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Síntese da disciplina direito natural - Unidade 1 - 1 semestre 2018-1

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HISTÓRIA DO DIREITO MEDIEVAL 
Prof. Bruno Fraga Pistinizi 
DIREITO 
DIREITO ROMANO E HISTÓRIA DO DIREITO 
 
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Para uma adequada compreensão sobre as bases fundantes e cognitivas do di-
reito medieval, torna-se recomendável uma breve reflexão histórica envolvendo os 
personagens desta trama histórica. 
A memória que se tem da primeira idade média denota a existência de impor-
tantes fatores de ordem social, econômica, política e eclesiástica cuja referência ao 
direito ou uma ordem jurídica criada para o atendimento da sociedade da época, en-
trelaça todos estes aspectos. Na formação social que eclodiu na primeira idade média, 
as relações sociais descritas apontam para uma ampliação da ação e função do Esta-
do, acompanhadas de restrições para a livre ação individual. Desde a época do Impé-
rio Romano, com os imperadores Diocleciano (284-305) e Constantino (306-337) a 
ideia de aristocracia se projeta com muita força, seja pela classe dos senadores roma-
nos ou pela classe composta por uma elite tradicional com rendimentos maiores do 
que a classe camponesa. Sob a bandeira da escravidão e do imperialismo, a conquista 
de riquezas estruturou-se a partir da cobrança de tributos e a prática de saques, so-
mado a um processo de ruralização da sociedade. 
Trilhada pelas determinações do Império Romano, foi possível apreender tam-
bém a execução de medidas como adoção da vitaliciedade e hereditariedade das fun-
ções dos trabalhadores da cidade. Esta iniciativa garantia ao Estado a manutenção da 
mão-de-obra e um controle de produtividade em conjunto com a ocupação da terra 
pelo trabalhador rural, agora chamado de colono e fixado à terra sob rígido controle 
do Estado. 
Até o momento em que os germanos ocuparam e se fixaram no território 
quando então se experimenta uma lenta modificação da ideia de ocupação do territó-
rio e retirada progressiva do produto da terra, não se vislumbrou uma modificação da 
estrutura aristocrática do ocidente medieval. Pelo contrário, mesmo constituindo-se 
por pequenos e médios proprietários que trabalham na terra com seus familiares e 
alguns escravos, a influência dos homens livres e proprietários fundiários apresentou-
se como consequência inafastável e responsável pela vassalagem. 
A preponderância destes elementos desaguou na construção de um equilíbrio 
social e dinâmica estatuída no interior do “feudo” tendo por um lado membros de uma 
aristocracia tanto laica como livre quanto clerical, e do outros homens livres, porém 
atados ao soberano em virtude da exploração da terra. Insere-se neste relato também 
a proeminência edificada em torno do feudalismo e suas relações sociais. 
 
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Não existe uma perspectiva completa do feudalismo com formação social, sem 
que se pontue o papel central desempenhado pela Igreja no mesmo período. A impor-
tância singular desta participação clerical na composição da formação social foi decisi-
va pelas distintas formas de controle e universalização de padrões de comportamento 
por ela disseminados. Um dos aspectos desta densidade regulatória nos é apontado 
por Hilário Franco Junior, quando explicita a presença da Igreja numa sociedade es-
sencialmente agrária e dia responsabilidade consistente em controlar todos os atos e 
aspectos íntimos dos indivíduos como enuncia o próprio autor quando destaca a apli-
cação das referências da Igreja tais como “a consciência através da confissão, a 
vida sexual através do casamento; o tempo através do calendário litúrgico; o 
conhecimento através do controle sobre as artes, as festas, o pensamento; a 
própria vida e a própria morte através dos sacramentos”. 
A relação estabelecida entre o contexto do feudalismo entre nobre e servo não 
poderia ser vista ou definida como uma desigualdade manifesta e degenerativa no 
plano celestial. Tanto nobre como servo, ambos pertencem ao plano terrestre, sendo 
que aos servos cabia o cumprimento das determinações do trabalho e produção rece-
bendo em contrapartida a segurança e proteção suficiente dos guerreiros, verdadeiros 
representantes da nobreza igualmente imbuída de suas funções. Logo, considerar o 
papel da Igreja como mediadora destas relações sociais é correto, dado que a Igreja 
colocou-se inclusive em posição externa à lei humana, por sua proximidade das forças 
divinas e o cada vez mais perceptível enfraquecimento do poder das monarquias. 
Pela manutenção do poder e das obrigações recíprocas no âmbito feudo-
vassálico, a Igreja assume verdadeiramente uma missão de relevo, cabendo a ela ga-
rantir o equilíbrio da sociedade de ordens. Igualmente conhecida por “ordo”, o pres-
suposto de autoridade e coordenação exercidas pela Igreja serviu de parâmetro para 
o alinhamento de uma “organização justa e boa do universo”. A partir da retirada pro-
gressiva de parte da aristocracia (participação de aristocratas nas denominadas “cru-
zadas” e extinção dos recursos financeiros) amplia as atribuições da Igreja que agora 
faz uso do direito romano como suas próprias fontes do direito, capazes de adaptação 
e aprofundamento do estudo. 
O relevo e projeção espacial alcançados pela Igreja na idade média culmina-
ram numa nova significação de propagação do estudo e ensino do direito e da ordem 
jurídica por toda a região. Numa transição do mundo da antiguidade o mecanismo 
elementar de estudo do direito numa base conhecida por trivium (ensino trivial), 
composto pelo apreço da gramática, da lógica (dialética) e da retórica. Tais pilares 
 
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recebiam igualmente a influência do avanço da matemática (aritmética e geometria) e 
das artes liberais carregadas de significado que se traduziram na estrutura de uma 
nova hermenêutica (conjunto de métodos de interpretação) depositados sobre a juris-
prudência. 
Em por falar ainda da jurisprudência, entende-se importante pontuar que a 
organização política da idade média relaciona-se diretamente com o estímulo da pro-
cura de uma base única de compreensão do direito, decorrente de uma visão ainda 
mais ampla de poder universalista, imperial, já proposta por Carlos Magno (rei Franco 
até o ano de 800). Reunir o império numa visão universalista compreendia consolidar 
o poder das coroas da Alemanha, Itália e Borgonha; sabe-se, entretanto que uma no-
breza enraizada em certas regiões destas coroas apresentava obstáculos a um poder 
centralizado e desproporcional ao imperador, incluindo-se neste plano a própria Igre-
ja, igualmente insatisfeita com monarcas que ultrapassassem suas pretensões políti-
cas e territoriais. Desde o reinado do Rei Pepino (também conhecido como “Pepino, o 
breve” – Rei dos Francos de 751-768 e pai de Carlos Magno) houve o reconhecimento 
da Igreja como legítima mandatária do poder imperial sobre o Ocidente e, portanto, 
cabia a ela coroar e entregar o título imperial ao rei que por ela fosse considerado 
como uma revelação da vontade divina. 
Este poder teocrático desempenhado pela Igreja no teor dos feudos foi muito 
significativo, pois no interior dos mesmos a força de um poder nacionalista contribuiu 
para que o rei feudal mantivesse relações contratuais com seus vassalos diretos (pro-
tegidos do rei em troca da entrega de parte da exploração econômica da terra). Resta 
evidenciado assim que, desde a invasão dos povos bárbaros germanos e, posterior-
mente dos reis francos, reconhecia-se o volume e intensidade inatacáveis de um direi-
to costumeiro vinculado á tribo, que não podia ser alterado sem o consentimento da 
assembleia (composta por guerreiros que representavam a comunidade). A explícita 
contribuição deste direito costumeiro de natureza germânica pode ser considerada 
com uma etapa preliminar ao surgimento do direito romano e sua estrutura de pen-
samento conectada com as leis e redações dos direitos populares de então (praticadas 
no interior dos feudos e comunas). Não se havendo dúvida da propagação da cristan-dade e sua presença e influência no interior dos feudos e comunas (formas de organi-
zação política que viabiliza a presença de grupos sociais como a burguesia na tomada 
de decisões políticas), o estudo de uma teoria do direito escrito, reservado àqueles 
que detêm uma formação canônica. Um direito ensinado no interior dos conventos, 
 
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tendo por professores os clérigos que interpretavam os textos do direito romano que 
adquiria cada vez mais validade geral. 
Uma das indagações que certamente povoam a curiosidade diz respeito às ca-
racterísticas ou aspectos estruturantes dessas teorias do direito que florescia na idade 
média. Pode-se de antemão apontar que uma das exigências deste modelo de ordem 
jurídica é que se aplique uma noção de continuidade ou permanência, aqui caracteri-
zada pela consideração dos elementos históricos da idade média como estruturas em 
contínua mudança e por consequência as novas culturas e tradições mantém uma re-
lação sucessória com o ordenamento jurídico romano. Em síntese, a idade média é 
portadora de uma nova cultura que certamente sucede a anterior, mas sem deixar de 
considerar a estrutura do direito romano que ainda persiste com sua vigência. 
As necessidades de uma compreensão oral e escrita do direito na idade média 
conduzem a Bolonha nos idos de 1088, o ponto de partida formal dos estudos jurídi-
cos devido principalmente à vocação da universidade na formação de funcionários pú-
blicos, notários, defensores e advogados. Das aplicações práticas originadas do ensino 
em Bolonha, o Império Romano organizou seu conjunto de leis e disposições jurídicas 
no documento denominado Codex Juris Civilis, de autoria do Imperador Justiniano 
que, em linhas gerais subdivide desta maneira esta ordem de leis: 
- Instituições: Manual de didático de introdução ao direito sobre pessoas, coi-
sas e ações; 
- Digesto: Coleções e resumos dos pareceres dos juristas romanos sobre as-
suntos de interesse do direito; 
- Codex: Coleção de legislações dos imperadores romanos em áreas do direito 
penal, privado e administrativo; 
- Novellae Constitutiones: Conhecida por “últimas constituições”, congrega a 
legislação editada pelo próprio Imperador Justiniano. 
Mesmo que o direito romano tenha adquirido relevância prática no conjunto do 
pensamento jurídico medieval, o território italiano, onde se localiza a Universidade de 
Bolonha passava igualmente por distintas transformações pelo engrandecimento eco-
nômico inserida no espaço dos negócios da cidade. Novas considerações e percepções 
elevam-se na proteção do direito patrimonial das famílias, organização das sociedades 
empresárias e manutenção do sistema creditício, todas adaptáveis a uma espécie de 
consideração tida como “vulgar”, do livro do Digesto (livro que compunha o conjunto 
 
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de livros do Codex de Justiniano). Esta iniciativa provoca uma inegável tensão entre o 
“direito popular” praticado e discutido nas cidades italianas e a possibilidade de se 
concentrar na Universidade de Bolonha a visibilidade de compreensão intelectual das 
matérias jurídicas, mediante o uso de recursos da tradição romana, como a expressão 
oral e escrita das normas e o rigor metodológico das concepções jurídicas. 
No horizonte prático da escola de Bolonha, o direito adquire um entusiasmo 
científico que o coloca em condições para eleger o livro do Digesto como um dos efeti-
vos objetos de estudo diante de seu conhecimento pelas comunidades da Europa Oci-
dental. A tendência da interpretação do Digesto praticado pelos estudiosos de Bolonha 
possibilitará a construção de um pensamento jurídico autônomo e acessível orientado 
pelas autoridades desejosas de manter sua própria autonomia às custas e uma corre-
ta opção metodológica de análise e compreensão do texto puro. 
Sabe-se, portanto, que se conferiu a Bolonha a tarefa de investigação funda-
mental da legislação romana, a partir de uma nova base cognitiva (aprofundamento 
do conhecimento). As afirmações e categorias de expressão máxima das normas, con-
tavam com as necessárias articulações ou interligações entre o texto legal do Codex 
romano e o domínio imponente da Sagrada Escritura, textos dos Concílios (encontros 
entre as autoridades da Igreja para organização e classificação de normas) e influên-
cia dos padres da Igreja sobre a teologia. Por outro lado, conhecimentos filosóficos 
propostos pelas ciências naturais em Aristóteles, valores humanistas e considerações 
sobre a verdade das coisas também se articulam para desempenhar o estudo do direi-
to medieval praticado em Bolonha. 
A consciência de que o direito romano e suas instituições contavam com a flu-
idez necessária para a redução dos conflitos de múltiplas regiões da Europa Ocidental 
colaborou para a propagação da ideia espiritual de Roma e a prevalência do seu texto 
jurídico perante o corpo de magistrados (conceito de magistratura e a ação do juiz 
decorrentes dos direito romano), juristas estudiosos do direito canônico e todos aque-
les que encontravam no direito romano a percepção que a ele foi dado pelos estudio-
sos de Bolonha: um direito da comunidade jurídica humana ou o direito natural da 
alta idade média. 
Delimitada como divulgadora das bases científicas e metodológicas do direito 
romano medieval, Bolonha externaliza um modelo expositivo revelado pelo estilo de 
interpretação praticada pelos chamados “glosadores” junto ao texto escrito. Os glosa-
dores exercitavam a formalidade exigida na compreensão dos textos legais por meio 
do emprego de recursos de dedução lógica como a busca pela causa material, final, 
 
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eficiente e formal. A adoção destes mecanismos pelos glosadores almeja garantir um 
sentido global e amplitude do texto, propor o domínio da razão ou ratio sobre o con-
junto de tradições e estabelecer em cada texto uma autoridade do direito positivo es-
tabelecido pelo monarca e da vontade política nacional. Com efeito, o direito terreno 
(criado pelo monarca ou feudo) não mais necessita obedecer ao direito intemporal 
nacional (direito romano influenciado pela interpretação da Sagrada Escritura), pois o 
legislador observou a razão e entendimento nele depositado por parte do glosador. 
Todo o limite referenciado pelos glosadores na interpretação de seus textos 
passa por uma harmonização com os pressupostos da teologia (saber cristão direcio-
nado á essência da verdade, fé ou caminho da verdade pelo estudo da divindade) e do 
estudo da jurisprudência. Refletir o estudo do direito tanto pela cristalização dos efei-
tos da jurisprudência tanto por condições e pressupostos predeterminados e modela-
dos pela dogmática importou para os glosadores comprovar a justiça de uma norma 
jurídica ou decreto com o conteúdo da doutrina e preceitos comentados pelos juristas 
romanos no interior do Digesto. Um contexto especial alude e agrega ao direito medi-
eval uma autoridade pré-estabelecida e dirigida à busca da verdade em que os glosa-
dores faziam uma leitura do texto, uma reflexão analítica, a exemplificação de suas 
causas e as operações sintéticas para a formação de futuras regras. 
O que é justamente o intento desta unidade 1 passa pela reflexão ininterrupta 
e comparativa do desenvolvimento histórico do direito medieval como pressuposto do 
estudo do direito romano e da introdução de perspectiva discursivas sobre a ideia ou 
conceito de justiça. A ocupação inicial dos glosadores de Bolonha consistiu na percep-
ção do direito romano em sua harmonização com os conflitos práticos da sociedade 
medieval enaltecendo a autoridade, permanência da dogmática e o formalismo lógico. 
A formação e perseguição de um projeto descritivo das próprias condições de 
justiça ficaram a cargo da teologia, cuja ampliação de sua base doutrinária expõe a 
força espiritual da Igreja e ao mesmo tempo esboça uma saudável correspondência 
entre a compreensão históricado direito privado e o impacto do “direito da Igreja”. 
Como já mencionado, a base dos estudos da teologia serviu de parâmetro para que os 
glosadores e intérpretes da Universidade de Bolonha, revelassem as bases do direito 
natural adequado ao plano espiritual e dogmático e consequentemente implementasse 
um domínio técnico e racional para o controle dos conflitos humanos. 
Um olhar vivo e inquieto foi possibilitado pela perspectiva teológica, pois sua 
sintonia com a ordem jurídica terrena ou “profana” já se experimentava de direito de 
família, testamentos e direitos sobre bens móveis e imóveis. Contudo, a referência 
 
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central ou contributiva da Igreja para a construção dos conceitos jurídicos temporais, 
tenha se dado em virtude dos estudos da dogmática e da teologia moral. Pressupondo 
uma possibilidade de compartilhamento do mesmo espaço, direito e teologia ou uma 
“abordagem teológica do direito”, João Décio Passos revela que “abordar teologi-
camente o direito pode, portanto, ter um significado clássico e um significado 
atual. O primeiro significado aponta para os paradigmas construídos na longa 
duração da história do Cristianismo. O direito se apresenta como um momen-
to decisivo dos ordenamentos normativos das sociedades em geral e, de mo-
do particular, nas sociedades ocidentais, expondo os nexos entre os valores 
religiosos, a objetivação e consolidação dos costumes (a moral) e os orde-
namentos propriamente jurídicos (codificações legais)”. 
Enquanto concebida como um conjunto de normas voltadas à regulação dos 
conflitos (lógica formal e normativa), a teologia acrescenta a existência de uma divin-
dade transcendente e a autonomia do ser humano para que procure o caminho da 
verdade por si mesmo, por vias racionais ou religiosas. As múltiplas tendências e aná-
lises sobre a moral permitirão um confronto com as normas legais existentes, apreci-
ando-as criticamente e propondo mudanças que aproximem o bom, o justo e o legal. 
Com o consentimento e continuidade das estruturas históricas ora adaptadas 
ao ressurgimento do direito romano em escala ocidental na idade média e a ação de-
cisiva dos glosadores para o tratamento científico das manifestações jurídicas, esta 
unidade 1 da disciplina de direito romano e história do direito almeja situar o aluno 
para discussão da importância e posicionamento da teologia para que fosse possível o 
trabalho dos intérpretes da Universidade de Bolonha. Posteriormente, cabe enaltecer 
também a relevância do pensamento teológico para a discussão sobre a possibilidade 
de se reivindicar um espaço natural para a moral e a ética na abordagem do direito. 
Ao se considerar tanto na esfera de interpretação do Digesto pelos glosadores como 
pela teologia atual, ver-se-á que a justiça ocupa um lugar de destaque na fé cristã, 
verdadeiro chamamento para que todos comunguem das mesmas expectativas num 
ambiente de solidariedade. 
Temas tão amplamente discutidos na cena jurídica nacional, como justiça so-
cial, formas de preservação e garantia da dignidade da pessoa humana e a coletânea 
de normas que remete ao sistema de proteção dos direitos humanos, todos eles de 
alguma forma aludem um sentido de justiça e manifestação de misericórdia para 
aqueles que são socialmente excluídos. 
 
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A importante narrativa histórica envolvendo as fontes do direito no período 
medieval despertou com igual relevo o interesse investigativo das origens do próprio 
direito natural. Como se sabe, a raiz do direito natural submeteu-se a uma escala de 
gradativa transformação desde o início sua apreciação divina para a razão proveniente 
do indivíduo. 
Uma das considerações que definem com precisão este novo marco do direito 
natural, avança para a consideração onde a solvabilidade do problema entre o bem e 
o mal passa pelo uso e desenvolvimento dos recursos e ferramentas de conhecimen-
tos herdadas pelo homem a partir de sua íntima relação com Deus. A crença sincera 
da população medieval sobre a origem e autoridade dos textos sagrados revelou um 
estágio de comportamento preponderante no período medieval, segundo o qual o do-
mínio imponente da Sagrada Escritura surgiu como revelação no plano de expansão 
da compreensão do direito. 
Tomando-se como medida o homem e sua capacidade de garantir o bem e a 
própria felicidade e dos seus semelhantes, o que se constata é a inserção da razão 
como base ou elemento primordial do ser humano. Assim a realização do sumo bem 
adquire um contorno universalista e detentor de uma base jurídico-metodológica pró-
pria. 
O modo de pensar proveniente do homem contribuiu para o reconhecimento 
do universo empírico (associado ao campo da experiência do homem) voltado a um 
percurso relevante rumo à compreensão dos acontecimentos e possível correção dos 
rumos da razão humana. Sob a perspectiva da intensificação das formas de interpre-
tação do padrão moral em compasso de modificação ou autoafirmação das diversas 
relações de sociabilidade entre os homens, o direito natural passou a sustentar junto 
ao Estado um espaço reconhecidamente adequado de participante na construção de 
um ordenamento social. 
A formulação de codificações e outros instrumentos legislativos de caráter 
dogmático serviram para ilustrar um caráter comum de organização do objeto de 
apreciação jurídica, antes pela visão estritamente religiosa, agora com a aproximação 
aos benefícios da racionalidade aplicada ao tratamento dos problemas de natureza 
temporal. Com a noção e descrição da ação do direito natural, uma possível integra-
ção jurídica, representada peça interação entre integrantes da mesma família benefi-
ciada foi defendida, sem que com isto não diminua a plena liberdade dos espaços de 
autonomia a serem dados à sociedade. 
 
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É possível assim adotar-se como referência do direito natural e sua corrente 
atrelada ao pensamento judaico-cristão, a condição do indivíduo, seus valores, cren-
ças e comportamentos. A manipulação progressiva das condições explicitadas pela 
civilização ocidental, principalmente a europeia, conduziu a um processo civilizatório e 
emancipatório das populações. Mesmo que os povos apresentassem condições diver-
sas de caráter social e até econômico, a história universal e a realidade histórica par-
ticular são tratadas de forma semelhante em todas as nações. Logo, fez-se indispen-
sável a fixação de um conjunto mínimo de leis que pudesse propiciar o funcionamento 
da sociedade humana mediante o aprimoramento de um conjunto normativo único e 
bem aceito pelo povo. 
Quando se sobrepõe preceitos como “justiça”, “liberdade” e a “felicidade”, o 
conteúdo valorativo da razão se define por direitos da sociedade estruturados confor-
me uma base legal positivada e ancorada nas leis supremas do homem, quais sejam: 
a moral e a ética. 
A proclamação de um saber válido agora referenciado no bojo da filosofia e da 
razão iluminista encontrou diversos autores, todos responsáveis pelo favorecimento 
da relação de continuidade advinda da ordem política, econômica e cultural de cada 
civilização. Neste plano, a desvinculação das ligações do sagrado e às divindades jurí-
dicas concebe um modelo de leis gerais que incluem o homem não apenas como par-
ticipante do plano divino de salvação como também prorroga o interesse à ética social 
voltada à produção de normas jurídicas.

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