Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PSICOLOGIA SOCIAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Conceituar grupo social no contexto da psicologia social. > Identificar principais estudos e abordagens teóricas sobre os grupos sociais. > Exemplificar os processos grupais em diferentes contextos de atuação. Introdução Grupo é a interação de três ou mais pessoas com propósitos em comum. Por ser um fenômeno múltiplo, no grupo cada pessoa tem a possibilidade de formar sua própria identidade e interagir com o outro e o mundo social, além de outros grupos já estabelecidos. Cada grupo social tem normas próprias, que regem o comportamento dos seus integrantes conforme a definição dos papéis e que estão sempre em construção coletiva, provendo formas de olhar para si e para o mundo e se entender nele. Neste capítulo, você vai estudar os grupos sociais no contexto da psicologia social, com o objetivo de conhecer melhor os fenômenos grupais, sua organi- zação e possibilidades de funcionamento. Vai conhecer também os principais estudos e abordagens teóricas sobre grupos sociais, além de acompanhar exemplos de processos grupais e as formas de atuação dos psicólogos sociais nesse campo de trabalho. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social Maria Carolina Rissoni Andery Grupo social Nosso primeiro desafio ao iniciar este debate é definir o que chamamos de grupo social. Na psicologia social, entendemos que grupo social é a interação de um conjunto de pessoas numa dinâmica psicossocial, em que a identidade é formada, e as normas sociais são aprendidas. Existem vários tipos e maneiras de organizar os grupos sociais. Apesar de já ter sido muito debatido, ainda é um tema atual. Os grupos sociais, em sua maioria, têm como finalidade atingir um objetivo comum de curto ou longo prazo. Nele, há multiplicidade de elementos, mas com o desafio de construir um projeto coletivo. Para isso, seus participantes normalmente têm elementos em comum, e o grupo está sempre em processo, avaliando e produzindo sua história a partir da história individual dos parti- cipantes e as implicações na história coletiva. Histórias e narrativas podem ser modificadas de acordo com a revisão das crenças e as mudanças na rede de relações entre os participantes e o mundo social (VIEIRA-SILVA; MIRANDA, 2013). Além disso, em cada grupo, há papéis sociais definidos, que especificam como cada pessoa deve se comportar e ocupar determinada função. Isso ajuda as pessoas a saberem o que esperar uma das outras, assim como ocorre com as normas (ARONSON; WILSON; AKERT, 2018). Apesar de o grupo social ser composto por um conjunto de pessoas, nem todo grupo é considerado um grupo social. Para ser um grupo social, os participantes compartilham determinadas características e um mesmo objetivo. A estrutura dos grupos normalmente está associada aos fenômenos de coesão interna e externa, liderança (LEWIN; LIPPITT; WHITE, 1939), comuni- cação e facilitação social (CAMINO et al., 2013; TRIPLETT, 1897 apud ÁLVARO; GARRIDO, 2007). Deste último identificamos um estudo que concluiu que ciclistas competindo em grupo tinham melhor desempenho do que quando corriam sozinhos. Quando a presença de outra pessoa facilita ou melhora o desempenho pessoal, chamamos esse fenômeno de facilitação social. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social2 Precisamos debater especialmente duas questões fundamentais para a formação e a manutenção do grupo. A primeira é a perspectiva histórica, que considera a inserção desse grupo na sociedade como um processo e que propicia o significado de sua existência e ação grupal com suas determinações econômicas, institucionais e ideológicas. A segunda é que o grupo só pode ser reconhecido como um processo histórico e, portanto, seria mais correto falar sobre processo grupal em vez de grupo (LANE, 1989). Para a formação de um processo grupal, são necessárias as condições a seguir (ALEXANDRE, 2012; ARONSON; WILSON; AKERT, 2018). � Coesão: ajuda no alinhamento entre os integrantes, embora também possa ser um obstáculo para o desenvolvimento e a manutenção do grupo, ao propiciar o chamado pensamento grupal, que ocorre quando os membros concordam sempre, não havendo questionamentos que ajudem em desafios e descoberta de soluções. � Normas: diminuem a necessidade de usar o poder e, portanto, a pos- sibilidade de tensão entre os integrantes. � Liderança: o líder surge na interação entre os participantes. Pode ser transacional, definindo objetivos claros, de curto prazo e com recom- pensas, ou transformacional, inspirando as pessoas com objetivos comuns a longo prazo. A liderança pode ser autocrática (o poder é exercido por meio da coerção), democrática (as decisões são tomadas pela maioria do grupo, e o líder será o representante da decisão), ou permissiva (não há ação efetiva de liderança). O líder deve ter a capacidade de superar barreiras e de usar sua influência positivamente para a execução dos objetivos do grupo. Entende-se que a liderança está relacionada não só à personalidade, mas também ao contexto social em que a pessoa está inserida, bem como se os seguidores estão dispostos a aceitar um líder com essas características. � Status: é o prestígio de um integrante, que pode ser subjetivo ou social, isto é, percebido pelo integrante, ou resultado consensual do grupo sobre determinada pessoa. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social 3 � Papel social: estabelecido para que os integrantes saibam como se comportar e para que haja um bom funcionamento do grupo. Diferentes aspectos influenciam a instauração dos papéis, como idade, sexo, nível educacional e desenvolvimento. Portanto, é o encontro de diferentes pessoas com certa identificação e certa função que demarca o processo grupal. No funcionamento de um grupo social, no entanto, é importante que as normas sejam estabelecidas para que haja coesão e espaço de desenvolvimento dos papéis sociais e, consequente- mente, do processo grupal em movimento. Também faz parte desse processo a formação de uma identidade grupal e a afetividade entre os integrantes. Quando há produção coletiva, construção do sentimento de pertencimento e vínculo entre integrantes de determinado grupo, há afetividade, e o grupo consegue se estruturar melhor (VIEIRA-SILVA; MIRANDA, 2013). No decorrer de sua vida, cada pessoa fará parte de diferentes grupos sociais, como a família, um grupo religioso, os grupos na escola, entre ou- tros. A família e a escola são instituições que determinam a vida social das pessoas em nossa sociedade, pois há um conjunto de relações sociais que as definem. O grupo familiar, por exemplo, será observado pela psicologia social como o fator de socialização primária (LANE, 1994). No grupo familiar, ocorre o princípio da socialização e a primeira forma de hierarquia social. É importante demarcar a diferença entre instituição, organização e grupo, porque há níveis de realidade social que interagem e se determinam, compondo a realidade social. Numa instituição, há um “conjunto de normas que regem a padronização de um determinado hábito na sociedade e que garantem a sua reprodução”, como família, casamento, faculdade e clube esportivo (ALEXANDRE, 2012, p. 211). Já a organização é onde se reproduz o nível institucional e “onde o controle se apresenta de forma mais clara, como no caso do horário da entrada e saída do trabalho nas fábricas” (ALEXANDRE, 2012, p. 211). Independentemente da instituição de que fazemos parte e do grupo a que nos referimos, é importante haver a identificação e a sensação de pertencimento, além de normas estabelecidas, para que o objetivo em comum seja cumprido. Além disso, é necessário haver espaço para opiniões diversas e um líder que conduza à coesão grupal, mas não ao pensamento grupal. Assim, o vínculo entre os participantes será fator positivo para desenvolvimento das ações. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social4 Diferentes abordagensteóricas sobre os grupos sociais Os primeiros estudos sobre os grupos na psicologia surgiram na década de 1940 com Sherif (1936), que abordou a psicologia das normas sociais, a teoria do julgamento social e a teoria do conflito realista. Outros auto- res também se detiveram sobre a questão dos grupos e das massas, como Sigmund Schlomo Freud (1856–1939); Gustave Le Bon (1841–1931); Solomon Eliot Asch (1907–1996) e Kurt Lewin (1890–1947), entre outros. Após a Segunda Guerra Mundial, o foco dos estudos dos grupos deslocou-se para o indivíduo (orientação individualista) e, gradativamente, o interesse pelos fenômenos grupais foi diminuindo no fim dos anos 1970 e 1980. Volta, porém, tornando- -se dominante em meados da década de 1990 e se mantém até o momento (BROWN, 2000; FORSYTH; BURNETTE, 2010; HOGG, 2006; MARTÍN-BARÓ, 1989; MOURA et al., 2008). Na psicologia social brasileira, que teve forte influência da psicologia norte-americana, o professor Otto Klineberg introduziu a psicologia social na Universidade de São Paulo na década de 1950. Seu primeiro livro sobre psicologia social publicado no Brasil foi a tradução de uma obra dele, em 1959, que continha como tópicos: diferenças individuais e grupais, atitudes e opiniões, interação social e dinâmica de grupo, patologia social e política interna e internacional. Posteriormente, é possível perceber a influência de autores europeus e latino-americanos nesse campo. O estudo dos grupos vem sendo desenvolvido por diferentes autores de várias perspectivas teóricas. George Elton Mayo (1880–1949), por exemplo, já estudava grupos formados em organizações e indústrias, como os trabalhadores da Western Eletric Company. Criou a Escola das Relações Humanas, onde estudava-se o fenômeno dos grupos. Neste capítulo, vamos estudar os mais representativos, de acordo com Calegare (2010) e Boechat, Vieira e Pizzi (2020). Kurt Lewin (1890–1947), importante psicólogo alemão, elaborou um modelo explicativo das relações intergrupais e criou a teoria do campo. É reconhecido por todos no campo da psicologia de grupo. Foi um dos primeiros teóricos e experimentadores das leis dinâmicas que regem o comportamento dos indiví- duos em grupo. Trabalhou com o conceito de dinâmica de grupo e inaugurou os Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social 5 estudos sobre as relações entre os indivíduos dentro do grupo, a exemplo da coesão e da pressão do grupo, que influenciariam o sujeito em sentir mais ou menos pertencimento ao grupo e na força que do grupo para buscar o objetivo. Segundo Lewin, o principal elemento para definir um grupo é a reunião de duas ou mais pessoas com um objetivo comum por determinado período. Para ele, todos os grupos deveriam ser compreendidos como totalidade dinâmica que resulta das interações entre seus membros. Esses grupos adotam formas de equilíbrio no seio de um campo de forças e tensões pelo campo perceptivo dos indivíduos. Essas forças, como movimento, ação, interação, reação, etc., é que constituem o aspecto dinâmico do grupo e, consequentemente, afetam a sua conduta. A dinâmica de grupo estuda e analisa a conduta do grupo como um todo, as variações da conduta individual de seus membros e sua reação ao formular leis e princípios e ao introduzir técnicas que aumentem a eficácia. É muito utilizada nas empresas e nas organizações sociais (JACQUES et al., 2005). Destaca-se, também, a abordagem do psiquiatra Jacob Levy Moreno (1889– 1974), que juntou técnicas desenvolvidas pelos atores do teatro com elementos terapêuticos, criando o psicodrama e contribuindo muito para o trabalho na psicoterapia de grupo. Desenvolveu uma forma de medir as relações de afinidade dentro de pequenos grupos, o que ele denominou sociometria. Segundo ele, a estrutura de um grupo pode ser compreendida pelos sistemas sociais, que seriam baseados principalmente na preferência ou no sistema de atração-repulsão, experiências e desagrados dos membros em relação a outros membros. A pessoa mais escolhida seria uma estrela sociométrica, e a menos escolhida seria um isolado. Basicamente, a sociometria buscava compreender como as dinâmicas de personalidade acabam interferindo nas relações entre os indivíduos. Para isso, Moreno verificou de forma experi- mental o desenvolvimento e o funcionamento de grupos de várias idades. Para ele, o homem é um ser em relação, e existe uma intersubjetividade entre os fenômenos individuais e coletivos. O intrapsíquico (temáticas subjetivas) está subordinado ao interpsíquico (os vínculos, as relações com o mundo). Mais tarde, a sociometria ficou conhecida como socionomia (MORENO, 2014). A teoria da comparação social, de Festinger (1954), propõe que as pessoas se reúnem formando grupos porque os grupos possibilitam uma avaliação do outro. É válido ressaltar que os grupos de pertença geram maior influência sobre nós. Aqueles grupos com que nos identificamos, mesmo sem pertencer a eles, podem influenciar nossas atitudes, nossos valores e comportamentos (CIALDINI et al., 1976). Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social6 Surgiram, também, estudos sobre os fenômenos grupais no contexto dos movimentos das minorias sociais em busca de direitos iguais. Ao discu- tirmos as relações intergrupais encontramos diferentes elementos, como a discriminação social e mecanismos que poderiam categorizar determinados grupos em detrimento de outros. A importância dos movimentos sociais da Europa e dos Estados Unidos no início da década de 1970 contribuíram para a consolidação do interesse pelos estudos das relações intergrupos. Além disso, percebemos um deslocamento do interesse dos objetos de análise: do microssocial (interindividual/intragrupal) para o macrossocial (intergrupal/ relação entre grupos) (ÁLVARO; GARRIDO, 2007). A Escola de Genebra estudou as relações intergrupais com uma análise situacional, estrutural e histórica, considerando principalmente as relações de poder. Considera-se que essa foi a primeira vez que foi realizada uma análise macrossocial da sociedade (ALLPORT, 1954; DOISE, 2002). Podemos perceber a evidência do surgimento do preconceito e da discriminação dos grupos em relação ao exogrupo. Um grupo social que tem grande aceitação social e poder (por exemplo, um grupo religioso) pode gerar reações de preconceito e discriminação a pessoas que não fazem parte desse grupo, como grupos minoritários ou pessoas que não se identificam com o grupo hegemônico. No Brasil, por exemplo, muitas pessoas católicas (grupo hegemônico) têm preconceito em relação a pessoas das religiões de matriz africana (grupo minoritário). Já os autores da Escola de Bristol (FESTINGER, 1954; TAJFEL, 1981; TAJFEL; TURNER, 1986; TURNER et al., 1987) propõem como foco principal a categoriza- ção entre endogrupo e exogrupo, o que provocaria uma valorização do endo- grupo em detrimento do exogrupo (paradigma do grupo mínimo). O conflito intergrupal surge da superação das interações psicológicas e sociológicas no intragrupo. Portanto, o conflito entre diferentes grupos não depende das características individuais dos elementos dos grupos, mas sim do sentimento de pertença daquele grupo e da relação entre um grupo e outro. Já Tajfel (1981) propôs uma nova abordagem de diferenciação perceptiva e avaliativa entre os grupos sociais. A categorização constituiria um processo de organização e simplificação da realidade social. Isso significa que a identificação de cate- gorias de pertença é facilitada pela visibilidade do critério que a define, em especial critérios físicos (como cor da pele, sexo, etc.), conteúdos categoriais sob a forma de estereótipos. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social 7 Outros dois autores fundamentais para discutir os grupos sociais são Ignacio Martín-Baró (1942–1989), que discutiu criticamente sobre a dinâmica de grupos em Sistema, grupo y poder: psicología social desde Centroamérica, de 1989, e Silvia Lane (1933–2006),que estudou a relação indivíduo-sociedade considerando as categorias de análise e construção de identidade. Esses dois autores buscaram uma compreensão crítica e sócio-histórica dos sujeitos que compõem os grupos e dos grupos formados até então (JACQUES et al., 2005). Considerando o contexto histórico e social da psicologia social contem- porânea, o processo grupal pode ser um elemento para a transformação da sociedade, na medida em que possibilita a mediação entre o indivíduo e a sociedade estimulando sua liberdade (ROSS; LEPPER; WARD, 2010). O grupo pode funcionar como elemento de formação e empoderamento dos indiví- duos, ajudando no processo de tomada de consciência. Segundo Lane (1989) isso acontece porque o atual sistema capitalista se baseia na exploração do homem pelo próprio homem, que não teria consciência de que estaria sendo explorado. A manutenção dessa sociedade capitalista e desigual perpetua também uma relação entre dominados e dominadores, que é influenciado pela história do sujeito e das instituições ou organizações onde esses gru- pos sociais são gestados. É necessário também, portanto, compreender o surgimento do processo de grupo em diferentes instituições, como escolas, fábricas, empresas, família, entre outras (MARTINS, 2007). Como podemos perceber, o processo grupal estimula a reflexão individual e coletiva, possibilitando que seus membros tomem consciência de sua iden- tidade psicossocial. É o espaço para a problematização do cotidiano, para o desencadeamento de novas relações e vínculos afetivos, para a expressão de opiniões e sentimentos. Com base no grupo, torna-se possível identificar as diferenças e as semelhanças nas experiências individuais (MARTÍN-BARÓ, 1989). Segundo Lane (1989), só é possível compreender os diferentes gru- pos com uma análise de sua constituição como fenômeno social considerando contexto histórico, espaço, tempo e sociedade. Não podemos, portanto, falar de grupo como um conceito abstrato; devemos analisá-lo com base em suas configurações históricas. Além disso, é importante evitar uma proposta de análise que homogeneíze os sujeitos, como se todos fossem iguais. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social8 Destaca-se nos estudos de processo grupais, além disso, Enrique Pichon- -Rivière (1907–1977), conhecido por seu trabalho com grupo operativo e pela teoria do vínculo. Seu método de grupo operativo diz respeito a um conjunto de pessoas com objetivo em comum, uma vez que, por meio da experiência em grupo, “as pessoas têm a possibilidade de vivenciar novas experiências de aprendizagem e de vinculação, visando ao rompimento de estereótipos, que geram alienação” (MAIA, 2017, p. 4). Um dos conceitos centrais da obra de Pichon-Rivère é a visão dialética da realidade: “seus constructos, conceitos e reflexões são permeados pela ideia de movimento e transformação contínua dos sujeitos, de seus vínculos e de seu modo de operar na realidade” (PEREIRA, 2013, p. 25). Sua principal contribuição é o olhar para os processos grupais e a compreensão da estrutura e do funcionamento dos grupos. Muitas vezes, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais usam o termo grupo operativo fora do contexto do método de Pichon- -Rivère, contrapondo-se ao grupo psicoterapêutico, o que se aproxima de grupos de psicoeducação ou grupos de aprendizagem. Isso porque “a técnica de grupo operativo é uma técnica não diretiva, que transforma uma situação de grupo em um campo de instigação ativa”, e o coordenador tem como função facilitar a comunicação entre os integrantes “a fim de que o grupo seja operativo, isto é, que ultrapasse os obstáculos na resolução da tarefa” (PEREIRA, 2013, p. 26). Como vimos, temos diferentes modelos teóricos para compreender e tra- balhar com os grupos. A abordagem sobre os processos grupais surge a partir de uma visão crítica sobre essas teorias, demonstrando que o entendimento sobre os grupos é um fenômeno complexo, sendo inadequado definir o grupo como algo estático. O grupo é um processo a ser compreendido consideran- do-se uma perspectiva sócio-histórica. Atuação profissional da psicologia em grupos sociais As práticas de psicólogos em diferentes grupos sociais têm sido alvo de muitos debates, pesquisas e conflitos. Como profissional que estuda a subjetividade, o psicólogo, outrora, realizava atendimentos e atividades voltadas à promoção da saúde, mas compreendendo a subjetividade de forma estática e, portanto, Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social 9 distante da realidade social. No entanto, como muitos problemas e demandas dos participantes dos grupos sociais são decorrentes das condições desiguais em que vive grande parte da população brasileira, é importante considerar o papel da psicologia social nas mudanças necessárias nessa sociedade, tendo o grupo uma importância fundamental nesse contexto. A psicologia social pode ajudar a superar as situações de opressão e a desigualdade social, contribuindo para uma transformação da sociedade. Isso seria possibilitado por uma formação profissional mais engajada politi- camente e menos tecnicista. Essa proposta tem sido debatida em congressos e encontros no campo da psicologia comunitária e nas ideias de autores da psicologia social, como Martín-Baró (1989) e Silvia Lane (1989; 1994), como vimos na seção anterior. Segundo esta última, “A psicologia deveria se tornar uma ciência comprometida, política e eticamente, jamais neutra ou universal” (LANE, 1994, p. 61), principalmente ao identificarmos as iniquidades sociais, discriminação e violência que têm sofrido grupos minoritários e grande parte da população marginal da América Latina. Um dos campos em que a psicologia vem atuando em diferentes equipes e grupos em todo o Brasil são os CAPS (Centros de Atendimento Psicosso- cial). Geralmente formados por equipes multiprofissionais, os CAPS, em suas diferentes modalidades, são um campo de atuação para os profissionais de psicologia desenvolvem trabalhos de grupos. Com isso, podemos perceber que a atuação do psicólogo social não se limita a cuidar da saúde mental dos participantes, nem apenas discutir problemas emergentes que se manifestam como queixas no grupo. A prática do psicólogo deve ser repensada, deve ser revista em seus pressupostos e ideais e deve ser convocada para atuar em processos de emancipação dos sujeitos e dos grupos sociais, na tentativa de contribuir ativamente para transformar as condições desiguais e segrega- doras do país. Além disso, necessitamos não apenas de novas práticas, mas também de novos aportes teóricos e modelos para a construção de práticas mais articuladas com as demandas de toda a população. Sendo os grupos sociais objetos de uma discussão ampla na produção de identidades, no aprendizado de normas e na construção da visão de mundo e de si, é muito importante observar seu funcionamento diante das diferentes realidades sociais em que estamos inseridos. A título de exemplo e análise, serão expostos aqui dois trabalhos de diferentes autores sobre grupos sociais. Silva et al. (2007) apresentam o projeto Doce vida, que faz parte da extensão na área de psicologia social da Universidade Federal de São João Del-Rei, em Minas Gerais, para exemplificar o trabalho grupal com portadores de diabetes. Entre os objetivos do projeto, destacam-se: Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social10 […] conduzir os portadores de diabetes à reflexão e elaboração das implicações afetivo-emocionais da doença, à construção da identidade de portador de diabe- tes, da afetividade e vínculo grupal, o que acarreta maior adesão ao tratamento e integração grupal. […] trabalhar os fenômenos grupais, a fim de alcançar o fortale- cimento do grupo, o reconhecimento dos próprios membros enquanto parte deste e implicá-los na mobilização pela busca de melhorias no atendimento oferecido pelos órgãos públicos aos portadores de diabetes da cidade(SILVA et al., 2007, p. 1). Como técnicas, os autores usaram o grupo operativo, o grupo de reflexão e oficinas de grupos, observando a reação e a participação dos integrantes do projeto como processo em desenvolvimento. Com o decorrer das observações, a equipe de psicologia compreendeu que o desenvolvimento do processo grupal propiciou a conscientização dos portadores de diabetes em relação à sua identidade e ao tratamento da doença: […] os membros do grupo estão inseridos em um processo de construção individual e coletiva da identidade de portador de diabetes, ao refletirem e questionarem o seu papel no grupo, ampliarem suas formas de participação e aderirem cada vez mais às exigências do tratamento (SILVA et al., 2007, p. 3). Outro exemplo de atuação com grupos é apresentado por Vieira-Silva e Miranda (2013) após um estudo em corporações musicais da região de Ver- tentes, também em Minas Gerais. Os autores observaram diferentes grupos musicais, seus processos identitários e de pertencimento. Estudaram as diferentes formas de estabelecimento das relações de poder e as influências no processo grupal e na atividade musical. O objetivo dos autores foi “com- preender a constituição histórica das formações identitárias e suas articu- lações com as relações de poder, no desempenho das atividades cotidianas de três corporações musicais mineiras” (VIEIRA-SILVA; MIRANDA, 2013, p. 1). Entre os achados do estudo, destaca-se que os autores compreenderam que: As diferenciações na produção de identidades individuais e coletivas podem exercer influências nas relações de poder inter e intragrupais. Também, as diversas formas de estabelecimento das relações de poder entre os agentes exercem influências no desenvolvimento do processo grupal e na atividade musical (VIEIRA-SILVA; MIRANDA, 2013, p. 1). Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social 11 O olhar psicossocial para os grupos e para a influência das normas na formação de nossa identidade é importante porque, por meio da interação nos diferentes grupos, são adquiridas a consciência de si, a consciência social e a consciência de classe, isto é, a construção dialética entre homem e sociedade, as relações de poder e o aprendizado sobre si mesmo e o mundo. Como vimos, só podemos compreender o grupo social como um processo em construção. Por isso, ele deve ser estudado sempre de uma perspectiva sócio-histórica. O processo grupal é um fenômeno importante na construção não apenas da identidade do sujeito, mas também da própria sociedade. Compreender os grupos sociais, o processo grupal e seu funcionamento é de suma importância para a psicologia social, porque somos modificados pelas relações sociais, assim como as modificamos. Aprender sobre a formação de cada grupo amplia o olhar e o entendimento das diferentes relações sociais e o senso de pertencimento, além de auxiliar na construção da consciência de si e do mundo, possibilitando mudanças e movimentos dentro do grupo ou de novas relações. Referências ALEXANDRE, M. Breve descrição sobre processos grupais. Comum, v. 7, n. 19, p. 209-219, 2012. ALLPORT, G. W. The historical background of modern social psychology. In: LINDZEY, G. (org.). Handbook of social psychology. Reading: Addison-Wesley, 1954. v. 1, p. 3-56. ÁLVARO, J. L.; GARRIDO, A. Psicologia social: perspectivas psicológicas e sociológicas. São Paulo: McGraw-Hill, 2007. ARONSON, E.; WILSON, T. D.; AKERT, R. M. Psicologia social. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2018. BOECHAT, F.; VIEIRA, A.; PIZZI, B. A “visão histórica da psicologia social” de Ignacio Martín-Baró. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 20, n. 2, p. 630-650, 2020. BROWN, R. Social identity theory: past achievements, current problems and future challenges. European Journal of Social Psychology, v. 30, n. 6, p. 745-778, 2000. CALEGARE, M. G. A. Abordagens em psicologia social e seu ensino. TransFormações em Psicologia, v. 3, n. 2, p. 30-53, 2010. CAMINO, L. et al. Psicologia social: temas e teorias. 2. ed. Brasília, DF: Technopolitik, 2013. CIALDINI, R. B. et al. Basking in reflected glory: three (football) field studies. Journal of Personality and Social Psychology, v. 34, n. 3, p. 366-375, 1976. DOISE, W. Da psicologia social à psicologia societal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 18, n. 1, p. 27-35, 2002. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social12 FESTINGER, L. A theory of social comparison processes. Human Relations, v. 7, n. 2, p. 117-140, 1954. FORSYTH, D. R.; BURNETTE, J. Group processes. In: BAUMEISTER, R. F.; FINKEL, E. J. (ed.). Advanced social psychology: the state of the science. New York: Oxford University, 2010. p. 495-534. HOGG, M. A. Social identity theory. In: BURKE, P. J. (ed.). Contemporary social psycho- logical theories. Redwood City: Stanford University, 2006. p. 111-136. JACQUES, M. G. C. et al. Psicologia social contemporânea. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2005. LANE, S. T. M. O processo grupal. In: LANE, S. T. M.; CODO, W. (org.). Psicologia social: o homem em movimento. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 78-98. LANE, S. T. M. O que é psicologia social. 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. LEWIN, K.; LIPPITT, R.; WHITE, R. K. Patterns of aggressive behavior in experimentally created “social climates”. Journal of Social Psychology, v. 10, p. 271-299, 1939. MAIA, A. M. O atendimento em grupo operativo no CRAS: relato de uma experiência. Vínculo, v. 14, n. 1, p. 1-8, 2017. MARTÍN-BARÓ, I. Sistema, grupo y poder: psicología social desde Centroamérica. San Salvador: UCA, 1989. MARTINS, S. T. F. Psicologia social e processo grupal: a coerência entre fazer, pensar sentir em Sívia Lane. Psicologia & Sociedade, v. 19, 2007. MORENO, J. L. Psicodrama. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 2014. MOURA, G. R. et al. Prospects for group processes and intergroup relations research: a review of 70 years’ progress. Group Processes & Intergroup Relations, v. 11, n. 4, p. 575-596, 2008. PEREIRA, T. T. S. O. Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e intervenção. Revista da SPAGESP, v. 14, n. 1, p. 21-29, 2013. ROSS, L.; LEPPER, M.; WARD, A. History of social psychology: insights, challenges and contributions to theory and application. In: FISKE, S. T.; GILBERT, D. T.; LINDZEY, G. (org.). Handbook of social psychology. 5th ed. New York: John Wiley & Sons, 2010. p. 3-50. SHERIF, M. The psychology of social norms. New York: Harper and Row, 1936. SILVA, M. V. et al. Processo grupal e identidade no desenvolvimento de um programa de psicologia e saúde pública. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO, 14., 2007, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: ABRAPSO, 2007. TAJFEL, H. Human groups and social categories: studies in social psychology. Cambridge: Cambridge University, 1981. TAJFEL, H.; TURNER, J. C. The social identity theory of intergroup behavior. In: WORCHEL, S.; AUSTIN, W. G. (ed.). The social psychology of intergroup relations. Chicago: Nelson Hall, 1986. p. 7-24. TURNER, J. C. et al. Rediscovering the social group: a self-categorization theory. Oxford: Blackwell, 1987. VIEIRA-SILVA, M.; MIRANDA, S. F. Poder e identidade grupal: um estudo em corporações musicais da região das vertentes. Psicologia & Sociedade, v. 25, n. 3, p. 642-652, 2013. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social 13 Leituras recomendadas ASCH, S. Forming impressions of personality. Journal of Abnormal and Social Psychology, v. 41, p. 258-290, 1946. ASCH, S. Social psychology. New York: Prentice-Hall, 1952. BENETTI, I. C. Psicologia social e a infância perdida em "Cidade de Deus". Boletim - Academia Paulista de Psicologia, v. 33, n. 85, p. 388-404, 2013. BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 36. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. CAMPOS, R. H. F.; GUARESCHI, P. A. Paradigmas em psicologia social: a perspectiva latino-americana. Petrópolis: Vozes, 2000. CIAMPA,A. C. A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1983. LANE, S. T. M.; SAWAIA, B. B. (org.). Novas veredas da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995. PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Estudo dos grupos e do processo grupal na psicologia social14
Compartilhar