Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

1 
LIVRO-TEXTO: 
 
COERÊNCIA E COESÃO NA LINGUAGEM EM USO – ORAL E 
ESCRITA 
 
 
SUMÁRIO 
 
APRESENTAÇÃO DO PERFIL ACADÊMICO DA AUTORA 
 
INTRODUÇÃO 
 
UNIDADE I – INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA TEXTUAL: PERCURSO 
HISTÓRICO, OBJETO DE ESTUDO, CATEGORIAS TEÓRICAS E DE ANÁLISE. 
 
1. Da frase ao texto - as três fases de construção da Linguística Textual. 
2. Conceito de texto e a construção de sentidos no texto 
3. Os eixos de análise textual – Coerência 
4. Os eixos de análise textual – Coesão 
 
 
UNIDADE II – TEXTO ORAL E TEXTO ESCRITO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 
E PEDAGÓGICAS 
 
5. Diferenças e características entre o texto falado e escrito: a relação oralidade / 
escrita e seus diferentes níveis de formalidade, organização e variação 
6. Mais algumas considerações sobre o binômio oralidade e escrita 
7. Considerações sobre a análise da conversação. 
8. Leitura, oralidade e escrita: práticas linguísticas, sociais e pedagógicas. 
 
 
 
 2 
APRESENTAÇÃO DO PERFIL ACADÊMICO DA AUTORA 
 
 
A Professora Mônica Oliveira Santos nasceu em Campina grande–PB, graduou-se 
no curso de Letras (1997) pela Universidade Federal da Paraíba, tendo 
desenvolvido trabalhos de iniciação científica na área de Análise do Discurso, 
durante a graduação. É Mestre em Linguística Aplicada (2000), com ênfase na área 
de Ensino de Língua Materna, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) 
e é Doutora em Linguística (2004), com ênfase nas áreas da Semântica e Análise do 
Discurso, também pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é 
Professora Titular da Universidade Paulista – UNIP –, ministrando as disciplinas de 
Gramática Aplicada à Língua Portuguesa, Teorias do Texto, Semântica e 
Pragmática, Análise do Discurso, Análise Crítica do Discurso e Semiótica, Relações 
entre Tecnologia Ciência, Tecnologia e Sociedade e Morfossintaxe Aplicada à 
Língua Portuguesa. É Coordenadora do curso de Letras da (UNIP) - Campus de 
Campinas/Swift e atua ainda como líder das disciplinas Teorias do Texto, Análise 
do Discurso e Gramática Aplicada à Língua Portuguesa, Morfossintaxe da 
Língua Portuguesa e Morfossintaxe Aplicada à Língua Portuguesa. Tem 
experiência na área de Linguística, com ênfase em Semântica, Texto e Discurso, 
atuando principalmente nas abordagens relativas à Enunciação Coletiva, 
Enunciação Proverbial, Funcionamento Enunciativo-discursivo, Textualidade-
Discursividade, Relação Sentido e Sujeito e Ensino do Português. Dentre outras 
produções nas áreas de estudo do Texto e da Análise do Discurso, Mônica Oliveira 
Santos é autora do livro: "Um Comprimido que Anda de Boca em Boca: os 
Sujeitos e os Sentidos no Espaço da Enunciação Proverbial" (2007, publicado 
pela FAPESP e Editora Pontes) e co-autora dos livros: "Em Torno da Língua(gem): 
Questões e Análises" (2007, publicado pelas Edições UESB); "Território da 
Linguagem" (2004, publicado pela Editora Bagagem); e "Texto, Discurso, 
Interpretação: Ensino e Pesquisa" (2001, publicado pela Editora Ideia). De modo 
bastante direcionado, o percurso teórico-produtivo de Mônica Oliveira 
Santos focaliza -se nas questões pertinentes às teorias do Texto e do Discurso, 
centralizando-se sobremaneira nas abordagens do ensino, da enunciação, dos 
sujeitos e da construção/produção de sentidos. 
 
 
 
 3 
INTRODUÇÃO 
 
A abordagem desta disciplina, “Coerência e Coesão na Linguagem em Uso – 
Oralidade e escrita”, abrange o estudo teórico do texto e contexto a partir da 
perspectiva da Linguística Textual e Sócio-interacionista, visando a destacar os 
principais concepções relacionadas ao conceito de texto, sua organização, 
processamento e categorias de análise, tanto em sua modalidade oral como escrita. 
Sendo assim, este estudo acerca do universo textual será desenvolvido, 
considerando um panorama que vai desde o nascimento de uma Linguística do 
Texto no contexto das análises transfrásticas, passando pela caracterização e 
diferenciação das modalidades oral e escrita, até as inter-relações que a Linguística 
Textual faz com as diferentes linhas teóricas de estudo do texto como a 
Sociolinguística, a Análise da Conversação, bem como, enfaticamente, as principais 
teorias de Leitura. Tal panorama pautar-se-á pelo caráter multi e transdisciplinar 
dessas teorias, cuja preocupação maior é o texto (como processo complexo de 
interação e construção social de conhecimento e de linguagem que envolve ações 
linguísticas, cognitivas e sociais na sua organização, produção e funcionamento), e 
que levam o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua nas diversas situações 
de interação verbal e social, sobre o uso dos recursos que a língua lhe oferece, 
sobre a adequação dos textos a cada situação, bem como sobre o papel da leitura 
em relação às questões pedagógicas, linguísticas e sociais. 
 
 
 4 
UNIDADE I – INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA TEXTUAL: PERCURSO 
HISTÓRICO, OBJETO DE ESTUDO, CATEGORIAS TEÓRICAS E DE ANÁLISE. 
 
1. Da frase ao texto – as três fases de construção da Linguística Textual. 
 
Nos estudos da linguagem, é muito importante pensar a estrutura do texto como 
uma unidade de análise linguística. Por mais que pareça óbvio entender o texto 
como unidade de análise linguística e por mais que se faça evidente a necessidade 
de estudá-lo em sua estrutura e construção, desvendando o seu processamento, 
organização, modalidades e gêneros, é bom lembramos de que isso nem sempre foi 
um consenso e que tais ideias nem sempre foram aceitas. 
 
Nesse sentido, o campo científico denominado Linguística Textual nasce de um 
intenso e extenso esforço teórico que defende que toda a Linguística é 
necessariamente Linguística de Texto (Cf. KOCH, 2009; 2007; 2006; DIJK, 1972; 
MARCUSCHI,1983). Tal visão e método científicos confrontam-se e opõem-se 
fortemente ao campo teórico da Linguística Estrutural, movimento pioneiro e 
demarcador dos estudos linguísticos no parâmetro científico, que teve seu período 
de ascensão e reconhecimento do final do século XIX até a metade do XX, 
aproximadamente, e que traz como fundamentos balizares as ideias postuladas pelo 
linguista suíço Ferdinand Saussure. 
 
Em função de seu crescente avanço, desenvolvimento e sucesso, a Linguística 
Estrutural acabou chamando a atenção de outros olhares teóricos também 
relacionados à linguagem para além do formalismo estruturalista (história, 
antropologia, sociologia, etnometodologia, psicologia etc) e cresceu ainda mais a 
necessidade de ampliar seus domínios, bem como o interesse em sanar possíveis 
lacunas e insuficiências dessa ciência piloto, afinal uma ciência nunca está fechada, 
pronta e acabada! 
 
Sendo assim, a partir da década de 60, surgem lugares de ruptura na fronteira com 
o Estruturalismo linguístico e dissidências se fazem, constituindo (a partir de vários 
aspectos teóricos lacônicos, insuficientes, pouco explorados, marginalizados etc) 
novos campos teóricos da linguística, na maioria deles em franca ruptura com 
algumas das ideias do estruturalismo linguístico, por exemplo: 
 
a sociolinguística 
a etnolinguística 
a psicolinguística 
a neurolinguística 
a pragmática 
a análise da conversação 
a análise do discurso 
a semântica 
a gramática gerativo-transformacional 
e especialmente aqui a Linguística Textual, entre outros campos, é claro 
 
 
 
 5 
Em outras palavras, ainda que se reconheça a suma importância da Linguística 
Estrutural, o quadro teórico da Linguística atual retrata diferentes linhas teóricas que 
se instauraram a partir da tentativa de superar os equívocos e de preencher as 
lacunas e insuficiências deixadas pelo Estruturalismo linguístico. 
 
De modo geral, tais insuficiências/lacunas estão relacionadas a questões cruciais 
para o desenvolvimento dos estudos da linguagem e precisavam ser revistas, 
superadas, ultrapassadas. Veja no quadro abaixo os principais problemas / lacunas / 
insuficiências deixados pela Linguística Estrutural e que serviram de motivação / 
objetivo para a Linguística Textual, entre outrasáreas de estudo da linguagem, 
buscarem resolver. 
 
PRINCIPAIS PROBLEMAS DO ESTRUTURALISMO LINGUÍSTICO 
a dicotomia Língua x Fala leva à desconsideração da Fala e do 
Falante 
a desconsideração dos aspectos 
Extralinguísticos 
leva à desconsideração do contexto e 
dos aspectos sociais, situacionais, 
históricos e ideológicos 
a autonomia do objeto de estudo: 
língua 
leva a um estudo limitado da linguagem, 
considerada em sua imanência e isolada 
de seu contexto de uso, bem como das 
inter-relações entre os diversos estudos 
que em interface compõem um 
panorama analítico mais completo dos 
fenômenos da linguagem 
a desconsideração da subjetividade leva à desconsideração do Sujeito 
a unidade de análise centralizada na 
Frase 
leva à desconsideração dos demais 
níveis de análise além da frase: o texto, 
o discurso, a conversação etc 
a separação do Enunciado de sua 
Enunciação 
leva à desconsideração de questões 
relativas ao texto como unidade maior, 
ao sujeito, à significação e à 
subjetividade na linguagem 
o pouco caso relegado ao estudo da 
Significação e do Sentido entre outras 
questões de igual modo importantes 
leva à insuficiência em relação ao 
trabalho com os fenômenos da 
significação e do sentido 
 
 
As diferentes linhas linguístico-teóricas anteriormente citadas, romperam com o 
estruturalismo linguístico, cada uma em função de um(ns) ou outro(s) aspecto(s) e a 
partir disso delimitaram seus limites de pesquisa sobre a língua(gem). No caso da 
Linguística Textual, todos esses aspectos negligenciados pela tradição estruturalista 
justificaram a delimitação/instauração do campo de Estudo do Texto, alguns mais 
crucialmente que outros. 
 
 
 
 
 
 
 
 6 
SAIBA! 
Alguns dos aspectos mais importantes que foram criticados na tradição estruturalista 
e que serviram ponto de partida para a instauração da Linguística textual, no sentido 
de serem obstáculos a serem superados foram: 
 
 a delimitação da frase (e não do texto) como unidade máxima de análise 
 a desimportância relegada ao texto e sua organização global 
 a desconsideração da Fala (do texto falado) e seus aspectos funcionais e 
organizacionais 
 e por fim a total desconsideração do sujeito (falante) e da situação 
comunicativa na análise linguística. 
 
É válido salientar mais uma vez que tais aspectos problemáticos, caracterizadores 
das lacunas da tradição linguístico-estrutural, levaram esse “lugar de ruptura 
teórica”, os estudos do texto, a empenhar-se: 
 
 em ir além dos limites da frase; 
 
 em reintegrar o sujeito e a situação sócio-comunicativa ao escopo de 
investigação teórica; e 
 
 em desenvolver e ampliar o estudo do texto em suas modalidades oral e 
escrita, a partir de sua organização estrutural, processamento cognitivo e 
funcionamento sócio-interacional, instaurando assim a Linguística Textual 
(doravante LT). 
 
Na busca por alcançar os objetivos acima, em sua constituição, a LT passou por três 
fases de desenvolvimento. Conforme apontam Bentes, 2007; e Koch, 2009; 2007; 
2006, não houve um desenvolvimento exatamente homogêneo dessas três fases. 
Os estudos acerca do texto desenvolveram-se e ampliaram-se em diferentes países 
dentro e fora da Europa (destaque-se a produção norte-americana, germânica e 
anglo-saxã), mais ou menos à mesma época e com preocupações teóricas variadas. 
 
Dessa forma, é importante perceber que não houve precisamente uma sucessão 
cronológica na transposição de uma fase à outra. O que melhor caracteriza a 
mudança de uma fase para a outra é muito mais a ampliação e aprofundamento 
gradual dos estudos da LT, marcando cada vez mais fortemente o seu afastamento 
em relação à Linguística Estrutural. Cada nova fase busca superar os limites e 
insuficiências da fase anterior. Conforme descrevem Bentes, 2007; Marcuschi, 1983 
e Koch, 2009; 2007; 2006, (entre outros autores clássicos desse campo científico), 
estas três fases da LT costumam ser conhecidas como: 
 
1a. Fase Transfrástica. 
 
2a. Fase da Gramática Textual. 
 
3a. Fase da Teoria do Texto. 
 
 
 7 
Agora que as fases destacáveis da LT já foram apresentadas rapidamente, é 
importante considerar que a LT atualmente está mais bem representada por esta 
terceira fase em que as suas questões teórico-metodológicas de investigação 
apresentam-se melhor desenvolvidas. Dito isto vamos conhecer mais 
detalhadamente os aspectos e características de cada uma das três fases. 
 
 
SAIBA! 
É bom lembrar que, apesar de não se poder levar em conta datas precisas quanto 
ao início e fim de cada uma das fases, é possível contextualizar aproximadamente 
(e superficialmente) a Fase Transfrástica na década de 1960, a Fase da Gramática 
Textual na década de 1970 e a Fase da Teoria do Texto a partir da década de 1980 
até os dias de hoje. 
 
 
I. Fase Transfrástica – a própria designação já aponta o principal interesse dessa 
fase, a análise transfrástica que vai além dos limites da frase. Esta fase volta-se 
para os fenômenos linguísticos que nunca foram bem explicados pelas teorias 
formalistas limitadas ao nível da frase. Conforme sintetiza Bentes: 
 
“Na análise transfrástica, parte-se da frase para o texto. Exatamente por estarem 
preocupados com as relações que se estabelecem entre as frases e os períodos, de 
forma que construa uma unidade de sentido, os estudiosos perceberam a existência 
de fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas 
teorias semânticas: o fenômeno da correferenciação, por exemplo, ultrapassa a 
fronteira da frase e só pode ser melhor compreendido no interior do texto.” (BENTES, 
2007, p.247). 
 
O fenômeno da correferenciação estuda o múltiplo referenciamento e significa que o 
referente textual, ou seja, aquilo sobre o que o texto fala, encontra-se retomado ao 
longo do texto de diferentes formas, por exemplo: 
 
A) “Juliana adora doces, massas e frituras. A pestinha está passando do 
peso. Essa pequena poderá ter problemas, se não fechar a boca. 
 
B) “Marta foi ao banco. Ela se assustou com os juros do cheque especial”. 
 
O referente “Juliana” foi retomado pelas formas “a pestinha” e “essa pequena”. Isso 
fez fluir e progredir a construção do sentido ao longo das sequências de modo que 
cada sequência introduzida por um novo co-referente veio a acrescentar 
informações numa direção argumentativa. Se prestarmos atenção, veremos que o 
referente “Juliana” não dá nenhuma pista sobre tratar-se de uma criança, contudo 
quando consideramos os co-referentes “a pestinha” e “essa pequena” somos 
levados a essa possível leitura sem que nenhuma menção explícita tenha sido feita 
a isso. Numa análise transfrástica, é possível olhar o pronome pessoal de 3a pessoa 
diferentemente da visão tradicional estruturalista que vê apenas uma simples 
substituição no nome “Marta” pelo pronome “ela”. 
 
Perceba que o uso do pronome propicia ao ouvinte/leitor instruções de conexão 
entre a predicação que se faz do pronome “se assustou com os preços altos” e o 
próprio Sintagma Nominal em questão “Marta” (considerado como aquele sobre o 
 
 8 
qual também já se disse algo). Tal mecanismo colabora na construção do perfil do 
referente “Marta” por parte do ouvinte/leitor. 
 
 
 
SAIBA! 
Observe! 
Não é a concordância de gênero e número entre nome e pronome (Marta = ela) que 
garante a equivalência entre esses dois termos, mas as relações estabelecidas 
entre as suas predicações. É por causa dessas relações que sabemos que o 
pronome “ela” se refere ao SN “Marta”. 
 
Entretanto, o mero mecanismo de correferenciação entre sequências não constitui 
obrigatoriamente um texto. Ampliando seus esforços, os estudiosos foram 
observando, ao lado da correferenciação, outros fenômenos que também 
estabelecem relações entre as orações por meio de sequenciação (conectivos), 
pronominalização (pronomes), definitivização (artigos definidos e indefinidos), 
concordância verbal, relação tópico-comentário entre outros. 
 
Porém, a investigaçãoacerca dos elementos conectivo-sequenciadores, que 
estabelecem relações entre as orações, levou os teóricos a questionarem se havia 
obrigatoriedade de relações conectivas presentes entre os enunciados para se 
constituir um texto. Vejam-se os exemplos: 
 
A) Alberto não foi ao aniversário de sua irmã: enviou-lhe um presente. 
 
B) Alberto não foi ao aniversário de sua irmã: estava adoentado. 
 
C) Alberto não foi ao aniversário de sua irmã: não pode dizer quem estava lá. 
 
Como é possível constatar, em (a), é a relação adversativa, implicada pelo conector 
“mas”, a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Em (b), é a 
relação explicativa, implicada pelo conector “porque”, a que se estabelece entre o 
primeiro e o segundo enunciado. Em (c), é a relação conclusiva, implicada pelo 
conector “portanto”, a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. 
Entretanto, os conectores “mas”, “porque” e “portanto” não estão presentes entre os 
enunciados, mas isso não impede que o ouvinte/leitor reconstrua o sentido da 
sequência, constituindo mentalmente as relações argumentativas próprias entre as 
orações. Desse modo, conforme Bentes, considerar 
 
“o conhecimento intuitivo do falante acerca das relações a serem 
estabelecidas entre sentenças e o fato de nem todo texto apresentar o 
fenômeno da co-referenciação... [constituíram] fortes motivos para a 
construção de uma outra linha de pesquisa, que não considerasse o texto 
apenas uma simples soma... de frases.” (BENTES, op.cit., p.249). 
 
Os estudiosos partem, então, para uma segunda fase de desenvolvimento da LT, 
considerando os múltiplos mecanismos possíveis que garantem a linearidade, 
progressão textual e construção de sentidos. 
 
 
 9 
II. Fase da Gramática Textual – essa fase apoiou-se no objetivo de criar 
gramáticas textuais. Mesmo considerando-se já um bom desenvolvimento nas 
investigações da LT, acreditava-se ser o texto um sistema uniforme, estável e 
abstrato e, nesse ponto, ainda se aproximavam um pouco da forma como o 
estruturalismo descrevia a língua (sistema uniforme, estável e abstrato). As 
gramáticas textuais refletiam acerca de fenômenos linguísticos não explicáveis por 
uma gramática da frase. “Neste período, postulava-se o ‘texto’ como uma unidade 
teórica formalmente construída, em oposição ao “discurso”, unidade funcional, 
comunicativa e intersubjetivamente construída.” (BENTES, op.cit., p.249). 
 
Nessa fase, é possível constatar a forte influência teórica da Gramática Gerativo-
Transformacional de Noam Chomsky. O Gerativismo é outra corrente linguística que 
nasce na segunda metade do século XX e que também rompe com o estruturalismo 
linguístico, mas que mantém um caráter de pesquisa bastante formal que afirma ser 
a língua um sistema inato ao homem e não um produto de aprendizado social, 
portanto, desse ponto de vista, as regras da língua são uniformes e estáveis e já 
estão prontas na mente. Seu objeto de estudo será então o sistema abstrato de 
regras Linguísticas inatas à mente humana e não o uso que se faz delas no plano 
social. 
 
Assim, o texto é tomado como a maior unidade linguística de análise que pode ser 
decomposto (e recomposto) em unidades menores classificáveis numa gramática do 
texto, buscando assim descrever que papel cada elemento desempenha 
textualmente. Assim, como o Gerativismo considera a competência linguística do 
Falante Ideal que detém o conhecimento internalizado de todas as regras da língua 
(mesmo que não seja levado a usá-las socialmente, ou seja, ele tem a competência, 
mas não necessariamente o desempenho), essa segunda fase considera a 
competência textual: “todo falante nativo possui um conhecimento acerca do que 
seja um texto... sabe reconhecer quando um conjunto de enunciados constitui um 
texto [ou não]... é capaz de resumir e/ou parafrasear um texto... perceber se ele está 
completo [ou não]”. (BENTES, op.cit., p.250). 
 
Nesse sentido, o falante possuiria três capacidades textuais básicas, conforme 
aponta Charolles (1989 apud BENTES, op.cit., p.250): 
 
1a. a capacidade formativa (produzir e compreender) 
2a. a capacidade transformativa (reformular, parafrasear e resumir) 
3a. a capacidade qualificativa (reconhecer e tipificar: narração, 
descrição, argumentação) 
 
Uma gramática do texto teria as seguintes tarefas, conforme apontam Fávero & 
Koch (2005): 
 
 observação dos princípios e fatores de textualidade responsáveis pela 
coesão e coerência textual flagrados na superfície do texto; 
 observação de critérios para delimitação do texto em sua completude; e 
 diferenciação dos vários tipos textuais. 
 
Veja que o texto é tomado como um “tecido” com princípios específicos, regras e 
fatores que formam o conjunto homogêneo e uniforme da textualidade. Assim como 
 
 10 
o Gerativismo concebe o Falante Ideal, as gramáticas textuais concebem o Texto 
Ideal. O texto seria uma unidade teórica e considerá-lo em funcionamento era 
considerar o discurso e não o texto. 
 
No entanto, a pretensão das gramáticas textuais não alcançou todos os objetivos da 
investigação acerca do texto, deixando vários fenômenos inexplicáveis ou mal 
explicados. Não eram capazes de descrever todas as possíveis regras de 
textualidade, até porque os gêneros textuais são plurais e muito produtivos. Todos 
os dias podem surgir novos gêneros textuais (orais e escritos) com princípios e 
regras particulares (até bem pouco tempo não se tinha o e-mail ou o chat, por 
exemplo!). Cai assim o princípio de homogeneidade textual. Esse tratamento das 
gramáticas textuais começou a ser visto como excessivamente formal e iniciou-se 
um terceiro movimento. 
 
III. Fase da Teoria do Texto – conforme sintetiza Bentes, 2007, diferentemente das 
gramáticas textuais que tencionavam a competência textual de falantes/ouvintes 
ideais, nessa fase, busca-se 
 
“Investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos 
textos em uso
1
... [adquirindo] particular importância ... [o] seu contexto 
pragmático [ou seja,] o conjunto de condições externas da produção, 
recepção e interpretação dos textos.” (BENTES, op.cit., p.251). 
 
A língua passa a ser entendida não mais como um sistema abstrato (virtual), mas 
atual, em funcionamento, em uso efetivo. Nessa medida, o texto deixa de ser visto 
como um produto formal pronto e acabado (ideal) e passa a ser entendido como um 
processo (real) em funcionamento. 
 
Vemos assim que, nessa perspectiva, a LT torna-se uma disciplina de caráter 
interdisciplinar, relacionando seus interesses com os de outras áreas do 
conhecimento que envolvem questões de linguagem e sociedade. Conforme 
Marcuschi (1998), a LT pode ser bem compreendida como “uma disciplina de 
caráter multidisciplinar, dinâmica, funcional e processual, considerando a língua 
como não-autônoma nem sob seu aspecto formal”. (MARCUSCHI,1998).2 
 
 
OBSERVAÇÃO: 
 
Para ampliar o conhecimento acerca dos rumos atuais da Linguística Textual, 
sugerimos a leitura do texto indicado abaixo: 
 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502001000300002 
 
[acesso em 22/09/2015, às 14:59] 
 
1
 Grifo nosso. 
2
 Maiores detalhes sobre essa fase serão aprofundados nos itens que se seguem, em função dessa 
ser hoje a fase referencial (atual) da LT. 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502001000300002
 
 11 
2. Conceito de texto e a construção de sentidos no texto 
 
Conforme apresenta Bentes (2007), assim como a Linguística Textual (LT) evoluiu 
ao longo de suas três fases, o conceito de Texto também evoluiu. Observem-se as 
características principais que constituem as concepções de texto predominantes em 
cada fase. 
 
I. Em um primeiro momento (Fase Transfrástica), o texto é concebido como: 
 
 “uma sequência pronominal ininterrupta” - dada a ênfase na questão da co-
referenciação. (HARWEG, 1968, Apud BENTES, op.cit., p.247). 
 “uma sequênciacoerente de enunciados” (ISENBERG, 1970, Apud 
BENTES, op.cit., p.247). 
 “forma de organização do material linguístico” (BENTES, op.cit., p.253). 
 “unidade linguística superior à frase” (KOCH, 1997, Apud BENTES, op.cit., 
p.253). 
 
II. Em um segundo momento (Fase da Gramática Textual), o texto é concebido 
como: 
 
 “complexo de proposições sintático-semânticas” (apresenta um conjunto de 
conteúdos). (BENTES, op.cit., p.253). 
 
 “estrutura pronta e acabada” (BENTES, op.cit., p.253) que obedece a uma 
estrutura formal articulada estritamente a partir de sete fatores de 
textualidade: 
 
- Coesão; 
- Coerência; 
- Aceitabilidade; 
- Informatividade; 
- Situacionalidade; 
- Intertextualidade; e 
- Intencionalidade. 
 
 “produto de uma competência linguística idealizada” (ênfase no aspecto 
formal do texto – extensão e constituintes). (GARRAFA, 1987, Apud, 
BENTES, op.cit., p.253). 
 
 “maior unidade linguística com sequência coerente e consistente de signos 
linguísticos.” (WEINREICH, 1971, Apud, BENTES, op.cit., p.253). 
 
Uma definição de texto que representa bem esses dois primeiros momentos é o de 
Stammerjohann: 
 
“O termo abrange tanto textos orais, como textos escritos que tenham como 
extensão mínima dois signos lingüísticos, um dos quais, porém, pode ser 
suprido pela situação, no caso de textos de uma só palavra, como ‘Socorro!’, 
sendo sua extensão máxima indeterminada.” (STAMMERJOHANN, Apud 
BENTES, op.cit., p.253). 
 
 12 
 
 
Conforme Bentes, entre os conceitos de texto da primeira e segunda fase não há 
representativas diferenças. Porém, vale a pena salientar ainda que as Gramáticas 
Textuais assim como definem o TEXTO também definem o NÃO-TEXTO: 
 
TEXTO = “sequências linguísticas coerentes entre si” 
 
 NÃO-TEXTO = “sequências linguísticas incoerentes entre si” 
 
Essa oposição (texto X não-texto) em si já se mostra um tanto desconexa se se 
considerar estranho ou difícil de imaginar uma “sequência” que não seja lógica e 
coerente. Só é sequência porque possui uma lógica, do contrário seria apenas um 
amontoado aleatório de elementos! Considerava-se Não-Texto as produções que 
“ferissem” algum(ns) dos sete fatores de textualidade. 
 
II. Em um terceiro momento (Fase da Teoria do Texto), a noção de texto é 
completamente revista. A Teoria do Texto não considera a possibilidade do “não-
texto”, primeiramente por ser ilógico conceber uma sequência linguística incoerente 
em si. Se há uma sequência linguística, certamente há uma lógica. 
 
É possível, por exemplo, encontrar textos precários, incompletos, lacônicos etc, mas 
que não perdem o seu estatuto de texto por isso. Desde que uma “sequência” faça 
sentido para alguém, já será um texto. Por exemplo, se considerarmos um gênero 
textual bastante informal e corriqueiro, mesmo que escrito, o “recado de geladeira”. 
Imagine que alguém (uma moça) que mora com a mãe, escreva o seguinte recado 
de geladeira: 
 
A1) “Mãe, deixei o Lucas na creche agorinha. Volto na próxima segunda. Beijo, 
Luíza.” 
 
É possível que algum purista que analise este texto o julgue incompleto, lacônico, 
mal-estruturado por falta de referências... Entretanto, considerando o funcionamento 
social deste gênero, a situação comunicativa que o envolve, os possíveis 
interlocutores/falantes que dele se utilizam para estabelecer uma comunicação etc, 
vemos que é um texto absolutamente possível, funcional e suficiente. Não está 
faltando, nem sobrando informação. Elas são justas ao que é necessário nesta 
situação comunicativa, cujas interlocutoras são “Luíza”, autora do texto e sua “mãe”, 
a interlocutora/leitora. A “mãe”, interlocutora/leitora do texto, sabe muito bem que é 
sua filha, a irmã do “Lucas” quem escreve, sabe que “Lucas” é uma criança pequena 
e por isso ainda vai à creche, que “agorinha” significa, por exemplo, de manhã, 
horário natural em que se deixam as crianças na creche e ainda sabe quando vai 
ser a “próxima segunda”, dia em que a filha vai voltar para casa. Não é preciso 
acrescentar nada: imagine como seria esquisito e impróprio um “recado de 
geladeira”, nessa mesma situação comunicativa, que trouxesse todas essas 
informações implícitas (que são totalmente possíveis de inferir) sem a mínima 
necessidade de sua presença: 
 
A2) “Prezada senhora Marilda Pinheiro, eu, sua filha Luíza Pinheiro, 24 anos, 
residente nesse mesmo domicílio, informo solenemente que entreguei o seu 
 
 13 
filho Lucas Pinheiro, meu irmão caçula, de três anos de idade, aos cuidados 
da creche Criança Feliz, domiciliada à rua Jatobá, 66, centro, as 7h da manhã 
do dia 10 de Outubro de 2010. Informo ainda que estou viajando a trabalho 
para Belo horizonte e tenho meu regresso datado para a próxima segunda-
feira, dia 18 de Outubro de 2010. Sem mais para o momento, firmo-me: Luiza 
Pinheiro. 
 
 
Por outro lado, um texto pode fazer todo sentido para um falante e para outro pode 
não fazer nenhum sentido. Para ilustrar esta possibilidade, vejamos como exemplo o 
texto a seguir: 
 
A vaguidão específica – Millôr Fernandes 
“As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica”. 
(Richard Gehman). 
- Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte. 
- Junto com as outras? 
- Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer 
qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia. 
- Sim senhora. Olha, o homem está aí. 
- Aquele de quando choveu? 
- Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo. 
- Que é que você disse a ele? 
- Eu disse para ele continuar. 
- Ele já começou? 
- Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse. 
- É bom? 
- Mais ou menos. O outro parece mais capaz. 
- Você trouxe tudo pra cima? 
- Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora 
recomendou para deixar até a véspera. 
- Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor senão 
atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite. 
- Está bem, vou ver como. 
 
 
Note-se que o problema de coesão caracterizado pela falta de referências não 
chega a constituir, de forma alguma, falta de coerência no texto, que impossibilite a 
comunicação entre as interlocutoras dele, pois a proposta do autor é a de que a 
situacionalidade preencha as lacunas referenciais entre as interlocutoras. Talvez 
para outros interlocutores/leitores, o texto não faça sentido algum, mas 
definitivamente as informações veiculadas por ele são suficientes para as 
interlocutoras dessa interação que possuem o conhecimento partilhado necessário à 
compreensão da sua suposta falta de referência em si. 
 
Ou seja, um texto pode fazer sentido para uns e para outros não! Considere-se 
ainda que, no texto em questão, o autor não prioriza as informações do texto em si, 
cujas referências estão ausentes, mas especialmente o tom de humor em referir-se 
sarcasticamente a certas características apontadas como do universo feminino. 
 
 
 14 
Para esta terceira fase, o texto não pode ser entendido como uma estrutura pronta e 
acabada, um produto, mas como um processo com atividades globais de 
comunicação – planejamento, verbalização, e construção. 
 
Lembre-se de que considerar o texto como um processo é considerar seu 
funcionamento com atividades de planejamento, verbalização e construção a 
partir de aspectos: 
 
Linguísticos (sintáticos, lexicais etc); 
Semânticos (conteúdo, coerência, significação); e 
Pragmáticos (seu uso, situação comunicativa, contexto etc). 
 
E sem perder de vista a importante relação entre os sujeitos da produção textual: 
falante/ouvinte; autor/leitor. Essa relação é crucial para que o texto faça sentido e se 
organize especificamente de uma forma e não de outra; quer esta relação se dê no 
aspecto interpessoal (entre pessoas), ou entre instituições, ou ente uma instituição e 
uma coletividade, ou entre uma mídia e uma coletividade etc. 
 
O mesmo texto, inclusive, é passível de diferentes leituras num mesmo momento 
histórico ou se lido em épocas e contextos diferentes.Como exemplo disso 
podemos citar bem rapidamente as diferentes interpretações dos textos bíblicos que 
as pessoas fazem de um modo geral ou para si próprias. A própria forma linguística 
da Lei abre “brechas” para distintas interpretações... 
 
Ou ainda, um texto pode ser considerado moralmente impróprio, ou vulgar, ou 
acintoso aos valores sociais, familiares e religiosos etc e em outro 
momento/contexto pode ser considerado revolucionário, à frente de seu tempo, 
verdadeiro etc: os poemas de Gregório de Matos (o poeta barroco conhecido como 
“Boca do Inferno”) podem ser um bom exemplo disso. 
 
Ou, por outro lado, um texto que pode ter sido considerado poético, verdadeiro e 
bonito em dado momento histórico, pode hoje ser motivo de piada e referência de 
preconceito e opressão: por exemplo, a música “Ai, que saudades da Amélia”, de 
Ataulfo Alves e Mário Lago, de 1941, sobretudo em sua segunda estrofe que hoje 
faz-nos considerar “Amélia” um adjetivo pejorativo quanto à caracterização da 
mulher moderna: 
 
 “Ai, que saudades da Amélia” 
 
Nunca vi fazer tanta exigência 
Nem fazer o que você me faz 
Você não sabe o que é consciência 
Nem vê que eu sou um pobre rapaz 
Você só pensa em luxo e riqueza 
Tudo o que você vê, você quer 
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia 
Aquilo sim é que era mulher 
 
Às vezes passava fome ao meu lado 
E achava bonito não ter o que comer 
 
 15 
Quando me via contrariado 
Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!" 
Amélia não tinha a menor vaidade 
Amélia é que era mulher de verdade 
 
 
Voltando à questão da conceituação do texto, na terceira fase da LT, conforme 
descreve Koch (op.cit), a definição de texto deve considerar que: 
 
➊A produção textual é 
uma atividade verbal 
➋A produção textual é 
uma atividade verbal 
consciente 
➌A produção textual é 
uma atividade verbal, 
consciente e 
interacional 
★o falante/ouvinte pratica 
ações, atos de fala; 
★o falante/ouvinte tem 
objetivos e intenções - ele 
sabe o que faz, como faz 
e porque faz; 
★o texto é o produto da 
interação entre 
falante/ouvinte, 
autor/leitor; 
★há sempre um objetivo 
a ser atingido; 
★o sujeito/falante tem um 
papel ativo na produção 
textual - dizer é fazer; 
★os interlocutores estão 
obrigatoriamente 
envolvidos nos processos 
de construção e 
compreensão do texto. 
★os enunciados são 
dotados de certa força 
(atos) - saudação, 
pergunta, asserção, 
solicitação, convite, 
despedida, etc; 
★há uma consciência no 
uso do conhecimento, 
elementos linguísticos e 
fatores pragmáticos e 
interacionais. 
 
 
★esses atos estão 
inseridos em contextos 
situacionais, sócio-
cognitivos e culturais. 
 
 
 
Vejam-se três definições de texto de diferentes autores (que são exponenciais 
neste momento mais atual da Linguística Textual), mas que devem ser tomadas em 
sua complementaridade entre si, uma vez que não deve haver apenas uma 
definição engessada em si mesma para definir o texto (apud BENTES op.cit., p.255-
256): 
 
Bakhtin (1929) – “Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é 
determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se 
dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do 
ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da 
palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à 
coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se 
ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu 
interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor”. 
 
 
 16 
Koch (1997a) – “Poder-se-ia, assim, conceituar o texto, como uma manifestação 
verbal constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos 
falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, 
não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de 
processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) 
de acordo com práticas sócio-culturais”. 
 
Marcuschi (1983) – “Proponho que se veja a Lingüística do Texto, mesmo que 
provisória e genericamente, como o estudo das operações lingüísticas e cognitivas 
reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de 
textos escritos ou orais. Seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos 
constituintes lingüísticos, a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o 
sistema de pressuposições e implicações ao nível pragmático da produção do 
sentido no plano das ações e intenções. Em suma, a Lingüística Textual trata o texto 
como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. 
Por um lado, deve preservar a organização linear que é o tratamento estritamente 
lingüístico, abordado no aspecto da coesão e, por outro lado, deve considerar a 
organização reticulada ou tentacular, não linear: portanto, dos níveis do sentido e 
intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas”. 
 
 
2.1 – Construindo sentidos no texto: organização estrutural e 
processamento textual 
 
Uma vez que já construímos o panorama teórico da constituição da LT de seu 
nascimento, desenvolvimento até à caracterização de seu objeto de estudo (o texto) 
no perfil atual e vigente deste campo de investigação, agora serão apresentadas 
algumas das principais categorias teóricas de análise relacionadas à organização 
estrutural, às estratégias de processamento e funcionamento e ao contexto 
interacional. 
 
Essa descrição será topicalizada da seguinte maneira: 
 
I. Processamento textual 
 
II. Organização estrutural 
 
 
I. Processamento textual – o texto deve sempre ser entendido como um processo. 
O processamento textual acontece através de sistemas de conhecimento acionados 
no texto e no contexto de produção (KOCH, 2007; 2006). Na produção textual, toda 
ação (fazer) é necessariamente acompanhada de processos de ordem cognitiva, de 
maneira que o sujeito dispõe de modelos e tipos de operações mentais. 
 
Os interlocutores, na comunicação, dispõem de saberes acumulados sobre os 
diversos tipos de atividades da vida social, eles têm conhecimentos na memória que 
precisam ser ativados para que a atividade seja efetivada com sucesso. Tais 
atividades geram expectativas e isso compõe um projeto nas atividades de 
compreensão e produção do texto. 
 
 
 17 
Considerando o texto como um processo, HEINEMANN e VIEHWEGER (1991 apud 
Koch 2007) definem três grandes sistemas de conhecimento, responsáveis pelo 
processamento textual global: 
 
 
Conhecimento linguístico: diz respeito ao conhecimento do léxico e da 
gramática, responsável pela escolha dos termos e pela organização do 
material linguístico na superfície textual, inclusive dos elementos coesivos. 
 
Conhecimento enciclopédico ou de mundo: corresponde às informações 
armazenadas na memória de cada sujeito. O conhecimento do mundo 
abrange o conhecimento declarativo, manifestado por enunciações acerca 
dos fatos do mundo (“A Ponta do Seixas, na Paraíba, é o extremo leste do 
continente americano”; “São Paulo é a cidade mais populosa do Brasil”) e o 
conhecimento episódico e intuitivo, adquirido por via da experiência (“Não dá 
para fritar o ovo sem quebrar a casa”). 
 
Conhecimento interacional: compreende dimensão interpessoal da 
linguagem, ou seja, com a realização de certas ações por meio da linguagem. 
Divide-se em: 
 
 conhecimento ilocucional: (meios diretos e indiretos para atingir um 
objetivo); 
 
 conhecimento comunicacional: (meios adequados para atingir os 
objetivos desejados); 
 
 conhecimento metacomunicativo: (meios de prevenir e evitar 
distúrbios na comunicação - atenuação, paráfrases, parênteses de 
esclarecimento etc); 
 
 conhecimento superestrutural: (modelos textuais globais que 
permitem aos usuários reconhecer um texto como pertencente a 
determinado gênero ou certos esquemas cognitivos). 
 
 
Entenda quetais formas de conhecimento são estruturadas em modelos 
cognitivos. Nessa medida, os conceitos são organizados em blocos, formando uma 
rede de relações, de forma que um dado conceito sempre aciona uma série de 
entidades. É o caso da eleição, à qual se associam: políticos, eleitores, corrupção, 
CPI, leis, senado, dinheiro e hoje em dia até cuecas! É por causa dessa 
estruturação que o conhecimento enciclopédico transforma-se em conhecimento 
procedimental e fornece instruções para agir em situações particulares e agir em 
situações específicas. 
 
II. Organização estrutural – de modo geral, alguns autores, como por exemplo, Dijk 
(2000), Koch (2007; 2006), Fávero (2009) e Kleiman (2004; 2007), orientam uma 
organização textual a partir de três níveis estruturais (inter-relacionáveis entre si) a 
serem apresentados e brevemente descritos a seguir: Superestrutural, 
Macroestrutural e Microestrutural, conforme esquematizado abaixo: 
 
 18 
 
SUPERESTRUTURAL – ou de nível global, com ênfase nas relações 
esquemático-cognitivas. 
 
MACROESTRUTURAL – ou de nível semântico, com ênfase nas relações 
de coerência textual. 
 
MICROESTRUTURAL – ou de nível de superfície linguística, com ênfase 
nas relações de coesão textual. 
 
 
Quanto ao nível SUPERESTRUTURAL, este se refere tanto às estruturas textuais 
globais que permitem o reconhecimento dos gêneros ou tipos (ver exemplos 
abaixo), como também envolve o conhecimento sobre estratégias esquemáticas 
cognitivas relacionadas à significação global da base textual. São estratégias 
facilitadoras na produção/recepção de textos que acionam na memória o 
conhecimento armazenado, através de modelos globais como, esquemas, frames 
scripts e planos. 
 
 
MODELOS GLOBAIS 
➠Frames Certo conjunto convencional de elementos armazenados na 
memória sem uma organização sequencial que acionamos 
cognitivamente numa situação de uso. Por exemplo, ao se 
mencionar o frame “festa de aniversário”, acionamos o conjunto 
“balões, brigadeiros, bolo, vela, crianças, salgados, presente etc” 
sem uma necessária ordem desses elementos. Outros exemplos de 
frames: natal, carnaval, correios etc 
➠Esquemas Certo conjunto convencional de elementos armazenados na 
memória e organizados sequencialmente que acionamos 
cognitivamente numa situação de uso. Por exemplo, ao se 
mencionar o esquema “um dia de trabalho”, acionamos o conjunto 
numa determinada ordem “acordar, levantar, fazer xixi, tomar banho, 
vestir-se, tomar café, sair de casa, chegar ao trabalho, trabalhar até 
meio dia, sair para o almoço... etc”. 
➠Planos Modelos de comportamento manifestados pelas pessoas no sentido 
de alcançarem um certo propósito e que são acionados numa 
situação de uso. Ao deparar-se com uma situação típica produzida 
pelo falante, o ouvinte já interpreta suas intenções. Por exemplo, um 
adolescente que organiza um plano para conseguir dos pais 
permissão para viajar sozinho. 
➠Scripts São planos mais estabilizados ou estereotipados com rotina bem 
estabelecida e que geralmente especificam papéis e ações dos 
interlocutores. Por exemplo, carta de amor, infância, novela etc. 
 
 19 
Veja-se a seguir um esquema geral dos principais tipos de texto: 
 
 
Quanto aos níveis MACROESTRUTURAL e MICROESTRUTURAL, estes serão 
abordados a seguir em sessões separadas. 
tTipos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tipos de Texto 
Técnico 
e 
 Científico 
 
Argumentativo 
 
 
 
 
 
 
Humanístico 
 
Literário 
 
 
Periodístico 
 
Expositivo 
 
 
 
 
 
 
Narrativo 
 
 
 
 
 
 
Informativo 
 
 
 
 
 
 
Descritivo 
 
 
 
 
 
 
Dedução 
 
Indução 
 
Dialogado 
 
 
Opinativo 
 
Ensaio 
 
 
 
 
 
 
Jurídico 
 
 
Administrativo 
 
Publicitário 
 
Coloquial-
Dialetal 
 
 20 
3. Os eixos de análise textual – Coerência 
 
A coerência faz parte do nível MACROESTRUTURAL de análise, como referimos 
antes. Este nível refere-se às relações de coerência textual, responsáveis por 
construir a significação global no texto através dos processos de produção e 
compreensão textual, analisados numa leitura top-down (no eixo vertical). A 
coerência textual é considerada fundamental para a textualidade, pois dela 
depende em grande parte o sentido do texto. A construção da coerência textual 
depende da organização tentacular de fatores de diversas ordens: linguísticos, 
cognitivos, socioculturais, interacionais e pragmáticos. Autores como Costa Val 
(2006) e Koch (2007; 1997; 2006) apresentam a coerência como responsável pela 
diferença entre um texto e um aglomerado de frases. É pela coerência que as ideias 
são conectadas, harmonizadas, não contraditórias, propiciando a compreensão 
semântica global. 
 
Platão e Fiorin, (1996, Cf. pp. 397-400), simplificam esta questão, apresentando os 
diferentes níveis de coerência: 
 
 Coerência narrativa é a que ocorre quando se respeitam as implicações 
lógicas existentes entre as partes da narrativa. (...) 
 
 A coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de 
adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações 
explícitas colocadas no texto e as conclusões que se tira deles, as 
consequências que se fazem deles decorrer. (...) 
 
 Coerência figurativa diz respeito à combinatória de figuras para manifestar 
um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si. (...) 
 
 Coerência temporal é aquela que respeita as leis da sucessividade dos 
eventos ou apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do 
ponto de vista da localização no tempo. (...) 
 
 Coerência espacial diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do 
ponto de vista da localização espacial. (...) 
 
 Coerência no nível de linguagem usado e a compatibilidade, do ponto de 
vista da variante linguística escolhida, no nível do léxico e das estruturas 
sintéticas utilizados no texto. (...) 
 
Note que alguns autores como Koch (2007; 2006; 2009), Fávero (2009) e Bentes 
(2007), defendem importantes critérios de textualidade, relativos à coerência 
textual, entre os quais os mais importantes são: 
 
1- Princípio de interpretabilidade – depende da co-participação entre produtor e 
receptor na situação de comunicação e da intenção comunicativa. Não há textos 
incoerentes em si, eles são coerentes dentro de um contexto interacional e o que 
pode ser incoerente para um pode fazer todo sentido para outro. Por exemplo, 
algumas letras de música que podem ser perfeitamente interpretadas por uma 
coletividade para quem determinado estilo musical é familiar, corriqueiro e 
 
 21 
identificador de determinada cultura, enquanto que para outra coletividade tal estilo 
não seja tão identificador e que, portanto, não haja uma total ou mesmo boa 
compreensão por falta de conhecimento de certas referencias, culturais, 
comportamentais etc. Poderíamos entender que uma letra de rap pudesse gerar 
essa dualidade interpretativa. Veja um trecho da música “Sequestro”, dos Detentos 
do Rap: 
 
“Coletes? 
Ok. 
armamento? 
Ok. 
Veiculos? 
Ok. 
Mapa geral da situação de Guadalupe? 
Ok. 
Tem alguma duvida? 
Não, não, não... 
Então fé em Deus e vamo pro arrebento 
É isso mesmo.” 
 
(http://letras.mus.br/detentos-do-rap/1155336/) 
 
2- Situação comunicativa – diz respeito à situacionalidade que envolve a interação 
e interfere na produção/recepção do texto, podendo ser entendida em sentido estrito 
(contexto imediato) e em sentido amplo (contexto sócio-político-cultural). Bentes dá 
o exemplo da música “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, de Roberto Carlos 
em homenagem ao Caetano Veloso. Para quem conhece o contexto amplo, é 
possível entender que a música trata do exílio de Caetano em função do período da 
ditadura militar no Brasil. Mas para um jovem que não tenha essas referências, o 
texto pode referir talvez uma situação romântica de saudades entre amantes à 
distância. Veja a letra: 
 
“Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, 
 
Um dia a areia branca 
Seus pés irão tocar 
E vai molhar seus cabelosA água azul do mar 
Janelas e portas vão se abrir 
Pra ver você chegar 
E ao se sentir em casa 
Sorrindo vai chorar 
 
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 
Uma história pra contar de um mundo tão distante 
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante 
 
As luzes e o colorido 
Que você vê agora 
Nas ruas por onde anda 
Na casa onde mora 
Você olha tudo e nada 
 
 
 
Lhe faz ficar contente 
Você só deseja agora 
Voltar pra sua gente 
 
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 
Uma história pra contar de um mundo tão distante 
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante 
 
Você anda pela tarde 
E o seu olhar tristonho 
Deixa sangrar no peito 
Uma saudade, um sonho 
Um dia vou ver você 
Chegando num sorriso 
Pisando a areia branca 
Que é seu paraíso 
 
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 
Uma história pra contar de um mundo tão distante 
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos 
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante 
(http://letras.mus.br/roberto-carlos/48576/) 
 
 22 
3- Conhecimento de mundo e conhecimento partilhado – conhecimento de 
mundo é toda memória de vida (social, histórica e individual) armazenada 
mentalmente e o conhecimento partilhado é a intersecção de conhecimentos 
comuns compartilhados por produtor e receptor na interação comunicativa. Os 
modelos cognitivos globais são ferramentas importantes para organizar as relações 
entre o conhecimento de mundo e o conhecimento partilhado. Conforme Kock & 
Travaglia (1993, p.60). 
 
O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no 
estabelecimento da coerência: se o texto falar de coisas que absolutamente 
não conhecemos, será difícil calcularmos o seu sentido e ele nos parecerá 
destituído de coerência. É o que aconteceria a muitos de nós se nos 
defrontássemos com um tratado de física quântica! Adquirimos esse 
conhecimento à medida que vivemos, tomando contato com o mundo que 
nos cerca e experienciando uma série de fatos. Mas ele não é arquivado na 
memória de maneira caótica: vamos armazenando os conhecimentos em 
‘blocos’, que se denominam ‘modelos’ cognitivos.” 
 
4- Polifonia – (várias vozes) diz respeito ao jogo de vozes e pontos de vista 
presentes no texto. Muitas vezes a mudança de vozes nem sempre aparece 
nitidamente marcada no texto. Para ilustrar esse funcionamento, Bentes dá como 
exemplo a música “ECT”, de Nando Reis, Marisa Monte, Carlinhos Brown. Nela há 
uma rede polifônica de várias vozes representadas: O eu lírico do texto, o narrador, 
o funcionário dos correios, o locutor/remetente da carta etc 
 
“ECT” 
Tava com o cara que carimba postais 
Que por descuido abriu uma carta que voltou 
Levou um susto que lhe abriu a boca 
Esse recado vem pra mim, não pro senhor 
 
Recebo crack, colante 
Dinheiro parco embrulhado em papel carbono e 
barbante 
Até cabelo cortado 
Retrato de 3x4 pra batizado distante 
Mas isso aqui, meu senhor 
É uma carta de amor 
 
Leve o mundo que eu vou já 
Leve o mundo que eu vou já 
Leve o mundo que eu vou já 
Leve o mundo que eu vou 
 
Mas esse cara tem a língua solta 
A minha carta, ele musicou 
Tava em casa, vitamina pronta 
Ouvi no rádio a minha carta de amor 
 
Dizendo: eu caso contente 
Papel passado e presente desembrulhado 
Vestido 
Eu volto logo, me espera 
Não brigue nunca comigo 
Eu quero ver nossos filhos 
O professor me ensinou fazer uma carta de amor 
 
Levo o mundo e não vou lá 
Levo o mundo e não vou lá 
Levo o mundo e não vou lá 
Levo o mundo e não vou 
(http://letras.mus.br/marisa-monte/431968/) 
 
5- Inferência – relaciona-se às estratégias cognitivas que, com base no 
conhecimento de mundo, organizam e acionam os modelos globais de estruturas 
textuais: frames, esquemas, planos, scripts. Vejamos alguns exemplos de 
inferências, a seguir, apontados em Kock & Travaglia (1993, p.65-66). 
 
“Paulo comprou um... [Camaro] novinho em folha.” 
Inferências: 
1. Paulo tem um carro. 
2. Paulo tinha recursos para comprar o carro. 
3. Paulo é rico. 
4.Paulo é melhor companhia que você. 
 
 23 
(...) 
“A diz: -A campainha! 
B diz: -Tô no banho 
A diz: -Tudo bem” 
Não se pode dizer que, do ponto de vista estritamente linguístico, haja uma 
relação entre as três falas. No entanto, não temos nenhuma dificuldade em 
estabelecer as ‘pontes’ que faltam. 
 
6- Intertextualidade – é um fator importante para o processamento cognitivo do 
texto, na medida em que recorre ao conhecimento de outros textos. Todo texto traz 
em si, em níveis variáveis, um grau de intertextualidade, seja ela explícita (quando 
há indicação da fonte) ou implícita (quando não há indicação da fonte). Veja o 
exemplo abaixo que faz parte de uma campanha publicitária de MatosGrey para o 
Ação Criança, entidade que luta contra a desnutrição infantil. O Slogan em baixo do 
anúncio diz: “Uma criança sem comida na barriga, só tem comida na cabeça. Ajude 
a Ação Criança a lutar contra a desnutrição infantil”. Veja-se que a intertextualidade 
está presente quando remete o pato “feio” comida/receita (que seria sem graça e 
que ao molho roquefort fica muito mais apetitoso) ao “Patinho feio” da literatura 
infantil, inclusiva a imagem do anúncio remete imageticamente a 
fusão/intertextualidade dos textos livro de receita culinária (de pato) e o livro infantil 
do “Patinho feio”. 
 
 
[https://artedesign.wordpress.com/2008/05/05/ - acesso em 25/9/2015 Às 16:00] 
 
7- Intencionalidade – esse critério tem uma forte relação com a argumentatividade 
e refere-se à forma como os sujeitos usam textos a fim de perseguir e realizar suas 
intenções, de modo que seus textos produzam-se adequados à obtenção dos 
efeitos desejados. Conforme Kock & Travaglia (1993, p.80) 
 
 
 24 
A ‘aceitalibidade’ constitui a contraparte da intencionalidade Já se disse que, 
segundo o Principio Cooperativo de Grice, o postulado básico que rege a 
comunicação humana é o da cooperação, isto é, quando duas pessoas 
interagem por meio de linguagem, elas se esforçam por fazer-se 
compreender e procuram calcular o sentido do texto do(s) interlocutor(s), 
partindo das pistas que ele contém e ativando seu conhecimento de mundo, 
da situação, etc. Assim, mesmo que um texto não se apresente, à primeira 
vista, como perfeitamente coerente e não tenha explícitos os elementos de 
coesão, o receptor vai tentar estabelecer a sua coerência, dando-lhe a 
interpretação que lhe pareça cabível, tendo em vista os demais fatores de 
textualidade. É por isso que, como já mencionamos por várias vezes, 
Charolles – 1983 conceitua a coerência como um princípio de 
interpretabilidade do discurso. 
 
8- Informatividade – é o grau de previsibilidade informacional presente no texto que 
também está condicionado à intencionalidade e é regulado pelo contexto situacional 
mais amplo. O grau de informatividade vem imediatamente da relação “dado-novo” 
referente às informações do texto. Um texto pode trazer um nível de informações 
novas alto, intermediário ou baixo. É importante salientar que esse critério também 
depende da interação emissor/receptor: o texto “a terra é redonda” pode ter nível 
zero de informação para um e ter nível alto de informação para outro (uma criança, 
por exemplo). 
 
Outros aspectos que também merecem consideração sobre a questão da coerência: 
a consistência e relevância, a aceitabilidade, os fatores de contextualização e os 
próprios elementos linguísticos que em si já servem de pistas argumentativas. 
 
 25 
4. Os eixos de análise textual – Coesão 
 
A coesão textual faz parte do nível MICROESTRUTURAL de análise, como 
referimos antes. Este nível refere-se às relações coesivas lineares que dizem 
respeito ao modo como os elementos presentes na superfície textual (no eixo 
horizontal) estão interconectados através de recursos linguísticos, constituindo 
sequências veiculadoras de sentido. 
 
Diferentemente da coerência, a coesão diz respeito à estrutura formal do texto. 
Trata da manifestação linguística da coerência e apresenta-se naforma como 
conceitos e relações subjacentes são expressos no texto. A coesão é construída 
através de elementos gramaticais (pronomes anafóricos, catafóricos, artigos, 
elipse, concordância, correlação entre os tempos verbais, conjunções, etc.), que 
definem as relações entre frases e sequências de frases e no interior das mesmas, e 
elementos lexicais, através da reiteração, da substituição e da associação (cf. 
COSTA VAL, 2006, p.6). 
 
As várias possibilidades de coesão textual podem ser agrupadas dentro de três 
grandes tipos (cf. FÁVERO, 2009): 
 
 
➊ Coesão referencial ➋ Coesão recorrencial ➌ Coesão sequencial 
 
Diz respeito aos 
elementos que têm a 
função de estabelecer 
referência. Não são 
interpretados pelo seu 
sentido próprio, mas 
referem-se a alguma outra 
coisa, relacionando o 
signo a um objeto. A 
coesão referencial é 
obtida por meio da 
substituição e reiteração 
de termos. 
Esta se dá quando, apesar 
de retomadas estruturais, 
a informação progride, o 
discurso segue a diante. A 
coesão recorrencial é 
obtida por meio da 
recorrência de termos, 
paralelismo, paráfrase e 
recursos fonológicos. 
 
 
 
 
Esta tem por função (assim 
como a recorrencial) fazer 
o texto progredir, 
encaminhar o fluxo 
informacional, porém não 
pela retomada de itens ou 
estruturas, mas pela 
sequenciação das 
sentenças através de 
mecanismos temporais e 
conectivos. 
 
 
 
 
Para considerarmos uma apresentação mais pormenorizada do eixo da coesão na 
organização do texto, devemos levar em conta que cada um dos três tipos de 
coesão (1. Referencial; 2. Recorrencial; e 3. Sequencial) organiza-se a partir de um 
conjunto de subtipos. Para estudarmos mais detalhadamente estes aspectos, 
consideraremos as descrições da autora supracitada, Leonor Fávero, que tão bem 
apresenta a coesão textual em suas microrrelações na construção do texto: 
 
I. Coesão Referencial – relacionada objetivamente com o estabelecimento da 
referência, subdivide-se em dois tipos: Substituição e Reiteração. 
 
 
 26 
1) SUBSTITUIÇÃO – dá-se quando um elemento é retomado ou antecedido 
por uma proforma (elemento gramatical de baixa densidade sêmica – o 
pronome, por exemplo). As proformas podem ser: 
 
pronominais: “Anita vendeu um carro. Ele é preto”. A proforma pronominal 
ELE retoma o referente UM CARRO. 
 
verbais: “Laura caminha todos os dias no parque da cidade. Armando faz o 
mesmo”. A proforma verbal FAZ O MESMO retoma o referente CAMINHA 
TODOS OS DIAS NO PARQUE. 
 
numerais: “Evandro e Marta são primos. Ambos estudam numa escola do 
estado”. A proforma numeral AMBOS retoma o referente EVANDRO e 
MARTA. 
 
adverbiais: “PÂMELA vai à Paris todos os anos em Dezembro. Lá faz muito 
frio”. 
 
No caso da retomada do referente, tem-se uma anáfora, por exemplo: 
 
A1) “Anita é uma moça trabalhadora e esforçada. Ela levanta cedo e dorme tarde, 
pois, para trabalhar, essa moça pega quatro conduções todos os dias”. 
 
 
 
ANITA 
= 
referente 
 
 
 
 
ELA 
= 
proforma pronominal 
 
 
 
 
ESSA 
= 
proforma pronominal 
 
 
 
No caso da sucessão do referente, tem-se uma catáfora, por exemplo: 
 
A2) “Juliana só me disse isso: não quero casar com Pedro”. 
 
 
 
 27 
ISSO 
= 
proforma pronominal 
 
 
 
 
 
NÃO QUERO CASAR 
COM PEDRO 
= 
Referente 
 
 
 
Podem ainda ser incluídos no tipo de coesão referencial por substituição os 
subtipos: 
 
Anáfora esquemática: “Meu filho vai casar-se. Ela é professora”. O 
pronome ELA retoma a ideia de que o filho vai casar-se com uma 
mulher. 
 
Definitivização: “Era uma vez uma princesa encantada que vivia presa 
numa torre. A princesa era filha...”. O referente é introduzido 
indefinidamente e retomado definidamente. 
 
Elipse: é a substituição por zero . 
_“O que você fez ontem o dia inteiro? 
_ Nada. 
_ Não fez nada durante o dia inteiro? 
_ Não”. 
 
 
2) REITERAÇÃO – dá-se quando há repetição de certas expressões no texto 
que possuem a mesma referência. Os tipos de reiteração são: 
 
repetição do mesmo item lexical: “A água acabou com a cidade. A cidade 
ficou alagada. Da cidade não sobrou nada”. 
 
sinônimia: “Tião é o meu cachorro” / “Tião é o meu cão” 
 
hiperonímia: “Luciana comprou um imóvel. O apartamento tinha uma 
excelente vista”. 
 
hipônímia: “Júlia foi vendedora de carros. Os veículos eram de primeira 
linha”. 
 
 
 
 28 
II. Coesão Recorrencial – voltada à recorrência temática para construir o 
movimento dado-novo que retoma as informações dadas e acrescenta informações 
novas, fazendo fluir o texto. 
 
1) RECORRÊNCIA DE TERMOS: tem função de ênfase, intensificação e 
possibilita o fluir da informação no texto. Por exemplo: 
“Irene preta 
Irene boa 
Irene sempre de bom humor...” (M. BANDEIRA, apud FÁVERO, op cit, p. 27). 
 
2) PARALELISMO: traz estruturas (lexicais) ou idéias (do mesmo campo 
semântico) paralelas. Por exemplo: 
“Eia! Eia! Eia! 
Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria! 
Eia telegrafia sem fios, simpatia metálica do inconsciente! 
Eia túneis, eia canais, panamá, Kiel,Suez! ...”. (F. PESSOA, apud FÁVERO, 
op cit, p. 28). 
 
3) PARÁFRASE: ato de reformulação pelo qual dizemos a “mesma coisa” 
com outras palavras, relacionando texto-fonte e texto-derivado. 
 
4)RECURSOS FONOLÓGICOS: “a forma fonética é uma consequência da 
estrutura semântica fornecida pela sintaxe”, considerando-se nesse aspecto 
os funcionamentos pragmáticos, estilísticos e psicolinguísticos da produção 
textual (cf. FÁVERO, p. 29). Os recursos fonológicos podem ser de dois tipos: 
 
segmentais : aliteração, assonância, cacofonia etc 
 
suprassegmentais: ritmo, silêncio, entonação etc 
 
III. Coesão Sequencial – também fazem progredir o texto como os mecanismos 
recorrenciais, fazendo caminhar o fluxo informacional, mas não há neles a retomada 
a itens ou expressões anteriores. 
 
1) TEMPORAL: toda sequenciação é temporal, mas essa categoria quer 
indicar o tempo no “mundo real”, conforme explica Fávero (op cit). Aqui temos 
os seguintes subitens: 
 
ordenação linear dos elementos: “Levantou cedo, tomou café e saiu”. 
 
expressões ordenadoras ou continuadoras: “Inicialmente você lava os 
cabelos. Depois aplica a máscara capilar. A seguir você enxágua e escova 
os cabelos”. 
 
partículas temporais: “Não deixe de escovar os dentes à noite”. 
 
correlação dos tempos verbais: “Eu solicitei que saíssem da minha casa”. 
 
 
 29 
2) POR CONEXÃO: subordinação dos enunciados a outros para contriir a 
compreensão através de sua interdependência seja de ordem semântica, 
lógica ou pragmática. 
 
operadores do tipo lógico: estabelece relações gramaticais lógicas de 
interdependência. 
 
disjunção inclusiva – “Há vagas para moças ou rapazes” 
 
disjunção exclusiva – “Dilma ou Serra será eleito presidente do Brasil” 
 
condicionalidade – “Se chover, não iremos à praia” 
 
causalidade “Se Sócrates é homem, então ele é mortal” 
 
mediação – “Fugiu para que não o prendessem” 
 
complementação – “Jéssica deu uma flor à professora” 
 
restrição ou delimitação – “Atropelei a moça que faz artesanatos” 
 
operadores do discurso: estabelecem relações argumentativas, discursivas. 
 
 conjunção – “Chove e faz sol” 
 
disjunção – “Estude bastante para as provas. Ou vai querer pegar 
uma DP?” 
 
contrajunção – “Estudou muito, porém, não passou no vestibular” 
[contudo / todavia / entretanto...] 
 
explicação ou justificativa – “Deve haver um engano, pois eu cheguei 
aqui desde ontem” 
 
conclusão – “Não gosto de você, portanto, saia da minha casa” 
 
 
pausas: restabelecem a conexão entre dois enunciado, mesmo com a 
ausência do conectivo – “Não mexa nesses fios; levará um choque” / “Não fui 
ao enterro; mandei uma coroa de flores”. 
 
 
Sintetizando, observe abaixo um esquema geral dos fatores de coesão, adaptado de 
Fávero (2009, p.60) que sintetiza as relações coesivas já estudadas: 
 
 
 
 
 
 30 
ESQUEMA GERAL DOS FATORES DE COESÃO 
 
 
 
 
REFERENCIAL 
1. Substituição (anafóricae catafórica) 
 
proformas pronominais 
proformas verbais 
proformas adverbiais 
proformas numerais 
2. Reiteração 
 
repetição do mesmo item 
lexical 
sinonímia 
hiponímia e hiperonímia 
expressões nominais 
definidas 
nomes genéricos 
 
 
RECORRENCIAL 
1. Recorrência de termos 
2. Paralelismo 
3. Paráfrase 
4. Recursos fonológicos 
 segmentais 
 suprassegmentais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SEQUENCIAL 
1. Temporal 
 
ordenação linear 
expressões ordenadoras 
ou continuadoras 
partículas temporais 
correlação dos tempos 
verbais 
2. Por conexão 
 
2.1 – Operadores do tipo 
lógico 
disjunção 
condicionalidade 
causalidade 
mediação 
implicação lógica 
complementação 
restrição ou delimitação 
etc 
 
2.2 – Operadores do 
discurso 
conjunção 
disjunção 
contrajunção 
explicação ou justificativa 
conclusão etc 
 
2.3 – Pausas 
 
 
OBSERVAÇÃO: 
 
Para ampliar seus estudos sobre texto, coesão e coerência, sugerimos a leitura do 
texto indicado a seguir: 
 
http://www.filologia.org.br/revista/40suple/a_construcao_de_texto.pdf 
 
[Acesso em 22/09/2015, às 15:04] 
 
http://www.filologia.org.br/revista/40suple/a_construcao_de_texto.pdf
 
 1 
UNIDADE II – TEXTO ORAL E TEXTO ESCRITO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 
E PEDAGÓGICAS 
 
5. Diferenças e características entre o texto Falado e Escrito: a relação 
Oralidade / Escrita e seus diferentes níveis de formalidade, organização e 
variação 
 
Não é novidade o fato de que o ensino tradicional de língua em nossas escolas (seja 
língua materna ou estrangeira) é, ainda, bastante questionável em muitos dos seus 
aspectos. Essa constatação já é um consenso entre os educadores brasileiros, e 
tem-se identificado na formação do professor uma das principais causas dessa 
situação. É claro que são vários os fatores que causam essa crise, sendo a 
formação deficiente do professor de língua apenas uma das marcas visíveis do 
problema. Um dos aspectos dessa deficiência é a falta de uma base teórica que lhe 
dê segurança para trabalhar com o texto em sala de aula, fornecendo os 
procedimentos de leitura, interpretação e produção de textos pertinentes e 
necessários. 
 
O ensino tradicional não considera a noção de variação linguística, Linguística não 
leva em conta a linguagem falada e trabalha com uma linguagem “estática”. Ele se 
torna ainda mais precário no que se refere ao trabalho: com a linguagem oral e 
com os níveis de formalidade do discurso; com a conceituação do que vem a ser 
o texto e seus critérios de textualidade; e com o processo de leitura e produção 
escrita. Infelizmente, a realidade escolar mostra sérios problemas relacionados à 
aquisição da linguagem escrita, envolvendo os processos de leitura e produção: 
 
O discurso oral é tomado apenas como “anti-modelo”, ou seja, o que deve 
ser evitado na escrita, deixando de ser explorado enquanto processo ativo na 
linguagem. 
 
Os níveis de formalidade textual são encarados apenas como dois 
parâmetros que classificam a linguagem como formal (escrita) ou informal 
(oral), deixando de conferir ao texto (oral ou escrito) uma posição numa 
‘escala’ de formalidade, atribuindo-lhe a propriedade de ser mais ou menos 
formal de acordo com sua natureza. 
 
O texto, na maioria das vezes, é tido como um conjunto de palavras a serem 
decodificadas sem se levar em conta elementos como autoria e sentido. 
 
O processo de escrita é considerado como cópia do padrão da escrita 
literária e acadêmica, sem que se ensine como se dá esse processo, nem 
quais as implicações da relação entre a passagem da oralidade para a escrita 
e o exercício da produção textual escrita. 
 
É urgente buscar soluções no sentido de se adotar uma postura mais séria e 
comprometida que supere e redimensione as concepções tradicionais de ensino de 
língua, veiculadas convencionalmente nas escolas. Assim, justifica-se a ênfase na 
importância acerca da reflexão sobre um “continuum” na relação fala/escrita e suas 
implicações na aquisição da linguagem escrita e processos de leitura e produção, 
 
 2 
para uma aprendizagem mais proveitosa e adequada. 
 
Outro ponto merecedor de destaque é que refletir sobre a relação oralidade / escrita 
inevitavelmente traz à tona questões relacionadas à variação linguística e, nesse 
sentido, é importante refletir sobre os aspectos teóricos que dizem respeito às 
modalidades oral e escrita em relação aos diferentes níveis de formalidade da 
linguagem e variação que compõem um “continuum” fala-escrita. 
 
A elaboração textual está baseada numa diversidade de gêneros textuais que se 
bem explorada, a partir das diversas situações do dia-a-dia, nos diferentes níveis de 
formalidade, tanto no que se refere a textos falados, como textos escritos, 
propicia uma reflexão acerca da influência mútua entre as modalidades oral e 
escrita, uma vez que, tudo o que se fala pode se tornar escrito e vice-versa. 
 
Vejam-se alguns exemplos desses diferentes gêneros textuais do dia-a-dia (falados 
e escritos): 
 
 
DIFERENTES GÊNEROS TEXTUAIS DO DIA-A-DIA 
ESCRITOS FALADOS 
Cartas: pessoais, de recomendação, de 
demissão etc 
Novelas* (realização oral, elaboração 
escrita) 
Memorandos, ofícios, circulares Comerciais* (realização oral, elaboração 
escrita) 
Anúncios: publicitários, de emprego, de 
venda etc 
Cinema* (realização oral, elaboração 
escrita) 
Formulários (diversos) Peças teatrais* (realização oral, 
elaboração escrita) 
E-mails, chats Telefonemas 
Multas Aulas 
Posts, coments de blogs Entrevistas de emprego 
Notas fiscais Conferências, palestras, comunicações, 
Listas de compra Discursos parlamentares 
Bulas de remédio, receitas médicas, 
exames médicos 
Conversas de bar, de elevador, de ponto 
de ônibus, de namorados, de 
marido/mulher, de ex-marido e ex-mulher 
etc 
Recibos Teleconferências 
Contas domésticas Bate-papo em viva-voz via skype, msn 
etc 
Jornal impresso e eletrônico-digital Programas de rádio e TV 
Cheques Pregão na feira, na rua, na bolsa de 
valores 
Placas, out-doors Fofocas 
Recados de geladeira, de orkut, de post-
it etc 
‘Bronca’ (reprimenda) dos pais, da 
professora, do guarda de trânsito etc 
ETC! ETC! 
 
 
 
 3 
A investigação linguística (sobretudo a textual), bem como a prática pedagógica, 
devem explorar as variedades de linguagem, não só incorporando o estudo da 
oralidade a suas questões de análise e investigação, mas concedendo-lhe uma 
consideração especial no que se refere à relação fala/escrita. 
 
Como bem coloca Marcuschi (1997), a variação linguística pode ser investigada 
tanto na oralidade como na escrita. No entanto, é interessante enfocarmos a fala, já 
que esta é uma atividade muito mais fundamental que a escrita na vida das 
pessoas. O homem é essencialmente um ser que fala. Entretanto, como temos 
visto, a escola não considera esse lugar da fala e confere, no ambiente acadêmico, 
uma posição inferior, desvalorizada, centralizando a atenção dos alunos nas 
atividades de escrita. 
 
SAIBA! 
Esse imaginário já está tão arraigado que é comum ouvir-se que a escola esta aí 
para ensinar a escrita e não a fala. A escola não pode ignorar a fala porque a 
escrita está essencialmente ligada a esta e, como já foi dito, o homem é 
essencialmente um ser que fala e não um ser que escreve. 
 
Se parar para pensar um pouco sobre a questão, o que é possível observar é que a 
atenção dada à fala no ambiente escolar e nos manuais didáticos é também 
resquício dos pressupostos teóricos linguísticos dos últimos séculos, que não 
mantinham uma preocupação com a fala “real”, ou autêntica e, portanto, 
desprezava a produção oral efetiva. Conforme Marcuschi, “fenômenos como a 
prosódia e até mesmo aspectos e efeitos expressivos de usos variados da língua e 
a própria variação socioletal não estavam nos horizontes da Linguística”. 
(Marcuschi, op.cit., p.40), 
 
Saiba que só nos últimos anos é que a oralidade começou a ser investigada mais 
seriamente e passou-sea refletir acerca da importância do estudo da fala e de suas 
variedades no ensino de Língua. Hoje, a preocupação com a oralidade vem se 
tornando cada vez mais aceita no contexto escolar. Contudo, nem sempre essa 
preocupação volta-se para as questões principais que devem ser abordadas. 
 
O ensino de língua deve garantir que a oralidade assuma o seu papel e o seu lugar 
na sala de aula e, portanto, deve ter em vista que variedade textual é adequada 
para ser trabalhada, considerando também a diversidade contextual. O principal 
objetivo em veicular um ensino baseado nessas questões é o de evitar a criação de 
uma concepção “monolítica” restrita ao modelo de escrita padrão. 
 
Como já se disse, a variedade linguística tanto se faz observar na fala como na 
escrita e o estudo dessas variedades deve ser conduzido de maneira continuada em 
ambas as modalidades. De acordo com Marcuschi, enxergar a língua por uma ótica 
“monolítica” leva a conceber um “dialeto de fala padrão” fundamentado na escrita, 
sem ligações com as relações de “influências mútuas” entre fala e escrita. A fala 
deve ter seu lugar bem definido no ensino de língua. 
 
Entenda que não se trata de ensinar a falar, mas de identificar a grandiosa riqueza e 
variabilidade dos usos da língua, pois um aspecto central no estudo da oralidade é a 
variação. É de fundamental importância ter em mente que a língua falada é: 
 
 4 
 
variável de cultura para cultura; 
de sociedade para sociedade; 
de grupo para grupo; 
de situação para situação; 
de indivíduo para indivíduo; e 
a visão do dialeto padrão uniforme é uma visão teórica que não tem 
constatação no mundo real, não há um equivalente empírico para esta 
sistematização da língua(gem). (cf MARCUSCHI, op. cit. p. 41). 
 
Assim, não podemos perder de vista, no ensino de língua materna, noções como: 
 
PADRÃO 
NORMA 
JARGÃO 
DIALETO 
GÊNERO 
GÍRIA 
VARIANTE 
SOTAQUE 
REGISTRO 
ESTILO ETC 
 
Outro aspecto que não devemos perder de vista é a análise dos níveis de 
formalidade (+/- Formal; +/- Informal) e dos níveis de uso da língua e suas funções 
e valores sociais do mais ao menos formal, tanto na escrita como na fala, sem que 
tal abordagem se prenda restritamente à observação lexical. 
 
SAIBA! 
Conforme Marcuschi (op cit), a análise dos textos orais pode revelar as relações 
mútuas e diferenciadas que a fala mantém com a escrita, influenciando uma à outra 
nos diferentes processos de aquisição da escrita. 
O estudo da oralidade pode revelar a contribuição da fala na formação sócio-cultural 
e na preservação de tradições orais que persistem mesmo em culturas 
decisivamente letradas. Além disso, viabiliza, também, a investigação das 
diferenças e semelhanças nas atividades que relacionam fala e escrita, facilitando a 
abordagem da diversidade de processos de contextualização inserida nas 
produções orais e escritas. 
 
Considerar o estudo da fala e a ele se dedicar é, principalmente, criar uma 
oportunidade ímpar para explicitar, conforme Marcuschi: 
 
“Aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como, 
suas formas de disseminação. Além disso, é uma atividade relevante para 
analisar em que sentido a língua é um mecanismo de controle social e 
reprodução de esquemas de dominação e poder implícitos em usos 
linguísticos na vida diária, tendo em vista suas íntimas, complexas e 
comprovadas relações com as estruturas sociais”. (MARCUSCHI, op.cit., 
p.43). 
 
 
 5 
Marcuschi (op. cit.) discute o papel e o lugar da oralidade no ensino de língua e 
ilustra sua argumentação com uma criteriosa análise dos Parâmetros Curriculares 
Nacionais (PCN) e de uma gama considerável de livros didáticos de 1º e 2º graus. O 
autor afirma que, no século XXI, um dos desafios para as obras didáticas será 
aprender a lidar com a variação linguística em seus mais variados aspectos: 
 
➊Variação sociolinguística 
 
➋Variação dialetal 
 
➌Variação de registros e níveis de fala 
 
➍Variação de gêneros textuais realizados na fala 
 
➎Variação de estratégias organizacionais da interação verbal 
 
➏Variação de estratégias comunicativas 
 
➐Variação de estratégias e processos de compreensão na interação 
 
➑Variação de situações sócio-comunicativas 
 
➒Variação de construções sintáticas 
 
➓Variação de seleção lexical. (cf. MARCUSCHI, op.cit., p.76). 
 
Aceitar esse desafio e respeitar o lugar da oralidade na aula de língua é 
comprometer-se com um ensino sem discriminações linguísticas. 
 
 
5.1 Fala e Escrita: peculiaridades próprias 
 
A Fala e a Escrita são duas modalidades de uso da língua que se utilizam do 
mesmo sistema lingüístico, linguístico mas têm suas próprias peculiaridades. Isso 
não significa que devam ser encaradas de maneira dicotômica (oposta, sendo uma 
superior e outra inferior). 
 
Conforme sintetiza Koch (2007; e 1997), vários estudiosos desta área como 
Marcuschi (1995/2007a), Koch & Oesterreicher (1990), Halliday (1985) e Koch 
(1992), afirmam que “os diversos tipos de práticas sociais de produção textual 
situam-se ao longo de um “continuum” tipológico, em cujas extremidades estariam, 
de um lado, a escrita formal e, do outro, a conversação espontânea, coloquial” 
(KOCH, 2007, p.31). 
 
 
 
 
 
 
Escrita 
Formal 
Oralidade 
Informal 
 
 6 
 
Marcuschi deixa bem clara a natureza desse “continuum” tipológico, mostrando que 
as diferenças entre oralidade e escrita dão-se dentro de um “continuum” tipológico 
das práticas sociais de produção de texto e não na relação dicotômica de dois pólos 
opostos. Assim, o “continuum” tipológico distingue e correlaciona os textos de cada 
modalidade quanto às estratégias de formulação textual que determinam o 
“continuum” das características que diferenciam as variações das estruturas, 
seleções lexicais etc. Tanto a fala como a escrita dão-se num “continuum” de 
variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de dois contínuos 
sobrepostos. (cf MARCUSCHI, 2007a). 
 
Para proceder a localização dos diversos tipos de texto no “continuum”, Koch 2007 
relata a contribuição de alguns autores importantes autores da linguística textual: 
 
 
Koch & Oesterreicher indicam o uso do critério “medium” e do critério 
proximidade/distância. 
 
Chafe considera o nível maior ou menor de envolvimento dos 
interlocutores. 
 
Halliday sugere que o texto escrito tem maior densidade lexical, e o falado 
maior complexidade sintática. 
 
Koch Os textos escritos podem estar mais próximos do pólo conversacional 
e vice-versa. Há ainda os tipos mistos e intermediários. 
 
 
Conforme Koch, (2007; 1997), alguns autores (Chafe, Tannen, Halliday, 
Oesterreicher etc.) a partir da década de 60 consideraram a dicotomia entre as 
modalidades FALA e ESCRITA, atribuindo a cada uma características particulares. 
Koch afirma que tais características refletiam uma visão preconceituosa e centrada 
no modelo da escrita formal padrão. Com base em tal dicotomia FALA X ESCRITA, 
categorizava-se que (cf. KOCH, 2007, p.32): 
 
FALA ESCRITA 
Contextualizada Descontextualizada 
Implícita Explícita 
Redundante Condensada 
Não-planejada Planejada 
Predominância do “modus pragmático” Predominância do “modus sintático” 
Fragmentada Não-fragmentada 
Incompleta Completa 
Pouco elaborada Elaborada 
Pouca densidade informacional Densidade informacional 
Predominância de frases curtas, simples e 
coordenadas. 
Predominância de frases complexas e 
subordinadas 
Pequena frequênciade passivas Emprego frequente de passivas 
Poucas nominalizações Abundância em nominalizações 
Menor densidade lexical Maior densidade lexical 
 
 7 
 
 
Em linhas gerais, é possível considerar que essas características não são exclusivas 
nem de uma nem de outra modalidade e que elas foram estabelecidas a partir dos 
parâmetros da escrita por visão preconceituosa que discriminava a fala. 
 
Nesse sentido, é mister entender que a fala possui características próprias, 
particulares à suasituação enunciativa, sua forma de organização e realização. Veja 
abaixo algumas das característica mais essenciais da natureza da fala 
(mencionadas por Koch op cit; Marcurschi op cit) que merecem destaque e revelam-
se originalmente particulares a ela. 
 
 
Devido a sua interacionabilidade intrínseca, a fala é, a priori, “não-
planejável”. Ela precisa ser apenas “localmente planejável”. 
 
Possui sua verbalização e planejamento concomitantes, pois esses 
processos emergem no momento da interação – a fala é o seu próprio 
rascunho. 
 
Apresenta descontinuidades frequentes no fluxo discursivo: abandono de 
tópicos discursivos; retomadas de tópicos discursivos, inserções abruptas de 
novos tópicos discursivos, truncamentos etc. 
 
Sintaxe característica/típica ligada, de certa forma, à sintaxe geral da 
língua. Um exemplo é a topicalização: “Esse menino eu não sei se tomou 
banho hoje”; “A violência, falta de segurança, eu não me acostumo com esse 
ritmo de grandes metrópoles no Brasil” 
 
Fala é processo, portanto, é dinâmica: não é um produto pronto e acabado, 
pois está continuamente se re-fazendo, indo-e-voltando nos tópicos de 
interesse dos interlocutores, definindo-se em razão das necessidades, 
escolhas e pressões comunicativas da interação. 
 
 
Na atividade de “co-produção” discursiva, os interlocutores empenham-se juntos na 
produção textual. Em função da interação imediata, há pressões de natureza 
pragmática que passam por cima das exigências sintáticas: truncamentos, 
correções, inserções, repetições e parágrafos. Esses elementos têm uma função 
importante, a função cognitivo-interacional (cf. MARCUSCHI, 1986, apud KOCH, 
op.cit.). 
 
 
SAIBA! 
O texto falado não é caótico, ele tem sim uma estrutura própria que se pauta a partir 
de sua produção. É nesse sentido que deve ser descrito, estudado e analisado. No 
processo de produção do texto falado, os interlocutores estão in praesentia – num 
mesmo tempo e espaço físico (salvo exceções como telefone, rádio e outras 
possibilidades de conversação oral à distância que a tecnologia oferece). 
 
 
 8 
 
Descritas as diferenças e características que perfilam as duas modalidades (falada e 
escrita), vejam-se a seguir as principais interferências da oralidade na escrita, 
conforme aponta Koch (1997). 
 
I. QUESTÃO DE REFERÊNCIA: na oralidade muitas vezes os referentes são 
recuperados no próprio contexto (basta apontar, por exemplo), dispensando assim 
que os falantes precisem explicitá-os sempre. Mas na escrita não é bem assim, pois 
por ser não-presencial há a necessidade de explicitar sempre os referentes, através 
das marcas linguística. O trecho abaixo revela a produção escrita de um sujeito que 
ainda não consegue diferenciar bem os usos da situação oral dos da escrita. 
 
 
 
Exemplo: “... certo dia um homem muito rico mudou-se, para perto da 
fazenda do pobrehomem. Ese homen era mau e iguinorante. Assim que soube se 
sua existência, dia e noite não parava de atormentá-lo, então ele disse...” (KOCH, 
op.cit., p.35). 
 
 
 
II. REPETIÇÕES: no texto falado, a repetição é muito frequente, aliás ela é um dos 
seus mecanismos de organização, desempenhando funções didáticas, sintáticas, 
argumentativas, enfáticas etc. O trecho abaixo revela a interferência clara de um 
recurso da fala na escrita. 
 
 
 
Exemplo: “... já estavam chegando no final da gruta andaram andaram-andaram 
chegaram no final da gruta virão o bau-cheio de jóias moedas voutaram para casa e 
ficaram muito felizes.”(KOCH, op.cit., p.36). 
 
 
III. USO DE ORGANIZADORES TEXTUAIS: são continuadores tópicos da fala, por 
exemplo: e, aí, daí, então, daí então etc: Os textos das crianças são ricos em 
organizadores textuais típicos da oralidade. 
 
 
Exemplo: “era uma vês un castelo abandonado e um dia 2 mininos pobres que 
tinham passado por lá. comesaram a reformar o castelo e o tempo foi pasando e a 
notícia se espahol e os mininos creseram e finalmente o castelo ficol pronto os 
mininos foram entrando e lá dentro tinha 8 cuartos.” (KOCH, op.cit., p.36). 
 
 
IV. JUSTAPOSIÇÃO DE ENUNCIADOS SEM MARCA DE CONEXÃO EXPLÍCITA: 
é comum, nos textos, enunciados justapostos, sem elementos explícitos de 
conexão, ligação ou transição. O sujeito que está adquirindo a modalidade escrita, 
ainda não aprendeu os mecanismos sequenciadores próprios dessa modalidade e 
mistura à escrita o padrão oral. 
 
 9 
 
 
Exemplo: “Entraram na gruta com lanterna [/] primeiro foi o leão muitos tigres e 
onças depois foi milhares de cobras e serpente e la no teto é cheio de morcegos [/] 
já estavam chegando no final da gruta [/] andaram andaram-andaram [/] chegaram 
no final da gruta [/] virão o bau-cheio de jóias moedas [/] voutaram para casa e 
ficaram muito felizes.”(KOCH, op.cit., p.36).1 
 
 
V. DISCURSO CITADO: o discurso citado é manifestado prioritariamente no estilo 
direto que o mais frequente na oralidade, em geral, sem a presença de um verbo 
que introduza a fala do outro (fulana disse:, fulana resmungou:, fulana gritou:). O 
sujeito ainda não aprendeu os mecanismos sequenciadores próprios da modalidade 
escrita e mistura a ela a estrutura mais típica da oral que é a que ele melhor 
conhece. 
 
 
Exemplo: “Dez oras depois o Lucas vil um navio pirata elegrito gente vamos nos 
conder um navio pirata sea prosima vamologo ja sei vamos nos esconder na 
quela caverna certo elá atras sera que é perigos ela fora rárá vamos ficaricos 
maos pirtas não acharão droga vam em bora viva camos ricos e turma vou ta 
para casa. Fim.” (KOCH, op.cit., p.37). 
 
 
VI. SEGMENTAÇÃO GRÁFICA: também é comum que a segmentação gráfica, em 
textos de sujeitos iniciantes na modalidade escrita, seja feita em função do que ele 
ouve. É curioso notar que a criança, por vezes, tentando acertar a segmentação 
gráfica adequada, acaba dividindo no meio algumas palavras ou juntando outras 
numa só! 
 
 
Exemplo: “sabiacomoaranjar, arainha, poriso, aguera, masantesdiso, 
convoce, masnã, elegrito, vamologo.” (cf. KOCH, op.cit., p.37). 
 
 
VII. GRAFIA CORRESPONDENTE À PALAVRA: ou seqüência de palavras tal 
como pronunciadas oralmente, isto é, reproduzindo o que a criança ouve. 
 
 
Exemplo: “virão (=viram), vamos nos conder (=nos esconder), perigos 
(=perigoso), maos piratas (=mas os) espahol (=espalhou), ficol, partil, vil (-viu)” 
(cf. KOCH, op.cit., p.37). 
 
 
VIII- CORREÇÕES FEITAS DA FORMA COMO SE FAZEM NO TEXTO ORAL: 
assim como na fala, o sujeito não apaga ou risca a forma que considera inadequada, 
mas justapõe a esta a forma corrigida. 
 
1
 A inserção de barras é nossa e serve para separar os enunciados a fim de evidenciar a justaposição 
sem conectividade entre eles. 
 
 10 
 
 
Exemplo: “Chegando lá a turma rezol rezolvrão to(mar) banho de cachoeira mas 
algen esquso o maio...” (KOCH, op.cit., p.36). 
 
 
 
Para finalizar este tópico, é importante ainda trazer algumas considerações sobre a 
organização da coesão e da coerência na conversação. Já que na Unidade I a 
abordagem destes critérios de textualidade foi longamente trabalhada, valendo 
conceitualmente, tanto para a fala como para a escrita, mas sempre tomando como 
exemplos textos escritos para ilustrar seus múltiplos fatores, sub-tipos (enfim, seus 
funcionamentos), aqui tomaremos como referência o texto falado, a conversação 
propriamente para analisar o funcionamento destes critérios de textualidade. 
 
Para esta discussão, apontamos a autora Leonor Fávero (2009) que traz um 
capítulo de seu livro “Coesão e coerência textuais” sobre estas questões. Esta 
autora, na mesma linha de pensamento de Koch, Marcuschi e outros autores citados 
nesta Unidade II, entende que a conversação deve ser analisada com justiça aos 
seus aspectos que são particulares e essenciais. 
 
Antes de entramos nas especificações dadas à construção da coesão e da 
coerência no texto falado, é importante frisar alguns aspectos cruciais da natureza 
da fala, conforme esta autora. Fáveroreitera que a conversação 
 
“é uma atividade linguística, que pertence às práticas diárias de qualquer 
cidadão, independente de seu nível sociocultural. Ela representa o intercurso 
verbal em que duas ou mais pessoas se alternam, discorrendo livremente 
sobre questões propiciadas pela vida diária.” (CASTILHO, 1986 apud 
FÁVERO, 2009, p. 84). 
 
Conforme retoma Fávero de Castilho (1986 apud Fávero 2009), há dois tipos de 
conversação: 
 
a natural – com suas variedades informal, coloquial, e formal; e 
 
a artificial – desenvolvida em peças de teatro, filmes, novelas, romances 
etc; estas seguem um tipo de roteiro prévio. 
 
Lembre-se de que tanto no texto oral, como no escrito o sistema linguísticos é o 
mesmo para a construção sintática. Entretanto, as regras para a realização oral, 
bem como os meios utilizados são distintos, o que acaba por revelar materialidades 
linguísticas totalmente diferentes. 
 
Você também deve considerar que assim como a escrita, a fala também deriva da 
mesma base semântica, fazendo uso do mesmo repertório lexical, variando, 
inclusive, na escolha e organização do vocabulário e nesse sentido, reafirmamos um 
fundamento linguístico já enfatizado: o de que fala e escrita são variações funcionais 
do mesmo sistema linguístico. 
 
 
 
 11 
SAIBA! 
É comum muitos autores repetirem o equívoco de que o texto falado não é 
planejado. Mas devemos considerar que o planejamento do texto oral é diferente do 
planejamento do texto escrito. 
 
 
Fávero aponta quatro graus de planejamento da conversação (indo do falado não 
planejado ao escrito planejado), defendidos por Ochs (1979 apud Fávero 2009): 
 
falado não planejado – prescinde de reflexões e preparação prévia: uma 
briga ou discussão, uma conversa no elevador, dar uma informação na rua 
etc; 
 
falado planejado - é pensado e projetado antes de sua realização, mas está 
sujeito às pressões da situação comunicativa em co-produção com o(s) 
interlocutor(es): uma aula, um discurso, uma reunião de condomínio, uma 
conversa para romper um relacionamento etc; 
 
escrito não planejado – elaborado em situações informais do dia-a-dia, 
caracterizadas pela necessidade do uso da escrita, mas levando em conta 
situações sem preparação ou expectativa prévia: um recado de geladeira, 
bilhetinhos trocados em sala de aula, a escrita/‘conversa’ dos chats na 
internet etc. 
 
escrito planejado – é pensado e projetado antes de sua publicação: um 
livro, um artigo de jornal, uma carta de demissão, uma solicitação formal a 
uma instituição pública etc 
 
Uma das marcas essenciais da organização da conversação é que ela é fruto de 
uma criação coletiva e dialógica, pois os interlocutores produzem o texto em 
cooperação. Aqui vale a máxima: “quando um não quer, dois não ‘conversam’2”! 
 
O fato de o planejamento da fala se dar localmente, confere-lhe uma característica 
denominada “fragmentação”, consequente de sua natureza espontânea, que se 
opõe a uma maior “integração” da modalidade escrita, em função do maior tempo de 
que ela dispõe para ser produzida. (cf FÁVERO, op. cit. p. 86). 
 
“A rapidez com que o locutor constrói a fala tem consequências no controle 
do fluxo da informação, conduzindo-o a descontinuidades nesse mesmo 
fluxo, reveladas por fenômenos como repetições, paráfrases, inserções, 
anacolutos, falsos começos e outros; desse modo ela vai revelando seus 
processos de construção, ao contrário da escrita que busca escondê-los, 
mostrando somente os resultados”. (FÁVERO,op. cit. p.86). 
 
Outra característica forte da fala apontada por Chafe (apud FÁVERO,op. cit. p.86) é 
o “envolvimento” interpessoal que se opõe ao “afastamento”, típico da escrita. 
 
 
2
 O provérbio original é “quando um não quer, dois não brigam”. 
 
 12 
Considere-se ainda que as “descontinuidades” da fala são, em sua maioria, técnicas 
linguísticas usadas como estratégias controladoras do diálogo que estão baseadas 
em regras conversacionais3 do tipo: 
 
Não diga o óbvio e sim concentre-se no que é importante; 
 
Seja claro para não dispersar nem perder o interesse de seu interlocutor, 
bem como os objetivos do diálogo; 
 
Não fale de forma irresponsável ou inconsequente para não fugir ao que 
refere a sua opinião e confundir o interlocutor. 
 
 
Feitas as colocações anteriores, focalizemos, então, o funcionamento da Coerência 
e da Coesão na conversação. Analisar estes critérios de textualidade no texto oral é 
trazer à tona uma discussão polêmica, por se tratar de um fenômeno linguístico com 
poucas evidências empíricas estudadas até então. 
 
“Na conversação, a coesão não pode ser definida em termos estritamente 
formais, pois o texto se produz dialogicamente, na concorrência de dois ou 
mais agentes. A coerência não é uma unidade de sentido, e sim uma dada 
possibilidade interpretativa resultante localmente. Dois interlocutores se 
entendem não só porque são coerente no que dizem, mas principalmente 
porque sabem do que se trata em cada caso. E, quando não sabem, 
manifestam seu desentendimento de modo a integrá-lo como parte efetiva no 
próprio texto”. (MARCUSCHI, 1988, apud FÁVERO, op. cit. p.90). 
 
Nessa perspectiva, a coerência se dá em função dos enunciados construídos na 
conversação se mostrarem mutuamente relacionados de modo ordenado e 
significativo, melhor caracterizada em termos de “tópico discursivo”, considerando a 
sua centração, organicidade e delimitação. Ao lado (ou dentro!) da organização do 
tópico discursivo há frequentemente as “digressões”, ou partes que não estão 
topicamente relacionadas com o que veio imediatamente antes, ou com o que vem 
logo depois, mas que no todo da conversação é possível recuperar tentacularmente 
e por isso fazem sentido. 
 
Por outro lado, a coesão é uma relação linear4 entre as sentenças, não sendo 
necessariamente condicional ou suficiente para a coerência. Ela não é um fator 
interdependente, mas um subproduto da coerência. Seguem alguns exemplos da 
coesão na conversação5: 
 
1. Coesão referencial - reiteração, repetição do mesmo item lexical por: 
 
 
3
 Sobre a conceituação destas regras conversacionais, sugere-se a leitura de “Logic and 
conversation”, de H Grice, 1975. 
4
 Conforme foi enfaticamente destacado na Unidade I. 
5
 Os exemplos citados são retirados de Fávero (op cit, p.91 e ss) que usou como fonte o inquérito de 
número 360 do arquivo do Projeto NURC-SP (sobre a linguagem falada culta na cidade de São 
Paulo). 
 
 13 
autorrepetição: “... ele já ia à escola da manhã que eu comecei quando eu 
comecei trabalhar... comecei a trabalhar há dois anos... e quer dizer então... 
ele já à escola de manhã”. 
 
 heterorrepetição: “L1 - nós somos:: seis filhos 
 L2 - e a do marido? 
 L1 – e a do marido... eram doze agora são onze...” 
 
2. Coesão recorrencial - paráfrase: “Contexto: o tópico que se desenvolve é 
mercado de trabalho, especificamente, a “procura de engenheiro”. 
 “L2 ... a grande maioria é engenheiro administradores economistas 
 L1... é que a gente está na:: na espera da tecnologia, né?... 
 L2 [mas engenheiro o peso é muito grande...” 
 
3. Coesão sequencial - por conexão: “Contexto: o tópico que vem se 
desenvolvendo é o do planejamento familiar”. 
 “L1 e:: nós havíamos programado Nove ou dez filhos... não é? ... 
 L2 a sua família é grande? 
 L1 nós somos:: seis filhos 
 L2 e a do marido? 
 L1 e a do marido... eram doze agora são onze... 
 
 
 
 
 14 
6. Mais algumas considerações sobre o binômio Oralidade e Escrita 
 
Nesta sessão, serão feitas algumas considerações a respeito de categorias teóricas 
e perspectivas científicas em torno da relação oralidade e escrita. Mais 
especificamente, aspectos relacionados à visão dicotômica sobre Oralidade X 
Escrita; às especificidades das categorias Oralidade/Fala e Letramento/Escrita; ao 
binômio Oralidade/Escrita e prática sociais;à visão culturalista; à visão variacionista; 
à interacional; à visão funcionalista da relação Fala e Escrita. Tais considerações 
são apresentadas por Marcuschi (2007a). 
 
I. Fala x escrita - a perspectiva das dicotomias: esta visão é da perspectiva 
dicotômica entre fala x escrita, é considerada restrita, pois polariza essas duas 
modalidades da língua. Por outro lado, há quem considere nesta perspectiva as 
relações fala x escrita dentro de um “continuum”. Aqui as análises são voltadas para 
o código com permanência no fato linguístico. Esta teoria deu origem ao 
prescritivismo gramatical e à norma linguística. De modo geral, as características 
próprias à fala e à escrita são descritas/prescritas por essa visão da seguinte 
maneira: 
 
FALA = contextual, implícita, redundante, não planejada, imprecisa, 
não normatizada. 
 
ESCRITA = descontextualizada, explícita, condensada, planejada, 
precisa, normatizada. 
 
Tal visão, baseada no perfil das condições empíricas de uso da língua, é uma visão 
formalista distorcida do fenômeno textual. É uma visão “imanentista” que originou as 
Gramáticas Pedagógicas. Ela remonta a separação “forma x conteúdo”, classifica a 
fala como pouco “complexa” e postula que a escrita é fundada num conjunto de 
regras que regem a língua. 
 
II. Oralidade x letramento ou fala x escrita? – há que se observar algumas 
especificidades dessas categorias teóricas, pois tais especificidades relacionam-se 
ao seu emprego em teoria e análise. O binômio Oralidade x Letramento está voltado 
para analisar as diferenças entre duas “práticas sociais”; enquanto que o binômio 
Fala x Escrita volta-se às diferenças entre duas modalidades de uso da língua. 
 
 
 
Sintetizando: 
 
 
 
ORALIDADE: prática social 
apresentada sob várias formas ou 
gêneros textuais em sua diversidade de 
uso formal e contextual. 
 
 
FALA: forma de produção discursivo-
textual oral que dispensa um aparato 
técnico, necessitando, apenas, dos 
recursos próprios ao ser humano. 
 
LETRAMENTO: uso social da escrita 
 
ESCRITA: tecnologia de 
 
 15 
que vai de uma apropriação mínima da 
escrita até uma utilização científica dela. 
 
representação abstrata da fala e 
produção discursivo-textual com 
especificidades próprias. 
 
 
 
 
 
 
III. Oralidade e escrita no contexto das práticas sociais: Marcuschi (2007a) situa 
o papel das práticas sociais da escrita e da oralidade na civilização contemporânea. 
Ele considera a relação entre “vida cotidiana” e os fenômenos da fala e escrita. O 
texto seria, então, uma prática social e não um artefato linguístico. 
 
A escrita, enquanto prática social, tornar-se-ia indispensável. Em relação ao uso da 
língua (fala e escrita) as práticas sociais têm o seu lugar, papel e grau de relevância 
de ambas as modalidades na sociedade – eixo de um “continuum” sócio-histórico-
tipológico e até morfológico. 
 
SAIBA! 
Para fixar: 
HOMEM = naturalmente um “ser que fala” e não um “ser que escreve” – a escrita 
é derivada e a fala é primária. 
FALA = prática social do dia-a-dia. 
ESCRITA = prática de um ambiente formal - escola (o que lhe confere prestígio). 
 
A escrita permeia hoje praticamente todas as práticas sociais das comunidades em 
que se insere sob a forma de “letramento”. Os objetivos e ênfase do uso da escrita 
variam de acordo com os contextos em que se inserem: a “apropriação / 
distribuição” da escrita e da leitura (padrões de alfabetização), e os “usos / papéis” 
da escrita e da leitura (processos de letramento). Mesmo as pessoas analfabetas 
também estão sob a influência das estratégias da escrita em seu desempenho oral. 
 
A escrita passou a ter um “status” bastante singular no contexto das atividades 
cognitivas em geral. Deve-se distinguir, então: 
 
LETRAMENTO: processo de aprendizagem sócio-histórica da leitura e da 
escrita em contextos informais e para usos utilitários. 
 
ALFABETIZAÇÃO: domínio ativo e sistemático das habilidades de ler e 
escrever. 
 
ESCOLARIZAÇÃO: prática formal e institucional de ensino que visa a uma 
formação do indivíduo, sendo que a alfabetização é apenas uma das 
atribuições/atividades. (cf MARCUSCHI, 2007a). 
 
Muitos são os usos de oralidade e escrita em nossa sociedade, como você já viu 
anteriormente. Também vimos que há diferentes meios de acesso e usos da 
linguagem na sociedade, tanto em relação à fala, quanto à escrita. E esses 
diferentes usos possibilitados através de diferentes mídias e tecnologias, além da 
 
 16 
própria voz e do código escrito, põem em contato / interação / dialogismo diferentes 
subjetividades, em diferentes espaços sociais: 
 
INTERAÇÃO ENTRE DIFERENTES ESPAÇOS / SUBJETIVIDADES 
homem/mulher dentro/fora da escola 
pai/filho dentro/fora de casa 
sogra/nora 
patrão/empregado 
dentro/fora do trabalho 
civil/militar 
professor/aluno governante/povo 
padre/fiel dentro/fora da igreja 
fornecedor/consumidor dentro/fora do tribunal etc 
 
 
A escrita é uma fonte de preconceito, na medida em que se atribui o 
desenvolvimento à alfabetização. A escrita é um fato histórico e deve ser tratado 
como tal e não como um bem cultural. (cf MARCUSCHI, 2007a) 
 
A história do uso da escrita e da alfabetização ocidental é descontínua e 
contraditória (relação alfabetização/processo de industrialização). A alfabetização 
instituída dá-se de preferência sob o controle do estado, orientando-se por seus 
objetivos. Assim a aquisição da escrita é um fenômeno “ideológizavel”. A fala é 
contínua no dia-a-dia e a oralidade tem lugar em seus diferentes contextos e usos 
sociais. 
 
IV. Oralidade x escrita: a tendência fenomenológica de caráter culturalista: esta 
visão é aculturalista e de perspectiva epistemológica. Ela observa as práticas sociais 
da oralidade x escrita, faz análise cognitiva dos efeitos de organização e produção 
do conhecimento no aspecto psico-sócio-econômico-cultural. Esta tendência é 
inadequada para o trato com os fatos da língua. Ela confere ao domínio da escrita o 
avanço na capacidade cognitiva-individual: 
 
 
X 
Cultura oral Cultura escrita 
Pensamento concreto Pensamento abstrato 
Raciocínio indutivo Raciocínio dedutivo 
Atividade artesanal Atividade tecnológica 
Cultivo da tradição Inovação constante 
Ritualismo Analitismo 
 
 
Há três grandes problemas nessa tendência: 
 
Etnocentrismo; 
Supervalorização da escrita; e 
Tratamento globalizante. 
 
 
 17 
V. Fala x escrita – perspectiva variacionista: tal visão trata do papel da escrita a 
partir dos processos educacionais e da variação na relação língua padrão e não-
padrão em contextos de ensino formal. Modelos teóricos baseiam-se no “currículo 
bidialetal”. Não há dicotomias, verificam-se as regularidades e variações: 
 
Língua padrão   Variedade não-padrão 
Língua culta   Língua coloquial 
Norma padrão   Norma não-padrão 
 
Marcuschi (2007) afirma simpatizar com essa tendência, mas acredita serem 
necessárias maiores reflexões. Para ele fala e escrita não são dialetos, mas 
“modalidades” de uso de língua. Nesse sentido o aluno se tornaria “bimodal”. 
 
VI. Oralidade x escrita – a perspectiva interacional: esta perspectiva trata das 
relações entre fala e escrita, considerando o “continuum” textual. É a visão 
interacionista, cujos fundamentos baseiam-se em: 
 
Relação dialógica no uso 
Estratégias de linguagem 
Funções interacionistas 
Envolvimento e situacionalidade 
Formulaicidade 
 
Este modelo percebe mais sistematicamente a língua enquanto fenômeno dinâmico 
e estereotipado, centrando-se em atividades dialógicas que frisam os aspectos mais 
salientes da fala. Porém tem um baixo potencial explicativo e descritivo dos 
fenômenos sintáticos e fonológicos da língua (cf Marcuschi, 2007a). 
 
Nesta visão, as análises se prestam a observar a diversidade de formas textuais 
produzidas monologicamente e dialogicamente. Além disso, nela trata-se de 
fenômenos de compreensão na interação verbal e com o texto escrito, detectando 
especificidadesna atividade de construção do sentido. Esta perspectiva postula que 
não se deve polarizar ou dicotomizar a relação entre fala e escrita e orienta-se por 
uma linha discursiva e interpretativa. 
 
VII. Concepção e funcionamento da língua – consequente relação fala / escrita: 
O sucesso da análise vai depender da concepção de Língua que subjaz à teoria, 
bem como da noção de funcionamento da língua, esta é fruto das condições de 
produção. A noção de sistema atém-se à concepção básica de uma “estrutura 
virtual”. Fica desde já eliminada uma série de distinções geralmente feitas entre fala 
e escrita, tais como a contextualização (na fala) X descontextualização (na escrita), 
implicitude (na fala) X explicitude (na escrita) e assim por diante. 
 
A língua (seja oral ou escrita) reflete a organização da sociedade, uma vez que se 
relaciona com as “representações e as formações sociais”. Entretanto, a fala e a 
escrita representam formas de organização da mente através das próprias 
representações mentais. Vale salientar, sobretudo, que, assim como a fala não 
apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a escrita não tem 
propriedades intrinsecamente privilegiadas. São modos de representação cognitiva 
 
 18 
e social que se revelam em práticas sócio-culturais específicas. A oralidade e a 
escrita são ambas práticas sociais e não propriedades de sociedades distintas. 
 
 19 
7. Considerações sobre a Análise da Conversação 
 
Esta área tem um caráter interdisciplinar, na medida em que divide alguns 
pressupostos teóricos com outras áreas (inclusive com a LT). Ela busca estabelecer 
relações com a exterioridade da linguagem, problematizando a separação entre a 
materialidade da língua e seus contextos de produção. Assim como a 
Sociolinguística, a Pragmática, a Análise do discurso, a Semiótica discursiva e a 
própria Linguística textual, esta área também mobiliza saberes de outras ciências 
como a Filosófica da linguagem, a Antropologia, a História, a Sociologia, a 
psicanálise e as Ciências cognitivas. 
 
Foi na década de 1980 que foi lançado, no Brasil, o primeiro livro nesta área com o 
título “Análise da Conversação”, de Luiz Antônio Marcuschi (1986/2007b). Para 
este autor, a conversação é o exercício prático das potencialidades cognitivas do 
ser humano em suas relações interpessoais, tornando-se assim um dos melhores 
testes para a organização e funcionamento da cognição na complexa atividade da 
comunicação humana. 
 
“A conversação é a primeira das formas de interação a que estamos 
expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida 
afora... Conversação, aqui, trata das formas de interação verbal de nossa 
sociedade, apesar de alguns estudiosos da área considerarem apenas as 
interações verbais face-a-face em que há “simetria de direitos e 
espontaneidade na realização do evento”. (MARCUSCHI, op cit, p.14). 
 
Como enfatiza Marcuschi (2007b), a Análise da Conversação (doravante AC) teve 
origem na década de 1960 no campo dos estudos sociológicos ligados à 
Etnometodologia a partir de trabalhos referenciais como os de Harold Garfinkel, 
Harvey Sacs, Emanuel Schegloff e Gail Jeferson. A partir dessa perspectiva, os 
estudiosos da AC têm procurado investigar os aspectos da organização do texto 
conversacional. 
 
SAIBA! 
Para a Etnometodologia, os analistas tem de ser perceptivos aos fenômenos 
interacionais, centrando-se nos detalhes estruturais do processo interativo. 
 
Vejamos três níveis essenciais desse enfoque apontados por Hilgert (1989 apud 
MARCUSCHI, 2007b): 
 
A) macronível: nas fases conversacionais – abertura, fechamento e parte 
central, e o tema central e subtemas da conversação. 
 
B) nível médio: turno conversacional, tomada de turnos, sequência 
conversacional, atos de fala e marcadores conversacionais. 
 
C) micronível: elementos internos do ato de fala, que constituem sua 
estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódica. 
 
A Análise da Conversação estabelece o texto como seu objeto de estudos, mas 
esta área vai dedicar-se único e exclusivamente ao estudo do texto oral, natural, e 
presencial (face to face), ou seja, aquele texto produzido em situações 
 
 20 
espontâneas. Portanto, textos “artificiais” como os de novela, cinema ou ainda 
conversas telefônicas, não são objeto de interesse específico neste campo 
científico. 
 
Numa conversa, geralmente abordada-se um ou mais tópicos discursivos, algo 
sobre o que duas pessoas (pelo menos) conversam. Esse tópico discursivo 
define-se como uma atividade que correlaciona objetivos entre os interlocutores 
onde há um movimento dinâmico da estrutura conversacional que faz dele a base 
do texto oral. A organização tópica, como já foi anteriormente retomada de Fávero, 
pauta-se em três propriedade: a centração, organicidade e delimitação. 
 
Na Análise da Conversação, o tópico discursivo (aquilo sobre o que se fala) é fio 
condutor da conversação e a unidade funcional da conversação é o turno (período 
de tempo que cada falante ocupa). 
 
SAIBA! A conversa espontânea é uma atividade co-produtiva sem “controle” exato 
de como o interlocutor orienta sua intervenção, mas, nem por isso, torna-se caótica. 
Os falantes negociam uma relação com o curso da conversa, produzindo sentidos 
estrutural e funcionalmente. 
 
Para sinalizar que compartilhamos cognitivamente da interação, recorremos, 
naturalmente, a expressões do tipo: “isso me lembra”, “por falar em” etc. que podem 
marcar a passagem de um tópico a outro. A estrutura tópica serve, assim, de fio 
condutor da organização linear do discurso. Conforme Dionísio, 2001 
 
“O conjunto de relevâncias em foco em dado momento vai, paulatinamente, 
cedendo lugar a outros conjuntos de relevâncias, ligadas a aspectos antes 
marginais do tópico em desenvolvimento ou a novos conjuntos que vão 
sendo introduzidos a partir dos já existentes”. (DIONÍSIO, 2001, p.72) 
 
Lembre-se de que o planejamento na fala ocorre no momento da interação, pois a 
conversação é localmente planejada. Considere ainda que em se estabelecendo 
uma gradação do informal para o formal, observa-se uma variedade entre esses 
dois pólos que se estabelecem dentro de um continuum e que podem ser 
exemplificadas relacionando diferentes variedades entre fala e escrita, escrita e 
escrita, e fala e fala, conforme já foi refletido a partir das contribuições de Marcuschi 
nesse assunto. 
 
Após esta apresentação da AC, acompanhe a seguir alguns dos pontos mais 
importantes dessa teoria linguística. 
 
I. SOBRE O TRATAMENTO DOS DADOS ORAIS – primeiramente, deve-se 
considerar o sistema de transcrição de texto oral: as conversações naturais que 
servem de corpus para a AC devem ser gravadas ou filmadas para que o analista 
possa observar, transcrever e comprovar seuS dados da maneira mais fiel possível. 
O analista pode privilegiar os aspectos fundamentais para sua análise, mas a 
transcrição deve ser legível. Em função do trabalho com textos orais, esta área 
possui normas de transcrição de texto bastante específicas para atender a todas as 
situações. A AC analisa materiais empíricos, orais, contextuais, incluindo 
realizações entonacionais e gestuais que possam colaborar com a construção do 
sentido. Um outro aspecto importante para caracterizar o perfil da Análise da 
 
 21 
Conversação é a importância conferida também aos recursos não verbais utilizados 
na fala. 
 
Os recursos não-verbais são de grande relevância na transcrição e análise das 
conversações. Steinberg (1988 apud DIONÍSIO, 2001, p. 77) sistematiza os 
recursos não-verbais normalmente empregados nas conversações: 
 
1. Paralinguagem – pequenos sons emitidos pelo aparelho fonador que 
não constituem signos linguísticos, mas interferem na significação: hm hm, 
shiiii, tsc tsc. 
2. Cinésica – movimento do corpo, mãos, gestos na conversação. 
3. Proxêmica – proximidade / distância entre os interlocutores. 
4. Tacêsica – uso de toque durante a conversação. 
5. Silêncio. – ausência de conversação,mas que às vezes diz mais que mil 
palavras: falamos, portanto, com a voz e com o corpo. 
 
Vejamos um exemplo retirado de Dionísio (op cit, p. 78): 
 
203 M03 certas coisas... eu digo peraí... tinha uma bacia conforme essa aqui ((pega 
204 numa bacia plástica que está próxima e mostra)) uma bacia... de loiça... eu 
205 maiei aqui assim ((demarca na bacia o nível da água colocada na época)) 
eu 
206 butei água... 
 
 
No segundo capítulo do livro Análise da Conversação, Marcuschi (2007b) apresenta 
um sistema de transcrição para textos falados, que sintetiza bem como deve ser o 
tratamento formal de transcrição da fala e que inclusive serve de base às 
transcrições do Projeto NURC6. Segue abaixo o referido quadro adaptado: 
 
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO 
1. Indicação dos falantes Os falantes devem ser 
indicados em linha, com 
letras ou alguma 
sigla convencional 
H28 
M33 
Doc. 
Inf. 
2. Pausas ... não... isso é besteira 
3. Ênfase MAIÚSCULA ela comprou um OSSO 
4. Alongamento de vogal : (pequeno) 
:: (médio) 
::: (grande) 
eu não tô querendo é dizer 
que ... é: o eu fico até:: o: tempo 
todo 
5. Silabação - do-minadora 
6. Interrogação ? ela é contra a mulher 
machista... sabia? 
7. Segmentos incompreensíveis 
ou ininteligíveis 
( ) 
(ininteligível) 
bora gente... tenho aula... ( ) daqui 
 
8. Truncamento de palavras ou 
desvio sintático 
/ eu pre/ pretendo comprar 
9. Comentário do transcritor (( )) M.H. ... é ((rindo)) 
 
6
 Projeto de Estudo Coordenado da Norma Urbana Linguística Culta. 
 
 22 
10. Citações “” “mai Jandira eu vô dize a 
Anja agora que ela vai 
apanhá a profissão de 
madrinha agora mermo” 
11. Superposição de vozes [ H28. é... existe... [você ( )do homem... 
M33. [pera aí... você 
Acha... pera aí... pera aí 
12. Simultaneidade de vozes [[ M33. [[mas eu garanto que muita coisa 
H28. [[eu acho eu acho é a autoridade 
13. Ortografia tô,ta, vô, ahã, mhm 
 
 
II. A ORGANIZAÇÃO DA CONVERSA – numa conversa, os interlocutores devem 
falar um por vez. Eles devem esperar um lugar relevante para a transição (LRT), 
ou seja, esperar por marcas na fala do interlocutor como pausas, hesitações, 
entonações descendentes, marcadores etc. Os interlocutores emitem sinais para 
marcar o fim de seu turno ou um convite à fala do outro e trocam o tempo todo os 
papéis de falante e ouvinte, mas isso não impede que, em algumas situações, 
muitas pessoas falem ao mesmo tempo e se entendem. Todos os falantes têm 
direito à fala. Conforme explica Marcuschi (2007b), a noção de turno engloba dois 
sentidos: 
 
1. distribuição de turno 
 
2. unidade construcional. 
 
Os turnos podem ser nucleares (centrais no desenvolvimento do tópico discursivo) 
e inseridos (produções marginais ao tópico). A mudança de turno pode ocorrer 
através da passagem, assalto, e sustentação da fala. A passagem do turno pode 
ser requerida ou consentida pelo falante; os assaltos são uma espécie de violação 
da regra “falar um de cada vez” e o falante invade o turno do outro sem solicitação 
ou consentimento (o interlocutor assaltado pode perder e em seguida retomar, 
abandonar ou recuperar o comando da interação sobrepondo-se à fala do outro); e 
a sustentação é uma tentativa do falante de garantir a posse do turno, recorrendo a 
marcadores conversacionais, alongamentos, repetições e elevação da voz. 
 
No caso das entrevistas formais, que apresentam uma estrutura básica de 
pergunta e resposta, em geral, a elaboração do turno conversacional apresenta 
uma distinção nítida: os turnos de resposta tendem a ser longos e apesar de 
pausas, truncamentos, hesitações, alongamentos etc, não há tomada de turno. A 
estrutura em pergunta e resposta compõe a unidade fundamental da organização 
conversacional e podem variar na sua realização. 
 
III. DOS MARCADORES CONVERSACIONAIS – como o texto oral é planejado e 
verbalizado ao mesmo tempo, dos recursos mais característicos da fala natural são 
os marcadores conversacionais que podem ser verbais, não-verbais ou 
prosódicos: alguns marcam finalização de turno (“não é?”, “entendeu?”); outros 
marcam participação (“uhrum”); e outros marcam convergência (“exato”, “sim”). Os 
marcadores conversacionais são produzidos pelos falantes para dar tempo à 
organização do pensamento, sustentar o turno, monitorar o ouvinte, corrigir-se, 
 
 23 
reorganizar e reorientar o discurso, e pelos ouvintes para orientar e monitorar o 
falante quanto à recepção com sinais de convergência, indagação e divergência. 
 
Os marcadores conversacionais (MC) se apresentam divididos em quatro grupos: 
(Cf DIONÍSIO, op. cit., p. 89). 
 
1. MC simples: um só item lexical – “mas”, “éh”, “aí”; 
2. MC compostos: sintagmas geralmente estereotipados – “sim mas”, “bom mas aí”; 
3. MC oracionais: pequenas orações – “eu acho que”, “sim mas me diga”; 
4. MC prosódicos: recursos prosódicos – entonação, pausa, hesitação, tom de voz. 
 
 
IV. A CONSTRUÇÃO DA COMPREENSÃO NO TEXTO FALADO – quando dois ou 
mais indivíduos conversam, eles coordenam conteúdos e ações, contruindo um 
texto coerente. O sucesso da interação atrela-se ao processo interacional 
estabelecido entre os participantes num esforço coletivo pela construção de 
sentidos. Conforme Marcuschi (op cit), a compreensão na interação verbal face a 
face, resulta de um projeto conjunto de interlocutores em atividades cooperativas e 
coordenadas de co-produção de sentido e não de uma simples interpretação 
semântica de enunciados postos. O analista deve dar conta de como os 
participantes de uma interação resolvem suas estratégias e processos de 
compreensão. Marcuschi apresenta algumas atividades de compreensão na 
interação verbal que merecem destaque: 
 
Estratégia 1- negociação: central para a produção de sentidos na interação 
verbal dada a sua natureza conjunta; 
 
Estratégia 2- construção de um foco comum: na interação a base da troca é 
a sintonia referencial, o interesse comum e referentes partilhados; 
 
Estratégia 3- demonstração de (des)interesse e (não-)partilhamento: se não 
há esse partilhamento a interação não progride; 
 
Estratégia 4- existência e diversidade de expectativas: os interlocutores 
criam expectativas diversas em relação um ao outro relacionadas ao 
contexto, às condições em que são produzidas, conhecimento partilhado etc; 
 
Estratégia 5- marcas de atenção: sinais enviados pelos interlocutores que 
demonstram se há boa ou má sincronia na interação. 
 
A análise da conversação no Brasil constitui-se em uma linha de pesquisa praticada 
sistematicamente com uma produção editorial que abrange transcrições de materiais 
do corpus do Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta (NURC), 
análises de textos orais sobre diversos temas da AC, gramáticas do português 
falado (com o corpus dos NURCs), além de teses e dissertações defendidas nos 
programas de pós-graduação das universidades brasileiras. 
 
 
 24 
8. Leitura, Oralidade e Escrita: práticas linguísticas, sociais e pedagógicas 
 
Pensar sobre a comunicação conduz inevitavelmente à reflexão acerca da natureza 
tecnológica e universalizada do uso da escrita. De acordo com Foucambert (1998), 
a escrita é usualmente definida como meio privilegiado de comunicação. Embora, 
nas situações de comunicação oral (informar, perguntar, apontar etc), de modo 
geral, reconheça-se uma facilidade e interatividade mediada pela comunicação em 
presença dos interlocutores, na comunicação escrita, o que seria uma característica 
contrária (a NÃO-presença), também é reconhecida como elemento facilitador, pois, 
ela se realiza na ausência dos interlocutores e mesmo assim veicula a 
comunicação em situações específicas e cada vez mais comuns, permitindo que os 
interlocutores possam interagir à distância. 
 
SAIBA! 
É bom nunca perder de vista que Fala e Escrita são modalidades linguísticas 
distintas. 
 
Observe abaixo alguns aspectos do funcionamento sócio-históricoda escrita: 
 
Escrita = meio de expressão. Mas para quem? Em que condições? 
Comunicar-se por meio da escrita soa como uma armadilha para alguns 
membros da sociedade: uso misterioso, difícil e mutável. 
Escrita = meio pelo qual alguns se expressam. Meio de dominação 
engendrada nas relações histórico-sociais de força e poder. Os usos da 
escrita (comunicação e expressão) não dizem respeito a capacidades 
técnicas, mas sim ao reconhecimento de certo Status: luta pelo poder 
teoricamente democrática. 
 
Para Foucambert (1998), a afirmação de que a escrita seja essencialmente e 
generalizadamente um meio de comunicação não se sustenta, pois ela pode ser 
prioritariamente comunicação e expressão num plano individual, particular, mas no 
plano histórico-social, por princípio, ela está dentro das relações de força e de 
poder. “Sim, a escrita é um meio de expressão e comunicação. Mas do quê? De 
algo que não existiria sem ela” (FOUCAMBERT, op.cit., p 44). No plano da 
comunicação e expressão, a escrita abre um registro novo, diferente daquilo tudo 
que já se comunicava e se expressava sem ela. 
 
A escrita implica outras restrições e operações: 
 
“Ao contrário do oral, a escrita não é permutada no instante efêmero, mas na 
permanência do espaço (...) A escrita não é o terreno do pensamento que se 
cria, mas do pensamento que experimenta a si mesmo em sua unidade (...) 
O oral dá-se no tempo; a escrita, no espaço.” (FOUCAMBERT, op.cit., p.46-
47). 
 
A função da escrita tem a ver com a transformação dos processos de conhecimento, 
sua dimensão é espacial e visual enquanto que a da fala é temporal e auditiva. A 
escrita não é meramente uma transcrição da fala. A escrita torna-se a linguagem da 
abstração, do pensamento reflexivo e teórico (o pensamento sobre o pensamento): 
 
 
 25 
SAIBA! 
A ESCRITA é um meio de construir uma visão de mundo, dar sentido. Não 
representar, mas apresentar a realidade através de restrições próprias e operações 
específicas. 
A LEITURA é o que vai em busca da visão de mundo e de seu confronto com 
outros pontos de vista. Leva ao questionamento e à investigação. 
 
Para Vygotsky (apud FOUCAMBERT, op.cit., p.52), a escrita é a álgebra da 
linguagem, forma mais difícil e complexa da atividade verbal, intencional e 
consciente. Assim como é difícil para uma criança, também o é para muitos adultos. 
Basta-se a comunicar e expressar precisamente as especificidades intelectuais que 
ela mesma permite elaborar. Aprender a manejá-la (ler e escrever) é entrar no uso 
dessas funções. “Como dizia um professor primário: Agora não basta mais ensiná-
los a ler, é preciso também que eles compreendam”. 
 
Aprofundando o olhar acerca destes funcionamentos sociais, concordamos que 
historicamente, as práticas de Escrita e Leitura se configuraram como 
representações sócio-discursivas de diferentes classes e aquelas práticas 
relacionadas às classes econômico e politicamente dominantes foram atreladas ao 
“bom uso” do vernáculo, à aquisição e acúmulo do conhecimento (e sua 
organização), ao progresso e avanço científico-tecnológico e à ascensão social. 
Nessa perspectiva, vinculou-se à escola, sobretudo, o papel de “ensinar”, reproduzir 
e reconhecer tais práticas. 
 
A prática pedagógica faz uso de cartilhas, livros e manuais didáticos para 
instrumentalizar os exercícios de leitura e escrita em sala de aula. Entretanto, a 
escola mostra modelos de escrita, mas não consegue ensiná-los. A escola não 
prioriza: Quais são as condições atuais de leitura? Quem lê? Quem escreve? Para 
quê? Por quê? 
 
No exercício pedagógico das práticas de Leitura e Escrita há o apagamento (ou 
enfraquecimento) de sua mais importante característica: a interacionalidade 
dialógica – constitutiva da linguagem, seja oral ou escrita. A escola se faz o grande 
(e único) interlocutor do aluno. Desde os exercícios de reconhecimento fonético 
“IVo Viu a uVa”, até as tais “fichas de leitura” em que os alunos nem precisam ler 
o livro para completar as respostas. (cf. GERALDI, 1985). 
 
O aluno não é levado a produzir textos e sim a reproduzi-los e sua autonomia e 
originalidade, na maioria das vezes, é podada e minada ao longo de seu percurso 
escolar. Portanto, não há troca, interação, mas apenas uma simulação desse 
processo entre professor e aluno. Em geral, o professor é sempre a boca (falante) e 
o aluno é sempre a orelha (ouvinte), sem que nunca troquem de papéis. E quando o 
aluno (re)produz, o professor não está interessado em sua produção, mas em se ele 
conseguiu reproduzir o modelo. 
 
Os sentidos que as crianças atribuem à escrita, seus esquemas de interpretação, 
são variados e dependem das experiências passadas, bem como dos 
conhecimentos adquiridos – a escola confunde falta de conhecimento com inaptidão 
para adquirir os conhecimentos acadêmicos, não reconhecendo o saber do aluno e 
rotulando-os: “os alunos fracos”, “os que não sabem”. Veja-se o texto, abaixo, em 
 
 26 
que a professora está interessada em se a criança decodificou a escrita, mas não 
está preocupada com a interpretação que a criança faz. 
 
Apresentado por SMOLKA (1988, p.59). 
 
A professora escreve na lousa: 
"A mamãe afia a faca" 
e pede para uma criança ler. A criança lê corretamente. 
Um adulto pergunta à criança: 
- Quem que é a mamãe? 
- É a minha mãe, né? 
- E o que que é "afia"? 
A criança hesita, pensa e responde: 
- Sou eu, porque ela (a mamãe) diz: vem cá, minha fia. 
A professora, desconcertada, intervém: 
- Não, afia é amola a faca!" 
 
 
A criança é exposta a uma frase solta, descontextualizada, mas mesmo assim tenta 
levantar hipóteses, com base no uso que ela faz de ‘afia’ no seu contexto social e 
funcional. Vê-se que, como a criança já usa a linguagem (oral) e sabe que ela tem 
uma função, um sentido, ela fica confusa por não conseguir se subjetivar pelo “texto” 
que a escola apresenta. 
 
Sobre a questão da oralidade na escola, Brito (1985) postula que 
 
“O processo de construção de redação é uma disputa (não uma integração) 
constante entre a competência linguística do estudante (basicamente oral, 
não-formal e desescolarizada) e a imagem de língua escrita que cria a partir 
da imagem do interlocutor e de interlocuções privilegiadas (...) Como esse 
interlocutor tem caráter fortemente repressivo e valorativo, o estudante, na 
necessidade de mostrar que “sabe”: - nega sua capacidade linguística oral; 
cria uma imagem de língua a partir das fontes que identifica com a imagem 
do interlocutor, isto é, relações sociais em que haja (ou o aluno identifique) 
marcas de autoridade, padrão culto etc.” (BRITO, 1985, p.125). 
 
Geraldi (1985) conclui que, nessas condições, quanto menos conhecimento 
específico sobre a linguagem escrita (metalinguístico) a criança tem, mais noção da 
funcionalidade escrita ela demonstra. 
 
Ele aponta o exemplo de dois garotos que foram reprovados em um ano por “não 
saberem escrever” e no ano seguinte um foi aprovado e o outro novamente 
reprovado. Mas, conforme Geraldi, a “produção” do aluno aprovado não passava de 
uma caricatura idiota, reprodutora do modelo das cartilhas, que nem chega a ser um 
texto (e sim, no máximo uma “redação”). Já o aluno reprovado, apesar de vários 
problemas com o registro escrito, apresenta verdadeiramente um texto, uma 
narrativa em que se pode compreender uma história com todos os seus elementos 
básicos (enredo, personagens, espaço, tempo, clímax) e, além disso, o texto denota 
a subjetividade de seu autor, pois retrata um tema bastante típico paras as crianças, 
sobretudo as de classe econômica baixa. 
 
Textos apresentados por GERALDI (1985, p.129). 
 
 27 
 
 A casa é bonita. 
A casa é do menino. 
A casa é do pai. 
A casa tem uma sala. 
 A casa é amarela. 
 Era uma vez umpionho queroia 
ocabelo dai um emninopinheto dapasou 
um umenino lipo enei pionho aí pasou 
um emnino pionheto daí omenino 
pegoupionho da amunhér pegoupionho 
da todomundosaiogritãdo todomundo 
pegou pionho di até sofinho 
begoupionho. [Era uma vez um piolho que roía o cabelo de um menino piolhento daí passou 
um menino limpo sem piolho aí um menino piolhento daí o menino pegou piolho 
daí a mulher pegou piolho daí todo mundo saiu gritando todo mundo pegou piolho 
até seu filhinho pegou piolho.] 
 
 
Smolka (1988) questiona: 
 
“Que escrita é essa que a criança aprende na escola que faz com que ela 
“regrida” quando escreve o que pensa? Assim se comprova, mais uma vez, 
que a escola ensina as crianças a repetirem e reproduzirem palavras e frases 
feitas. A escola ensina palavras isoladas e frases sem sentido e não trabalha 
com as crianças [na fase da escrita inicial], o “fluir do significado”, a 
estruturação deliberada do discurso interior pela escritura.” (SMOLKA, 1988, 
p.69). 
 
É devolvendo o direito à palavra ao aluno que talvez se possa um dia ler a história 
contada, e não contida, da grande maioria que hoje ocupa os bancos das escolas 
públicas. E tal atitude, conforme Geraldi, dá novo significado à questão “como 
avaliar redações?” Apontando, no mínimo, para critérios diferentes daqueles que 
reprovaram o autor do texto, e aprovaram o “autor” da redação. (cf GERALDI, 1985, 
p.129). 
 
SAIBA! 
É preciso não perder de vista que o autor/sujeito emerge do discurso na escritura, e 
o professor enxergará isso, observando as marcas, delineando as pistas e 
trabalhando a leitura e escritura como práticas discursivas. 
 
As situações de ensino/aprendizagem devem ser instauradoras da relação de 
interação e interlocução – ela é objeto de conhecimento e constitutiva do 
conhecimento na interação. Não se trata apenas de ensinar (no sentido de 
transmitir) a escrita, mas de usá-la como interação e interlocução na sala de aula, 
experimentando a linguagem nas suas várias possibilidades. 
 
Veja a seguir algumas importantes contribuições de Smolka (1988) que servem de 
sugestão para a abordagem destas questões no ensino, na sala de aula: 
 
“Buscando, então, transformar algumas condições e procedimentos de 
ensino nas escolas, começamos a usar, como uma das formas de articulação 
das atividades e de constituição da interdiscursividade, a literatura infantil. 
Além da literatura, procurávamos implementar as várias formas de linguagem 
(plástica, corporal etc) possíveis e viáveis nas situações escolares. E por que 
a utilização da literatura? Porque a literatura, como discurso escrito, revela, 
 
 28 
registra e trabalha formas e normas do discurso social; ao mesmo tempo, 
instaura e amplia o espaço interdiscursivo, na medida em que inclui outros 
interlocutores – de outros lugares, de outros tempos – criando novas 
condições e novas possibilidades de troca de saberes, convocando os 
ouvintes/leitores a participarem como protagonistas no diálogo que se 
estabelece”. (SMOLKA, 1988, p.80). 
 
E ainda: 
 
“Nesse processo, a escrita integra o habitus e a possibilidade, a necessidade 
e o gosto (também forjados socialmente) da interação por escrito ganham 
força na correspondência e no registro das experiências. Mas relato e ficção 
se fundem, se confundem: o imaginário também ganha força. Fatos e 
crenças, ritos e mitos, medos e desejos são explicitados. É o discurso 
cotidiano que começa a ser marcado pelo trabalho de escritura das crianças 
e que traz, portanto, as marcas da realidade sócio-cultural dos indivíduos e 
dos grupos em interação.” (SMOLKA, 1988, p.100). 
 
Após a reflexão apresentada, considerando a proposta da autora, veja agora três 
textos também apresentados por Smolka, (1988), em que se podem reconhecer 
todos esses aspectos por ela apontados, relacionados ao trabalho com o texto 
literário e o processo de subjetivação da criança, através da leitura/escrita. 
 
 [A galinha foi na feira com o galo. Ela beijou o galo. Ela passou "boca louca". O 
pintinho falou: "Olha o namoro!" O galo falou: "Porque a sua mãe é bonita demais!" 
A galinha falou: "Você também é". O galo falou: "Obrigado". A galinha falou: 
"Obrigado, você". O galo: "De nada". O galo deu um 'boca louca" para ela. O 
pintinho bicou o galo, o galo pegou os pintinhos no couro e o galo casou com a 
galinha e os dois foram passear no bosque. A galinha ficou contente. Os pintinhos 
ficaram chorando.] 
 
 
 
SMOLKA, 1988, p. 102 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 29 
 
 [A minha irmã parece o Janjão e eu não gosto dela... ela mexe quando eu tô 
brincando de carrinho ela não deixa eu brincando de carrinho porque ela não gosta 
que eu não "brinco" com moleque de rua. Mas eu vou na rua, eu bato nela e eu vou, 
bato, e a minha mãe bate em mim e vou dormir. Depois que eu acordo, quando meu 
pai chega, eu falo pra ele, ele bate nela. Eu gosto quando meu primo bate nela. Eu 
dou risada. Acabou "dessa" folha] 
 
 
 
SMOLKA, 1988, p. 103 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 30 
 
 [Eu acharia melhor que todo mundo que viesse na festa, não estragasse as 
bandeirinhas, os balões todos que tivessem na festa, não estragasse. Guardasse 
pro outro ano. Porque as folhas são caras, os cartazes também. Cada um ponha as 
sujeiras no lixo, senão as faxineiras não dão conta... Papel no lixo conserva a nossa 
escola. Porque ontem de ontem eu vim trazer o menino que eu olho, tinha cada 
balão lindo, cada desenho lindo! Tinha um balão no meio do pátio parecia balão de 
verdade! Podia guardar todos os materiais. Pelo jeito que eu vi eu acho que foi uma 
festa linda! Pena que eu não pude vir aqui! Este cartaz que está na nossa classe, a 
gente podia sortear ou senão, guardar como lembrança lá embaixo... Também eu 
não posso porque eu sou crente da Congregação Cristã do Brasil, eu não posso 
participar da rodinha do escarnecedor] 
 
 
 
SMOLKA, 1988, p. 105 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 31 
RESUMO DA UNIDADE I 
 
Na Unidade I, você acompanhou o percurso da frase ao texto, passando pelas três 
fases de construção da Linguística Textual: 
 
I. Fase Transfrástica – a própria designação já aponta o principal interesse dessa 
fase, a análise transfrástica que vai além dos limites da frase. Esta fase volta-se 
para os fenômenos linguísticos que nunca foram bem explicados pelas teorias 
formalistas limitadas ao nível da frase. 
 
II. Fase da Gramática Textual – essa fase apoiou-se no objetivo de criar 
gramáticas textuais. Mesmo considerando-se já um bom desenvolvimento nas 
investigações da LT, acreditava-se ser o texto um sistema uniforme, estável e 
abstrato e, nesse ponto, ainda se aproximavam um pouco da forma como o 
estruturalismo descrevia a língua (sistema uniforme, estável e abstrato). As 
gramáticas textuais refletiam acerca de fenômenos linguísticos não explicáveis por 
uma gramática da frase 
 
III. Fase da Teoria do Texto – conforme sintetiza Bentes, 2007, diferentemente das 
gramáticas textuais que tencionavam a competência textual de falantes/ouvintes 
ideais, nessa fase, a língua passa a ser entendida não mais como um sistema 
abstrato (virtual), mas atual, em funcionamento, em uso efetivo. Nessa medida, o 
texto deixa de ser visto como um produto formal pronto e acabado (ideal) e passa a 
ser entendido como um processo (real) em funcionamento. 
 
Na sequência, você pode conferir a conceituação do texto que podemos 
esquematizar abaixo assim: 
 
➊A produção textual é uma atividade verbal – o falante/ouvinte pratica ações, 
atos de fala; há sempre um objetivo a ser atingido; os enunciados são dotados de 
certa força (atos) - saudação, pergunta, asserção, solicitação, convite, despedida, 
etc; esses atos estão inseridos em contextos situacionais, sócio-cognitivos e 
culturais; esses atos estão inseridos em contextos situacionais, sócio-cognitivos e 
culturais. 
 
➋A produção textual é uma atividade verbal consciente – o falante/ouvinte tem 
objetivos e intenções - ele sabe o que faz, como faz e porque faz; o sujeito/falante 
tem um papel ativo na produção textual - dizer é fazer; o sujeito/falante tem um 
papel ativo na produção textual - dizeré fazer; há uma consciência no uso do 
conhecimento, elementos linguísticos e fatores pragmáticos e interacionais. 
 
➌A produção textual é uma atividade verbal, consciente e interacional – o texto 
é o produto da interação entre falante/ouvinte, autor/leitor; os interlocutores estão 
obrigatoriamente envolvidos nos processos de construção e compreensão do texto. 
Em seguida, você refletiu sobre como se constroem os sentidos no texto através da 
sua organização estrutural e processamento textual. Sobre o processamento 
textual, você acompanhou as descrições sobre o conhecimento linguístico; o 
conhecimento enciclopédico; e o conhecimento interacional. Sobre a organização 
estrutural do texto, você viu que o texto se organiza a partir de três níveis: 
 
 
 32 
SUPERESTRUTURAL – ou de nível global, com ênfase nas relações 
esquemático-cognitivas. 
 
MACROESTRUTURAL – ou de nível semântico, com ênfase nas relações 
de coerência textual. 
 
MICROESTRUTURAL – ou de nível de superfície linguística, com ênfase 
nas relações de coesão textual. 
 
Para aprofundar o estudo da Coerência, você estudou os seguintes critérios de 
textualidade da coerência: 
 
1- Princípio de interpretabilidade 
2- Situação comunicativa 
3- Conhecimento de mundo e conhecimento partilhado 
4- Polifonia 
5- Inferência 
6- Intertextualidade 
7- Intencionalidade 
8- Informatividade 
 
Para aprofundar o estudo da Coesão, você estudou os seguintes critérios de 
textualidade da coesão: 
 
1- Coesão Referencial por substituição e reiteração 
2- Coesão Recorrencial por recorrência de termos, paralelismo, paráfrase e recursos 
fonológicos 
3- Coesão Sequencial por elementos temporais e por conexão. 
 
 33 
 
RESUMO DA UNIDADE II 
 
Na Unidade II, você acompanhou as discussões sobre o texto oral e o texto escrito – 
suas diferenças e características e seus diferentes níveis de formalidade, 
organização e variação. 
 
Vimos que o ensino tradicional não considera a noção de variação linguística, 
Linguística não leva em conta a linguagem falada e trabalha com uma linguagem 
“estática”. Ele se torna ainda mais precário no que se refere ao trabalho: com a 
linguagem oral e com os níveis de formalidade do discurso; com a conceituação do 
que vem a ser o texto e seus critérios de textualidade; e com o processo de leitura e 
produção escrita. Infelizmente, a realidade escolar mostra sérios problemas 
relacionados à aquisição da linguagem escrita, envolvendo os processos de leitura e 
produção. 
 
Outro ponto merecedor de destaque é que refletir sobre a relação oralidade / escrita 
inevitavelmente traz à tona questões relacionadas à variação linguística e, nesse 
sentido, é importante refletir sobre os aspectos teóricos que dizem respeito às 
modalidades oral e escrita em relação aos diferentes níveis de formalidade da 
linguagem e variação que compõem um “continuum” fala-escrita. 
 
Como bem coloca Marcuschi (1997), a variação linguística pode ser investigada 
tanto na oralidade como na escrita. No entanto, é interessante enfocarmos a fala, já 
que esta é uma atividade muito mais fundamental que a escrita na vida das 
pessoas. O homem é essencialmente um ser que fala. Entretanto, como temos visto, 
a escola não considera esse lugar da fala e confere, no ambiente acadêmico, uma 
posição inferior, desvalorizada, centralizando a atenção dos alunos nas atividades 
de escrita. 
 
Em linhas gerais, você observou que as características da fala e da escrita não são 
exclusivas nem de uma nem de outra modalidade e que elas foram estabelecidas a 
partir dos parâmetros da escrita por visão preconceituosa que discriminava a fala. 
Nesse sentido, é mister entender que a fala possui características próprias, 
particulares à sua situação enunciativa, sua forma de organização e realização. Veja 
abaixo algumas das característica mais essenciais da natureza da fala 
(mencionadas por Koch op cit; Marcurschi op cit) que merecem destaque e revelam-
se originalmente particulares a ela. 
 
Devido a sua interacionabilidade intrínseca, a fala é, a priori, “não-planejável”. Ela 
precisa ser apenas “localmente planejável”. 
 
Possui sua verbalização e planejamento concomitantes, pois esses processos 
emergem no momento da interação – a fala é o seu próprio rascunho. 
 
Apresenta descontinuidades frequentes no fluxo discursivo: abandono de tópicos 
discursivos; retomadas de tópicos discursivos, inserções abruptas de novos tópicos 
discursivos, truncamentos etc. 
 
 
 34 
Sintaxe característica/típica ligada, de certa forma, à sintaxe geral da língua. Um 
exemplo é a topicalização: “Esse menino eu não sei se tomou banho hoje”; “A 
violência, falta de segurança, eu não me acostumo com esse ritmo de grandes 
metrópoles no Brasil” 
 
Fala é processo, portanto, é dinâmica: não é um produto pronto e acabado, pois 
está continuamente se (re)fazendo, indo-e-voltando nos tópicos de interesse dos 
interlocutores, definindo-se em razão das necessidades, escolhas e pressões 
comunicativas da interação. 
 
Ainda sobre o binômio Oralidade e Escrita, você acompanhou as considerações 
acerca de algumas discussões apontadas por Marcuschi: 
 
I. Fala x escrita - a perspectiva das dicotomias 
II. Oralidade x letramento ou fala x escrita? 
III. Oralidade e escrita no contexto das práticas sociais 
IV. Oralidade x escrita: a tendência fenomenológica de caráter culturalista 
V. Fala x escrita – perspectiva variacionista 
VI. Oralidade x escrita – a perspectiva interacional 
VII. Concepção e funcionamento da língua – consequente relação fala / escrita 
 
Seguimos também com uma apresentação sobre a Análise da Conversação e os 
seus níveis essenciais de análise: 
 
A) macronível: nas fases conversacionais – abertura, fechamento e parte central, e 
o tema central e subtemas da conversação. 
B) nível médio: turno conversacional, tomada de turnos, sequência conversacional, 
atos de fala e marcadores conversacionais. 
C) micronível: elementos internos do ato de fala, que constituem sua estrutura 
sintática, lexical, fonológica e prosódica. 
 
Você pode aprofundar o olhar, nessa discussão sobre: 
 
I. Sobre o tratamento dos dados orais 
II. A organização da conversa 
III. Os marcadores conversacionais 
IV. A construção da compreensão no texto falado 
 
Por fim, vou acompanhou a reflexão sobre a Leitura, Oralidade e Escrita como 
práticas linguísticas, sociais e pedagógicas. 
 
Aprofundando o olhar acerca destes funcionamentos sociais, concordamos que 
historicamente, as práticas de Escrita e Leitura se configuraram como 
representações sócio-discursivas de diferentes classes e aquelas práticas 
relacionadas às classes econômico e politicamente dominantes foram atreladas ao 
“bom uso” do vernáculo, à aquisição e acúmulo do conhecimento (e sua 
organização), ao progresso e avanço científico-tecnológico e à ascensão social. 
Nessa perspectiva, vinculou-se à escola, sobretudo, o papel de “ensinar”, reproduzir 
e reconhecer tais práticas. 
 
 
 35 
BIBLIOGRAFIA 
 
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec, 2002. 
_____ . Estética da Criação Verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2002. 
 
BENTES, A. C. Linguística Textual. IN. MUSSALIM, F. & BENTES, A. Introdução à 
Linguística – Domínios e Fronteiras. 5ed. São Paulo, Cortez. Vol.1., 2007, p.245-
287. 
 
BENVENISTE, E. O Aparelho Formal da Enunciação. IN Problemas de Lingüística 
Geral II. Campinas: Pontes, 1989. 
 
BRITO, P.L. Em terra de surdos-mudos: um estudo sobre as condições de produção 
de textos escolares. In: GERALDI, J.W. (org). O Texto na sala de aula. Cascavel: 
Assoeste, 1985. 
 
COSTA VAL, M. G. Redação e textualidade. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 
 
DIJK, T. A. Some aspects of text grammars. Paris, The Hague, 1972. 
 
_____. Cognição, discurso e interação. 3 ed. São Paulo, contexto, 2000. 
 
DIONÍSIO, Ângela P. Análise da conversação. In: MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. 
(orgs). Introdução à Linguística – Domínios e Fronteiras. 6ed. São Paulo: Cortez, 
Vol.2, 2005, p.69-99.DUCROT, O. O Dizer e o Dito. Campinas, Pontes, 1987. 
 
FÁVERO, L. L. Coesão e Coerência Textuais. 3ed. São Paulo, Ática, 2009. 
 
FÁVERO, L. L. & KOCH, I. V. Linguística textual: introdução. 4ed. São Paulo, 
Cortez, 2005. 
 
FOUCAMBERT, J. A criança o professor e a leitura. Porto Alegre, Artes Médicas, 
1998. 
 
GERALDI, J.W. (org). O Texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1985, p.109-
119. 
 
KOCH, I.V. Introdução à linguística textual. 2ed, São Paulo, Martins Fontes, 2009. 
 
_____. O texto e a construção dos sentidos. 9ed. São Paulo, Contexto, 2007. 
 
_____. Interferências da oralidade na aquisição da escrita. In: Trabalhos em 
Linguística Aplicada. Vol.30, Campinas: Unicamp, 1997b, p.31-38. 
 
_____. Desvendando os segredos do texto. 4 ed. São Paulo, Cortez, 2006. 
 
KOCH, I. V; TRAVAGLIA L. C. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1993. 
 
 36 
MARCUSCHI, L. A. Linguística textual: o que é e como se faz. Recife, UFPE, 
1983. 
_____. Concepções de Língua Falada nos Manuais de Português de 1o. e 2o. Graus: 
uma Visão Crítica. In: Trabalhos em Lingüística aplicada. no.30. Campinas, 
UNICAMP/IEL, 1997, p.39-79. 
 
_____. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 7ed. São Paulo: 
Cortez, 2007a. 
 
_____. Análise da conversação. 6. ed. São Paulo: Ática, 2007b. 
 
PLATÃO, F. S. & FIORIN, J. L. Lições de Texto: Leitura e Redação. São Paulo, 
Ática, 1996. 
 
SMOLKA, A.L. A criança na fase inicial da escrita. São Paulo: Cortez, 1988.

Mais conteúdos dessa disciplina