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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
INSTITUTO DE LETRAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM 
 
 
 
 
 
 
KAROLINE DA CUNHA TEIXEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS PARA O MERCADO DE 
TRABALHO? O DISCURSO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO (SOLIDÁRIA) E A 
POSIÇÃO-SUJEITO ALFABETIZADO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NITERÓI 
2021 
 
 ii 
KAROLINE DA CUNHA TEIXEIRA 
 
 
 
 
 
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS PARA O MERCADO DE 
TRABALHO? O DISCURSO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO (SOLIDÁRIA) E A 
POSIÇÃO-SUJEITO ALFABETIZADO 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação 
em Estudos de Linguagem da Universidade Federal 
Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título 
de Mestre em Estudos de Linguagem. 
 
Linha de pesquisa: Teorias do texto, do discurso e da 
tradução. 
 
 
 
 
 
Orientadora: 
Profª Drª SILMARA CRISTINA DELA DA SILVA 
 
 
 
 
 
 
NITERÓI 
2021 
 iii 
KAROLINE DA CUNHA TEIXEIRA 
 
 
 
 
 
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS PARA O MERCADO DE 
TRABALHO? O DISCURSO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO (SOLIDÁRIA) E A 
POSIÇÃO-SUJEITO ALFABETIZADO 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
_______________________________________________________________ 
Profª. Drª. Silmara Cristina Dela da Silva (UFF) – Orientadora 
 
_______________________________________________________________ 
Profª. Drª. Andréa Rodrigues (UERJ) 
 
_______________________________________________________________ 
Prof. Dr. Phellipe Marcel da Silva Esteves (UFF) 
 
_______________________________________________________________ 
Profª. Drª. Elaine Pereira Daróz – Suplente 
 
_______________________________________________________________ 
Profª. Drª. Luciana Nogueira – Suplente 
 
 
 
NITERÓI 
Fevereiro de 2021 
 
 iv 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Às minhas avós Neuza e Dalcilea, 
por sempre lutarem para que as netas pudessem estudar. 
 
Às minhas tias Rosane e Kátia, 
pelo amor e apoio incondicional em tempos tão difíceis. 
 v 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Agradeço primeiramente à minha orientadora e professora Silmara Dela-Silva por 
tantos aprendizados dentro e fora da academia. Silmara foi minha primeira professora de 
linguística e me acompanhou durante todo o percurso da graduação até o mestrado, 
contribuindo para a minha formação enquanto estudante, pesquisadora e professora. A 
dedicação e o amor que Silmara irradia em cada aula contagia a nós alunas e alunos, nos 
encorajando a ir sempre mais longe do que pensamos ser capazes. Sou muito grata por esse 
encontro com Silmara, com a linguística e principalmente com a Análise de D0iscurso. 
Agradeço imensamente à Luciana Nogueira e ao Phellipe Marcel pela leitura 
cuidadosa na qualificação desse trabalho, cujas contribuições possibilitaram o avanço da 
pesquisa de forma significativa. 
Às professoras Andréa Rodrigues e Elaine Daroz, por aceitarem compor a banca de 
defesa dessa dissertação mesmo em um contexto complicado de pandemia. Me sinto muito 
honrada pela leitura. 
Agradeço também a André e Tássia pela amizade e companheirismo de sempre. O 
discurso nos uniu e com essa união criamos um espaço de escuta, de apoio e de fortalecimento 
da nossa caminhada. Juntes somos mais fortes! Amo vocês. 
À Érika, Luisa, Ana Clara, Ket, Fernanda e Gessyca por sempre acreditarem que sou 
capaz de realizar os meus sonhos e se manterem ao meu lado me incentivando a realizá-los. 
A amizade de vocês me sustenta! Obrigada por tanto. 
À Milene, Fernanda e Ariana, companheiras do grupo Equivocidades, pelos debates 
teóricos, conversas de whatsapp e por dividirem comigo esse momento de escrita. 
À Vanise e ao Ronaldo, pelas contribuições teóricas durante a minha apresentação no 
SAPPIL que me motivaram a pensar sobre o par “ler e escrever” no corpus. 
Por fim, agradeço às mulheres da minha família, em especial a minha mãe 
Marisângela e a minha irmã Karine pelo amor, cuidado e persistência em reconstruir sempre 
que preciso os laços de amizade que nos fortalecem. Vocês são as minhas inspirações de luta 
nas tempestades e os abraços que fazem com que eu me sinta em casa. 
 
 
 vi 
RESUMO 
 
Nossa proposta nesta dissertação consiste em analisar o modo como são produzidos efeitos 
de sentido para a alfabetização e para o sujeito-alfabetizado em propagandas financiadas pelo 
Ministério da Educação (MEC). Mais especificamente, nos interessa pensar os processos 
discursos que significam a educação em relação ao mercado de trabalho. O corpus de análise 
é composto por sete propagandas da/do Alfabetização Solidária, de circulação no período de 
1997 a 2007. Para realizar tais análises, nos filiamos à perspectiva teórico-metodológica da 
Análise de Discurso materialista, que compreende que a produção de sentidos se constitui 
para e por sujeitos, na relação entre o linguístico e o histórico. O Programa Alfabetização 
Solidária foi idealizado em 1996 pelo Programa Social Comunidade Solidária, com o 
objetivo de erradicar o analfabetismo no Brasil, a partir do estabelecimento de parcerias entre 
a sociedade e o Estado (TRAVERSINI, 2003). Em 1998, o Alfabetização Solidária se 
desvincula do governo federal como programa e passa a ser uma Organização Não-
Governamental (ONG): a AlfaSol. Com essa mudança, as propagandas que estavam sendo 
produzidas pelo MEC passam a ser produzidas pela AlfaSol, ocasionando mudanças no modo 
como são discursivizados o sujeito voluntário e o sujeito alfabetizado. Nas análises do 
corpus, compreendemos o discurso sobre a alfabetização enquanto uma forma 
individualização (PÊCHEUX, [1979] 2011) do sujeito analfabeto/ alfabetizado, isto é, uma 
forma de assujeitamento dada pela Língua de Estado, que apaga as contradições postas pela 
luta de classes nas práticas de leitura e escrita. Uma vez que as propagandas são financiadas 
pelo MEC, entendemos que representam o “pensamento do Estado” (ORLANDI, 2012) e se 
dirigem à posição-sujeito brasileiro, tendo como base histórica a política da propaganda de 
utilidade pública no desenvolvimento capitalista, e funcionando como um mecanismo de 
controle dos sentidos sobre a educação no Brasil. 
 
 
Palavras-chave: Análise de discurso. Alfabetização Solidária. Trabalho. Posição-sujeito. 
Políticas educacionais. 
 
 
 
 vii 
RESUMEN 
Nuestra propuesta es analizar cómo se producen los efectos de sentido para la alfabetización 
y para el sujeto alfabetizado en las propagandas financiadas por el Ministério da Educação 
(MEC). Más concretamente, nos interesa pensar en los procesos discursivos que significan 
la educación en relación con el mercado laboral. El corpus de análisis es compuesto de siete 
propagandas del/ de la Alfabetização Solidária, de circulación entre 1997 y 2007. Para llevar 
a cabo tales análisis, nos basamos en la perspectiva teórico-metodológica del Análisis del 
Discurso materialista, que comprende que la producción de sentidos se constituye para y por 
sujetos, en la relación entre el lingüístico y el histórico. El Programa Alfabetização Solidária 
fue creado en 1996 por el Programa Social Comunidade Solidária, con el objetivo de 
erradicar el analfabetismo en Brasil, a través del establecimiento de alianzas entre la sociedad 
y el Estado (TRAVERSINI, 2003). En 1998, el Alfabetização Solidária se desvincula del 
gobierno federal como programa y se convierte en una organización no gubernamental 
(ONG): AlfaSol. Con esta alteración, las propagandas que eran producidas por el MEC 
pasaron a ser hechas por AlfaSol, provocando cambios en la forma en que se discursivizaba 
el sujeto voluntario y el sujeto alfabetizado. En el análisis del corpus, comprendemos el 
discurso sobre la alfabetización como una forma de individualización (PÊCHEUX, [1979] 
2011) del sujeto analfabeto/alfabetizado, o sea, una forma de sujecióndada por la Lengua del 
Estado, que borra las contradicciones planteadas por la lucha de clases en las prácticas de 
lectura y escritura. Dado que las propagandas son financiadas por el MEC, entendemos que 
representan el “pensamiento del Estado” (ORLANDI, 2012) y se dirigen a la posición-sujeto 
brasileña, teniendo como base histórica la política de la publicidad de utilidad pública en el 
desarrollo capitalista, y funcionando como un mecanismo de control de los sentidos sobre la 
educación en Brasil. 
 
Palabras clave: Análisis del discurso. Alfabetización Solidária. Trabajo. Posición-sujeto. 
Políticas educacionales. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 viii 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
09 
CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ANÁLISE DE DISCURSO 
MATERIALISTA 
17 
1.1 Análise de Discurso: uma teoria no entremeio de três saberes 17 
1.2 O discurso e seu funcionamento 19 
1.3 Modos de organização do discurso: as formações discursivas e as formações 
ideológicas 
24 
1.4 Discurso sobre a alfabetização solidária na mídia 
 
26 
CAPÍTULO II – SOBRE O CORPUS 32 
2.1 Recorte: um gesto de interpretação 32 
2.2 Constituição do arquivo e do corpus 34 
 
 
CAPÍTULO III – DO DISCURSO SOBRE A ALFABETIZAÇÃO 
SOLIDÁRIA 
55 
3.1 O apagamento do sujeito-alfabetizado no discurso sobre a alfabetização 
(solidária) 
55 
3.2 A memória discursiva e as políticas educacionais para a alfabetização no brasil 65 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 78 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 83 
 
 
ANEXOS 89 
 
 
 
9 
 
INTRODUÇÃO 
 
A alfabetização da população brasileira se constitui ainda hoje como um item 
importante da pauta de discussões educacionais. Mesmo com um índice de analfabetismo 
considerado baixo em relação aos anos anteriores, ainda temos cerca de 11,8 milhões de 
jovens e adultos, com mais de 15 anos de idade, à margem do sistema educativo (PNAD, 
2017). Os números dos censos produzem um efeito de transparência sobre o que se 
compreende por alfabetização. No entanto, os efeitos de sentido para a alfabetização estão 
em disputa e se constituem, em um contexto-sócio-histórico específico, na produção de 
efeitos de sentido sobre essa prática em nossa formação social. 
A proposta desta dissertação consiste em refletir acerca da relação entre as 
políticas educacionais voltadas à alfabetização e o mercado. Inscrevemos tal proposta no 
quadro teórico-metodológico da Análise de Discurso, perspectiva que se desenvolve na 
França, a partir do final da década de 1960, tendo como referência os trabalhos de Michel 
Pêcheux ([1969] 2010, [1975] 2009), e se consolida no Brasil, desde a década de 1980, a 
partir das reflexões propostas por Eni Orlandi (2006, 2001, [2012] 1996). Entendemos, 
assim, o discurso como efeitos de sentidos que se constituem para e por sujeitos, na 
relação entre o linguístico e o histórico. Conforme Orlandi, Análise de Discurso 
configura-se como uma semântica discursiva, que se ocupa “da determinação histórica 
dos processos de significação” (ORLANDI, [2012] 1996, p. 22). Trata-se, assim, de uma 
teoria que busca compreender o funcionamento discursivo em condições de produção 
dadas. 
No caso da relação entre as políticas educacionais voltadas à alfabetização e o 
mercado, temos que ela se marca de diferentes formas no discurso sobre a alfabetização, 
a exemplo dos censos e índices usados como fontes no direcionamento de investimentos 
do governo federal. Esses estudos que embasam a distribuição de renda para a 
alfabetização têm sua historicidade. Conforme apontado pelas autoras Mariani, Laia e 
Moura: 
 
Na década de 1990, o processo de reformas estruturais tomou conta dos 
países periféricos dependentes, que passaram a operar um conjunto de 
mudanças em áreas do Estado, inclusive na Educação. O marco político 
e ideológico dessas mudanças na Educação foi a “Conferência Mundial 
de Educação Para Todos”, realizada em 1990, na Tailândia. 
(MARIANI; LAIA; MOURA, 2020, p. 60) 
 
 10 
A partir dessa conferência, foi criado no Brasil o setor público não-estatal, que 
tinha como finalidade fortalecer a aliança político-ideológica dos serviços públicos com 
instituições privadas. Essas mudanças antecederam o mandato presidencial de Fernando 
Henrique Cardoso, um governo marcado pela privatização de empresas estatais e 
declaradamente filiado às ideias liberais de livre mercado e interferência do setor privado 
na esfera pública. 
Antes dessas mudanças, no entanto, houvera outras medidas estatais tomadas para 
que a implantação do setor público-estatal fosse discursivizado como uma necessidade. 
A fim de retomar algumas dessas medidas, pensamos com Paiva (1987, p. 10) acerca do 
modo como as políticas educacionais voltadas à alfabetização de jovens e adultos foram 
formuladas no período do golpe militar de 1964. 
Segundo a autora, a atuação do Movimento de Educação de Base (MEB) se 
deslocou do Nordeste para a Amazônia, passando a chamar-se Cruzada ABC, que passou 
a não ser mais administrado pela igreja católica, mas pela igreja protestante Norte-
Americana. Em continuação às mudanças feitas pelo regime ditatorial, é implantado a 
partir dos anos de 1970, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) como 
política de alfabetização em massa. Os objetivos do MOBRAL não se limitavam a 
conectar educação e desenvolvimento econômico, uma vez que o programa também 
funcionava como estratégia política de combate a movimentos guerrilheiros no campo, 
servindo como controle das massas no interior do país. 
Podemos observar, a partir dos estudos de Paiva (1987), como as políticas 
educacionais voltadas à alfabetização de jovens e adultos comungam com as orientações 
políticas do governo vigente: para além dos métodos pedagógicos, buscava-se também 
com a prática de alfabetizar a população alcançar uma estabilidade política, uma 
homogeneização do como e do que se deveria aprender e praticar. 
Conforme Silva (2021), historicamente, a alfabetização se constitui como um 
modo de homogeneização de referências culturais à população e é sobre essas referências 
comuns que “operam desigualdades, divisões, especificidades e diferenças culturais no 
domínio da escrita e em outros domínios a ela implicados” (SILVA, 2021). Dessa forma, 
as políticas educacionais voltadas à alfabetização de jovens e adultos se configura 
também como uma prática de controle do Estado, que interpela os cidadãos em sujeitos 
de direito na e pela escrita. 
As políticas educacionais pautadas pelo golpe militar têm sua continuidade com a 
retomada de governos democráticos. O MOBRAL foi extinto, e em seu lugar, são 
 11 
elaborados programas nacionais de alfabetização baseados nas recomendações dadas pela 
UNESCO na “Conferência de Educação para Todos”, em 1990 (MARIANI; LAIA; 
MOURA, 2020, p. 60). As políticas de alfabetização subsequentes a essa conferência 
tinham que estabelecer parcerias entre o setor privado e o terceiro setor, atuando no 
desenvolvimento de programas governamentais de eliminação do analfabetismo, da 
fome, de doenças e do desemprego. 
Uma das formas de colocar em prática essas parcerias foi a criação do Programa 
Social Comunidade Solidária, em vigor durante o mandato de Fernando Henrique 
Cardoso na Presidência da República, de 1995 a 2002 (TRAVERSINI, 2003, p. 14). É 
nesse contexto, que em 1996 o conselho governamental do Comunidade Solidária, 
liderado pela socióloga Ruth Cardoso, cria a Alfabetização Solidária, uma instituição não-
governamental que passaria a atuar no combate ao analfabetismo no Brasil (ALFASOL, 
2020). O programa atuava principalmente em regiões com altos índices de analfabetismo, 
começando pelo interior do país e, posteriormente, atuando nas grandes cidades, e suas 
propagandas integram o corpus desta pesquisa, conforme abordaremos mais adiante. Os 
cidadãos alfabetizados pelo programa são jovens e adultos, como podemosobservar no 
fotograma 2, recortado de uma das propagandas do Alfabetização Solidária, com 
circulação no ano de 1997. 
 
 
Fotograma 2 
 
SD1: Não saber ler nem escrever é como sentir-se um estrangeiro no próprio país. 
 
 
No fotograma 2, temos a caracterização da posição-sujeito analfabeto projetada 
na propaganda do Alfabetização Solidária, isto é: um homem branco, de meia idade e 
morador da cidade (neste caso, São Paulo). Observamos que não se trata de qualquer 
analfabeto, mas daquele com características desejáveis pelo mercado para compor a mão 
 12 
de obra dos trabalhos de base da economia, em um governo liberal que busca fortalecer 
as alianças com o setor privado. 
Na propaganda, o cidadão brasileiro caminha pela rua da Liberdade, em São 
Paulo, e demonstra incompreensão diante das placas escritas em uma língua não ocidental 
(fotograma 2). Em seguida, o locutor da propaganda (SD1) compara a situação de 
incompreensão do idioma estrangeiro a não saber ler e escrever a língua nacional. De 
modo que “saber ler e escrever” (SD1) é significado como uma condição para sentir-se 
brasileiro. Segundo Rodrigues (1982 p. 143-171), o processo de marginalização cívico-
política dos analfabetos data da adoção da Lei Saraiva (1881). No art.2 dessa lei, é 
considerado eleitor “todo cidadão brazileiro, nos termos dos arts. 6º, 91 e 92 da 
Constituição do Imperio, que tiver renda liquida annual não inferior a 200$ por bens de 
raiz, industria, commercio ou emprego.” (BRASIL, 1881, Art. 2). Desse modo, a 
condição de saber ler e escrever, na sequência discursiva 1, funciona tal como a condição 
do voto imposta pela Lei Saraiva (1881). 
Tais comparações nos fazem refletir acerca dos efeitos de sentidos projetados para 
o cidadão analfabeto, no qual não “saber ler e escrever” é discursivizado como uma 
limitação posta pela língua escrita para a identificação do cidadão com a nação. A lei 
Saraiva (1882), excluía os cidadãos que não sabiam ler e escrever de votar. A exclusão 
do exercício dessa suposta cidadania é retomada na propaganda pelo “sentimento” de não 
se sentir parte da nação pelo não reconhecimento das letras. 
No decorrer da mesma propaganda, o sujeito-analfabeto é projetado como aquele 
que constrói a sua autonomia na cidade a partir da escolarização. Na sequência dos 
fotogramas 3, 4 e 5, o reconhecimento da língua nacional, marcado nas expressões faciais 
e pela leitura da placa de maneira silábica “LI-BER-DA-DE”, por parte do sujeito 
analfabeto/alfabetizado, apontam para a modificação do modo como o cidadão se 
relaciona com o espaço da cidade. 
 
 
Sequência de fotogramas (3,4 e 5) 
 
 13 
Como podemos observar na sequência de fotogramas 3, 4 e 5, há uma mudança 
na expressão facial do ator, sugerindo uma sensação de bem estar em relação à anterior, 
conferida pelo reconhecimento da língua nacional e do lugar onde ele se encontra: a Praça 
da Liberdade. 
Para Orlandi (2012), a educação pode ser discursivizada como uma prática social 
 
(capaz de) dar condições para que este sujeito “soubesse” do efeito de 
sua intervenção nas formas sociais. O que a “capacitação”, o 
“treinamento” não fazem. Ele continua assim, um objeto na relação de 
trabalho. Agora bem treinado e, logo, mais produtivo.” (ORLANDI, 
2012, p. 141) 
 
Com Orlandi (2012), pensamos que o reconhecimento da língua nacional e do 
espaço produzido como efeito de sentido na propaganda poderia ser significado como 
uma forma de autonomia para o sujeito-alfabetizado, de modo que 
liberdade/alfabetização funcionassem como um par semântico, ressaltando o caráter 
formador da educação, aquele que faz com que o sujeito “soubesse” de sua capacidade de 
intervenção e transformação na sociedade. No entanto, não é o que se marcam nas análises 
discursivas empreendidas sobre o discurso da Alfabetização Solidária e sua relação com 
o mercado, como veremos ao longo dos capítulos dessa dissertação. 
A propaganda supracitada faz parte do nosso corpus de pesquisa, no qual 
buscamos analisar discursivamente sete propagandas da Alfabetização Solidária, com 
circulação no período de 1997 a 2007, intituladas: 
 
• Assine embaixo: Presente (1997) 
• Assine embaixo: Liberdade (1997) 
• Adote um analfabeto: primeira carta (1999) 
• Adote um aluno: Malu Mader e Tony Beloto (2003 ) 
• Adote um aluno: cozinheira (2005) 
• Adote um aluno: porteiro (2005) 
• Adote um aluno: Robson e Andréia (2007) 
 
As propagandas que compõem o nosso corpus são oriundas de três campanhas 
distintas, a saber: Assine embaixo; Adote um analfabeto; e Adote um aluno. A campanha 
“Assine embaixo”, de 1997, funciona como um chamado à sociedade civil para “assinar 
 14 
embaixo” das ações do Programa Alfabetização Solidária, como se marca na sequência 
discursiva 2: 
 
SD2: O programa alfabetização solidária veio para combater o analfabetismo. Você pode 
contribuir, através da sua empresa, sua universidade ou da sua comunidade. Ajude a escrever uma 
nova história para o Brasil. 
 
 Na sequência discursiva 2, o pronome “você” direciona a ação de “contribuir” 
para os cidadãos que podem “escrever uma nova história”. Assim, as propagandas da 
alfabetização solidária se dirigem aos cidadãos que podem “escrever” e “assinar”, 
responsabilizando-os pela implantação do programa, ou seja, pela “nova história do 
Brasil”, que não será financiada somente pelo governo federal, mas através da 
solidariedade de “todos”. 
Para pensar como essa relação entre alfabetização e mercado se marca nas 
propagandas da alfabetização solidária, tomaremos as políticas educacionais voltadas à 
alfabetização como discurso, reconhecendo os efeitos da história no processo de produção 
de sentidos sobre a alfabetização. Como observamos inicialmente, há uma 
individualização do cidadão por um direito à educação que deveria ser garantido pelo 
Estado. Essa transferência de responsabilidades atende à formação econômica neoliberal, 
que orienta a elaboração das políticas educacionais citadas. 
Para pensar a posição-sujeito alfabetizado que se marca em tais propagandas, 
compreendemos com Orlandi (2001, p. 48-49) que o sujeito é “atravessado pela 
linguagem e pela história, sob o modo do imaginário, o sujeito só tem acesso a parte do 
que diz. Ele é materialmente dividido desde sua constituição: ele é sujeito de e é sujeito 
à. Ele é sujeito à língua e à história”. Assim, ao mesmo tempo em que determina o que 
diz, ao elaborar o seu dizer, consideramos que o sujeito é determinado pela exterioridade 
na sua relação com os sentidos e tem de se sujeitar à língua, ao simbólico para ser sujeito 
da própria língua. Pela noção de posição-sujeito no discurso, torna-se possível pensar o 
cidadão e o analfabeto/alfabetizado que se projetam na propaganda da alfabetização 
solidária como um “lugar” ocupado para ser sujeito do que diz e não como uma forma de 
subjetividade equivalente a indivíduo. O modo como a posição-sujeito 
analfabeto/alfabetizado é projetada no discurso sobre a alfabetização solidária também é 
atravessada por uma lógica dominante de consolidação das estruturas do Estado liberal-
burguês. Desse modo, nos interessa analisar à luz da Análise de Discurso materialista 
 15 
como o linguístico se articula com a sua exterioridade, produzindo efeitos de sentido no 
discurso sobre a alfabetização e para os sujeitos nele projetados como posição-sujeito. 
De maneira mais ampla, a tarefa a que nos propomos se relaciona à seguinte 
questão de pesquisa: Como se constitui o discurso sobre a alfabetização (solidária) nas 
propagandas da Alfabetização Solidária? 
De modo mais específico, questionamos: 
I. Considerando as condições de produção do discurso: como se produzem 
os efeitos de sentido para a alfabetização (solidária) e como o discurso mercadológico se 
marca nesse mesmo discurso em tais propagandas? 
II. Como a posição-sujeito alfabetizado é significada nas propagandasda 
Alfabetização Solidária? 
III. Como o discurso da solidariedade produz efeitos de sentido no discurso 
sobre a alfabetização voltada à classe trabalhadora? 
IV. Como a separação entre trabalho manual e intelectual materializam-se no 
discurso sobre a alfabetização (solidária), acirrando desigualdades e reafirmando lugares 
de subordinação na relação entre homem-trabalho-conhecimento? 
 
A fim de responder a tais questões, organizamos o material de que dispomos em 
três capítulos. No primeiro capítulo, buscamos tecer algumas considerações sobre a 
perspectiva teórico-metodológica com que trabalhamos, articulando conceitos como os 
de sujeito, discurso e ideologia, que nos são caros para pensar a relação entre 
alfabetização e mercado no discurso sobre a alfabetização (solidária). 
No segundo capítulo, mobilizamos a noção de arquivo enquanto um gesto de 
interpretação e um modo de leitura que considera a incompletude como constitutiva e a 
totalidade como um efeito produzido. Em seguida, delimitamos as propagandas 
financiadas pelo MEC que fazem parte do corpus de análise, composto por sete 
propagandas da Alfabetização Solidária, com circulação no período de 1999 a 2007, 
conforme mencionamos anteriormente. Todas as propagandas que compõem o corpus 
foram transcritas verbalmente e ilustradas a partir de prints dos frames dos vídeos. As 
imagens e o textos verbais são considerados enquanto discursos com materialidades 
específicas, mas que funcionam em conjunto na produção de sentidos no corpus. 
No terceiro capítulo, analisamos a partir das marcas no corpus o modo como o 
discurso sobre a alfabetização (solidária) é produzido a partir da posição-sujeito 
alfabetização solidária (AlfaSol), lugar que se constrói discursivamente. No discurso 
 16 
sobre a alfabetização (solidária) são produzidos efeitos de evidência sobre a posição-
sujeito alfabetizado, determinando o que pode e deve ser dito sobre a alfabetização 
voltada à classe trabalhadora. 
Diante do exposto, a análise discursiva aqui apresentada se justifica por questionar 
o apagamento do político na linguagem, buscando historicizar a (re)produção de efeitos 
de evidência para a alfabetização como um aprimoramento para o mercado de trabalho, 
discurso que, ao ganhar circulação na mídia televisiva, contribui para a manutenção das 
relações de poder em uma nossa formação social. 
Outrossim, buscamos dar seguimento às reflexões iniciadas por Pêcheux ([1982] 
2014) na França, sobre a divisão do trabalho de leitura em dado arquivo, o apagamento 
dos sujeitos-leitores em sua constituição e a condição contraditória do discurso de 
profissionalização das funções em nossa formação social, que se coloca ao ensinar a ler 
e escrever uma língua. Assim, visamos contribuir para a Análise de Discurso no Brasil, 
em interlocução a trabalhos como os de Silva (2015), Dela-Silva (2012), Pfeiffer (2011), 
Feitoza-Matheus (2020), entre tantos outros, que tomam as políticas públicas 
educacionais como objeto discursivo, isto é, construído para e por sujeitos em uma dada 
formação ideológica. 
 
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 17 
CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ANÁLISE DE DISCURSO 
MATERIALISTA 
 
 Neste primeiro capítulo, delinearemos o referencial teórico da constituição da 
nossa pesquisa, que servirá posteriormente de base para o desenvolvimento das questões 
que norteiam nosso trabalho. Para tanto, dividimos o capítulo em subcapítulos, a fim de 
introduzir uma reflexão em torno do campo de estudos da Análise de Discurso, trazendo 
um panorama histórico da constituição da teoria como uma disciplina de interpretação e 
os instrumentos teóricos mobilizados para a realização das análises propostas. 
 
1.1 Análise de Discurso: uma teoria no entremeio de três saberes 
 
 A Análise de Discurso materialista (doravante AD) é uma teoria que surge na 
França, em um contexto político pós Maio de 68. Naquele ano, cerca de 5.116 operários 
(ADAM, [1968] 1970) junto aos movimentos estudantis, paralisaram os principais setores 
produtivos do país em uma greve geral. Esse movimento questionava as estruturas 
opressivas em que estavam pautadas a sociedade da época, lutando pelo estabelecimento 
de relações de igualdade de gênero, de classe etc. 
 Em meio a esse contexto de efervescência dos movimentos sociais, o filósofo 
francês Michel Pêcheux se interessa por compreender o funcionamento do percurso de 
geração de sentidos na língua, provocando uma ruptura no campo teórico das ciências 
sociais para a transformação da prática política. O que faz com que ele considere o 
linguístico e estabeleça uma interlocução com os estudos em linguística da época. 
Para Gadet, Leon, Maldidier e Plon (2010 [1997]), a publicação de Discourse 
analysis (1952), do estruturalista americano Harris foi essencial para a construção da 
Análise de Discurso enquanto disciplina, e afirmam que: 
 
Harris não apenas fornece alguns procedimentos de análise, ele inspira 
o estabelecimento de todo o dispositivo da AAD. No registro da 
superfície discursiva, que constitui propriamente a fase de análise 
linguística, a proximidade com Harris é muito grande: redução do texto 
a enunciados elementares que lembram a frase “núcleo” de Harris, 
recurso às transformações (técnica gramatical essencial no método de 
Harris), busca, através dessas operações, de uma regularização ótima 
do discurso, com vista à constituição dos domínios semânticos. 
(GADET; LEON; MALDIDIER; PLON (2010 [1997], p. 43) 
 
 
 18 
Conforme apontado pelos autores, o método distribucional elaborado por Harris, 
comparece na primeira etapa dos procedimentos metodológicos da Análise de Discurso 
fundada por Pêcheux. Como explica Orlandi (2001), a primeira etapa consiste na 
passagem da superfície linguística (o texto) para o objeto discursivo. Para Pêcheux (2010 
[1969]), a passagem do texto para o objeto discursivo se faz necessária, uma vez que: 
 
é impossível analisar um discurso como um texto, isto é, como uma 
sequência linguística fechada sobre si mesma, mas que é necessário 
referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado 
definido das condições de produção (PÊCHEUX, 2010 [1969], p. 
78) 
 
Observamos que, para além do reducionismo de Harris e do subjetivismo da 
análise de conteúdo, a análise de discurso compreende o texto como uma materialidade 
significante, no qual os efeitos de sentido são construídos na interpretação, com o sujeito 
da/ na língua fazendo sentido na história. 
Tendo isto posto, a Análise de Discurso coloca questões para a linguística, como: 
I) O apagamento do político na concepção da linguagem como ferramenta de 
comunicação; II) A evidência de sentidos e a transparência da linguagem promovida pela 
análise de conteúdo, a partir da pergunta “O que quer dizer este texto?”; III) A ideia de 
ocultação ou máscara, na qual o sujeito é dono do seu dizer e dos sentidos. 
Desse modo, no contexto de surgimento da AD na década de 1960, diferentes 
campos do saber se voltam à questão da leitura e da interpretação. Autores como 
Althusser propõem uma leitura de Marx, reformulando o conceito de ideologia, ao 
reconhecer seu caráter material nos Aparelhos Ideológicos de Estado. No campo da 
Psicanálise, Lacan revisita as teorias do inconsciente de Freud e afirma que o inconsciente 
funciona como uma linguagem, na qual o sujeito surge como um efeito. Ao se partir 
dessas contribuições teóricas implica em que não há como conceber a leitura como algo 
natural, uma vez que há uma materialidade da língua, da história e do inconsciente que 
intervêm no modo como significamos. Entretanto, a junção dessas três áreas do 
conhecimento – a Linguística, o Materialismo Histórico e a Psicanálise – não seria 
suficiente para dar conta das questões postas sobre a leitura. Era preciso que houvesse 
uma reformulação de seus instrumentos científicos,de modo a construir uma teoria que 
reconhecesse o caráter constitutivo e não complementar do inconsciente, da história e da 
língua na produção de sentidos. 
com Pêcheux
Dellpc
Realce
Dellpc
Realce
 19 
Diante disso, a AD promove uma ruptura teórica no campo das ciências humanas, 
interrogando à linguística sobre o lugar da história em seu campo teórico e às ciências 
sociais sobre o não reconhecimento material da língua no social. Ademais de colocar 
questões à psicanálise, uma vez que esta enfatiza a ideologia na constituição do sujeito. 
É neste lugar não logicista, não sociologista e não psicologista que a AD vai pensar o seu 
objeto teórico, no entremeio, de modo que a relação entre língua, história e inconsciente 
não se dê de maneira sobredeterminante, mas seja constitutiva no processo de produção 
dos sentidos. 
 
1.2 O discurso e seu funcionamento 
 
A AD constitui no entremeio dessas disciplinas o seu objeto de estudo: o discurso. 
Para definir um novo objeto, Pêcheux ([1969] 2010) se desloca da forma como eram 
pensados os esquemas referentes à comunicação até então, a saber: o comportamental e 
o informacional. Ambos os modelos desprezavam as condições de produção, segundo o 
autor: 
 
não se trata necessariamente de uma transmissão de informação entre 
A e B mas, de modo mais geral, de um “efeito de sentido” entre os 
pontos A e B. […] Fica bem claro, já de início, que os elementos A e B 
designam algo diferente da presença física de organismos humanos 
individuais. Se o que dissemos antes faz sentido, resulta pois dele que 
A e B designam lugares determinados na estrutura de uma formação 
social […] (PÊCHEUX, [1969] 2010, p.81) 
 
 
Como nos diz Pêcheux ([1969] 2010), o discurso é “efeito de sentido” entre 
interlocutores, sendo esses representados não pelo indivíduo empírico, mas enquanto 
posições que se marcam no discurso. A noção de discurso nos é cara para pensar o modo 
como a posição-sujeito doador e posição-sujeito alfabetizado são projetadas no discurso 
sobre a alfabetização solidária. Nas propagandas, o processo de produção de sentido está 
na relação que a língua mantém com sua exterioridade, em uma formação social dada. 
A Análise de Discurso se interessa pelo discurso, sua proposta é analisar o modo 
como os efeitos de sentido são construídos, desnaturalizando a produção de sentido como 
evidência, a partir das análises dos processos que se marcam na língua e na história, 
atravessados pelo sujeito do inconsciente. Desse modo, cabe ao analista identificar as 
marcas ou as ausências delas no funcionamento discursivo das materialidades textuais, 
 20 
para descrevê-las e analisá-las, a fim de depreender o processo discursivo no corpus de 
análise. 
Para formular a noção de sujeito, Pêcheux faz uma releitura de Lacan do conceito 
de inconsciente estruturado como uma linguagem. No entanto, não é possível incorporar 
um conceito teórico advindo de uma teoria sem que este passe por modificações que 
atendam aos objetivos da outra. Dessa forma, o fundador da Análise de Discurso 
questiona o conceito de sujeito trabalhado em sua singularidade. Para se deslocar do 
conceito de sujeito da Psicanálise, Pêcheux (2009 [1975]) faz alusão à tese central de 
Althusser (1985), na qual não há a existência de um indivíduo fora do social, uma vez 
que desde sua constituição, o sujeito está inscrito em uma formação social dada e, 
consequentemente, desde já interpelado pela Ideologia em sujeito. Em seus termos: 
 
O que a tese “a Ideologia interpela os indivíduos em sujeito” designa é 
exatamente que “o não-sujeito” é interpelado-constituído em sujeito 
pela Ideologia. Ora, o paradoxo é, precisamente, que a interpelação tem, 
por assim dizer, um efeito retroativo que faz com que todo indivíduo 
seja “sempre-já-sujeito”; (PÊCHEUX, 2009 [1975], p. 141. Itálico do 
autor.) 
 
Segundo Pêcheux, o funcionamento da Ideologia, assim como do inconsciente, 
constituem o sujeito e para tal, apagam em seu interior o próprio funcionamento, de modo 
a produzir os efeitos de evidência da existência de um sujeito autônomo. Em nossa 
pesquisa, o efeito de evidência do sujeito autônomo e dono do seu dizer comparecem nos 
fotogramas 39 e 40. Os sujeitos-alfabetizados/ alfabetizadores são singularizados pelo 
nome e sobrenome “Robson Martins da Silva” e “Andreia Tenório dos Santos”; profissão 
“aluno da AlfaSol” e “alfabetizadora da AlfaSol”, em depoimento relatando as 
experiências com a instituição. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fotograma 39 
 
Fotograma 40 
 
qualificados respec/ como
 21 
Conforme Pêcheux ([1975] 2009), o sujeito constitui-se a partir de dois 
esquecimentos: o esquecimento Ideológico (número 1), que faz com que o sujeito pense 
que a origem do dizer está nele mesmo; e o esquecimento enunciativo (número 2), pelo 
qual o sujeito pensa que o que ele diz somente poderia ser dito daquele modo. Ambos os 
esquecimentos conferem ao sujeito a ilusão imaginária de sentido único e de que o “eu” 
escolhe como fala, quando os dizeres estão sempre em relação a outros dizeres com os 
quais o sujeito se identifica. 
O processo discursivo se dá a partir de uma base linguística comum, de forma que 
“o sistema da língua é, de fato, o mesmo para o materialista e para o idealista, para o 
revolucionário e para o reacionário” (PÊCHEUX e GADET, [1975] 2010, p.81). Assim, 
a materialidade específica do discurso é a língua, pois é pela linguagem que o indivíduo 
é chamado a ser sujeito. Esse chamado, segundo Pêcheux & Fuchs ([1969] 2010, p.162), 
 
consiste no que se convencionou chamar de interpelação, ou o 
assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico, de tal modo que cada 
um seja conduzido, sem se dar conta, e tendo a impressão de estar 
exercendo sua livre vontade, a ocupar o seu lugar em uma ou outra das 
duas classes sociais antagonistas do modo de produção (ou naquela 
categoria, camada ou fração de classe ligada a uma delas). (PÊCHEUX 
& FUCHS, [1969] 2010, p.162. Itálicos dos autores) 
 
Esta interpelação ocorre, como nos dizem Pêcheux & Fuchs ([1969] 2010), pelo 
mecanismo de evidência de sentidos, a ideologia. A interpelação é um chamado ao qual 
o sujeito responde para inserir-se na cadeia significante. As possibilidades de 
interpretação do mundo já são dadas via ideologia ao sujeito desde sua constituição. De 
modo que é a ideologia que determina o que pode e não pode ser dito em uma formação 
social dada. Isto posto, não há discurso fora da ideologia, isto é, não há discurso fora de 
condições de produção que possibilitem a significação do que é dito. Assim, ao produzir 
discurso, o sujeito assume necessariamente uma posição dentre outras e ao “fazer isso” 
(ato não consciente), assume também uma posição em uma conjuntura sócio-histórica 
mediada por relações sociais antagônicas, na qual a luta de classes é uma constante. 
Se colocam como condições de produção de um discurso, os “já-ditos” aos quais 
o sujeito se filia. A memória funciona por esquecimentos e apagamentos, logo, dizer x é 
necessariamente não dizer y; é preciso que haja esquecimentos para que outros sentidos 
surjam. Segundo Pêcheux 
 
 22 
[...] uma memória não poderia ser concebida como uma esfera plena, 
cujas bordas seriam transcendentais históricos e cujos conteúdos seriam 
um sentido homogêneo, acumulado ao modo de um reservatório: é 
necessariamente um espaço móvel de divisões, de disjunções, de 
deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização...Um 
espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos. 
(PÊCHEUX, et al., [1999] 2010, p.56) 
 
Se concebêssemos a memória como uma “esfera plena” estaríamos nos referindo 
à memória como um reservatório estático. Com Pêcheux ([1999] 2010) buscamos pensar 
o funcionamento da memória como “um espaço móvel”, pois, ao mesmo tempo que é o 
espaço do interdiscurso, isto é, de tudo que é possível serdito, é também um lugar de 
atualizações. Essas atualizações são feitas inconscientemente nos movimentos de 
retomada e deslizamento, de modo que o discurso não é somente repetição de sentidos, 
uma vez que as condições de produção nunca são as mesmas. 
Assim, o discurso “não tem, de direito, início: o discurso se conjuga sempre sobre 
um discurso prévio” (PÊCHEUX, [1969] 2010, p.76). Com Pêcheux ([1969] 2010, p.76) 
compreendemos que o discurso não tem uma origem determinada, um “início”, mas está 
sempre em curso (ORLANDI, 2010) e constitui-se na tensão entre os mecanismos de 
retomada e deslizamento de sentidos em circulação no interdiscurso em um dado 
momento. 
Se pensarmos na posição-sujeito empregada e na posição-sujeito patroa, como 
lugares ocupados por sujeitos no discurso, cada uma dessas posições irá filiar-se a uma 
memória do dizer sobre o que é ser uma empregada e o que é ser uma patroa em uma 
formação sócio-histórica capitalista. Portanto, as posições-sujeito dadas no discurso são 
marcadas “por propriedades diferenciais determináveis” (PÊCHEUX, [1969] 2010, p.81), 
isto é, há um jogo de imagens que se projeta no discurso dadas por antecipações sobre os 
lugares ocupados pelos sujeitos e sobre o referente. As formações imaginárias são essas 
imagens projetadas no discurso por sujeitos em um momento dado. 
As formações imaginárias são constitutivas do dizer, à medida que o discurso se 
modifica a partir dessas projeções que o sujeito faz sobre as posições em jogo no discurso. 
Essas imagens não são constituídas aleatoriamente, têm sua historicidade marcada em 
uma formação social dada, na qual funcionam relações de poder que, ao se projetarem no 
discurso, produzem relações de sentido sobre essas posições de modo que o sujeito 
assuma uma posição e não outra. 
a exemplo do que veremos
no nosso corpus
 23 
Em nossas análises do corpus discursivo, veremos como o funcionamento das 
formações imaginárias no discurso participa do processo que constituem certos sentidos 
como evidentes para a posição-sujeito alfabetizado, a partir da posição-sujeito AlfaSol, 
no discurso sobre a alfabetização no Brasil, especificamente, a alfabetização voltada à 
jovens e adultos da classe trabalhadora. 
 O discurso é constituído como um lugar no qual língua, ideologia e inconsciente 
produzem sentidos como sempre já lá. O efeito de evidência dos sentidos ocorre no 
encobrimento dos funcionamentos ideológicos e inconscientes na materialidade da 
língua, produzindo discurso. É na materialidade da língua que o discurso torna-se 
apreensível, no entanto, essa formulação não se dá sem uma filiação sócio-histórica. É no 
discurso que se dá o funcionamento material da ideologia. O que diz, o que enuncia, 
promete ou denuncia uma empregada doméstica está situado no interior da relação de 
forças existentes entre os elementos antagonistas de um campo político dado (PÊCHEUX, 
[1969] 2010, p.76), e não possuem o mesmo estatuto do que diz uma atriz global em um 
comercial de televisão sobre o que é e para que deve se destinar a alfabetização voltada à 
jovens e adultos trabalhadores. 
Em nossa conjuntura sócio-histórica, a posição-sujeito empregada e a posição-
sujeito patroa referem-se a duas posições antagônicas na divisão do trabalho. A relação 
que ambas as posições estabelecem com a alfabetização não é da mesma ordem, os efeitos 
de sentido seriam diferentes, por exemplo, caso houvesse um comercial no qual uma 
empregada pedisse para que outras empregadas doassem dinheiro para alfabetizar sua 
patroa. Ora, pensemos por que seria um absurdo cogitar tal comercial? Por que sua 
circulação é pouco provável em nossa conjuntura social? Os porquês ficam aqui como 
interrogações à naturalização do que pode ser significado como absurdo e do que é 
significado como solidário. 
Desse modo, nos interessa pensar o modo como o discurso sobre a alfabetização 
(solidária) naturaliza a alfabetização da elite como direito e da classe trabalhadora como 
uma ação “solidária”. O discurso da solidariedade comparece no decorrer de nossas 
análises. Sublinhamos como uma de suas marcas, a adjetivação da alfabetização 
(solidária), bem como parte do slogan das propagandas, que retomamos da SD3: 
 
SD3: Escreva essa ideia no seu coração, adote você também um aluno. 
 
 24 
Observamos que quem “escreve” são os sujeitos-doadores aos quais se dirige a 
propaganda. As posições antagônicas da divisão do trabalho, tomam a escrita como uma 
forma de exercer o poder. Desse modo, mesmo quando o sujeito a ser alfabetizado é o 
trabalhador, não há lugar para pensar a escrita como subjetividade, o que comparece é a 
escrita como ferramenta para exercer a sua função no mercado de trabalho. Não são os 
trabalhadores os sujeitos aos quais as leis se dirigem e garantem o acesso à alfabetização. 
O que desenvolveremos nos próximos capítulos tem por objetivo dar a ver o modo como 
o discurso sobre a alfabetização (solidária) poem em circulação determinados sentidos 
para o sujeito-alfabetizado e para a alfabetização, esta, como vimos aqui inicialmente, 
discursivizada como voluntária, tal como a gorjeta da uberização dos serviços atualmente, 
e portanto, de responsabilidade do cidadão-patroa/patrão/Senhor consumidor do serviço 
prestado e não como um direito básico do trabalhador a ser garantido por políticas 
públicas. 
 
 
1.3 Modos de organização do discurso: as formações discursivas e as formações 
ideológicas 
 
 No subcapítulo anterior, observamos como o modo de produção capitalista, ao ser 
baseado na divisão do trabalho, possui um caráter intrinsicamente contraditório dado pela 
luta de classes. Essa relação de força tem uma existência material no discurso. Sendo o 
discurso a materialidade da ideologia, é sob um efeito de evidência que as propagandas 
que constituem o nosso corpus de pesquisa afirmam, por exemplo, que “toda criança deve 
estar na escola” ou “toda criança deve ler e escrever” e posteriormente, atendendo a uma 
demanda de qualificação da força de trabalho, trazem a necessidade de ingresso do jovem 
no ensino superior ou dos jovens e adultos na alfabetização. A justificativa “por demanda” 
produz efeitos de sentido para as políticas educacionais como sendo naturais, como se as 
leis do direito não fossem atravessadas pelo político. É pela “demanda de qualificação” 
que a educação em todas as faixas etárias é discursivizada como necessária. É a Ideologia 
que apaga as condições de existência, uniformizando os sujeitos e as situações, como se 
 25 
toda criança tivesse iguais condições de acesso à escola e como se todo jovem com “força 
de vontade” conseguisse uma bolsa no PROUNI1. 
Assim, não há como analisar o discurso sobre a educação no Brasil sem se 
considerar o funcionamento contraditório das instituições de ensino (escolas, 
universidades), isto é um lugar de transformação e reprodução da lógica do capital(ismo), 
constituídas em uma formação ideológica dada. Pêcheux ([1975] 2010, p.164) diz que as 
formações ideológicas 
 
Comportam necessariamente, como um de seus componentes, uma ou 
várias formações discursivas interligadas que determinam o que pode e 
deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, um sermão, um 
panfleto, uma exposição, um programa etc.) a partir de uma posição 
dada numa conjuntura, isto é, numa certa relação de lugares no interior 
de um aparelho ideológico, e inscrita numa relação de classes. 
(PÊCHEUX, [1975] 2010, p.164) 
 
As formações discursivas são componentes interligados por relações de oposição 
e aliança no interior de uma formação ideológica, de modo que o sujeito, ao assumir uma 
posição, o faz filiando-se a sentidos em circulação em uma formação discursiva dada 
pelas possibilidades de uma formação ideológica. As formações discursivas são a forma 
material das formações ideológicas, isto é, o lugar no qual o sujeito estabelece relações 
de sentido coma forma-sujeito no interior de dada formação discursiva. O sujeito de 
linguagem, ao produzir discurso, produz sempre a partir de uma posição-sujeito filiada a 
uma formação discursiva. Essa filiação decorre de relações de mais ou menos 
identificação dos sujeitos com determinada formação discursiva e funciona em relação a 
uma forma-sujeito histórica dessa mesma formação discursiva. 
Portanto, podemos dizer que a posição-sujeito patroa e a posição-sujeito 
empregada funcionam no interior de uma formação discursiva do trabalho em uma 
formação ideológica capitalista, em sua dialética com a infraestrutura econômica que 
divide sujeitos em distintas classes. Com efeito, um mesmo dizer pode significar de 
diferentes formas, dependendo da posição ocupada na formação discursiva, de modo que 
o lugar social da empregada pode não coincidir com a sua posição discursiva. Dado que 
não há anterioridade do sujeito frente à língua, é na língua que o sujeito filia-se a uma 
 
1 O O Programa Universidade para Todos (Prouni) do Ministério da Educação foi criado em 2004, pela 
Lei nº 11.096/2005. O Programa oferece bolsas de estudo, integrais e parciais (50%), em instituições 
particulares de educação superior. 
 26 
formação discursiva com a qual se identifica (processo não consciente) e é nesse lugar de 
assujeitamento à língua, à ideologia e ao inconsciente que produz sentidos. 
 
1.4 Discurso sobre a alfabetização solidária na mídia 
 
Nessa subseção, pretendemos pensar a especificidade do corpus, tendo em vista 
que as propagandas da/do Alfabetização Solidária produzem efeitos de sentido para a 
alfabetização e para o sujeito-alfabetizado, atravessadas pelo funcionamento das práticas 
publicitárias na mídia. Para DELA-SILVA (2012), a mídia é tomada como: 
 
um lugar privilegiado de constituição e divulgação de efeitos de 
sentido; privilegiado porque possui ampla circulação e, 
consequentemente, vasto alcance junto aos sujeitos a quem se dirige. 
Desse ponto de vista, não é possível considerar a mídia como uma 
simples tecnologia voltada à comunicação. (DELA-SILVA, 2012, p. 
180) 
 
Com Dela-Silva (2012), partimos de uma concepção da mídia como lugar 
privilegiado de circulação de gestos de interpretação sobre a alfabetização. Dessa forma, 
nos perguntamos sobre o modo de circulação das propagandas que compõe nosso corpus. 
As propagandas da Alfabetização Solidária foram amplamente difundidas. Além 
das propagandas com circulação na televisão, a Campanha “Adote um aluno” contou com 
a participação de empresas que incentivavam seus clientes a “fazerem parte” dessa 
“história de sucesso” que era a Alfabetização Solidária. 
Segundo Traversini (2003), a rede Cinemark foi uma dessas empresas, que “fez a 
sua parte”, exibindo gratuitamente comerciais da Campanha em 100 salas de cinema 
distribuídas em todo o país. O anúncio da Campanha “Adote um aluno” também circulou 
em sua versão impressa em filipetas de cartões de crédito e em seis milhões de 
contracapas da Revista Mônica, nas quais a própria personagem incentivava as crianças 
a pedir aos pais que adotassem um aluno (TRAVERSINI, 2003, p. 156). 
 As diversas formas de divulgação da campanha se configuram como uma 
estratégia publicitária para aumentar o apoio financeiro da população brasileira à 
Alfabetização Solidária (AlfaSol) e o apoio político ao governo federal frente ao 
problema social do analfabetismo. 
Para Pêcheux (2012 [1979]), a propaganda governamental é uma estratégia 
constante de fortalecimento e consolidação do Estado, cujos métodos foram 
aperfeiçoados com o passar do tempo. A propaganda governamental deixa de ser uma 
 27 
estratégia militar e passa a funcionar como uma “guerra permanente preventiva instalada 
no interior da paz social, dispositivo essencial do Estado capitalista autoritário moderno, 
a propaganda se faz com imagens e palavras, sentimentos, ideias e gestos.” (PÊCHEUX, 
2012 [1979], p. 73). 
Com Pêcheux (2012 [1979]) e Dela-Silva (2012), compreendemos a propaganda 
como discurso que ocupa um lugar privilegiado no processo de constituição e circulação 
de sentidos para o sujeito-alfabetizado e para a alfabetização na formação social 
capitalista, na qual historicamente, as práticas publicitárias funcionam como ferramentas 
de manutenção do modo de produção capitalista. São exemplos a implementação do 
programa “infecção interna” pelo militar francês Phellipe Pétain contra os motins 
populares de 1917, e a eleição do militar Vichy pela burguesia alemã, cujo 
posicionamento era a favor de qualquer outro presidente do que um candidato da Frente 
popular (PÊCHEUX, 2012 [1979], p. 74). Qualquer semelhança com a propaganda 
antipetista feita pelo candidato à presidência do PSL, no contexto brasileiro das eleições 
presidenciais de 2018, não são mera coincidência e sim uma tentativa de retroceder pautas 
conservadoras, de manutenção das estruturas de uma sociedade patriarcal. 
Conforme Pêcheux, o modo de produção capitalista (MPC) seguiu duas formas 
históricas, a saber: a via dita americana (1) e a via dita prussiana (2). 
 
A via número 1 do MPC se apresenta sob os traços de uma democracia 
burguesa exemplar, fundada na ideologia jurídica do contrato livre e 
igual que constitui, através da forma econômica das “leis de mercado”, 
a mola essencial da divisão de classes entre trabalhadores “livres” e os 
proprietários da “livre empresa”. Nesse universo, o passado está 
apagado ou ausente; o MPC engendra as formas de assujeitamento que 
lhe são necessárias ao mesmo tempo que se engendra a si mesmo. [...] 
A via capitalista 2, ao contrário, abre seu caminho no interior das 
estruturas da sociedade feudal e contra elas: o MPC se esforça em tirar 
partido das antigas formas de assujeitamento para adaptá-las a suas 
próprias necessidades. Ela tende a virar a máquina do Estado feudal-
monárquico para fazer dela um instrumento de seu próprio 
desenvolvimento. (PÊCHEUX, 2011 [1979], p.80-81. Negrito nosso) 
 
As formas históricas da produção capitalista apresentadas por Pêcheux se 
retroalimentam, uma vez que a formação ideológica se materializa nas práticas sociais e, 
por conseguinte, no discurso. O discurso é também uma práxis, há retomadas e 
atualizações das formas de ser sujeito da estrutura feudal, na qual o senhor das terras 
continua sendo o que possui a propriedade, enquanto o servo só podia oferecer sua mão 
de obra para sobreviver, acirrando as relações de desigualdade na divisão social do 
 28 
trabalho. Reconhecemos no discurso sobre a alfabetização (solidária) marcas do MPC 
pela forma histórica da via dita americana, uma vez que o discurso sobre a educação no 
país é dado via discurso jurídico sobre a forma de lei pela LDB (1996), na qual 
 
SD4: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos 
ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu 
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996, 
título 2, artigo 2. Negrito nosso) 
 
O discurso jurídico, toma como dado a liberdade e a igualdade de direitos. No 
entanto, a própria existência de um programa para atender à alfabetização tardia de jovens 
e adultos demonstra a falha da garantia do direito à alfabetização na idade considerada 
adequada. Essa contradição é apagada no discurso sobre a alfabetização (solidária), tal 
como podemos observar na descrição da Campanha “Adote um aluno”, no site da AlfaSol 
(2020) na SD5: 
 
SD5: A Campanha Adote um Aluno foi criada em 1999 para atender os brasileiros residentes 
nas capitais e regiões metropolitanas que não tiveram oportunidade de aprender a ler e 
escrever. De abrangência nacional, a Campanha mobiliza recurso junto às pessoas físicas e tem 
sua renda revertida para o Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos. A doação é de R$ 30 
mensais, no período de 12 meses. A rendaé revertida para formação dos alfabetizadores, material 
pedagógico para os alfabetizadores e alfabetizandos, bolsa auxílio para os alfabetizadores e 
coordenadores e avaliação processual de aprendizagem. Toda a pessoa, independente de idade, 
tem direito ao conhecimento. A leitura, mais do que um conhecimento é a oportunidade de 
ver o mundo, de ter liberdade de ir e vir sem a ajuda dos outros, é a possibilidade de buscar 
informações sem precisar da ajuda de ninguém, o que possibilita não só a independência, mas 
também a elevação da autoestima. A educação é direito de todos! 
 
A alfabetização é significada, na posição-sujeito AlfaSol, como uma 
“oportunidade”, na qual o acesso à “leitura” é um pré-requisito para o sujeito-aluno “ter 
liberdade”, ademais de “possibilitar” a “independência” e “elevação da autoestima”. O 
funcionamento do não-dito contribui para pensarmos o modo como a posição-sujeito 
alfabetizado é significado no discurso sobre a Alfabetização Solidária como sendo sem 
liberdade, uma vez que é a partir do acesso às “leituras” que vai tê-la; É um sujeito 
dependente, já que é a campanha que irá “possibilitar” que ele possa “ir e vir sem a ajuda 
dos outros”; e tem a autoestima baixa, uma vez que esta será “elevada”. 
Os efeitos de sentido que significam a posição-sujeito aluno como dependente se 
marcam também no nome da campanha. Em 1996, a campanha chamava-se “Adote um 
analfabeto”. Percebemos na SD4 que o verbo “adote” continua funcionando como um 
apelo aos possíveis doadores, enquanto o termo “analfabeto” é substituído por “aluno” no 
metropolitanos - S5
 29 
nome da campanha de 2003 até o presente momento2 e por “alfabetizandos”, no texto 
sobre ela. 
De acordo com Nogueira (2017, p.77) “quando analisamos as condições de 
produção, buscamos compreender como o que é exterior está na textualidade, ou seja, 
como é textualizado, discursivizado”. Dessa forma, não compreendemos a substituição 
apenas como uma troca de uma palavra por outra e nos perguntamos sobre o contexto 
sócio-histórico em que “adoção” segue naturalizado, enquanto que “analfabeto” desliza 
para “aluno”. 
Ao assistir às propagandas da campanha, no período entre 1995 à 2006, 
percebemos que a troca de “analfabeto” por “aluno” ocorre com a mudança do governo 
de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para o governo de Lula da Silva (2003-
2011). Desse modo, não são somente as palavras, mas o discurso sobre a alfabetização 
em circulação nos diferentes governos que se marcam discursivamente. 
No primeiro, a alfabetização era compreendida como decodificação do alfabeto, 
não havendo diferenciação entre decodificação e leitura. Em 2004, a discussão sobre os 
diferentes níveis de letramento e consequente ampliação do Ensino Fundamental para 
nove anos (BRASIL, 2020) (re)significaram o modo como a alfabetização é 
discursivizada. O discurso sobre a alfabetização como decodificação comparece via 
memória, no modo como a organização significa a posição-sujeito aluno, que mesmo 
sendo nomeado “aluno” e não “analfabeto” ainda precisa ser “adotado”, tutelado por 
alguém, até assumir o seu lugar de sujeito de direito na cultura letrada. 
Apesar do discurso sobre a educação se pautar pelo discurso jurídico, que toma 
como dado a liberdade do sujeito, sabemos que a realidade do país não torna possível o 
exercício pleno desse direito devido à grande desigualdade social prevista para a 
manutenção do sistema capitalista. Essa contradição, no entanto, é apagada nas 
propagandas do PROUNI3 e o que comparece são dizeres imperativos como “Faça como 
Vanessa e outros 400 mil estudantes. Inscreva-se no ProUni até o dia 12 de dezembro e 
venha participar desta conquista.” (Propaganda 11 - Prouni: Medicina é coisa de rico, 
2008), que significam o acesso à educação como uma escolha, isto é, responsabilidade 
dos sujeitos-brasileiros, uma vez que o governo cumpre com sua parte, já que aumenta 
vagas de acesso à Universidade. 
 
2 Tal como trazemos na imagem 2 nos anexos. 
 
3 Conforme traremos no capítulo no capítulo II, a propaganda do PROUNI faz parte do percurso de 
constituição do arquivo e não de nosso corpus de análise. 
pensar sobre processos dos PCN'sVem sendo pensada... GERALZINHA
 30 
Ainda nesta mesma propaganda, percebemos como o apelo emocional se 
materializa também no não-verbal, em que o olhar da personagem se dirige para a câmera, 
enquanto está focada em ângulo big close-up (enquadramento dos ombros para cima) 
quando uma lágrima sai dos seus olhos, tal qual observamos na imagem abaixo: 
 
 
 
 
 
Consideramos, com Pereira (2008), que os efeitos de sentido construídos nas 
propagandas se marcam na linguagem verbal pelos ditos institucionais, não-ditos, 
paráfrases, polissemias e também pela linguagem não-verbal. Esta, por sua vez, pode estar 
em uma relação de paráfrase ou polissemia em relação ao verbal, a partir de uma soma de 
operações de sinais luminosos, sonoros, gestos, expressões, jogos de luz e sombra, 
ângulos de câmera, elementos gráficos etc., que fazem com que a imagem produza 
sentidos independentemente. Em nossas análises, consideramos também o não-verbal 
como marca significante na constituição do discurso sobre a alfabetização (solidária). 
Nas propagandas da campanha “Adote um aluno” (2003-2005), o modo como as 
cenas vão sendo dispostas inscrevem a alfabetização (solidária) no funcionamento 
propagandístico do mercado. No pedido feito ao possível doador, são aplicadas técnicas 
de venda de mercadorias, como o depoimento de artistas globais e apelos emocionais que 
interpelam constantemente o outro, como se marca no uso dos imperativos “escreva”, 
“adote”, “faça”, mas também nas músicas de fundo, no tom de voz do locutor, nos ângulos 
da câmera. Trazemos a seguir dois fotogramas de duas propagandas de 2005; em ambos 
temos o fechamento do ângulo da câmera nas mãos dos que representam nas propagandas 
os alunos da AlfaSol. 
 
 
 
 
 
 
 
Propaganda 11 - Prouni: Medicina é coisa de rico, 2008 
9 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Fotograma 25 Fotograma 35 
 
 
O recurso de big-close nas mãos da cozinheira, no fotograma 25, e do porteiro, no 
fotograma 35, direcionam o nosso olhar para o trabalho executado pelos sujeitos-
alfabetizados, trabalho que foi melhorado graças a inserção desses trabalhadores no 
programa, conforme marcado em “cozinhando cada vez melhor” e em “virei garoto de 
recados” (dizeres que comparecem no verbal das propagandas e que mobilizaremos para 
análises posteriormente). Desse modo, a alfabetização promovida pelo programa 
Alfabetização Solidária é propagada como um serviço de capacitação dos trabalhadores, que 
pode ser adquirida através de doações mensais. 
Tendo isto posto, o discurso sobre a alfabetização (solidária) direciona sentidos para 
a alfabetização e para o sujeito-alfabetizado atravessados pelo funcionamento do discurso 
publicitário, que potencializa as relações da educação com o mercado. Visto que em uma 
sociedade capitalista, o discurso publicitário é uma prática que fomenta o consumo de ideias, 
de produtos e também a adesão à políticas públicas. 
 
 32 
CAPÍTULO II – SOBRE O CORPUS 
 
2.1 Recorte: um gesto de interpretação 
 
No início do percurso dessa pesquisa, nos deparamos com muitos vídeos e materiais 
que remetiam à educação em relação ao mercado. O percurso de seleção que fizemos 
configura-se como um gesto analítico, tendo em vista as questões que orientam a presente 
dissertação. Temos, assim, que os discursos sobre a alfabetização (solidária) nas propagandas 
não se constituem isoladamente, e filiam-se a outros já-ditos sobre a alfabetização de jovens 
e adultos no Brasil e o recorte do corpus é uma amostra, da qual o analista lança mão para 
analisar a materialidade da linguagem,isto é, como os efeitos de sentido incidem 
materialmente na luta de classes pela/ na língua. 
Esse percurso de constituição do corpus produz seus efeitos, e se configura como um 
gesto de interpretação do analista. Como posto no capítulo I, o sujeito para produzir discurso 
inscreve-se em uma posição discursiva, desse modo, não há sentido sem interpretação. Silva 
(2015, p. 69) compreende com Orlandi (1996), a partir das leituras de Pêcheux ([1969] 2010) 
o gesto como um ato simbólico, de modo que 
 
Na análise de discurso não é o analista quem faz a análise no sentido de 
ação de um sujeito consciente e pensante sobre um objeto empírico 
controlável chamado texto, enquanto unidade de trabalho analítico. Mas é 
a análise que se faz pelo texto, através do analista munido de um dispositivo 
teórico, que lhe permite trabalhar a discursividade, isto é a espessura 
linguístico e histórica da linguagem e deslocar a sua posição de sujeito-
leitor para a de sujeito-analista. (SILVA, 2015, p.69) 
 
Desse modo, ao reconhecer a não neutralidade da linguagem, reconhecemos também 
que esta pesquisa se faz a partir de uma ancoragem teórica que critica a construção de um 
corpus baseado em uma pressuposta totalidade. A dificuldade com que nos deparamos ao 
buscar vídeos com circulação anterior ao advento da internet aponta para um efeito de 
completude dos buscadores, como se tudo estivesse a nossa disposição em um clique. Sobre 
esse efeito de completude das redes, as autoras Romão, Leandro-Ferreira e Dela-Silva (2011, 
p. 16) dizem que a falha atribuída ao “sistema de buscadores” é frequentemente significada 
como “passível de ser solucionada, e atribuída não a uma característica constitutiva dos 
arquivos, de qualquer arquivo”. 
 33 
A partir das reflexões sobre o funcionamento do arquivo, buscamos mobilizar esse 
conceito na constituição de nosso arquivo de pesquisa. Ainda segundo as autoras (2011, 
p.16), podemos entender o arquivo como 
 
um lugar discursivo que nos permite acompanhar as práticas discursivas 
realizadas em determinadas culturas, podemos considerá-lo como um 
“lugar de observatório”, o que é muito mais do que considerá-lo como 
“corpus”. O arquivo envolveria tanto as materialidades sob investigação, 
como um modo de observar seu funcionamento e mudança no seio de uma 
sociedade (ROMÃO; LEANDRO-FERREIRA; DELA-SILVA, 2011, p. 
16) 
 
 Assim, trabalharemos com a noção de arquivo, uma vez que entendemos o conjunto 
de propagandas que compõem o nosso arquivo como um lugar discursivo que nos permite 
observar as práticas discursivas relacionadas às práticas sociais nos campos da educação e 
do trabalho. O arquivo é um recorte, uma materialidade significante e também um modo de 
leitura dessa materialidade. Retomando Guilhaumou e Maldidier (2014 [1986], p. 170), 
temos que o arquivo nunca é dado numa primeira leitura e o seu funcionamento é opaco. 
Assim 
 
o arquivo não é o reflexo passivo de uma realidade institucional, ele é, 
dentro de sua materialidade e diversidade, ordenado por sua abrangência 
social. O arquivo não é um simples documento no qual se encontram 
referências; ele permite uma leitura que traz à tona dispositivos e 
configurações significantes. (GUILHAUMOU e MALDIDIER, 2014 
[1986], p. 170). 
 
Essa concepção de arquivo, que como veremos, nos permitirá constituir o corpus de 
análise e nos coloca definitivamente no campo de uma disciplina interpretativa da linguagem. 
Como analistas do discurso, interessa-nos explicitar e compreender o funcionamento 
discursivo presente na materialidade do arquivo, compreendendo a totalidade como um efeito 
de arquivo quando compreendido como um dado, isto é, a-histórico. Propomos o contrário: 
construir um arquivo apontando as contradições, as falhas, as oposições, que se marcam no 
discurso como vozes sem nome, produzindo e viabilizando sentidos x e não y para a 
alfabetização e para as posição-sujeito alfabetizado nas propagandas que compõem nosso 
corpus de análise. 
 
 34 
2.2 Constituição do arquivo e do corpus 
 
 O arquivo da pesquisa é composto por vinte propagandas veiculadas diretamente 
(produzidas pelo governo) ou indiretamente (financiada parcialmente pelo governo e 
produzida por instituições outras) pelo Ministério da Educação (MEC), com circulação no 
período de 1996 a 2018. A constituição do arquivo foi feita a partir do conjunto de 
propagandas a que tivemos acesso na rede, sendo alguns deles no site Youtube. Os vídeos do 
período de 2008 a 2018 foram encontrados no canal oficial do atual Ministério da Educação, 
enquanto os demais estão dispersos pela rede na forma de compartilhamentos. 
 Os critérios que usamos para a seleção dos vídeos se justificam primeiramente pelo 
recorte temporal, tendo em vista o ano de publicação das leis voltadas à educação no país, 
mais especificamente: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, [1996] 
2017) em vigor – e da última - Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) - política 
pública elaborada sob forma de lei a ser aplicada nas escolas. A partir disto, buscamos 
propagandas do MEC e de projetos públicos não-governamentais apoiados pela instituição, 
que trazem em sua formulação o funcionamento do discurso sobre a educação atravessado 
pelo discurso do mercado. 
 Depois de selecionar as propagandas, passamos à transcrição dos 918 segundos de 
vídeo. Para facilitar a classificação e remissão aos vídeos, organizamos uma tabela. A tabela 
possui ano de publicação, título e tempo de duração das propagandas em segundos. 
 
Tabela 1: Arquivo das propagandas 
Arquivo das propagandas 
Ano Campanha: título oficial ou slogan ou artistas 
ou personagens 
Tempo 
1 1995 
TV Escola: Acorda, Brasil. Está na Hora da 
Escola! 
30s 
2 1997 Assine embaixo: Presente 46s 
3 1997 Assine embaixo: Liberdade 30s 
4 1998 Toda criança na escola: Pelé 58s 
5 1998 Toda criança na escola: banco 34s 
6 1999 Adote um analfabeto: primeira carta 30s 
7 2003 Adote um aluno: Malu Mader e Tony Beloto 30s 
8 2005 Adote um aluno: cozinheira 30s 
9 2005 Adote um aluno: porteiro 30s 
documentos oficiais
PCN - mesma época ok
 35 
10 2006 Prouni: música Geraldo Vandré 60s 
11 2008 Prouni: venha participar dessa conquista 60s 
12 2007 Adote um aluno: Robson e Andréia 30s 
13 2009 
ENEM: mais que uma avaliação, uma revolução 
no ensino médio 2009 
60s 
14 2011 
Bolsas no Exterior (CAPES): o que move o 
mundo é o conhecimento. 
60s 
15 2011 PROUNI: realize seu sonho 60s 
16 2012 FIES: com o FIES dá 30s 
17 2013 Pronatec: formação gratuita 60s 
18 2016 BNCC: agora é você que decide o seu futuro 60s 
19 2017 Escola em tempo integral: Espanha 60s 
20 2018 BNCC: Inovações de uma ponta à outra 60s 
 
 Tivemos acesso a alguns títulos originais oriundos de fichas técnicas, dispostos na 
abertura das propagandas. Como isso não ocorreu em todas as propagandas, optamos por 
nomear a partir do nome das campanhas e quando havia o título original, este é posto como 
subtítulo. Podemos observar a disposição das fichas técnicas nas imagens que seguem, 
correspondentes aos vídeos 8 e 12 da tabela, respectivamente. 
 
 
Fotograma ficha técnica – vídeo 8 
 
 
 36 
 
Fotograma ficha técnica – vídeo 12 
 
 Desse modo, mantemos o nome da campanha ou o slogan (quando este coincidia com 
o próprio nome da campanha) em todos os títulos e acrescentamos, em seguida: um subtítulo 
original (retirado das fichas técnicas que encontramos) ou o nome dos artistas e personagens 
que apresentam o comercial, seguindo o modelo da ficha técnica do vídeo 12, no qual 
comparecem os nomes dos personagens “Robson e Andréia". Esse procedimento de 
nomeação foi feito com a finalidade de diferenciar as propagandas pertencentes à mesma 
campanha, como em “Adote um aluno: x”. Sendo “Adote um aluno” o nome da campanha e 
slogan e x podendo ser o título oficial; o nome dos artistas ou personagens.Não adotamos 
uma única maneira de nomeação em todas as propagandas, pois elas possuem informações 
heterogêneas. Optamos por nomear e não numerar para facilitar a remissão. 
 Para a constituição do corpus de análise, voltamo-nos às propagandas da 
Alfabetização Solidária que comparecem em nosso arquivo, totalizando 7 propagandas 
(destacadas na tabela pela cor cinza). O Programa Alfabetização Solidária (PAS) foi 
idealizado no ano de 1995, como uma das frentes de ação do Programa Comunidade 
Solidária4. Sob a justificativa de reduzir os custos do Estado na solução de problemas sociais, 
o presidenciável Fernando Henrique Cardozo (FHC) reforça as alianças com o setor privado. 
Para Traversini (2003, p. 23), o modelo social desenvolvido no governo de FHC se 
baseava no princípio da parceria, regido por duas noções centrais: a da solidariedade e a da 
descentralização. A noção da solidariedade se marca em nosso corpus analítico nos nomes 
 
4 Esse programa social de governo tinha um conselho responsável pela implementação de programas através de 
parcerias. A Alfabetização Solidária, assim como a “Capacitação Solidária” e a “Universidade Solidária” 
faziam parte da terceira área de atuação do Conselho denominada “Programas Inovadores” (TRAVERSINI, 
2003). 
 
 37 
das campanhas e no chamado a “todos” os brasileiros a participar da “corrente” de 
solidariedade. Esses dizeres funcionam resgatando uma memória de construção de nação 
como um coletivo natural e homogêneo, apagando-se as desigualdades sociais, significando 
os cidadãos como um só corpo político, a nação. 
Já a noção de descentralização era aplicada ao Programa Alfabetização Solidária a 
partir da transferência de poder público para o setor privado, na administração de serviços 
básicos financiados parcialmente pelo Estado, como educação e saúde. 
Tendo em vista essas características, o Programa Alfabetização Solidária buscou 
consolidar o modelo solidário, unindo cinco parceiros: Governo Federal, por meio do 
Ministério da Educação (MEC), o Conselho da Comunidade Solidária, empresas, 
universidades e prefeituras. A prefeitura era responsável por fornecer a infraestrutura 
necessária, como sala de aula e materiais; as universidades coordenavam as atividades de 
alfabetização e promoviam a “capacitação” e seleção dos alfabetizadores; as empresas e o 
governo pagavam as bolsas dos alfabetizadores e administravam o programa. 
Em 1998, houve uma reconfiguração do Programa Alfabetização Solidária. 
Conforme afirma Traversini (2003, p. 25) 
 
A partir dessa data, passou a ser coordenado e administrado pela 
Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária (AAPAS): 
“uma organização não-governamental sem fins lucrativos e de utilidade 
pública, com estatuto próprio”. Essa mudança objetivou a “capacitação de 
recursos e agilidade no gerenciamento das atividades”. Com vista a esse 
objetivo, a organização é presidida por um empresário parceiro do 
Programa. 
 
Com essas mudanças, a Alfabetização Solidária (AlfaSol) passa a fazer parte da 
RedeSol como ONG. Dessa maneira, a organização das campanhas de alfabetização nacional 
de jovens e adultos se concentrou no terceiro setor. Essas mudanças se marcam em nosso 
corpus analítico. A campanha “Assine embaixo”, com circulação no ano de 1997, traz ao 
final do vídeo um conjunto de logos, tal como podemos observar no fotograma 6. 
 
 38 
 
Fotograma 6 – logos das propagandas de 1997 
 
Os logos referentes ao Conselho de reitores das universidades brasileiras; à 
Comunidade Solidária; ao MEC; e ao Governo Federal são marcas da filiação do Programa 
Alfabetização Solidária ao Programa Social Comunidade Solidária, que como dissemos 
anteriormente, perdurou até o ano de 1998. 
As propagandas posteriores a esse ano não trazem mais o conjunto de logos. Além 
disso, a campanha “Adote um analfabeto”, de 1999, lança uma nova tendencia que não havia 
antes. A partir desse ano, as propagandas da Alfabetização Solidária passam a pedir que os 
cidadãos “contribuam” com quantias mensais, que podiam inclusive serem pagas com cartão 
de crédito. Essa relação da alfabetização com o mercado justifica a escolha das propagandas 
quem compõe o corpus de análise. O deslocamento promovido pela Alfabetização Solidária 
interpela os voluntários (as) em financiadores do programa, uma vez que o chamado feito 
pelas propagandas era direcionado à ação de “adotar um analfabeto” por meio do pagamento 
de uma mensalidade. Todas as propagandas5 posteriores a 1998 se dirigem a esses possíveis 
financiadores, para os quais o programa busca auto promover-se com “histórias de sucesso”. 
Tendo isso posto, passamos para a tabela 2, na qual trazemos as propagandas do 
corpus analítico descritas textualmente e ilustradas em um gesto de interpretação via print. 
 
 
 
 
 
 
5 Todas as propagandas direcionadas à alfabetização de jovens e adultos. As propagandas 4 e 5 não foram 
acrescentadas ao corpus analítico, uma vez que se referem à alfabetização de crianças. 
 39 
Tabela 2: Descrição do corpus de análise 
 
Descrição do corpus de análise 
Ano Título Tempo 
1 1997 Assine embaixo: Liberdade 46s 
Locutor: Não saber ler nem escrever é como sentir-se um estrangeiro no próprio país. 
 
Fotograma 1 
 
 
Fotograma 2 
 
 
Locutor: O programa alfabetização solidária veio para combater o analfabetismo. Você pode 
contribuir, através da sua empresa, sua universidade ou da sua comunidade. Ajude a escrever 
uma nova história para o Brasil. 
 
Fotograma 3 
 
Homem: Li-ber-da-de. Liberdade! 
 
 40 
Fotograma 4 
 
 
Fotograma 5 
 
 
Fotograma 6 
 
Locutor: alfabetização solidária, assine embaixo! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 41 
 
2 1997 Assine embaixo: Presente 30s 
Fotograma 7 
 
Mulher: Presente 
 
Fotograma 8 
 
Grupo de homens tomando cerveja e com instrumentos na mão: presente 
 
Fotograma 9 
 
Homem com terno e gravata: presente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 42 
 
Fotograma 10 
 
Grupo de jovens: presente 
 
Fotograma 11 
 
Grupo de operários: presente 
 
Fotograma 12 
 
Grupo de executivos: presente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 43 
 
Fotograma 13 
 
Mulher executiva: presente 
 
Fotograma 14 
 
Equipe de futebol: presente 
 
Locutor: um país melhor começa na escola. É por isso que o Brasil inteiro está marcando presença 
no programa Alfabetização Solidária: o Governo Federal, o MEC, a comunidade solidária, a 
prefeitura, as universidades, as empresas e toda a sociedade formam uma grande corrente para tirar 
de letra o analfabetismo. O Brasil diz presente. 
 
Locutor: Alfabetização solidária: assine embaixo. 
 
3 1999 Adote um analfabeto: primeira carta 30s 
 
Fotograma 15 
 
Narrador/personagem: Sr. Alfredo, essa é a primeira carta que escrevo na minha vida e tinha 
que ser logo para o senhor. 
 44 
 
Fotograma 16 
 
Narrador/personagem: Viu o que o senhor fez por mim? Agora sei ler e escrever. 
 
Fotograma 17 
 
Locutor: Faça como seu Alfredo, adote um analfabeto. São apenas 17 reais no seu cartão de 
crédito. Programa alfabetização solidária. 
 
Fotograma 18 
 
Narrador/personagem: Muito obrigada, do seu amigo José. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 45 
 
Fotograma 19 
 
 
Fotograma 20 
 
 
 
4 2003 Adote um aluno: Malu Mader e Tony Beloto 30s 
Fotograma 21 
 
Atriz: O Alfabetização Solidária é uma ONG que em 6 anos já atendeu a mais de 3 milhões de 
alunos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 46 
 
Fotograma 22 
 
Atriz: Os resultados são incríveis! Tem cada história... história de gente que nem conseguia 
pegar um ônibus por não saber ler. Gente que, depois de participar do programa, pode mudar de 
vida. 
 
Fotograma 23 
 
Ator: aprender a ler e escrever é conquistar um futuro melhor. 
 
Fotograma 27 
 
Atriz: Faça como a gente, participe! Para adotar um aluno são apenas 17 reais por mês durante 6 
meses. Isso é cidadania!

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