabemos que 109 O PLANEJAMENTO ESCOLAR E O PROJETO PEDAgÓgICO CuRRICuLAR • CAPÍTULO 6 estudar e compreender o currículo significa se posicionar em prol de uma educação crítica, que questiona os aspectos sociais, culturais e políticos de determinas realidades. Sendo assim, desejamos que o seu engajamento na educação possa ser de muita autonomia a fim de que você possa, de forma coletiva, junto com os seus pares, nas escolas, transformar e inovar em suas práticas pedagógicas, respeitando dois princípios básicos estudados nessa disciplina: o protagonismo dos estudantes da construção de suas aprendizagens e a autonomia docente no seu trabalho e na elaboração de currículos. 110 Referências AGUIAR, A. A. D. Currículo como Artefato Cultural e as Identidades Femininas. Pedagogia da Virtualidade, 2012. Disponível em: https://pedagogiadavirtualidade.wordpress.com/2012/11/29/curriculo-como-artefato- cultural-e-as-identidades-femininas/. Acesso em: 16/4/2021. ARAÚJO, U. F. de. Pedagogia de Projetos e Direitos Humanos: Caminhos para uma Educação em Valores. Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008 ARROYO, M. G. Currículo, Território em Disputa. 5 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013. ARROYO, M. G. 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Figuras Figura 1– Processos Educacionais => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/education-icons-school- curriculum-equipment-teachers-1060044974. Figura 2– Educação e Currículo => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/elearning-isometric- composition-textbooks-smartphone-graduation-754612459. Figura 3 – Luta por Representação Social nos Currículos => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/ group-people-speech-bubbles-comunication-vector-1757602118. Figura 4 – História do Currículo => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/light-coming-old-book- womans-hands-1726038985. Figura 5 – Currículo Oculto => Fonte: https://www.shutterstock.com/image-photo/school-classroom-blur-background- without-young-666030916. Figura 6 – Currículo: que perspectivas traçar? => Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/jornal-escrever-em-branco- p%C3%A1ginas-2850091/. Figura 7 – Educação, Currículo e Saberes => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/education-online- training-course-tutorial-university-1612002328. Figura 8 – Educação e Diversidade Cultural => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/world-diversity- earth-day-international-culture-1814911268. Figura 9 – Novas tecnologias na Era Digital => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/boy-girl-studies- home-wear-protective-1711210816. Figura 10 – Trabalho Docente e sua Multidimensionalidade => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/ teachers-characters-educational-tools-stationery-ball-1470650177. 113 REFERêNCIAS Figura 11 – Projeto Político - Pedagógico => Fonte: https://www.shutterstock.com/image-photo/business-people- meeting-design-ideas-concept-590291639. Figura 12 – Currículo e Aprendizagem => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/reading-education- concept-tiny-male-female-1673838868. Figura 13 -Triângulo Didático - Matéria Professor-Aluno => Fonte: Elaborado pela autora, a partir de Libâneo (2012, p. 51). Figura 14 – Educação e Propostas Pedagógicas => Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/education- school-student-computer-network-technology-405274327. https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/education-icons-school-curriculum-equipment-teachers-1060044974. https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/elearning-isometric-composition-textbooks-smartphone- graduation-754612459 https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/group-people-speech-bubbles-comunication- vector-1757602118. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/light-coming-old-book-womans-hands-1726038985. https://www.shutterstock.com/image-photo/school-classroom-blur-background-without-young-666030916. https://pixabay.com/pt/photos/jornal-escrever-em-branco-p%C3%A1ginas-2850091/. https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/education-online-training-course-tutorial-university-1612002328. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/world-diversity-earth-day-international-culture-1814911268. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/boy-girl-studies-home-wear-protective-1711210816. https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/teachers-characters-educational-tools-stationery-ball-1470650177. https://www.shutterstock.com/image-photo/business-people-meeting-design-ideas-concept-590291639. https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/reading-education-concept-tiny-male-female-1673838868. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/education-school-student-computer-network-technology-405274327. vídeos Aprender em Comunidade. Prof. José Pacheco. TEDxFortaleza => disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=NMNVc0Yz434. Acesso em: 20/2/2021. CANAL FUTURA. Metodologias Ativas para Educar => disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=z0Y3BzUWnMI. Acesso em: 20/2/2021. CANAL FUTURA. (2018). BNCC – Ensino Fundamental – Currículos. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=RHj9xAXlqRI&t=90s. Acesso em: 20/2/2021. CANAL FUTURA. BNCC do Ensino Médio – O que muda agora? Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=vqQs4tuV0Jw. Acesso em: 20/2/2021. Didática, Currículo e Formação de Professores: relações históricas e emancipadoras. XX Endipe Rio - 2020 => disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bP7YDDRSVgs. Acesso em: 20/2/2021. D-01 - Educação e Sociedade – Projeto Político Pedagógico => disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=kCWvLWR_0XU. Acesso em: 20/2/2021. Educação Infantil na BNCC => disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gFU0YTvCH3c. Acesso em: 20/2/2021. 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