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Gramatização Linguística

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Sylvain Auroux, em seu livro A revolução tecnológica da gramatização, no capítulo III, conceitua gramatização como o processo que descreve e instrumenta uma língua baseado em duas tecnologias: a gramática e o dicionário, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico.
Para o autor, uma gramática contém pelo menos: uma categorização das unidades; exemplos; regras mais ou menos explícitas para construir enunciados. Tais paradigmas servem para aprender a contrastar a realidade de uma língua, ou seja, a relação dos paradigmas de duas línguas , sendo uma delas o latim. A categorização das unidades supõe duas coisas: termos teóricos (as partes do discurso, suas definições e propriedades) e a fragmentação da cadeia falada que é uma representação teórica da língua ( pode ser considerada verdadeira ou falsa).
De acordo com Auroux, as regras eram vistas como prescrições. Os gramáticos precoces insistiram na noção de regra. O autor contrapõe essa visão citando Monboddo que diz que é impossível construir uma gramática reduzindo apenas em regras. Para o autor, a gramática descritiva é responsável por descrever as regularidades intrínsecas à realidade das trocas linguísticas e nenhuma mudança deixa de ter regularidade. De início essas regularidades são um problemas, mas num segundo momento são um ponto essencial e proporcionam aos gramáticos um encontro com as variantes linguísticas.
Auroux acredita que a gramática é apenas uma descrição da linguagem, bem como o dicionário. E devem ser ser vistos também como instrumentos linguísticos. O aparecimento dos instrumentos linguísticos não deixa intactas as práticas linguísticas humanas. Assim como as estradas, os canais, as estradas-de-ferro e os campos de pouso modificaram nossas paisagens e nossos modos de transporte, a gramatização modificou profundamente comunicação e o estado do patrimônio linguístico da humanidade. 
 As línguas, pouco ou menos “não instrumentalizadas”, escreve Auroux, foram por isso mesmo mais expostas ao que se convém chamar linguicídio (extinção da língua), quer seja ele voluntário ou não. O processo de gramatização corresponde a uma transferência de tecnologia de uma língua para outras línguas, transferência que não é, ressalta o autor, nunca totalmente independente de uma transferência cultural mais ampla. Essa transferência pode ser de dois tipos. Ela pode ser uma endotransferência ou uma exotransferência. O autor especifica estes dois tipos de transferência pelos termos endogramatização (correspondente a uma endotransferência) e exogramatização (correspondente a uma exotransferência). A gramatização espontânea (fora de transferência) corresponde para o autor a uma endogramatização. Um caso de endogramatização é a transferência de tecnologia das tradições linguísticas gregas para a língua latina, pelos latinos. A gramatização dos vernáculos europeus a partir das tradições latinas pelos europeus também é um caso de endogramatização. Um caso de exogramatização é a transferência de tecnologia do português para as línguas indígenas, pelos portugueses (e não pelos indígenas) no qual foram gramatizados vernáculos sem escrita. 
Ao observar a questão do desenvolvimento, Auroux destaca que a gramatização é acompanhada por um movimento centrifugo de dupla consequência: com o tempo cada língua tende a ser gramaticalizada em bases que lhe são cada vez mais apropriadas, se não fosse a economia e a simplicidade na formulação de regras; e por outro lado, as categorias de mesmo nome têm a tendência a ser empregada em função de propriedade diferente e a perder sua identidade.
Para Auroux, a alteridade produz uma reflexão linguística considerada essencialmente do ponto de vista da escrita. Ou seja, através da dificuldade de ler textos antigos, palavras ou textos estrangeiros foi necessário refletir sobre o funcionamento dessas línguas para poder traduzi-las. O autor observa que a primeira análise gramatical não nasceu da necessidade de falar uma língua qualquer, mas de compreender um texto.
O autor ressalta duas causas da gramatização das línguas. A primeira delas, segundo o autor, é a necessidade de aprendizagem de uma língua estrangeira em um contexto onde já existe uma tradição linguística. Esta necessidade é suscetível de responder a vários interesses práticos: o acesso a uma língua de administração; a um corpus de textos sagrados; a uma língua de cultura (no sentido opositivo língua de cultura/língua vulgar; a língua de cultura em questão é o latim, por exemplo, em oposição às línguas vulgares); relações comerciais e políticas; viagens (expedições militares, explorações); implantação/exportação de uma doutrina religiosa; colonização. A segunda causa da gramatização concerne essencialmente à política de uma língua dada, e pode se reduzir a dois interesses: organizar e regular uma língua literária; desenvolver uma política de expansão linguística de uso interno ou externo.
Auroux ainda destaca Renascimento Europeu (XIV a XVI), que foi um momento em que produziram, em uma quantidade significativa, dicionários e gramáticas de diversas línguas do mundo (e não somente dos vernáculos europeus) na base da tradição greco-latina. Tal desenvolvimento científico teve duas consequências que merecem destaque. A primeira refere-se a etimologia, onde a etimologia medieval (por derivação de palavras, origem) é contestada e passou a ser considerada a etimologia interpretativa( relação entre formas e sons). A segunda consequência diz respeito ao grafo, rede que forma os conhecimentos linguísticos. Essa rede se constitui a partir da origem latina comum das gramáticas.
Por fim, o autor levanta a questão: “como tornar conexa a rede de conhecimentos metalinguísticos ? E também afirma que a gramática geral é um modo de responder ao problema da conexidade e à genealogia das línguas igualmente.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO
RAQUEL MIRANDA DO NASCIMENTO
RESUMO
A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DA GRAMATIZAÇÃO
SYLVAIN AUROUX
SÃO PAULO
2015

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