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i UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM KAROLINE DA CUNHA TEIXEIRA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS PARA O MERCADO DE TRABALHO? O DISCURSO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO (SOLIDÁRIA) E A POSIÇÃO-SUJEITO ALFABETIZADO NITERÓI 2021 ii KAROLINE DA CUNHA TEIXEIRA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS PARA O MERCADO DE TRABALHO? O DISCURSO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO (SOLIDÁRIA) E A POSIÇÃO-SUJEITO ALFABETIZADO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Linha de pesquisa: Teorias do texto, do discurso e da tradução. Orientadora: Profª Drª SILMARA CRISTINA DELA DA SILVA NITERÓI 2021 iii KAROLINE DA CUNHA TEIXEIRA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS PARA O MERCADO DE TRABALHO? O DISCURSO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO (SOLIDÁRIA) E A POSIÇÃO-SUJEITO ALFABETIZADO BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________________ Profª. Drª. Silmara Cristina Dela da Silva (UFF) – Orientadora _______________________________________________________________ Profª. Drª. Andréa Rodrigues (UERJ) _______________________________________________________________ Prof. Dr. Phellipe Marcel da Silva Esteves (UFF) _______________________________________________________________ Profª. Drª. Elaine Pereira Daróz – Suplente _______________________________________________________________ Profª. Drª. Luciana Nogueira – Suplente NITERÓI Fevereiro de 2021 iv Às minhas avós Neuza e Dalcilea, por sempre lutarem para que as netas pudessem estudar. Às minhas tias Rosane e Kátia, pelo amor e apoio incondicional em tempos tão difíceis. v AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à minha orientadora e professora Silmara Dela-Silva por tantos aprendizados dentro e fora da academia. Silmara foi minha primeira professora de linguística e me acompanhou durante todo o percurso da graduação até o mestrado, contribuindo para a minha formação enquanto estudante, pesquisadora e professora. A dedicação e o amor que Silmara irradia em cada aula contagia a nós alunas e alunos, nos encorajando a ir sempre mais longe do que pensamos ser capazes. Sou muito grata por esse encontro com Silmara, com a linguística e principalmente com a Análise de D0iscurso. Agradeço imensamente à Luciana Nogueira e ao Phellipe Marcel pela leitura cuidadosa na qualificação desse trabalho, cujas contribuições possibilitaram o avanço da pesquisa de forma significativa. Às professoras Andréa Rodrigues e Elaine Daroz, por aceitarem compor a banca de defesa dessa dissertação mesmo em um contexto complicado de pandemia. Me sinto muito honrada pela leitura. Agradeço também a André e Tássia pela amizade e companheirismo de sempre. O discurso nos uniu e com essa união criamos um espaço de escuta, de apoio e de fortalecimento da nossa caminhada. Juntes somos mais fortes! Amo vocês. À Érika, Luisa, Ana Clara, Ket, Fernanda e Gessyca por sempre acreditarem que sou capaz de realizar os meus sonhos e se manterem ao meu lado me incentivando a realizá-los. A amizade de vocês me sustenta! Obrigada por tanto. À Milene, Fernanda e Ariana, companheiras do grupo Equivocidades, pelos debates teóricos, conversas de whatsapp e por dividirem comigo esse momento de escrita. À Vanise e ao Ronaldo, pelas contribuições teóricas durante a minha apresentação no SAPPIL que me motivaram a pensar sobre o par “ler e escrever” no corpus. Por fim, agradeço às mulheres da minha família, em especial a minha mãe Marisângela e a minha irmã Karine pelo amor, cuidado e persistência em reconstruir sempre que preciso os laços de amizade que nos fortalecem. Vocês são as minhas inspirações de luta nas tempestades e os abraços que fazem com que eu me sinta em casa. vi RESUMO Nossa proposta nesta dissertação consiste em analisar o modo como são produzidos efeitos de sentido para a alfabetização e para o sujeito-alfabetizado em propagandas financiadas pelo Ministério da Educação (MEC). Mais especificamente, nos interessa pensar os processos discursos que significam a educação em relação ao mercado de trabalho. O corpus de análise é composto por sete propagandas da/do Alfabetização Solidária, de circulação no período de 1997 a 2007. Para realizar tais análises, nos filiamos à perspectiva teórico-metodológica da Análise de Discurso materialista, que compreende que a produção de sentidos se constitui para e por sujeitos, na relação entre o linguístico e o histórico. O Programa Alfabetização Solidária foi idealizado em 1996 pelo Programa Social Comunidade Solidária, com o objetivo de erradicar o analfabetismo no Brasil, a partir do estabelecimento de parcerias entre a sociedade e o Estado (TRAVERSINI, 2003). Em 1998, o Alfabetização Solidária se desvincula do governo federal como programa e passa a ser uma Organização Não- Governamental (ONG): a AlfaSol. Com essa mudança, as propagandas que estavam sendo produzidas pelo MEC passam a ser produzidas pela AlfaSol, ocasionando mudanças no modo como são discursivizados o sujeito voluntário e o sujeito alfabetizado. Nas análises do corpus, compreendemos o discurso sobre a alfabetização enquanto uma forma individualização (PÊCHEUX, [1979] 2011) do sujeito analfabeto/ alfabetizado, isto é, uma forma de assujeitamento dada pela Língua de Estado, que apaga as contradições postas pela luta de classes nas práticas de leitura e escrita. Uma vez que as propagandas são financiadas pelo MEC, entendemos que representam o “pensamento do Estado” (ORLANDI, 2012) e se dirigem à posição-sujeito brasileiro, tendo como base histórica a política da propaganda de utilidade pública no desenvolvimento capitalista, e funcionando como um mecanismo de controle dos sentidos sobre a educação no Brasil. Palavras-chave: Análise de discurso. Alfabetização Solidária. Trabalho. Posição-sujeito. Políticas educacionais. vii RESUMEN Nuestra propuesta es analizar cómo se producen los efectos de sentido para la alfabetización y para el sujeto alfabetizado en las propagandas financiadas por el Ministério da Educação (MEC). Más concretamente, nos interesa pensar en los procesos discursivos que significan la educación en relación con el mercado laboral. El corpus de análisis es compuesto de siete propagandas del/ de la Alfabetização Solidária, de circulación entre 1997 y 2007. Para llevar a cabo tales análisis, nos basamos en la perspectiva teórico-metodológica del Análisis del Discurso materialista, que comprende que la producción de sentidos se constituye para y por sujetos, en la relación entre el lingüístico y el histórico. El Programa Alfabetização Solidária fue creado en 1996 por el Programa Social Comunidade Solidária, con el objetivo de erradicar el analfabetismo en Brasil, a través del establecimiento de alianzas entre la sociedad y el Estado (TRAVERSINI, 2003). En 1998, el Alfabetização Solidária se desvincula del gobierno federal como programa y se convierte en una organización no gubernamental (ONG): AlfaSol. Con esta alteración, las propagandas que eran producidas por el MEC pasaron a ser hechas por AlfaSol, provocando cambios en la forma en que se discursivizaba el sujeto voluntario y el sujeto alfabetizado. En el análisis del corpus, comprendemos el discurso sobre la alfabetización como una forma de individualización (PÊCHEUX, [1979] 2011) del sujeto analfabeto/alfabetizado, o sea, una forma de sujecióndada por la Lengua del Estado, que borra las contradicciones planteadas por la lucha de clases en las prácticas de lectura y escritura. Dado que las propagandas son financiadas por el MEC, entendemos que representan el “pensamiento del Estado” (ORLANDI, 2012) y se dirigen a la posición-sujeto brasileña, teniendo como base histórica la política de la publicidad de utilidad pública en el desarrollo capitalista, y funcionando como un mecanismo de control de los sentidos sobre la educación en Brasil. Palabras clave: Análisis del discurso. Alfabetización Solidária. Trabajo. Posición-sujeto. Políticas educacionales. viii SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ANÁLISE DE DISCURSO MATERIALISTA 17 1.1 Análise de Discurso: uma teoria no entremeio de três saberes 17 1.2 O discurso e seu funcionamento 19 1.3 Modos de organização do discurso: as formações discursivas e as formações ideológicas 24 1.4 Discurso sobre a alfabetização solidária na mídia 26 CAPÍTULO II – SOBRE O CORPUS 32 2.1 Recorte: um gesto de interpretação 32 2.2 Constituição do arquivo e do corpus 34 CAPÍTULO III – DO DISCURSO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA 55 3.1 O apagamento do sujeito-alfabetizado no discurso sobre a alfabetização (solidária) 55 3.2 A memória discursiva e as políticas educacionais para a alfabetização no brasil 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 83 ANEXOS 89 9 INTRODUÇÃO A alfabetização da população brasileira se constitui ainda hoje como um item importante da pauta de discussões educacionais. Mesmo com um índice de analfabetismo considerado baixo em relação aos anos anteriores, ainda temos cerca de 11,8 milhões de jovens e adultos, com mais de 15 anos de idade, à margem do sistema educativo (PNAD, 2017). Os números dos censos produzem um efeito de transparência sobre o que se compreende por alfabetização. No entanto, os efeitos de sentido para a alfabetização estão em disputa e se constituem, em um contexto-sócio-histórico específico, na produção de efeitos de sentido sobre essa prática em nossa formação social. A proposta desta dissertação consiste em refletir acerca da relação entre as políticas educacionais voltadas à alfabetização e o mercado. Inscrevemos tal proposta no quadro teórico-metodológico da Análise de Discurso, perspectiva que se desenvolve na França, a partir do final da década de 1960, tendo como referência os trabalhos de Michel Pêcheux ([1969] 2010, [1975] 2009), e se consolida no Brasil, desde a década de 1980, a partir das reflexões propostas por Eni Orlandi (2006, 2001, [2012] 1996). Entendemos, assim, o discurso como efeitos de sentidos que se constituem para e por sujeitos, na relação entre o linguístico e o histórico. Conforme Orlandi, Análise de Discurso configura-se como uma semântica discursiva, que se ocupa “da determinação histórica dos processos de significação” (ORLANDI, [2012] 1996, p. 22). Trata-se, assim, de uma teoria que busca compreender o funcionamento discursivo em condições de produção dadas. No caso da relação entre as políticas educacionais voltadas à alfabetização e o mercado, temos que ela se marca de diferentes formas no discurso sobre a alfabetização, a exemplo dos censos e índices usados como fontes no direcionamento de investimentos do governo federal. Esses estudos que embasam a distribuição de renda para a alfabetização têm sua historicidade. Conforme apontado pelas autoras Mariani, Laia e Moura: Na década de 1990, o processo de reformas estruturais tomou conta dos países periféricos dependentes, que passaram a operar um conjunto de mudanças em áreas do Estado, inclusive na Educação. O marco político e ideológico dessas mudanças na Educação foi a “Conferência Mundial de Educação Para Todos”, realizada em 1990, na Tailândia. (MARIANI; LAIA; MOURA, 2020, p. 60) 10 A partir dessa conferência, foi criado no Brasil o setor público não-estatal, que tinha como finalidade fortalecer a aliança político-ideológica dos serviços públicos com instituições privadas. Essas mudanças antecederam o mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso, um governo marcado pela privatização de empresas estatais e declaradamente filiado às ideias liberais de livre mercado e interferência do setor privado na esfera pública. Antes dessas mudanças, no entanto, houvera outras medidas estatais tomadas para que a implantação do setor público-estatal fosse discursivizado como uma necessidade. A fim de retomar algumas dessas medidas, pensamos com Paiva (1987, p. 10) acerca do modo como as políticas educacionais voltadas à alfabetização de jovens e adultos foram formuladas no período do golpe militar de 1964. Segundo a autora, a atuação do Movimento de Educação de Base (MEB) se deslocou do Nordeste para a Amazônia, passando a chamar-se Cruzada ABC, que passou a não ser mais administrado pela igreja católica, mas pela igreja protestante Norte- Americana. Em continuação às mudanças feitas pelo regime ditatorial, é implantado a partir dos anos de 1970, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) como política de alfabetização em massa. Os objetivos do MOBRAL não se limitavam a conectar educação e desenvolvimento econômico, uma vez que o programa também funcionava como estratégia política de combate a movimentos guerrilheiros no campo, servindo como controle das massas no interior do país. Podemos observar, a partir dos estudos de Paiva (1987), como as políticas educacionais voltadas à alfabetização de jovens e adultos comungam com as orientações políticas do governo vigente: para além dos métodos pedagógicos, buscava-se também com a prática de alfabetizar a população alcançar uma estabilidade política, uma homogeneização do como e do que se deveria aprender e praticar. Conforme Silva (2021), historicamente, a alfabetização se constitui como um modo de homogeneização de referências culturais à população e é sobre essas referências comuns que “operam desigualdades, divisões, especificidades e diferenças culturais no domínio da escrita e em outros domínios a ela implicados” (SILVA, 2021). Dessa forma, as políticas educacionais voltadas à alfabetização de jovens e adultos se configura também como uma prática de controle do Estado, que interpela os cidadãos em sujeitos de direito na e pela escrita. As políticas educacionais pautadas pelo golpe militar têm sua continuidade com a retomada de governos democráticos. O MOBRAL foi extinto, e em seu lugar, são 11 elaborados programas nacionais de alfabetização baseados nas recomendações dadas pela UNESCO na “Conferência de Educação para Todos”, em 1990 (MARIANI; LAIA; MOURA, 2020, p. 60). As políticas de alfabetização subsequentes a essa conferência tinham que estabelecer parcerias entre o setor privado e o terceiro setor, atuando no desenvolvimento de programas governamentais de eliminação do analfabetismo, da fome, de doenças e do desemprego. Uma das formas de colocar em prática essas parcerias foi a criação do Programa Social Comunidade Solidária, em vigor durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República, de 1995 a 2002 (TRAVERSINI, 2003, p. 14). É nesse contexto, que em 1996 o conselho governamental do Comunidade Solidária, liderado pela socióloga Ruth Cardoso, cria a Alfabetização Solidária, uma instituição não- governamental que passaria a atuar no combate ao analfabetismo no Brasil (ALFASOL, 2020). O programa atuava principalmente em regiões com altos índices de analfabetismo, começando pelo interior do país e, posteriormente, atuando nas grandes cidades, e suas propagandas integram o corpus desta pesquisa, conforme abordaremos mais adiante. Os cidadãos alfabetizados pelo programa são jovens e adultos, como podemosobservar no fotograma 2, recortado de uma das propagandas do Alfabetização Solidária, com circulação no ano de 1997. Fotograma 2 SD1: Não saber ler nem escrever é como sentir-se um estrangeiro no próprio país. No fotograma 2, temos a caracterização da posição-sujeito analfabeto projetada na propaganda do Alfabetização Solidária, isto é: um homem branco, de meia idade e morador da cidade (neste caso, São Paulo). Observamos que não se trata de qualquer analfabeto, mas daquele com características desejáveis pelo mercado para compor a mão 12 de obra dos trabalhos de base da economia, em um governo liberal que busca fortalecer as alianças com o setor privado. Na propaganda, o cidadão brasileiro caminha pela rua da Liberdade, em São Paulo, e demonstra incompreensão diante das placas escritas em uma língua não ocidental (fotograma 2). Em seguida, o locutor da propaganda (SD1) compara a situação de incompreensão do idioma estrangeiro a não saber ler e escrever a língua nacional. De modo que “saber ler e escrever” (SD1) é significado como uma condição para sentir-se brasileiro. Segundo Rodrigues (1982 p. 143-171), o processo de marginalização cívico- política dos analfabetos data da adoção da Lei Saraiva (1881). No art.2 dessa lei, é considerado eleitor “todo cidadão brazileiro, nos termos dos arts. 6º, 91 e 92 da Constituição do Imperio, que tiver renda liquida annual não inferior a 200$ por bens de raiz, industria, commercio ou emprego.” (BRASIL, 1881, Art. 2). Desse modo, a condição de saber ler e escrever, na sequência discursiva 1, funciona tal como a condição do voto imposta pela Lei Saraiva (1881). Tais comparações nos fazem refletir acerca dos efeitos de sentidos projetados para o cidadão analfabeto, no qual não “saber ler e escrever” é discursivizado como uma limitação posta pela língua escrita para a identificação do cidadão com a nação. A lei Saraiva (1882), excluía os cidadãos que não sabiam ler e escrever de votar. A exclusão do exercício dessa suposta cidadania é retomada na propaganda pelo “sentimento” de não se sentir parte da nação pelo não reconhecimento das letras. No decorrer da mesma propaganda, o sujeito-analfabeto é projetado como aquele que constrói a sua autonomia na cidade a partir da escolarização. Na sequência dos fotogramas 3, 4 e 5, o reconhecimento da língua nacional, marcado nas expressões faciais e pela leitura da placa de maneira silábica “LI-BER-DA-DE”, por parte do sujeito analfabeto/alfabetizado, apontam para a modificação do modo como o cidadão se relaciona com o espaço da cidade. Sequência de fotogramas (3,4 e 5) 13 Como podemos observar na sequência de fotogramas 3, 4 e 5, há uma mudança na expressão facial do ator, sugerindo uma sensação de bem estar em relação à anterior, conferida pelo reconhecimento da língua nacional e do lugar onde ele se encontra: a Praça da Liberdade. Para Orlandi (2012), a educação pode ser discursivizada como uma prática social (capaz de) dar condições para que este sujeito “soubesse” do efeito de sua intervenção nas formas sociais. O que a “capacitação”, o “treinamento” não fazem. Ele continua assim, um objeto na relação de trabalho. Agora bem treinado e, logo, mais produtivo.” (ORLANDI, 2012, p. 141) Com Orlandi (2012), pensamos que o reconhecimento da língua nacional e do espaço produzido como efeito de sentido na propaganda poderia ser significado como uma forma de autonomia para o sujeito-alfabetizado, de modo que liberdade/alfabetização funcionassem como um par semântico, ressaltando o caráter formador da educação, aquele que faz com que o sujeito “soubesse” de sua capacidade de intervenção e transformação na sociedade. No entanto, não é o que se marcam nas análises discursivas empreendidas sobre o discurso da Alfabetização Solidária e sua relação com o mercado, como veremos ao longo dos capítulos dessa dissertação. A propaganda supracitada faz parte do nosso corpus de pesquisa, no qual buscamos analisar discursivamente sete propagandas da Alfabetização Solidária, com circulação no período de 1997 a 2007, intituladas: • Assine embaixo: Presente (1997) • Assine embaixo: Liberdade (1997) • Adote um analfabeto: primeira carta (1999) • Adote um aluno: Malu Mader e Tony Beloto (2003 ) • Adote um aluno: cozinheira (2005) • Adote um aluno: porteiro (2005) • Adote um aluno: Robson e Andréia (2007) As propagandas que compõem o nosso corpus são oriundas de três campanhas distintas, a saber: Assine embaixo; Adote um analfabeto; e Adote um aluno. A campanha “Assine embaixo”, de 1997, funciona como um chamado à sociedade civil para “assinar 14 embaixo” das ações do Programa Alfabetização Solidária, como se marca na sequência discursiva 2: SD2: O programa alfabetização solidária veio para combater o analfabetismo. Você pode contribuir, através da sua empresa, sua universidade ou da sua comunidade. Ajude a escrever uma nova história para o Brasil. Na sequência discursiva 2, o pronome “você” direciona a ação de “contribuir” para os cidadãos que podem “escrever uma nova história”. Assim, as propagandas da alfabetização solidária se dirigem aos cidadãos que podem “escrever” e “assinar”, responsabilizando-os pela implantação do programa, ou seja, pela “nova história do Brasil”, que não será financiada somente pelo governo federal, mas através da solidariedade de “todos”. Para pensar como essa relação entre alfabetização e mercado se marca nas propagandas da alfabetização solidária, tomaremos as políticas educacionais voltadas à alfabetização como discurso, reconhecendo os efeitos da história no processo de produção de sentidos sobre a alfabetização. Como observamos inicialmente, há uma individualização do cidadão por um direito à educação que deveria ser garantido pelo Estado. Essa transferência de responsabilidades atende à formação econômica neoliberal, que orienta a elaboração das políticas educacionais citadas. Para pensar a posição-sujeito alfabetizado que se marca em tais propagandas, compreendemos com Orlandi (2001, p. 48-49) que o sujeito é “atravessado pela linguagem e pela história, sob o modo do imaginário, o sujeito só tem acesso a parte do que diz. Ele é materialmente dividido desde sua constituição: ele é sujeito de e é sujeito à. Ele é sujeito à língua e à história”. Assim, ao mesmo tempo em que determina o que diz, ao elaborar o seu dizer, consideramos que o sujeito é determinado pela exterioridade na sua relação com os sentidos e tem de se sujeitar à língua, ao simbólico para ser sujeito da própria língua. Pela noção de posição-sujeito no discurso, torna-se possível pensar o cidadão e o analfabeto/alfabetizado que se projetam na propaganda da alfabetização solidária como um “lugar” ocupado para ser sujeito do que diz e não como uma forma de subjetividade equivalente a indivíduo. O modo como a posição-sujeito analfabeto/alfabetizado é projetada no discurso sobre a alfabetização solidária também é atravessada por uma lógica dominante de consolidação das estruturas do Estado liberal- burguês. Desse modo, nos interessa analisar à luz da Análise de Discurso materialista 15 como o linguístico se articula com a sua exterioridade, produzindo efeitos de sentido no discurso sobre a alfabetização e para os sujeitos nele projetados como posição-sujeito. De maneira mais ampla, a tarefa a que nos propomos se relaciona à seguinte questão de pesquisa: Como se constitui o discurso sobre a alfabetização (solidária) nas propagandas da Alfabetização Solidária? De modo mais específico, questionamos: I. Considerando as condições de produção do discurso: como se produzem os efeitos de sentido para a alfabetização (solidária) e como o discurso mercadológico se marca nesse mesmo discurso em tais propagandas? II. Como a posição-sujeito alfabetizado é significada nas propagandasda Alfabetização Solidária? III. Como o discurso da solidariedade produz efeitos de sentido no discurso sobre a alfabetização voltada à classe trabalhadora? IV. Como a separação entre trabalho manual e intelectual materializam-se no discurso sobre a alfabetização (solidária), acirrando desigualdades e reafirmando lugares de subordinação na relação entre homem-trabalho-conhecimento? A fim de responder a tais questões, organizamos o material de que dispomos em três capítulos. No primeiro capítulo, buscamos tecer algumas considerações sobre a perspectiva teórico-metodológica com que trabalhamos, articulando conceitos como os de sujeito, discurso e ideologia, que nos são caros para pensar a relação entre alfabetização e mercado no discurso sobre a alfabetização (solidária). No segundo capítulo, mobilizamos a noção de arquivo enquanto um gesto de interpretação e um modo de leitura que considera a incompletude como constitutiva e a totalidade como um efeito produzido. Em seguida, delimitamos as propagandas financiadas pelo MEC que fazem parte do corpus de análise, composto por sete propagandas da Alfabetização Solidária, com circulação no período de 1999 a 2007, conforme mencionamos anteriormente. Todas as propagandas que compõem o corpus foram transcritas verbalmente e ilustradas a partir de prints dos frames dos vídeos. As imagens e o textos verbais são considerados enquanto discursos com materialidades específicas, mas que funcionam em conjunto na produção de sentidos no corpus. No terceiro capítulo, analisamos a partir das marcas no corpus o modo como o discurso sobre a alfabetização (solidária) é produzido a partir da posição-sujeito alfabetização solidária (AlfaSol), lugar que se constrói discursivamente. No discurso 16 sobre a alfabetização (solidária) são produzidos efeitos de evidência sobre a posição- sujeito alfabetizado, determinando o que pode e deve ser dito sobre a alfabetização voltada à classe trabalhadora. Diante do exposto, a análise discursiva aqui apresentada se justifica por questionar o apagamento do político na linguagem, buscando historicizar a (re)produção de efeitos de evidência para a alfabetização como um aprimoramento para o mercado de trabalho, discurso que, ao ganhar circulação na mídia televisiva, contribui para a manutenção das relações de poder em uma nossa formação social. Outrossim, buscamos dar seguimento às reflexões iniciadas por Pêcheux ([1982] 2014) na França, sobre a divisão do trabalho de leitura em dado arquivo, o apagamento dos sujeitos-leitores em sua constituição e a condição contraditória do discurso de profissionalização das funções em nossa formação social, que se coloca ao ensinar a ler e escrever uma língua. Assim, visamos contribuir para a Análise de Discurso no Brasil, em interlocução a trabalhos como os de Silva (2015), Dela-Silva (2012), Pfeiffer (2011), Feitoza-Matheus (2020), entre tantos outros, que tomam as políticas públicas educacionais como objeto discursivo, isto é, construído para e por sujeitos em uma dada formação ideológica. Dellpc Realce Dellpc Realce Dellpc Realce Dellpc Realce Dellpc Realce 17 CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ANÁLISE DE DISCURSO MATERIALISTA Neste primeiro capítulo, delinearemos o referencial teórico da constituição da nossa pesquisa, que servirá posteriormente de base para o desenvolvimento das questões que norteiam nosso trabalho. Para tanto, dividimos o capítulo em subcapítulos, a fim de introduzir uma reflexão em torno do campo de estudos da Análise de Discurso, trazendo um panorama histórico da constituição da teoria como uma disciplina de interpretação e os instrumentos teóricos mobilizados para a realização das análises propostas. 1.1 Análise de Discurso: uma teoria no entremeio de três saberes A Análise de Discurso materialista (doravante AD) é uma teoria que surge na França, em um contexto político pós Maio de 68. Naquele ano, cerca de 5.116 operários (ADAM, [1968] 1970) junto aos movimentos estudantis, paralisaram os principais setores produtivos do país em uma greve geral. Esse movimento questionava as estruturas opressivas em que estavam pautadas a sociedade da época, lutando pelo estabelecimento de relações de igualdade de gênero, de classe etc. Em meio a esse contexto de efervescência dos movimentos sociais, o filósofo francês Michel Pêcheux se interessa por compreender o funcionamento do percurso de geração de sentidos na língua, provocando uma ruptura no campo teórico das ciências sociais para a transformação da prática política. O que faz com que ele considere o linguístico e estabeleça uma interlocução com os estudos em linguística da época. Para Gadet, Leon, Maldidier e Plon (2010 [1997]), a publicação de Discourse analysis (1952), do estruturalista americano Harris foi essencial para a construção da Análise de Discurso enquanto disciplina, e afirmam que: Harris não apenas fornece alguns procedimentos de análise, ele inspira o estabelecimento de todo o dispositivo da AAD. No registro da superfície discursiva, que constitui propriamente a fase de análise linguística, a proximidade com Harris é muito grande: redução do texto a enunciados elementares que lembram a frase “núcleo” de Harris, recurso às transformações (técnica gramatical essencial no método de Harris), busca, através dessas operações, de uma regularização ótima do discurso, com vista à constituição dos domínios semânticos. (GADET; LEON; MALDIDIER; PLON (2010 [1997], p. 43) 18 Conforme apontado pelos autores, o método distribucional elaborado por Harris, comparece na primeira etapa dos procedimentos metodológicos da Análise de Discurso fundada por Pêcheux. Como explica Orlandi (2001), a primeira etapa consiste na passagem da superfície linguística (o texto) para o objeto discursivo. Para Pêcheux (2010 [1969]), a passagem do texto para o objeto discursivo se faz necessária, uma vez que: é impossível analisar um discurso como um texto, isto é, como uma sequência linguística fechada sobre si mesma, mas que é necessário referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção (PÊCHEUX, 2010 [1969], p. 78) Observamos que, para além do reducionismo de Harris e do subjetivismo da análise de conteúdo, a análise de discurso compreende o texto como uma materialidade significante, no qual os efeitos de sentido são construídos na interpretação, com o sujeito da/ na língua fazendo sentido na história. Tendo isto posto, a Análise de Discurso coloca questões para a linguística, como: I) O apagamento do político na concepção da linguagem como ferramenta de comunicação; II) A evidência de sentidos e a transparência da linguagem promovida pela análise de conteúdo, a partir da pergunta “O que quer dizer este texto?”; III) A ideia de ocultação ou máscara, na qual o sujeito é dono do seu dizer e dos sentidos. Desse modo, no contexto de surgimento da AD na década de 1960, diferentes campos do saber se voltam à questão da leitura e da interpretação. Autores como Althusser propõem uma leitura de Marx, reformulando o conceito de ideologia, ao reconhecer seu caráter material nos Aparelhos Ideológicos de Estado. No campo da Psicanálise, Lacan revisita as teorias do inconsciente de Freud e afirma que o inconsciente funciona como uma linguagem, na qual o sujeito surge como um efeito. Ao se partir dessas contribuições teóricas implica em que não há como conceber a leitura como algo natural, uma vez que há uma materialidade da língua, da história e do inconsciente que intervêm no modo como significamos. Entretanto, a junção dessas três áreas do conhecimento – a Linguística, o Materialismo Histórico e a Psicanálise – não seria suficiente para dar conta das questões postas sobre a leitura. Era preciso que houvesse uma reformulação de seus instrumentos científicos,de modo a construir uma teoria que reconhecesse o caráter constitutivo e não complementar do inconsciente, da história e da língua na produção de sentidos. com Pêcheux Dellpc Realce Dellpc Realce 19 Diante disso, a AD promove uma ruptura teórica no campo das ciências humanas, interrogando à linguística sobre o lugar da história em seu campo teórico e às ciências sociais sobre o não reconhecimento material da língua no social. Ademais de colocar questões à psicanálise, uma vez que esta enfatiza a ideologia na constituição do sujeito. É neste lugar não logicista, não sociologista e não psicologista que a AD vai pensar o seu objeto teórico, no entremeio, de modo que a relação entre língua, história e inconsciente não se dê de maneira sobredeterminante, mas seja constitutiva no processo de produção dos sentidos. 1.2 O discurso e seu funcionamento A AD constitui no entremeio dessas disciplinas o seu objeto de estudo: o discurso. Para definir um novo objeto, Pêcheux ([1969] 2010) se desloca da forma como eram pensados os esquemas referentes à comunicação até então, a saber: o comportamental e o informacional. Ambos os modelos desprezavam as condições de produção, segundo o autor: não se trata necessariamente de uma transmissão de informação entre A e B mas, de modo mais geral, de um “efeito de sentido” entre os pontos A e B. […] Fica bem claro, já de início, que os elementos A e B designam algo diferente da presença física de organismos humanos individuais. Se o que dissemos antes faz sentido, resulta pois dele que A e B designam lugares determinados na estrutura de uma formação social […] (PÊCHEUX, [1969] 2010, p.81) Como nos diz Pêcheux ([1969] 2010), o discurso é “efeito de sentido” entre interlocutores, sendo esses representados não pelo indivíduo empírico, mas enquanto posições que se marcam no discurso. A noção de discurso nos é cara para pensar o modo como a posição-sujeito doador e posição-sujeito alfabetizado são projetadas no discurso sobre a alfabetização solidária. Nas propagandas, o processo de produção de sentido está na relação que a língua mantém com sua exterioridade, em uma formação social dada. A Análise de Discurso se interessa pelo discurso, sua proposta é analisar o modo como os efeitos de sentido são construídos, desnaturalizando a produção de sentido como evidência, a partir das análises dos processos que se marcam na língua e na história, atravessados pelo sujeito do inconsciente. Desse modo, cabe ao analista identificar as marcas ou as ausências delas no funcionamento discursivo das materialidades textuais, 20 para descrevê-las e analisá-las, a fim de depreender o processo discursivo no corpus de análise. Para formular a noção de sujeito, Pêcheux faz uma releitura de Lacan do conceito de inconsciente estruturado como uma linguagem. No entanto, não é possível incorporar um conceito teórico advindo de uma teoria sem que este passe por modificações que atendam aos objetivos da outra. Dessa forma, o fundador da Análise de Discurso questiona o conceito de sujeito trabalhado em sua singularidade. Para se deslocar do conceito de sujeito da Psicanálise, Pêcheux (2009 [1975]) faz alusão à tese central de Althusser (1985), na qual não há a existência de um indivíduo fora do social, uma vez que desde sua constituição, o sujeito está inscrito em uma formação social dada e, consequentemente, desde já interpelado pela Ideologia em sujeito. Em seus termos: O que a tese “a Ideologia interpela os indivíduos em sujeito” designa é exatamente que “o não-sujeito” é interpelado-constituído em sujeito pela Ideologia. Ora, o paradoxo é, precisamente, que a interpelação tem, por assim dizer, um efeito retroativo que faz com que todo indivíduo seja “sempre-já-sujeito”; (PÊCHEUX, 2009 [1975], p. 141. Itálico do autor.) Segundo Pêcheux, o funcionamento da Ideologia, assim como do inconsciente, constituem o sujeito e para tal, apagam em seu interior o próprio funcionamento, de modo a produzir os efeitos de evidência da existência de um sujeito autônomo. Em nossa pesquisa, o efeito de evidência do sujeito autônomo e dono do seu dizer comparecem nos fotogramas 39 e 40. Os sujeitos-alfabetizados/ alfabetizadores são singularizados pelo nome e sobrenome “Robson Martins da Silva” e “Andreia Tenório dos Santos”; profissão “aluno da AlfaSol” e “alfabetizadora da AlfaSol”, em depoimento relatando as experiências com a instituição. Fotograma 39 Fotograma 40 qualificados respec/ como 21 Conforme Pêcheux ([1975] 2009), o sujeito constitui-se a partir de dois esquecimentos: o esquecimento Ideológico (número 1), que faz com que o sujeito pense que a origem do dizer está nele mesmo; e o esquecimento enunciativo (número 2), pelo qual o sujeito pensa que o que ele diz somente poderia ser dito daquele modo. Ambos os esquecimentos conferem ao sujeito a ilusão imaginária de sentido único e de que o “eu” escolhe como fala, quando os dizeres estão sempre em relação a outros dizeres com os quais o sujeito se identifica. O processo discursivo se dá a partir de uma base linguística comum, de forma que “o sistema da língua é, de fato, o mesmo para o materialista e para o idealista, para o revolucionário e para o reacionário” (PÊCHEUX e GADET, [1975] 2010, p.81). Assim, a materialidade específica do discurso é a língua, pois é pela linguagem que o indivíduo é chamado a ser sujeito. Esse chamado, segundo Pêcheux & Fuchs ([1969] 2010, p.162), consiste no que se convencionou chamar de interpelação, ou o assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico, de tal modo que cada um seja conduzido, sem se dar conta, e tendo a impressão de estar exercendo sua livre vontade, a ocupar o seu lugar em uma ou outra das duas classes sociais antagonistas do modo de produção (ou naquela categoria, camada ou fração de classe ligada a uma delas). (PÊCHEUX & FUCHS, [1969] 2010, p.162. Itálicos dos autores) Esta interpelação ocorre, como nos dizem Pêcheux & Fuchs ([1969] 2010), pelo mecanismo de evidência de sentidos, a ideologia. A interpelação é um chamado ao qual o sujeito responde para inserir-se na cadeia significante. As possibilidades de interpretação do mundo já são dadas via ideologia ao sujeito desde sua constituição. De modo que é a ideologia que determina o que pode e não pode ser dito em uma formação social dada. Isto posto, não há discurso fora da ideologia, isto é, não há discurso fora de condições de produção que possibilitem a significação do que é dito. Assim, ao produzir discurso, o sujeito assume necessariamente uma posição dentre outras e ao “fazer isso” (ato não consciente), assume também uma posição em uma conjuntura sócio-histórica mediada por relações sociais antagônicas, na qual a luta de classes é uma constante. Se colocam como condições de produção de um discurso, os “já-ditos” aos quais o sujeito se filia. A memória funciona por esquecimentos e apagamentos, logo, dizer x é necessariamente não dizer y; é preciso que haja esquecimentos para que outros sentidos surjam. Segundo Pêcheux 22 [...] uma memória não poderia ser concebida como uma esfera plena, cujas bordas seriam transcendentais históricos e cujos conteúdos seriam um sentido homogêneo, acumulado ao modo de um reservatório: é necessariamente um espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização...Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos. (PÊCHEUX, et al., [1999] 2010, p.56) Se concebêssemos a memória como uma “esfera plena” estaríamos nos referindo à memória como um reservatório estático. Com Pêcheux ([1999] 2010) buscamos pensar o funcionamento da memória como “um espaço móvel”, pois, ao mesmo tempo que é o espaço do interdiscurso, isto é, de tudo que é possível serdito, é também um lugar de atualizações. Essas atualizações são feitas inconscientemente nos movimentos de retomada e deslizamento, de modo que o discurso não é somente repetição de sentidos, uma vez que as condições de produção nunca são as mesmas. Assim, o discurso “não tem, de direito, início: o discurso se conjuga sempre sobre um discurso prévio” (PÊCHEUX, [1969] 2010, p.76). Com Pêcheux ([1969] 2010, p.76) compreendemos que o discurso não tem uma origem determinada, um “início”, mas está sempre em curso (ORLANDI, 2010) e constitui-se na tensão entre os mecanismos de retomada e deslizamento de sentidos em circulação no interdiscurso em um dado momento. Se pensarmos na posição-sujeito empregada e na posição-sujeito patroa, como lugares ocupados por sujeitos no discurso, cada uma dessas posições irá filiar-se a uma memória do dizer sobre o que é ser uma empregada e o que é ser uma patroa em uma formação sócio-histórica capitalista. Portanto, as posições-sujeito dadas no discurso são marcadas “por propriedades diferenciais determináveis” (PÊCHEUX, [1969] 2010, p.81), isto é, há um jogo de imagens que se projeta no discurso dadas por antecipações sobre os lugares ocupados pelos sujeitos e sobre o referente. As formações imaginárias são essas imagens projetadas no discurso por sujeitos em um momento dado. As formações imaginárias são constitutivas do dizer, à medida que o discurso se modifica a partir dessas projeções que o sujeito faz sobre as posições em jogo no discurso. Essas imagens não são constituídas aleatoriamente, têm sua historicidade marcada em uma formação social dada, na qual funcionam relações de poder que, ao se projetarem no discurso, produzem relações de sentido sobre essas posições de modo que o sujeito assuma uma posição e não outra. a exemplo do que veremos no nosso corpus 23 Em nossas análises do corpus discursivo, veremos como o funcionamento das formações imaginárias no discurso participa do processo que constituem certos sentidos como evidentes para a posição-sujeito alfabetizado, a partir da posição-sujeito AlfaSol, no discurso sobre a alfabetização no Brasil, especificamente, a alfabetização voltada à jovens e adultos da classe trabalhadora. O discurso é constituído como um lugar no qual língua, ideologia e inconsciente produzem sentidos como sempre já lá. O efeito de evidência dos sentidos ocorre no encobrimento dos funcionamentos ideológicos e inconscientes na materialidade da língua, produzindo discurso. É na materialidade da língua que o discurso torna-se apreensível, no entanto, essa formulação não se dá sem uma filiação sócio-histórica. É no discurso que se dá o funcionamento material da ideologia. O que diz, o que enuncia, promete ou denuncia uma empregada doméstica está situado no interior da relação de forças existentes entre os elementos antagonistas de um campo político dado (PÊCHEUX, [1969] 2010, p.76), e não possuem o mesmo estatuto do que diz uma atriz global em um comercial de televisão sobre o que é e para que deve se destinar a alfabetização voltada à jovens e adultos trabalhadores. Em nossa conjuntura sócio-histórica, a posição-sujeito empregada e a posição- sujeito patroa referem-se a duas posições antagônicas na divisão do trabalho. A relação que ambas as posições estabelecem com a alfabetização não é da mesma ordem, os efeitos de sentido seriam diferentes, por exemplo, caso houvesse um comercial no qual uma empregada pedisse para que outras empregadas doassem dinheiro para alfabetizar sua patroa. Ora, pensemos por que seria um absurdo cogitar tal comercial? Por que sua circulação é pouco provável em nossa conjuntura social? Os porquês ficam aqui como interrogações à naturalização do que pode ser significado como absurdo e do que é significado como solidário. Desse modo, nos interessa pensar o modo como o discurso sobre a alfabetização (solidária) naturaliza a alfabetização da elite como direito e da classe trabalhadora como uma ação “solidária”. O discurso da solidariedade comparece no decorrer de nossas análises. Sublinhamos como uma de suas marcas, a adjetivação da alfabetização (solidária), bem como parte do slogan das propagandas, que retomamos da SD3: SD3: Escreva essa ideia no seu coração, adote você também um aluno. 24 Observamos que quem “escreve” são os sujeitos-doadores aos quais se dirige a propaganda. As posições antagônicas da divisão do trabalho, tomam a escrita como uma forma de exercer o poder. Desse modo, mesmo quando o sujeito a ser alfabetizado é o trabalhador, não há lugar para pensar a escrita como subjetividade, o que comparece é a escrita como ferramenta para exercer a sua função no mercado de trabalho. Não são os trabalhadores os sujeitos aos quais as leis se dirigem e garantem o acesso à alfabetização. O que desenvolveremos nos próximos capítulos tem por objetivo dar a ver o modo como o discurso sobre a alfabetização (solidária) poem em circulação determinados sentidos para o sujeito-alfabetizado e para a alfabetização, esta, como vimos aqui inicialmente, discursivizada como voluntária, tal como a gorjeta da uberização dos serviços atualmente, e portanto, de responsabilidade do cidadão-patroa/patrão/Senhor consumidor do serviço prestado e não como um direito básico do trabalhador a ser garantido por políticas públicas. 1.3 Modos de organização do discurso: as formações discursivas e as formações ideológicas No subcapítulo anterior, observamos como o modo de produção capitalista, ao ser baseado na divisão do trabalho, possui um caráter intrinsicamente contraditório dado pela luta de classes. Essa relação de força tem uma existência material no discurso. Sendo o discurso a materialidade da ideologia, é sob um efeito de evidência que as propagandas que constituem o nosso corpus de pesquisa afirmam, por exemplo, que “toda criança deve estar na escola” ou “toda criança deve ler e escrever” e posteriormente, atendendo a uma demanda de qualificação da força de trabalho, trazem a necessidade de ingresso do jovem no ensino superior ou dos jovens e adultos na alfabetização. A justificativa “por demanda” produz efeitos de sentido para as políticas educacionais como sendo naturais, como se as leis do direito não fossem atravessadas pelo político. É pela “demanda de qualificação” que a educação em todas as faixas etárias é discursivizada como necessária. É a Ideologia que apaga as condições de existência, uniformizando os sujeitos e as situações, como se 25 toda criança tivesse iguais condições de acesso à escola e como se todo jovem com “força de vontade” conseguisse uma bolsa no PROUNI1. Assim, não há como analisar o discurso sobre a educação no Brasil sem se considerar o funcionamento contraditório das instituições de ensino (escolas, universidades), isto é um lugar de transformação e reprodução da lógica do capital(ismo), constituídas em uma formação ideológica dada. Pêcheux ([1975] 2010, p.164) diz que as formações ideológicas Comportam necessariamente, como um de seus componentes, uma ou várias formações discursivas interligadas que determinam o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, um sermão, um panfleto, uma exposição, um programa etc.) a partir de uma posição dada numa conjuntura, isto é, numa certa relação de lugares no interior de um aparelho ideológico, e inscrita numa relação de classes. (PÊCHEUX, [1975] 2010, p.164) As formações discursivas são componentes interligados por relações de oposição e aliança no interior de uma formação ideológica, de modo que o sujeito, ao assumir uma posição, o faz filiando-se a sentidos em circulação em uma formação discursiva dada pelas possibilidades de uma formação ideológica. As formações discursivas são a forma material das formações ideológicas, isto é, o lugar no qual o sujeito estabelece relações de sentido coma forma-sujeito no interior de dada formação discursiva. O sujeito de linguagem, ao produzir discurso, produz sempre a partir de uma posição-sujeito filiada a uma formação discursiva. Essa filiação decorre de relações de mais ou menos identificação dos sujeitos com determinada formação discursiva e funciona em relação a uma forma-sujeito histórica dessa mesma formação discursiva. Portanto, podemos dizer que a posição-sujeito patroa e a posição-sujeito empregada funcionam no interior de uma formação discursiva do trabalho em uma formação ideológica capitalista, em sua dialética com a infraestrutura econômica que divide sujeitos em distintas classes. Com efeito, um mesmo dizer pode significar de diferentes formas, dependendo da posição ocupada na formação discursiva, de modo que o lugar social da empregada pode não coincidir com a sua posição discursiva. Dado que não há anterioridade do sujeito frente à língua, é na língua que o sujeito filia-se a uma 1 O O Programa Universidade para Todos (Prouni) do Ministério da Educação foi criado em 2004, pela Lei nº 11.096/2005. O Programa oferece bolsas de estudo, integrais e parciais (50%), em instituições particulares de educação superior. 26 formação discursiva com a qual se identifica (processo não consciente) e é nesse lugar de assujeitamento à língua, à ideologia e ao inconsciente que produz sentidos. 1.4 Discurso sobre a alfabetização solidária na mídia Nessa subseção, pretendemos pensar a especificidade do corpus, tendo em vista que as propagandas da/do Alfabetização Solidária produzem efeitos de sentido para a alfabetização e para o sujeito-alfabetizado, atravessadas pelo funcionamento das práticas publicitárias na mídia. Para DELA-SILVA (2012), a mídia é tomada como: um lugar privilegiado de constituição e divulgação de efeitos de sentido; privilegiado porque possui ampla circulação e, consequentemente, vasto alcance junto aos sujeitos a quem se dirige. Desse ponto de vista, não é possível considerar a mídia como uma simples tecnologia voltada à comunicação. (DELA-SILVA, 2012, p. 180) Com Dela-Silva (2012), partimos de uma concepção da mídia como lugar privilegiado de circulação de gestos de interpretação sobre a alfabetização. Dessa forma, nos perguntamos sobre o modo de circulação das propagandas que compõe nosso corpus. As propagandas da Alfabetização Solidária foram amplamente difundidas. Além das propagandas com circulação na televisão, a Campanha “Adote um aluno” contou com a participação de empresas que incentivavam seus clientes a “fazerem parte” dessa “história de sucesso” que era a Alfabetização Solidária. Segundo Traversini (2003), a rede Cinemark foi uma dessas empresas, que “fez a sua parte”, exibindo gratuitamente comerciais da Campanha em 100 salas de cinema distribuídas em todo o país. O anúncio da Campanha “Adote um aluno” também circulou em sua versão impressa em filipetas de cartões de crédito e em seis milhões de contracapas da Revista Mônica, nas quais a própria personagem incentivava as crianças a pedir aos pais que adotassem um aluno (TRAVERSINI, 2003, p. 156). As diversas formas de divulgação da campanha se configuram como uma estratégia publicitária para aumentar o apoio financeiro da população brasileira à Alfabetização Solidária (AlfaSol) e o apoio político ao governo federal frente ao problema social do analfabetismo. Para Pêcheux (2012 [1979]), a propaganda governamental é uma estratégia constante de fortalecimento e consolidação do Estado, cujos métodos foram aperfeiçoados com o passar do tempo. A propaganda governamental deixa de ser uma 27 estratégia militar e passa a funcionar como uma “guerra permanente preventiva instalada no interior da paz social, dispositivo essencial do Estado capitalista autoritário moderno, a propaganda se faz com imagens e palavras, sentimentos, ideias e gestos.” (PÊCHEUX, 2012 [1979], p. 73). Com Pêcheux (2012 [1979]) e Dela-Silva (2012), compreendemos a propaganda como discurso que ocupa um lugar privilegiado no processo de constituição e circulação de sentidos para o sujeito-alfabetizado e para a alfabetização na formação social capitalista, na qual historicamente, as práticas publicitárias funcionam como ferramentas de manutenção do modo de produção capitalista. São exemplos a implementação do programa “infecção interna” pelo militar francês Phellipe Pétain contra os motins populares de 1917, e a eleição do militar Vichy pela burguesia alemã, cujo posicionamento era a favor de qualquer outro presidente do que um candidato da Frente popular (PÊCHEUX, 2012 [1979], p. 74). Qualquer semelhança com a propaganda antipetista feita pelo candidato à presidência do PSL, no contexto brasileiro das eleições presidenciais de 2018, não são mera coincidência e sim uma tentativa de retroceder pautas conservadoras, de manutenção das estruturas de uma sociedade patriarcal. Conforme Pêcheux, o modo de produção capitalista (MPC) seguiu duas formas históricas, a saber: a via dita americana (1) e a via dita prussiana (2). A via número 1 do MPC se apresenta sob os traços de uma democracia burguesa exemplar, fundada na ideologia jurídica do contrato livre e igual que constitui, através da forma econômica das “leis de mercado”, a mola essencial da divisão de classes entre trabalhadores “livres” e os proprietários da “livre empresa”. Nesse universo, o passado está apagado ou ausente; o MPC engendra as formas de assujeitamento que lhe são necessárias ao mesmo tempo que se engendra a si mesmo. [...] A via capitalista 2, ao contrário, abre seu caminho no interior das estruturas da sociedade feudal e contra elas: o MPC se esforça em tirar partido das antigas formas de assujeitamento para adaptá-las a suas próprias necessidades. Ela tende a virar a máquina do Estado feudal- monárquico para fazer dela um instrumento de seu próprio desenvolvimento. (PÊCHEUX, 2011 [1979], p.80-81. Negrito nosso) As formas históricas da produção capitalista apresentadas por Pêcheux se retroalimentam, uma vez que a formação ideológica se materializa nas práticas sociais e, por conseguinte, no discurso. O discurso é também uma práxis, há retomadas e atualizações das formas de ser sujeito da estrutura feudal, na qual o senhor das terras continua sendo o que possui a propriedade, enquanto o servo só podia oferecer sua mão de obra para sobreviver, acirrando as relações de desigualdade na divisão social do 28 trabalho. Reconhecemos no discurso sobre a alfabetização (solidária) marcas do MPC pela forma histórica da via dita americana, uma vez que o discurso sobre a educação no país é dado via discurso jurídico sobre a forma de lei pela LDB (1996), na qual SD4: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996, título 2, artigo 2. Negrito nosso) O discurso jurídico, toma como dado a liberdade e a igualdade de direitos. No entanto, a própria existência de um programa para atender à alfabetização tardia de jovens e adultos demonstra a falha da garantia do direito à alfabetização na idade considerada adequada. Essa contradição é apagada no discurso sobre a alfabetização (solidária), tal como podemos observar na descrição da Campanha “Adote um aluno”, no site da AlfaSol (2020) na SD5: SD5: A Campanha Adote um Aluno foi criada em 1999 para atender os brasileiros residentes nas capitais e regiões metropolitanas que não tiveram oportunidade de aprender a ler e escrever. De abrangência nacional, a Campanha mobiliza recurso junto às pessoas físicas e tem sua renda revertida para o Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos. A doação é de R$ 30 mensais, no período de 12 meses. A rendaé revertida para formação dos alfabetizadores, material pedagógico para os alfabetizadores e alfabetizandos, bolsa auxílio para os alfabetizadores e coordenadores e avaliação processual de aprendizagem. Toda a pessoa, independente de idade, tem direito ao conhecimento. A leitura, mais do que um conhecimento é a oportunidade de ver o mundo, de ter liberdade de ir e vir sem a ajuda dos outros, é a possibilidade de buscar informações sem precisar da ajuda de ninguém, o que possibilita não só a independência, mas também a elevação da autoestima. A educação é direito de todos! A alfabetização é significada, na posição-sujeito AlfaSol, como uma “oportunidade”, na qual o acesso à “leitura” é um pré-requisito para o sujeito-aluno “ter liberdade”, ademais de “possibilitar” a “independência” e “elevação da autoestima”. O funcionamento do não-dito contribui para pensarmos o modo como a posição-sujeito alfabetizado é significado no discurso sobre a Alfabetização Solidária como sendo sem liberdade, uma vez que é a partir do acesso às “leituras” que vai tê-la; É um sujeito dependente, já que é a campanha que irá “possibilitar” que ele possa “ir e vir sem a ajuda dos outros”; e tem a autoestima baixa, uma vez que esta será “elevada”. Os efeitos de sentido que significam a posição-sujeito aluno como dependente se marcam também no nome da campanha. Em 1996, a campanha chamava-se “Adote um analfabeto”. Percebemos na SD4 que o verbo “adote” continua funcionando como um apelo aos possíveis doadores, enquanto o termo “analfabeto” é substituído por “aluno” no metropolitanos - S5 29 nome da campanha de 2003 até o presente momento2 e por “alfabetizandos”, no texto sobre ela. De acordo com Nogueira (2017, p.77) “quando analisamos as condições de produção, buscamos compreender como o que é exterior está na textualidade, ou seja, como é textualizado, discursivizado”. Dessa forma, não compreendemos a substituição apenas como uma troca de uma palavra por outra e nos perguntamos sobre o contexto sócio-histórico em que “adoção” segue naturalizado, enquanto que “analfabeto” desliza para “aluno”. Ao assistir às propagandas da campanha, no período entre 1995 à 2006, percebemos que a troca de “analfabeto” por “aluno” ocorre com a mudança do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para o governo de Lula da Silva (2003- 2011). Desse modo, não são somente as palavras, mas o discurso sobre a alfabetização em circulação nos diferentes governos que se marcam discursivamente. No primeiro, a alfabetização era compreendida como decodificação do alfabeto, não havendo diferenciação entre decodificação e leitura. Em 2004, a discussão sobre os diferentes níveis de letramento e consequente ampliação do Ensino Fundamental para nove anos (BRASIL, 2020) (re)significaram o modo como a alfabetização é discursivizada. O discurso sobre a alfabetização como decodificação comparece via memória, no modo como a organização significa a posição-sujeito aluno, que mesmo sendo nomeado “aluno” e não “analfabeto” ainda precisa ser “adotado”, tutelado por alguém, até assumir o seu lugar de sujeito de direito na cultura letrada. Apesar do discurso sobre a educação se pautar pelo discurso jurídico, que toma como dado a liberdade do sujeito, sabemos que a realidade do país não torna possível o exercício pleno desse direito devido à grande desigualdade social prevista para a manutenção do sistema capitalista. Essa contradição, no entanto, é apagada nas propagandas do PROUNI3 e o que comparece são dizeres imperativos como “Faça como Vanessa e outros 400 mil estudantes. Inscreva-se no ProUni até o dia 12 de dezembro e venha participar desta conquista.” (Propaganda 11 - Prouni: Medicina é coisa de rico, 2008), que significam o acesso à educação como uma escolha, isto é, responsabilidade dos sujeitos-brasileiros, uma vez que o governo cumpre com sua parte, já que aumenta vagas de acesso à Universidade. 2 Tal como trazemos na imagem 2 nos anexos. 3 Conforme traremos no capítulo no capítulo II, a propaganda do PROUNI faz parte do percurso de constituição do arquivo e não de nosso corpus de análise. pensar sobre processos dos PCN'sVem sendo pensada... GERALZINHA 30 Ainda nesta mesma propaganda, percebemos como o apelo emocional se materializa também no não-verbal, em que o olhar da personagem se dirige para a câmera, enquanto está focada em ângulo big close-up (enquadramento dos ombros para cima) quando uma lágrima sai dos seus olhos, tal qual observamos na imagem abaixo: Consideramos, com Pereira (2008), que os efeitos de sentido construídos nas propagandas se marcam na linguagem verbal pelos ditos institucionais, não-ditos, paráfrases, polissemias e também pela linguagem não-verbal. Esta, por sua vez, pode estar em uma relação de paráfrase ou polissemia em relação ao verbal, a partir de uma soma de operações de sinais luminosos, sonoros, gestos, expressões, jogos de luz e sombra, ângulos de câmera, elementos gráficos etc., que fazem com que a imagem produza sentidos independentemente. Em nossas análises, consideramos também o não-verbal como marca significante na constituição do discurso sobre a alfabetização (solidária). Nas propagandas da campanha “Adote um aluno” (2003-2005), o modo como as cenas vão sendo dispostas inscrevem a alfabetização (solidária) no funcionamento propagandístico do mercado. No pedido feito ao possível doador, são aplicadas técnicas de venda de mercadorias, como o depoimento de artistas globais e apelos emocionais que interpelam constantemente o outro, como se marca no uso dos imperativos “escreva”, “adote”, “faça”, mas também nas músicas de fundo, no tom de voz do locutor, nos ângulos da câmera. Trazemos a seguir dois fotogramas de duas propagandas de 2005; em ambos temos o fechamento do ângulo da câmera nas mãos dos que representam nas propagandas os alunos da AlfaSol. Propaganda 11 - Prouni: Medicina é coisa de rico, 2008 9 Fotograma 25 Fotograma 35 O recurso de big-close nas mãos da cozinheira, no fotograma 25, e do porteiro, no fotograma 35, direcionam o nosso olhar para o trabalho executado pelos sujeitos- alfabetizados, trabalho que foi melhorado graças a inserção desses trabalhadores no programa, conforme marcado em “cozinhando cada vez melhor” e em “virei garoto de recados” (dizeres que comparecem no verbal das propagandas e que mobilizaremos para análises posteriormente). Desse modo, a alfabetização promovida pelo programa Alfabetização Solidária é propagada como um serviço de capacitação dos trabalhadores, que pode ser adquirida através de doações mensais. Tendo isto posto, o discurso sobre a alfabetização (solidária) direciona sentidos para a alfabetização e para o sujeito-alfabetizado atravessados pelo funcionamento do discurso publicitário, que potencializa as relações da educação com o mercado. Visto que em uma sociedade capitalista, o discurso publicitário é uma prática que fomenta o consumo de ideias, de produtos e também a adesão à políticas públicas. 32 CAPÍTULO II – SOBRE O CORPUS 2.1 Recorte: um gesto de interpretação No início do percurso dessa pesquisa, nos deparamos com muitos vídeos e materiais que remetiam à educação em relação ao mercado. O percurso de seleção que fizemos configura-se como um gesto analítico, tendo em vista as questões que orientam a presente dissertação. Temos, assim, que os discursos sobre a alfabetização (solidária) nas propagandas não se constituem isoladamente, e filiam-se a outros já-ditos sobre a alfabetização de jovens e adultos no Brasil e o recorte do corpus é uma amostra, da qual o analista lança mão para analisar a materialidade da linguagem,isto é, como os efeitos de sentido incidem materialmente na luta de classes pela/ na língua. Esse percurso de constituição do corpus produz seus efeitos, e se configura como um gesto de interpretação do analista. Como posto no capítulo I, o sujeito para produzir discurso inscreve-se em uma posição discursiva, desse modo, não há sentido sem interpretação. Silva (2015, p. 69) compreende com Orlandi (1996), a partir das leituras de Pêcheux ([1969] 2010) o gesto como um ato simbólico, de modo que Na análise de discurso não é o analista quem faz a análise no sentido de ação de um sujeito consciente e pensante sobre um objeto empírico controlável chamado texto, enquanto unidade de trabalho analítico. Mas é a análise que se faz pelo texto, através do analista munido de um dispositivo teórico, que lhe permite trabalhar a discursividade, isto é a espessura linguístico e histórica da linguagem e deslocar a sua posição de sujeito- leitor para a de sujeito-analista. (SILVA, 2015, p.69) Desse modo, ao reconhecer a não neutralidade da linguagem, reconhecemos também que esta pesquisa se faz a partir de uma ancoragem teórica que critica a construção de um corpus baseado em uma pressuposta totalidade. A dificuldade com que nos deparamos ao buscar vídeos com circulação anterior ao advento da internet aponta para um efeito de completude dos buscadores, como se tudo estivesse a nossa disposição em um clique. Sobre esse efeito de completude das redes, as autoras Romão, Leandro-Ferreira e Dela-Silva (2011, p. 16) dizem que a falha atribuída ao “sistema de buscadores” é frequentemente significada como “passível de ser solucionada, e atribuída não a uma característica constitutiva dos arquivos, de qualquer arquivo”. 33 A partir das reflexões sobre o funcionamento do arquivo, buscamos mobilizar esse conceito na constituição de nosso arquivo de pesquisa. Ainda segundo as autoras (2011, p.16), podemos entender o arquivo como um lugar discursivo que nos permite acompanhar as práticas discursivas realizadas em determinadas culturas, podemos considerá-lo como um “lugar de observatório”, o que é muito mais do que considerá-lo como “corpus”. O arquivo envolveria tanto as materialidades sob investigação, como um modo de observar seu funcionamento e mudança no seio de uma sociedade (ROMÃO; LEANDRO-FERREIRA; DELA-SILVA, 2011, p. 16) Assim, trabalharemos com a noção de arquivo, uma vez que entendemos o conjunto de propagandas que compõem o nosso arquivo como um lugar discursivo que nos permite observar as práticas discursivas relacionadas às práticas sociais nos campos da educação e do trabalho. O arquivo é um recorte, uma materialidade significante e também um modo de leitura dessa materialidade. Retomando Guilhaumou e Maldidier (2014 [1986], p. 170), temos que o arquivo nunca é dado numa primeira leitura e o seu funcionamento é opaco. Assim o arquivo não é o reflexo passivo de uma realidade institucional, ele é, dentro de sua materialidade e diversidade, ordenado por sua abrangência social. O arquivo não é um simples documento no qual se encontram referências; ele permite uma leitura que traz à tona dispositivos e configurações significantes. (GUILHAUMOU e MALDIDIER, 2014 [1986], p. 170). Essa concepção de arquivo, que como veremos, nos permitirá constituir o corpus de análise e nos coloca definitivamente no campo de uma disciplina interpretativa da linguagem. Como analistas do discurso, interessa-nos explicitar e compreender o funcionamento discursivo presente na materialidade do arquivo, compreendendo a totalidade como um efeito de arquivo quando compreendido como um dado, isto é, a-histórico. Propomos o contrário: construir um arquivo apontando as contradições, as falhas, as oposições, que se marcam no discurso como vozes sem nome, produzindo e viabilizando sentidos x e não y para a alfabetização e para as posição-sujeito alfabetizado nas propagandas que compõem nosso corpus de análise. 34 2.2 Constituição do arquivo e do corpus O arquivo da pesquisa é composto por vinte propagandas veiculadas diretamente (produzidas pelo governo) ou indiretamente (financiada parcialmente pelo governo e produzida por instituições outras) pelo Ministério da Educação (MEC), com circulação no período de 1996 a 2018. A constituição do arquivo foi feita a partir do conjunto de propagandas a que tivemos acesso na rede, sendo alguns deles no site Youtube. Os vídeos do período de 2008 a 2018 foram encontrados no canal oficial do atual Ministério da Educação, enquanto os demais estão dispersos pela rede na forma de compartilhamentos. Os critérios que usamos para a seleção dos vídeos se justificam primeiramente pelo recorte temporal, tendo em vista o ano de publicação das leis voltadas à educação no país, mais especificamente: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, [1996] 2017) em vigor – e da última - Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) - política pública elaborada sob forma de lei a ser aplicada nas escolas. A partir disto, buscamos propagandas do MEC e de projetos públicos não-governamentais apoiados pela instituição, que trazem em sua formulação o funcionamento do discurso sobre a educação atravessado pelo discurso do mercado. Depois de selecionar as propagandas, passamos à transcrição dos 918 segundos de vídeo. Para facilitar a classificação e remissão aos vídeos, organizamos uma tabela. A tabela possui ano de publicação, título e tempo de duração das propagandas em segundos. Tabela 1: Arquivo das propagandas Arquivo das propagandas Ano Campanha: título oficial ou slogan ou artistas ou personagens Tempo 1 1995 TV Escola: Acorda, Brasil. Está na Hora da Escola! 30s 2 1997 Assine embaixo: Presente 46s 3 1997 Assine embaixo: Liberdade 30s 4 1998 Toda criança na escola: Pelé 58s 5 1998 Toda criança na escola: banco 34s 6 1999 Adote um analfabeto: primeira carta 30s 7 2003 Adote um aluno: Malu Mader e Tony Beloto 30s 8 2005 Adote um aluno: cozinheira 30s 9 2005 Adote um aluno: porteiro 30s documentos oficiais PCN - mesma época ok 35 10 2006 Prouni: música Geraldo Vandré 60s 11 2008 Prouni: venha participar dessa conquista 60s 12 2007 Adote um aluno: Robson e Andréia 30s 13 2009 ENEM: mais que uma avaliação, uma revolução no ensino médio 2009 60s 14 2011 Bolsas no Exterior (CAPES): o que move o mundo é o conhecimento. 60s 15 2011 PROUNI: realize seu sonho 60s 16 2012 FIES: com o FIES dá 30s 17 2013 Pronatec: formação gratuita 60s 18 2016 BNCC: agora é você que decide o seu futuro 60s 19 2017 Escola em tempo integral: Espanha 60s 20 2018 BNCC: Inovações de uma ponta à outra 60s Tivemos acesso a alguns títulos originais oriundos de fichas técnicas, dispostos na abertura das propagandas. Como isso não ocorreu em todas as propagandas, optamos por nomear a partir do nome das campanhas e quando havia o título original, este é posto como subtítulo. Podemos observar a disposição das fichas técnicas nas imagens que seguem, correspondentes aos vídeos 8 e 12 da tabela, respectivamente. Fotograma ficha técnica – vídeo 8 36 Fotograma ficha técnica – vídeo 12 Desse modo, mantemos o nome da campanha ou o slogan (quando este coincidia com o próprio nome da campanha) em todos os títulos e acrescentamos, em seguida: um subtítulo original (retirado das fichas técnicas que encontramos) ou o nome dos artistas e personagens que apresentam o comercial, seguindo o modelo da ficha técnica do vídeo 12, no qual comparecem os nomes dos personagens “Robson e Andréia". Esse procedimento de nomeação foi feito com a finalidade de diferenciar as propagandas pertencentes à mesma campanha, como em “Adote um aluno: x”. Sendo “Adote um aluno” o nome da campanha e slogan e x podendo ser o título oficial; o nome dos artistas ou personagens.Não adotamos uma única maneira de nomeação em todas as propagandas, pois elas possuem informações heterogêneas. Optamos por nomear e não numerar para facilitar a remissão. Para a constituição do corpus de análise, voltamo-nos às propagandas da Alfabetização Solidária que comparecem em nosso arquivo, totalizando 7 propagandas (destacadas na tabela pela cor cinza). O Programa Alfabetização Solidária (PAS) foi idealizado no ano de 1995, como uma das frentes de ação do Programa Comunidade Solidária4. Sob a justificativa de reduzir os custos do Estado na solução de problemas sociais, o presidenciável Fernando Henrique Cardozo (FHC) reforça as alianças com o setor privado. Para Traversini (2003, p. 23), o modelo social desenvolvido no governo de FHC se baseava no princípio da parceria, regido por duas noções centrais: a da solidariedade e a da descentralização. A noção da solidariedade se marca em nosso corpus analítico nos nomes 4 Esse programa social de governo tinha um conselho responsável pela implementação de programas através de parcerias. A Alfabetização Solidária, assim como a “Capacitação Solidária” e a “Universidade Solidária” faziam parte da terceira área de atuação do Conselho denominada “Programas Inovadores” (TRAVERSINI, 2003). 37 das campanhas e no chamado a “todos” os brasileiros a participar da “corrente” de solidariedade. Esses dizeres funcionam resgatando uma memória de construção de nação como um coletivo natural e homogêneo, apagando-se as desigualdades sociais, significando os cidadãos como um só corpo político, a nação. Já a noção de descentralização era aplicada ao Programa Alfabetização Solidária a partir da transferência de poder público para o setor privado, na administração de serviços básicos financiados parcialmente pelo Estado, como educação e saúde. Tendo em vista essas características, o Programa Alfabetização Solidária buscou consolidar o modelo solidário, unindo cinco parceiros: Governo Federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), o Conselho da Comunidade Solidária, empresas, universidades e prefeituras. A prefeitura era responsável por fornecer a infraestrutura necessária, como sala de aula e materiais; as universidades coordenavam as atividades de alfabetização e promoviam a “capacitação” e seleção dos alfabetizadores; as empresas e o governo pagavam as bolsas dos alfabetizadores e administravam o programa. Em 1998, houve uma reconfiguração do Programa Alfabetização Solidária. Conforme afirma Traversini (2003, p. 25) A partir dessa data, passou a ser coordenado e administrado pela Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária (AAPAS): “uma organização não-governamental sem fins lucrativos e de utilidade pública, com estatuto próprio”. Essa mudança objetivou a “capacitação de recursos e agilidade no gerenciamento das atividades”. Com vista a esse objetivo, a organização é presidida por um empresário parceiro do Programa. Com essas mudanças, a Alfabetização Solidária (AlfaSol) passa a fazer parte da RedeSol como ONG. Dessa maneira, a organização das campanhas de alfabetização nacional de jovens e adultos se concentrou no terceiro setor. Essas mudanças se marcam em nosso corpus analítico. A campanha “Assine embaixo”, com circulação no ano de 1997, traz ao final do vídeo um conjunto de logos, tal como podemos observar no fotograma 6. 38 Fotograma 6 – logos das propagandas de 1997 Os logos referentes ao Conselho de reitores das universidades brasileiras; à Comunidade Solidária; ao MEC; e ao Governo Federal são marcas da filiação do Programa Alfabetização Solidária ao Programa Social Comunidade Solidária, que como dissemos anteriormente, perdurou até o ano de 1998. As propagandas posteriores a esse ano não trazem mais o conjunto de logos. Além disso, a campanha “Adote um analfabeto”, de 1999, lança uma nova tendencia que não havia antes. A partir desse ano, as propagandas da Alfabetização Solidária passam a pedir que os cidadãos “contribuam” com quantias mensais, que podiam inclusive serem pagas com cartão de crédito. Essa relação da alfabetização com o mercado justifica a escolha das propagandas quem compõe o corpus de análise. O deslocamento promovido pela Alfabetização Solidária interpela os voluntários (as) em financiadores do programa, uma vez que o chamado feito pelas propagandas era direcionado à ação de “adotar um analfabeto” por meio do pagamento de uma mensalidade. Todas as propagandas5 posteriores a 1998 se dirigem a esses possíveis financiadores, para os quais o programa busca auto promover-se com “histórias de sucesso”. Tendo isso posto, passamos para a tabela 2, na qual trazemos as propagandas do corpus analítico descritas textualmente e ilustradas em um gesto de interpretação via print. 5 Todas as propagandas direcionadas à alfabetização de jovens e adultos. As propagandas 4 e 5 não foram acrescentadas ao corpus analítico, uma vez que se referem à alfabetização de crianças. 39 Tabela 2: Descrição do corpus de análise Descrição do corpus de análise Ano Título Tempo 1 1997 Assine embaixo: Liberdade 46s Locutor: Não saber ler nem escrever é como sentir-se um estrangeiro no próprio país. Fotograma 1 Fotograma 2 Locutor: O programa alfabetização solidária veio para combater o analfabetismo. Você pode contribuir, através da sua empresa, sua universidade ou da sua comunidade. Ajude a escrever uma nova história para o Brasil. Fotograma 3 Homem: Li-ber-da-de. Liberdade! 40 Fotograma 4 Fotograma 5 Fotograma 6 Locutor: alfabetização solidária, assine embaixo! 41 2 1997 Assine embaixo: Presente 30s Fotograma 7 Mulher: Presente Fotograma 8 Grupo de homens tomando cerveja e com instrumentos na mão: presente Fotograma 9 Homem com terno e gravata: presente 42 Fotograma 10 Grupo de jovens: presente Fotograma 11 Grupo de operários: presente Fotograma 12 Grupo de executivos: presente 43 Fotograma 13 Mulher executiva: presente Fotograma 14 Equipe de futebol: presente Locutor: um país melhor começa na escola. É por isso que o Brasil inteiro está marcando presença no programa Alfabetização Solidária: o Governo Federal, o MEC, a comunidade solidária, a prefeitura, as universidades, as empresas e toda a sociedade formam uma grande corrente para tirar de letra o analfabetismo. O Brasil diz presente. Locutor: Alfabetização solidária: assine embaixo. 3 1999 Adote um analfabeto: primeira carta 30s Fotograma 15 Narrador/personagem: Sr. Alfredo, essa é a primeira carta que escrevo na minha vida e tinha que ser logo para o senhor. 44 Fotograma 16 Narrador/personagem: Viu o que o senhor fez por mim? Agora sei ler e escrever. Fotograma 17 Locutor: Faça como seu Alfredo, adote um analfabeto. São apenas 17 reais no seu cartão de crédito. Programa alfabetização solidária. Fotograma 18 Narrador/personagem: Muito obrigada, do seu amigo José. 45 Fotograma 19 Fotograma 20 4 2003 Adote um aluno: Malu Mader e Tony Beloto 30s Fotograma 21 Atriz: O Alfabetização Solidária é uma ONG que em 6 anos já atendeu a mais de 3 milhões de alunos. 46 Fotograma 22 Atriz: Os resultados são incríveis! Tem cada história... história de gente que nem conseguia pegar um ônibus por não saber ler. Gente que, depois de participar do programa, pode mudar de vida. Fotograma 23 Ator: aprender a ler e escrever é conquistar um futuro melhor. Fotograma 27 Atriz: Faça como a gente, participe! Para adotar um aluno são apenas 17 reais por mês durante 6 meses. Isso é cidadania!
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