Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Inserir Título Aqui Inserir Título Aqui Desenvolvimento e Aprendizagem na Infância Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Reni Rutkowski Silva Revisão Textual: Prof.ª Me. Fátima Furlan Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos: • Introdução; • A Motrocidade em Wallon; • Os Estágios de Desenvolvimento Walloniano; • Wallon e suas Contribuições à Educação. Fonte: Thinkstock/Getty Im ages Objetivos • Conhecer os conceitos wallonianos sobre desenvolvimento e aprendizagem infantil, sua visão integradora desses processos, as fases nas quais estão divididos e a importância das emoções e dos afetos para efetividade desses. Caro Aluno(a)! Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl- timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas. Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns dias e determinar como o seu “momento do estudo”. No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Bons Estudos! Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa UNIDADE Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa Contextualização Para que você se familiarize com o tema que será tratado nesta unidade, indicamos um vídeo e um artigo. O vídeo indicado foi produzido pela ATTA Mídia, faz parte do DVD Henri Wallon, integrante da Coleção Grandes Educadores. Nele, temos uma visão resumida do que veremos desen- volvido nesta unidade. Disponível em: http://youtu.be/5yBj9H3FFgI Lembra-se do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygostky estudado na unidade passada? Pois bem, nele um conhecimento novo tem mais facilidade de ser apre- endido quando tem relação com algo que já exista. Pensando nisso, apresentamos um ar- tigo que faz uma ponte entre Vygostky e Wallon, intitulado A Contribuição de Vygotsky e Wallon na compreensão do desenvolvimento infantil, de Bastos e Pereira. Disponível em: https://bit.ly/2LPyNjM 6 7 Introdução Henri Wallon viveu entre 1879 e 1962 na França, ou seja, passou pelas duas grandes guerras. Teve formação em filosofia, medicina e psiquiatria, áreas que o levaram a se interessar pela Psicologia. Wallon volta seu olhar para a criança, seu desenvolvimento e para a gama de fatores que envolvem esse processo. Integração, essa é a palavra de ordem na visão walloriana de desenvolvimento. Ele afirma que através da criança é pos- sível ter acesso à gênese dos processos psíquicos (GALVÃO, 1995, p. 11) e, para isso, vai considerar o campo cognitivo, motor e afetivo, além de buscar os elementos ambien- tais, os quais considera fundamentais para a compreensão, ou seja, o contexto de desen- volvimento. Para o autor, não é possível ter uma visão completa das condutas infantis de forma descontextualizada, ou seja, é preciso compreender, dentro de cada fase do de- senvolvimento, como se dá a relação da criança com o contexto onde vive. Essa importância dada ao contexto faz com que o autor traga uma gama de res- ponsabilidades tanto para educadores quanto para a escola. Sua visão da afetividade e das emoções indicará que a educação não é possí- vel sem o envolvimento afetivo real. Ele não queria, assim como Vygotsky, simplesmente compreender o psiquismo humano, para ele, voltar-se para a criança é trabalhar para melhorar a educação. Aliás, como nos aponta Galvão (1995, p. 12), a preocupação de Wallon com a pedagogia é presença marcante na psicologia walloriana. Segundo o mesmo autor, essa fecundidade de contribuições se deve à perspectiva global que ele adota, mas também à atitude teórica dele. Wallon adota o materialismo dialético como fundamento filosófico e método de análise – lembra dessa teoria, também usada por Vygotsky? –, o que o faz enfrentar a complexidade do real, trazendo contribuições diversas e originais. Wallon teve um engajamento ético e social desde muito cedo. Sua família o criou, como nos aponta Galvão (1995), em uma esfera humanista. Desde cedo, percebemos seu repúdio por qualquer forma de autoritarismo – provavelmente por ver os resultados dire- tos das guerras e do fascismo. Ele se alinhou ao lado de políticos de esquerda e manifes- tava simpatia pelo regime socialista. Ele foi médico de guerra durante a Primeira Guerra. Galvão (1995) nos traz ainda, que em 1931, Wallon foi convidado para participar do Círculo da Rússia Nova, que se propunha a se aprofundar nos estudos do materialismo dialético, buscando – assim como fez Vygotsky – buscar as possíveis contribuições dessa teoria para as várias ciências. Dantas (1992) nos lembra que Wallon desenvolveu, após a libertação francesa, um projeto de reforma do ensino tão avançada que permanece, se- gunda ela, parcialmente irrealizado. Dantas (1992, p. 35) nos traz ainda que para Wallon o estudo é concebido como “trabalho social mediato”, prevendo, até, para os estudantes depois do segundo grau, um présalário e salários. Figura 1 – Henri Wallon Fonte: henriwallon.com 7 UNIDADE Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa Seus estudos partem de observações de crianças doentes. A psicopatologia foi seu primeiro campo de inserção. Ele acreditava que a anormalidade do doente poderia aju- dar a enxergar o desaparecimento de funções, analisando suas implicações. Aliás, como também nos traz Dantas (1992, p. 36), para Wallon o método adequado à Psicologia é a observação, a partir delas são formados os relatos de conduta. A Motrocidade em Wallon Como nos apresenta Dantas (1992, p. 37), a motricidade é um grande eixo dos estu- dos wallonianos. Ele não consegue dissociá-la do conjunto de funcionamento da pessoa. Para ele, a patologia do movimento se confunde com a patologia do funcionamento da personalidade, ou seja, a psicogênese da motricidade se confunde com a da pessoa. Na atividade muscular, ainda segundo Dantas (1992, p. 37), ele encontra duas fun- ções: cinética (ou clônica) e postural (ou tônica). A primeira responde pelo movimento visível, pela mudança de posi- ção do corpo ou de segmentos do corpo no espaço, a segunda, pela manutenção da posição assumida (atitude), e pela mímica. A primeira é a atividade do músculo em movimento; a segunda, do músculo parado. Este relevo dado à função tônica identifica como o substrato da função cinética, de cuja rigidez depende a sua realização adequada, é caracteristicamente walloniano. Wallon encontra nela a mais arcaica atividade muscular, presen- te antes de a motricidade adquirir sua eficácia, atuando durante a imobilidade, que é vista não como negatividade, mas como sede de uma atividade tônica que pode ser intensa; presente na emoção, cujas flutuações acompanham e modulam, residual quando a função simbólica vem a internalizar o ato motor. A partir disso, no contraponto entre motor e mental, a motricidade, em sua dimensão cinética, é reduzida e se virtualiza no ato mental. Ou seja, o ato mental, que parte do ato motor, passa a inibi-lo, mas sem deixar de ser atividade corpórea. Como nos aponta Dantas (1992, p. 38), o contraponto, ou melhor, o antagonismo, “a descontinuidade en- tre ato motor e ato mental, anterioridade da modificação do meio social em relação ao meio físico: esses são elementos essenciais à compreensão da concepção walloniana”. As três leis reguladoras do desenvolvimento Como nos aponta Mahoney (2003, p. 15), “Desenvolver-seé ser capaz de responder com reações cada vez mais específicas a situações cada vez mais variadas”. Esse desen- volvimento se dá em estágios que são regulados por três leis. De início, segundo a autora (2003, p. 14), os conjuntos funcionais apresentam-se de forma sincrética, ou seja, o motor, o afetivo e o cognitivo, que reagem de forma diferenciada aos estímulos internos 8 9 e externos, o que faz com que a criança tenha que depreender muito esforço. Com o tempo, contudo, essas reações vão se tornando precisas e articuladas, adaptando-se a uma gama de exigências. Essas transformações, ainda segundo Mahoney (2003, p. 15) “traduzem a passagem do sincretismo para a diferenciação”, tendência a todo o proces- so de desenvolvimento. Segundo Dourado e Prandini (2002, p. 25), as três leis que regulam o processo de desenvolvimento são: a lei da alternância funcional, a da preponderância funcional e a da integração funcional. A lei da alternância funcional, segundo Dourado e Prandini (2002, p. 25), apre- senta duas direções opostas que se alternarão durante o desenvolvimento: uma direção centrípeta, focada na construção do eu, e outra centrífuga, que se atentará à elaboração da realidade externa e do universo circundante. Para construir o ciclo da atividade fun- cional, tais direções manifestam-se alternadamente. Sobre a segunda lei, a lei da sucessão da preponderância funcional, Dourado e Prandine (2002, p. 25) afirmam que ela configura a existência dos três subconjuntos funcionais que preponderam ao longo do desenvolvimento humano - as dimensões mo- tora, afetiva e cognitiva - definindo que essa preponderância ocorre alternadamente. Segundo eles, a motora dominaria os primeiros meses de vida, a afetiva e a cognitiva se alternariam a partir daí visando “à formação do eu (predominância afetiva), ora visando ao conhecimento do mundo exterior (predominância cognitiva)”. A última lei, da integração funcional, está relacionada com as novas possibilidades “que não se suprimem ou se sobrepõem às conquistas dos estágios anteriores, mas, pelo contrá- rio, integram-se a elas no estágio subsequente” (DOURADO; PRANDINE, 2002, p. 25). Segundo Dourado e Prandini (2002, p. 25-26), o último e quarto estágio do subcon- junto funcional, nomeado por Wallon de pessoa, é constituído pela integração entre os três subconjuntos funcionais citados: motor, afetivo e cognitivo. Daí surge o conceito citado acima de pessoa completa. Motor, afetivo, cognitivo e o meio Como pudemos observar, a dimensão motora vai de uma movimentação global, como nos traz Mahoney (2003, p. 15) a funções mais especificas, controladas, ao co- nhecimento do próprio corpo. A afetiva parte de sensações que se desenvolverão e configurarão a exterocepção, ou seja, “a sensibilidade ao que vem do exterior”. A partir daí, haverá a formação cognitiva, não só do que apreendido motor e afetivamente, mas também de todo o conteúdo cultural e intelectual que provém do meio e do outro. Aliás, o outro é fundamental não só para a sobrevivência física, como aponta a autora (idem), mas também para a sobrevivência cognitiva, pois é dele que provém o conteúdo da cultura, os valores, as técnicas etc. Essas dimensões se mesclam, agregam, e movi- mentos de expressão se tornarão sentimentos e afetividades cheias de complexidade de conteúdo. Nas palavras de Dourado e Prandini (2002, p. 26): 9 UNIDADE Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa A emoção, antes da linguagem, é o meio utilizado pelo recém-nascido para estabelecer uma relação com o mundo humano. Gradati- vamente, os movimentos de expressão, primeiramente fisioló- gico, evoluem até se tornarem comportamentos afetivos mais complexos, nos quais a emoção, aos poucos, cede terreno aos sentimentos e depois às atividades intelectuais. As emoções são instantâneas e diretas e podem expressar-se como verdadeiras descargas de energia. Quando isto ocorre, elas têm o poder de se sobrepor ao raciocínio e ao conhecimento. A afetivida- de evolui conforme as condições maturacionais de cada pessoa e com formas de expressões diferenciadas, que se configuram como um conjunto de significados que o indivíduo adquire nas relações com o meio, com a cultura, ao longo da vida. Os signi- ficados representam para cada pessoa as diferentes situações e experiências vivenciadas num determinado momento e ambien- te social. Por este motivo, afetividade não permanece imutável ao longo da trajetória da pessoa. A afetividade corresponde à energia que mobiliza o ser em direção ao ato, enquanto a inteli- gência corresponde ao poder estruturante que o modela a partir dos esquemas disponíveis naquele momento. Para Wallon, segundo essas autoras, emoção precede as condutas do tipo cognitivo, e por isso o meio é fundamental na constituição da pessoa. Dourado e Prandini (2002) enfatizam, assim, que o conceito de meio é central para o autor. A pessoa se desenvolve na relação direta com o meio, na integração de seu organismo com ele. Assim como Vygotsky, Wallon considera que o social se sobrepõe ao natural. Uma cultura irá validar ações motoras, sentimentos e conceitos que outra poderá ter como erros. Essa validação irá fazer com que o organismo se desenvolva nesta ou naquela direção. O papel do lugar que se ocupa no meio social, ainda, será determinante de tantas outras variações possí- veis na constituição da pessoa. Wallon valoriza, assim, todas as variáveis impostas pelo meio social, pela cultura, que irão colocar limites ao desenvolvimento do organismo. Os Estágios de Desenvolvimento Walloniano Para que possamos ter essa visão da pessoa completa, Wallon acaba tratando de várias questões que envolvem a vida da criança, o que faz com que sua teoria seja com- plexa. Galvão (1995) nos traz de forma acertada que Wallon não propõe um sistema no qual organiza as etapas da evolução psíquica de forma arrumada. Ele delineia cinco estágios e, embora indique idades, enfatiza que a cada época elas podem variar. Os está- gios são regidos pelas três leis citadas acima e configuram a relação entre as dimensões funcionais, demonstrando como a criança reage aos desafios e atividade. Esses estágios, segundo Galvão (1995), são: 1. Impulsivo emocional (0 a 1 mês); 2. Sensório-motor e projetivo (2 meses a 3 anos); 10 11 3. Personalismo (3 a 6 anos); 4. Categorial (7 a 12 anos); 5. Puberdade e adolescência (12 em diante). Falaremos um pouco de cada um deles. Impulsivo emocional Este estágio ocorre no primeiro mês de vida. Segundo Galvão (1995), a predominân- cia da afetividade é o que orienta as reações iniciais do bebê às pessoas, e são elas que irão intermediar a relação desse com o mundo. Dantas e Gulassa (2003) nos apresentam os dois momentos indicados por Wallon nesse estágio: o da impulsividade motora e o emocional. Na primeira fase, o da impulsividade motora, que dura aproximadamente três meses, a relação estabelecida com o mundo se manifesta, basicamente, por reflexos e movi- mentos impulsivos. A criança então desenvolverá três níveis de sensibilidade: interocep- tiva, proprioceptiva e exteroceptiva. A sensibilidade interoceptiva, segundo Dantas e Gulassa (2003), tem a ver com a relação e compreensão que o bebê estabelece com seus órgãos internos e sensações decorrente desses impulsos viscerais. Inicia-se então a relação deles com o cérebro e a criança começa a sentir fortemente as sensações de fome, dor etc. A proprioceptiva tem a ver com o movimento, com a relação com as terminações nervosas dos músculos e das extremidades do corpo, as sensações que o movimento e o equilíbrio trazem; há o momento em que a criança se volta totalmente para compreender as sensações que a interação proprioceptiva traz. Por fim, começa a relação com o mundo exterior, como citamos assim, a criança busca conhecê-lo, interagir com ele e compreender as sensa- ções que ele lhe causa. Dantas e Gulassa (2003) nos apresentam ainda a questão das simbioses fisiológicas e afetivas. A primeira trata da incapacidadeainda da criança diferenciar suas sensações e necessidades fisiológicas das diferentes formas de satisfazê-las, aqui a criança está to- talmente dependente do adulto, ele deverá auxiliar nessa diferenciação. A segunda sim- biose é o período inicial do psiquismo, tem a ver com a relação que a criança estabelece após ter suas necessidades atingidas. Esse “circuito simbiótico” (ibdem, p. 23) fará que as impressões sensoriais sejam acompanhadas de satisfações ou frustrações que serão carregadas de valor afetivo, nesse movimento teremos a maturação dos três níveis de sensibilidade citados acima. Embora o movimento seja um elemento central no processo de desenvolvimento, para Wallon, é nesse estágio que ele recebe maior atenção. Aqui, segundo nos apresenta Dantas e Gulassa (2003), ele se apresenta de três formas com importâncias específicas: A primeira forma são os movimentos de equilíbrio, ou seja, reações de compensação e de reajustamento do corpo sob a ação da gravidade que, por etapas sucessivas, pela procura de posturas necessárias e de 11 UNIDADE Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa pontos de apoio apropriados, conduzirão a criança a passar da posi- ção deitada à sentada, depois de joelhos e finalmente em pé. Cada uma dessas posições terá influência decisiva na conquista do espaço e nas mudanças do comportamento. A segunda são os movimentos de preensão e de locomoção. Wallon refere-se aqui aos deslocamentos do corpo e dos objetos no espaço que trarão à criança outra concepção de si mesma e do domínio do espaço. A terceira são as reações posturais, a saber, o deslocamento dos seg- mentos corporais, que vão permitir atitudes expressivas e mímicas (DANTAS; GULASSA, 2003, p. 24). A partir desse desenvolvimento do movimento, as formas de expressão e comunica- ção impulsivas dão lugar a formas mais elaboradas, dando início ao segundo momento desse estágio, o momento emocional. Esse momento é caracterizado pela transformação citada acima, do movimento im- pulsivo que se traduz em sinais que estabelecem certa comunicação entre a criança e o meio. De início, essas ações são realizadas sem um cabedal cognitivo, mas, segundo Dantas e Gulassa (2003), todas as experiências dessa troca farão com que o bebê esta- beleça associações e apreenda os significados dos resultados que obtém com suas ações. Essa troca afetiva fará com que a criança desenvolva certo tônus. Para o autor, o tônus é uma grande fonte de emoção, pois dá sustentação para sua manifestação e expressão. Como nos traz Dantas e Gulassa (2003), esse processo é descontínuo e cheio de con- flitos. É um estágio voltado para as pessoas, que se determina e valida na relação com elas, e logo dará espaço para o estágio sensório-motor e projetivo, que estará voltado, como nos apresentam as autoras, para a “construção do real. Sensório-motor e projetivo Segundo Galvão (1995), esse estágio vai até os três anos. Para a autora, a aquisição da marcha e da preensão dá à criança maior autonomia na manipulação de objetos e na exploração dos espaços. Esse é o estágio onde se dá o desenvolvimento da linguagem em decorrência da formação da função simbólica. Segundo Costa (2003, p. 31), como vimos, no estágio anterior, a influência das tro- cas emocionais permitiu que a criança estabelecesse relações entre suas manifestações e as reações dos outros, do meio. Há o estabelecimento de uma relação de causa e efeito. Embora isso comece em níveis simbióticos, a criança vai diferenciando suas ações das reações dos outros e começa a orientá-las por níveis de intencionalidade, o que caracte- riza o surgimento desse estágio. É um estágio que se caracteriza pela investigação e exploração e, como dito acima, a aquisição da função simbólica e da linguagem. Como nos aponta Costa (ibdem, p. 32), a atividade sensório-motor agora é proposital, a criança busca manipular e interagir com 12 13 ele de forma objetiva, buscando ajustar o sensorial ao motor, buscando que a ação seja correlata ao efeito buscado. Há o surgimento da marcha, onde a criança começa a ir além dos espaços restritos do seu engatinhar. Há o desenvolvimento de uma inteligência prática que será reforçada pelo surgimento da linguagem. Ela poderá, assim, expressar suas intenções e organizar na fala suas necessidades. Essa inserção no mundo dos sím- bolos irá iniciar a etapa projetiva desse estágio: Como seu pensamento ainda está em seu início, a criança necessita do auxílio dos gestos para se exteriorizar, isto é, ela se utiliza deles para expressar seus pensamentos. O gesto, portanto, precede a pa- lavra; a criança não é capaz de imaginar sem representar (COSTA, 2003, p. 33). Aqui, há avanços cognitivos que possibilitarão a incorporação do seu corpo e da ima- gem dele em uma unidade só. Haverá o desenvolvimento de uma infraestrutura que per- mitirá a criança ampliar suas possibilidades de interação. Contudo, isso ainda ocorrerá, como também nos traz Costa (2003, p. 38), fechado em determinadas circunstâncias, objetos, ou atrelado a certos pontos de vista, relacionada diretamente com o outro. Con- tudo, isso mudará no próprio estágio, onde ela começará a diferenciar seu eu psíquico. Personalismo Segundo Galvão (1995), o personalismo ocorre dos três aos seis anos. É quando se desenvolve a constituição da consciência de si a partir das interações sociais, reorgani- zando o interesse da criança pelos outros. Assim como nos traz Bastos e Dér (2003), essa é a fase de enriquecimento do eu, da construção da personalidade. Depois de desenvolver uma consciência corporal – algo fundamental para essa fase –, a criança começa a diferenciar seu eu do outro, a constituir-se como pessoa. Aqui, segundo as autoras, a criança começa a buscar sua autonomia e também seu reconhecimento social. Esse estágio é marcado por três fases: oposição, sedução e imitação. Por volta dos três anos, a fase de oposição se inicia. A criança busca afirmação de si, e, como nos traz Bastos e Dér (2003, p. 41), para tal, coloca-se em oposição aos outros. Parece haver certo prazer em contradizer e confrontar as pessoas do seu ambiente para impor sua independência, experimentar sua emancipação. Ela busca tornar seu ponto de vista dominante e exclusivo, partindo para a disputa pelos objetos, por exemplo. Essa disputa, nos traz as autoras, não caracteriza a simples busca do que é do outro, mas a afirmação de quem se é. Nessa relação, há sempre a busca de vantagens, mesmo sabendo que os outros também têm direitos. Para conseguir o que quer, a criança é ca- paz de usar uma infinidade de subterfúgios. É aí que surgem as mentiras, as agressões etc. Ela também é capaz de partilhar, pois reconhece a satisfação do ambiente nesse tipo de ação. Aqui, ela mistura o real e o imaginário com muito prazer. 13 UNIDADE Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa Depois dessa fase de embate, surge a fase da sedução. Ciente dos limites que reconhe- ceu na fase anterior, aqui a criança, segundo Bastos e Dér (2003, p. 42), busca a aceitação do adulto, a admiração. Ela precisa ser admirada para se admirar. Ela precisa ser pres- tigiada e admirada, e para isso tenta agradar aos outros para conseguir exclusividade e atenção. Aliás, segundo as autoras, a atenção se torna, nessa fase, o centro das neces- sidades infantis. Aqui, além de colaborar, a criança coloca-se a se exibir, a mostrar suas habilidades etc. As autoras nos lembram (2003, p. 43) que é uma fase decisiva na forma- ção da personalidade, pois as arrogâncias e frustrações, caso não sejam bem orientadas pelo adulto, podem culminar em comportamentos inadequados, egoístas e narcisistas. Por fim, temos a fase da imitação. Aqui, segundo Bastos e Dér (2003, p. 43), há o processo de incorporação das qualidades e gestos do outro. Para a criança, suas qua- lidades já não bastam, e ela começa a se inspirar nos modelos como em personagens, imitando suas ações e respostas. É uma fase caracterizada por intenso trabalho afetivo e moral. Aqui,Wallon aponta a importância da escola como um ambiente de diversidade de modelos, que podem ampliar de forma rica as possibilidades de convivência a apren- dizado para a formação da personalidade. Essas fases, assim, ajudarão no processo de individuação. A criança desenvolve uma consciência, um eu que, mesmo inspirado no outro, já não é o outro. O papel da afeti- vidade é central, pois aqui a criança se orientará por ela na formação de sua moral e de sua personalidade. A partir dessa formação de consciência de si, a criança começará a superar o sincretismo do pensamento, o que iniciará o processo categorial. Categorial O estágio anterior, como nos traz Bastos e Dér (2003), é marcado por certa inércia intelectual, pois a criança fica imersa em suas ações e se orienta por suas afetividades. Na fase categorial, contudo, ela se volta para o conhecimento do mundo exterior, acon- tecendo assim progressos intelectuais, e ela se voltará para os objetos. Nesse estágio, como nos traz Amaral (2003), a afetividade não é mais o fio condutor, mas sim o interesse intelectual pelo mundo objetivo. Aqui, as coisas começam a existir independente de sua pessoa e de sua vontade. A criança, aqui, começa a compreender seu lugar na família, na sociedade e no mundo. Há a ampliação da atenção e a criança conseguirá se atentar às atividades de forma organizada e focada. Mesmo tendo certa consciência de si, agora ela perceberá que – na escola, por exem- plo – desempenha diversos papéis em locais sociais distintos, grupos diferentes, sem deixar de ser ela. Além disso, a moral estruturada e sua concepção de certo e errado se intensificam, ela utilizará seus parâmetros de julgamento para tomar decisões que sabe, ainda de forma limitada, que terão resultados e consequências. O surgimento dessa nova estrutura mental, segundo Amaral (2003), é marcado por duas etapas. A primeira, segundo as autoras, vai até os nove anos e corresponde ao pen- samento denominado por Wallon de pré-categorial. Esse pensamento é ainda marcado 14 15 pelo sincretismo. A segunda fase, chamada de pensamento categorial, é marcada pelo surgimento de categoria intelectuais como elementos de classificação, o que vai ajudar a criança a se posicionar no mundo e na realidade. Wallon aponta a importância da escola nessa fase, pois nela vivemos em grupos e é onde exercemos, como nos traz Amaral (2003), nossas potencialidades. Embora ainda precise da aceitação do outro, do adulto, a criança fortalece aqui sua função afetiva, que lhe dará sustentação, como bem lembra a autora, para lidar com as aflições e crises do próximo estágio. Puberdade e adolescência Como aponta Dér e Ferrari (2003), esta fase é vista por Wallon como a última a separar a criança do adulto. Marcada por crises, é uma fase intensificada por mudanças biológicas acentuadas. O autor nos traz, como lembram as autoras, que essa fase é vi- vida de forma diferenciada em cada cultura e época, o que pode intensificar ou não as crises previstas. A mudança fisiológica, corporal, faz com que o jovem precise reinterpretar, reconhe- cer seu corpo e, assim, rever o que sabe e suas afetividades. O esquema corporal come- ça a ser reajustado e, com isso, todas as relações consigo e com os outros. Além disso, necessidades novas surgem e, com elas, questionamentos que precisam ser estudados mentalmente. A representação mental ganha força, o que faz com que o desconhecido e o imaginário ganhem espaço na vida do jovem. A ambivalência, ou seja, sensações conflitantes em ralação aos mesmos objetos, começa a ser conhecida, fazendo com que as afetividades fiquem instáveis. Os valores que até agora eram mantidos pelo sujeito começam a ser revistos. Wallon, segundo Dér e Ferrari (2003), enfatiza a diferença desses questionamentos e das possi- bilidades que se apresentam conforme a classe social em que se está. O jovem da classe operária não terá as mesmas possibilidades de questionamento em mudança daqueles pertencentes à classe burguesa. Diante disso, cabe ao adulto ajudar o jovem a desenvol- ver, diante da possibilidade ou não de um futuro emprego e de uma vida de consumo, a responsabilidade para tal. Aqui, as autoras (2003, p. 65) nos trazem as reflexões de Wallon sobre a indepen- dência, pois os jovens, ao mesmo tempo em que querem se ver livres dos adultos, sa- bem que precisam de apoio e orientação. O processo de diferenciação se intensifica e a personalidade se torna vigorosa, mas para isso o jovem precisa do amparo do outro “na medida”, ou seja, o adulto precisa saber quando desafiar ou não o jovem em suas novas empreitadas. A identidade, como nos traz Wallon, surge de forma dialética e essa é a fase quando isso surge com mais força. A partir daqui, deverá haver o equilíbrio entre os conjuntos funcionais. Motricidade, afetividade e cognição estarão então trabalhando juntas em harmonia, o que resultará em uma pessoa integrada e completa, um adulto psicologicamente saudável. 15 UNIDADE Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa Wallon e suas Contribuições à Educação Como dito, Wallon se preocupou muito com o papel da escola no processo de desen- volvimento da pessoa completa. Ele chamava a atenção para uma educação humanista, como nos lembra Dourado e Prandini (2002). Nessa educação, como afirmam as auto- ras, há o trabalho pela realização plena do homem, a formação do sujeito completo em sua forma universal. Na escola, o homem desenvolverá seu poder para compreender o outro e o mundo, ponderar sobre suas escolhas e saber escolher. Para as autoras, Wallon chama nossa atenção para uma escola que se atenta ao pro- cesso de desenvolvimento, favorecendo as relações pertinentes a cada estágio, ciente das leis que regem a transformação do sincretismo. A escola, ciente das questões sociais, e das potencialidades que todos os indivíduos têm de se desenvolver em qualquer dire- ção, deve favorecer àquelas que ampliam as potencialidades e desenvolvem a formação completa do homem, intensificando a formação de valores éticos e morais. Para Wallon, ainda segundo Dourado e Prandini (2002), a educação formal tem o papel fundamental de possibilitar o acesso à cultura, pois esse acesso permite [...] a expressão do florescimento das criações e das aptidões do ho- mem genérico, universal, sejam manuais, corporais, estéticas, intelec- tuais ou morais. A escola é parte das condições de existência na qual a pessoa se desenvolve e constitui, devendo intervir neste processo de maneira a promover o desenvolvimento de tantas aptidões quantas forem possíveis. O papel do professor é privilegiado, cabe a ele apresentar o conteúdo da cultura, mas auxiliar a criança nas suas escolhas, nas crises e angústias, ajudando na sua formação de pessoa integrada e completa. Para isso, tem que ser ele também uma pessoa completa, desenvolvido motor, afetivo e cognitivamente. 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Filmes Título do Filme Descrição do filme. Visite Título do Local Descrição do local/evento. Leitura A Contribuição de Vygotsky e Wallon na compreensão do desenvolvimento infantil Lembra-se do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygostky estudado na unidade passada? Pois bem, nele um conhecimento novo tem mais facilidade de ser apreendido quando tem relação com algo que já exista. Pensando nisso, apresentamos um artigo que faz uma ponte entre Vygostky e Wallon, intitulado A Contribuição de Vygotsky e Wallon na compreensão do desenvolvimento infantil, de Bastos e Pereira. Disponível em: https://bit.ly/2LPyNjM Conceito Afetividade Henriwallon Além desse texto, indicamos um material que fala da importância da afetividade nas teorias de Wallon: https://bit.ly/332CPuv 17 UNIDADE Wallon e a Psicogênese da Pessoa Completa Referências AMARAL, Suely Aparecida. Estágio Categorial. In: MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. (Org.). Henri Wallon, psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyola,2002. BASTOS, Alice Beatriz B. Izique; DÉR, Leila Christina Simões. Estágio Categorial. In: MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. (Org.). Henri Wallon, psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyola, 2002. COSTA, Lúcia Helena F. Mendonça. Estágio sensório-motor e projetivo. In: MAHO- NEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. (Org.). Henri Wallon, psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyola, 2002. DÉR, Leila Christina Simões; FERRARI, Shirley Costa. Estágio da Puberdade e da ado- lescência. In: MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. (Org.). Henri Wallon, psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyola, 2002. DOURADO, Ione Collado Pacheco; PRANDINI, Regina Célia Almeida Rego. Henri Wallon: psicologia e educação Augusto Guzzo Revista Acadêmica, n. 5. 2002, p. 23-31. DUARTE, Márcia Pires; GULASSA, Maria Lúcia Carr Ribeiro. Estágio impulsivo emo- cional. In: MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. (Org.). Henri Wallon, psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyola, 2002. GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: RJ: Vozes, 1995. LA TAILLE, Yves de; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 25. ed. São Paulo: Summus, 1992. MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. (Org.). Henri Wallon, psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyola, 2002. WALLON, Henri. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975. 18
Compartilhar