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1 LIVRO-TEXTO: COERÊNCIA E COESÃO NA LINGUAGEM EM USO – ORAL E ESCRITA SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DO PERFIL ACADÊMICO DA AUTORA INTRODUÇÃO UNIDADE I – INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA TEXTUAL: PERCURSO HISTÓRICO, OBJETO DE ESTUDO, CATEGORIAS TEÓRICAS E DE ANÁLISE. 1. Da frase ao texto - as três fases de construção da Linguística Textual. 2. Conceito de texto e a construção de sentidos no texto 3. Os eixos de análise textual – Coerência 4. Os eixos de análise textual – Coesão UNIDADE II – TEXTO ORAL E TEXTO ESCRITO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PEDAGÓGICAS 5. Diferenças e características entre o texto falado e escrito: a relação oralidade / escrita e seus diferentes níveis de formalidade, organização e variação 6. Mais algumas considerações sobre o binômio oralidade e escrita 7. Considerações sobre a análise da conversação. 8. Leitura, oralidade e escrita: práticas linguísticas, sociais e pedagógicas. 2 APRESENTAÇÃO DO PERFIL ACADÊMICO DA AUTORA A Professora Mônica Oliveira Santos nasceu em Campina grande–PB, graduou-se no curso de Letras (1997) pela Universidade Federal da Paraíba, tendo desenvolvido trabalhos de iniciação científica na área de Análise do Discurso, durante a graduação. É Mestre em Linguística Aplicada (2000), com ênfase na área de Ensino de Língua Materna, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e é Doutora em Linguística (2004), com ênfase nas áreas da Semântica e Análise do Discurso, também pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é Professora Titular da Universidade Paulista – UNIP –, ministrando as disciplinas de Gramática Aplicada à Língua Portuguesa, Teorias do Texto, Semântica e Pragmática, Análise do Discurso, Análise Crítica do Discurso e Semiótica, Relações entre Tecnologia Ciência, Tecnologia e Sociedade e Morfossintaxe Aplicada à Língua Portuguesa. É Coordenadora do curso de Letras da (UNIP) - Campus de Campinas/Swift e atua ainda como líder das disciplinas Teorias do Texto, Análise do Discurso e Gramática Aplicada à Língua Portuguesa, Morfossintaxe da Língua Portuguesa e Morfossintaxe Aplicada à Língua Portuguesa. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Semântica, Texto e Discurso, atuando principalmente nas abordagens relativas à Enunciação Coletiva, Enunciação Proverbial, Funcionamento Enunciativo-discursivo, Textualidade- Discursividade, Relação Sentido e Sujeito e Ensino do Português. Dentre outras produções nas áreas de estudo do Texto e da Análise do Discurso, Mônica Oliveira Santos é autora do livro: "Um Comprimido que Anda de Boca em Boca: os Sujeitos e os Sentidos no Espaço da Enunciação Proverbial" (2007, publicado pela FAPESP e Editora Pontes) e co-autora dos livros: "Em Torno da Língua(gem): Questões e Análises" (2007, publicado pelas Edições UESB); "Território da Linguagem" (2004, publicado pela Editora Bagagem); e "Texto, Discurso, Interpretação: Ensino e Pesquisa" (2001, publicado pela Editora Ideia). De modo bastante direcionado, o percurso teórico-produtivo de Mônica Oliveira Santos focaliza -se nas questões pertinentes às teorias do Texto e do Discurso, centralizando-se sobremaneira nas abordagens do ensino, da enunciação, dos sujeitos e da construção/produção de sentidos. 3 INTRODUÇÃO A abordagem desta disciplina, “Coerência e Coesão na Linguagem em Uso – Oralidade e escrita”, abrange o estudo teórico do texto e contexto a partir da perspectiva da Linguística Textual e Sócio-interacionista, visando a destacar os principais concepções relacionadas ao conceito de texto, sua organização, processamento e categorias de análise, tanto em sua modalidade oral como escrita. Sendo assim, este estudo acerca do universo textual será desenvolvido, considerando um panorama que vai desde o nascimento de uma Linguística do Texto no contexto das análises transfrásticas, passando pela caracterização e diferenciação das modalidades oral e escrita, até as inter-relações que a Linguística Textual faz com as diferentes linhas teóricas de estudo do texto como a Sociolinguística, a Análise da Conversação, bem como, enfaticamente, as principais teorias de Leitura. Tal panorama pautar-se-á pelo caráter multi e transdisciplinar dessas teorias, cuja preocupação maior é o texto (como processo complexo de interação e construção social de conhecimento e de linguagem que envolve ações linguísticas, cognitivas e sociais na sua organização, produção e funcionamento), e que levam o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua nas diversas situações de interação verbal e social, sobre o uso dos recursos que a língua lhe oferece, sobre a adequação dos textos a cada situação, bem como sobre o papel da leitura em relação às questões pedagógicas, linguísticas e sociais. 4 UNIDADE I – INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA TEXTUAL: PERCURSO HISTÓRICO, OBJETO DE ESTUDO, CATEGORIAS TEÓRICAS E DE ANÁLISE. 1. Da frase ao texto – as três fases de construção da Linguística Textual. Nos estudos da linguagem, é muito importante pensar a estrutura do texto como uma unidade de análise linguística. Por mais que pareça óbvio entender o texto como unidade de análise linguística e por mais que se faça evidente a necessidade de estudá-lo em sua estrutura e construção, desvendando o seu processamento, organização, modalidades e gêneros, é bom lembramos de que isso nem sempre foi um consenso e que tais ideias nem sempre foram aceitas. Nesse sentido, o campo científico denominado Linguística Textual nasce de um intenso e extenso esforço teórico que defende que toda a Linguística é necessariamente Linguística de Texto (Cf. KOCH, 2009; 2007; 2006; DIJK, 1972; MARCUSCHI,1983). Tal visão e método científicos confrontam-se e opõem-se fortemente ao campo teórico da Linguística Estrutural, movimento pioneiro e demarcador dos estudos linguísticos no parâmetro científico, que teve seu período de ascensão e reconhecimento do final do século XIX até a metade do XX, aproximadamente, e que traz como fundamentos balizares as ideias postuladas pelo linguista suíço Ferdinand Saussure. Em função de seu crescente avanço, desenvolvimento e sucesso, a Linguística Estrutural acabou chamando a atenção de outros olhares teóricos também relacionados à linguagem para além do formalismo estruturalista (história, antropologia, sociologia, etnometodologia, psicologia etc) e cresceu ainda mais a necessidade de ampliar seus domínios, bem como o interesse em sanar possíveis lacunas e insuficiências dessa ciência piloto, afinal uma ciência nunca está fechada, pronta e acabada! Sendo assim, a partir da década de 60, surgem lugares de ruptura na fronteira com o Estruturalismo linguístico e dissidências se fazem, constituindo (a partir de vários aspectos teóricos lacônicos, insuficientes, pouco explorados, marginalizados etc) novos campos teóricos da linguística, na maioria deles em franca ruptura com algumas das ideias do estruturalismo linguístico, por exemplo: a sociolinguística a etnolinguística a psicolinguística a neurolinguística a pragmática a análise da conversação a análise do discurso a semântica a gramática gerativo-transformacional e especialmente aqui a Linguística Textual, entre outros campos, é claro 5 Em outras palavras, ainda que se reconheça a suma importância da Linguística Estrutural, o quadro teórico da Linguística atual retrata diferentes linhas teóricas que se instauraram a partir da tentativa de superar os equívocos e de preencher as lacunas e insuficiências deixadas pelo Estruturalismo linguístico. De modo geral, tais insuficiências/lacunas estão relacionadas a questões cruciais para o desenvolvimento dos estudos da linguagem e precisavam ser revistas, superadas, ultrapassadas. Veja no quadro abaixo os principais problemas / lacunas / insuficiências deixados pela Linguística Estrutural e que serviram de motivação / objetivo para a Linguística Textual, entre outrasáreas de estudo da linguagem, buscarem resolver. PRINCIPAIS PROBLEMAS DO ESTRUTURALISMO LINGUÍSTICO a dicotomia Língua x Fala leva à desconsideração da Fala e do Falante a desconsideração dos aspectos Extralinguísticos leva à desconsideração do contexto e dos aspectos sociais, situacionais, históricos e ideológicos a autonomia do objeto de estudo: língua leva a um estudo limitado da linguagem, considerada em sua imanência e isolada de seu contexto de uso, bem como das inter-relações entre os diversos estudos que em interface compõem um panorama analítico mais completo dos fenômenos da linguagem a desconsideração da subjetividade leva à desconsideração do Sujeito a unidade de análise centralizada na Frase leva à desconsideração dos demais níveis de análise além da frase: o texto, o discurso, a conversação etc a separação do Enunciado de sua Enunciação leva à desconsideração de questões relativas ao texto como unidade maior, ao sujeito, à significação e à subjetividade na linguagem o pouco caso relegado ao estudo da Significação e do Sentido entre outras questões de igual modo importantes leva à insuficiência em relação ao trabalho com os fenômenos da significação e do sentido As diferentes linhas linguístico-teóricas anteriormente citadas, romperam com o estruturalismo linguístico, cada uma em função de um(ns) ou outro(s) aspecto(s) e a partir disso delimitaram seus limites de pesquisa sobre a língua(gem). No caso da Linguística Textual, todos esses aspectos negligenciados pela tradição estruturalista justificaram a delimitação/instauração do campo de Estudo do Texto, alguns mais crucialmente que outros. 6 SAIBA! Alguns dos aspectos mais importantes que foram criticados na tradição estruturalista e que serviram ponto de partida para a instauração da Linguística textual, no sentido de serem obstáculos a serem superados foram: a delimitação da frase (e não do texto) como unidade máxima de análise a desimportância relegada ao texto e sua organização global a desconsideração da Fala (do texto falado) e seus aspectos funcionais e organizacionais e por fim a total desconsideração do sujeito (falante) e da situação comunicativa na análise linguística. É válido salientar mais uma vez que tais aspectos problemáticos, caracterizadores das lacunas da tradição linguístico-estrutural, levaram esse “lugar de ruptura teórica”, os estudos do texto, a empenhar-se: em ir além dos limites da frase; em reintegrar o sujeito e a situação sócio-comunicativa ao escopo de investigação teórica; e em desenvolver e ampliar o estudo do texto em suas modalidades oral e escrita, a partir de sua organização estrutural, processamento cognitivo e funcionamento sócio-interacional, instaurando assim a Linguística Textual (doravante LT). Na busca por alcançar os objetivos acima, em sua constituição, a LT passou por três fases de desenvolvimento. Conforme apontam Bentes, 2007; e Koch, 2009; 2007; 2006, não houve um desenvolvimento exatamente homogêneo dessas três fases. Os estudos acerca do texto desenvolveram-se e ampliaram-se em diferentes países dentro e fora da Europa (destaque-se a produção norte-americana, germânica e anglo-saxã), mais ou menos à mesma época e com preocupações teóricas variadas. Dessa forma, é importante perceber que não houve precisamente uma sucessão cronológica na transposição de uma fase à outra. O que melhor caracteriza a mudança de uma fase para a outra é muito mais a ampliação e aprofundamento gradual dos estudos da LT, marcando cada vez mais fortemente o seu afastamento em relação à Linguística Estrutural. Cada nova fase busca superar os limites e insuficiências da fase anterior. Conforme descrevem Bentes, 2007; Marcuschi, 1983 e Koch, 2009; 2007; 2006, (entre outros autores clássicos desse campo científico), estas três fases da LT costumam ser conhecidas como: 1a. Fase Transfrástica. 2a. Fase da Gramática Textual. 3a. Fase da Teoria do Texto. 7 Agora que as fases destacáveis da LT já foram apresentadas rapidamente, é importante considerar que a LT atualmente está mais bem representada por esta terceira fase em que as suas questões teórico-metodológicas de investigação apresentam-se melhor desenvolvidas. Dito isto vamos conhecer mais detalhadamente os aspectos e características de cada uma das três fases. SAIBA! É bom lembrar que, apesar de não se poder levar em conta datas precisas quanto ao início e fim de cada uma das fases, é possível contextualizar aproximadamente (e superficialmente) a Fase Transfrástica na década de 1960, a Fase da Gramática Textual na década de 1970 e a Fase da Teoria do Texto a partir da década de 1980 até os dias de hoje. I. Fase Transfrástica – a própria designação já aponta o principal interesse dessa fase, a análise transfrástica que vai além dos limites da frase. Esta fase volta-se para os fenômenos linguísticos que nunca foram bem explicados pelas teorias formalistas limitadas ao nível da frase. Conforme sintetiza Bentes: “Na análise transfrástica, parte-se da frase para o texto. Exatamente por estarem preocupados com as relações que se estabelecem entre as frases e os períodos, de forma que construa uma unidade de sentido, os estudiosos perceberam a existência de fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas: o fenômeno da correferenciação, por exemplo, ultrapassa a fronteira da frase e só pode ser melhor compreendido no interior do texto.” (BENTES, 2007, p.247). O fenômeno da correferenciação estuda o múltiplo referenciamento e significa que o referente textual, ou seja, aquilo sobre o que o texto fala, encontra-se retomado ao longo do texto de diferentes formas, por exemplo: A) “Juliana adora doces, massas e frituras. A pestinha está passando do peso. Essa pequena poderá ter problemas, se não fechar a boca. B) “Marta foi ao banco. Ela se assustou com os juros do cheque especial”. O referente “Juliana” foi retomado pelas formas “a pestinha” e “essa pequena”. Isso fez fluir e progredir a construção do sentido ao longo das sequências de modo que cada sequência introduzida por um novo co-referente veio a acrescentar informações numa direção argumentativa. Se prestarmos atenção, veremos que o referente “Juliana” não dá nenhuma pista sobre tratar-se de uma criança, contudo quando consideramos os co-referentes “a pestinha” e “essa pequena” somos levados a essa possível leitura sem que nenhuma menção explícita tenha sido feita a isso. Numa análise transfrástica, é possível olhar o pronome pessoal de 3a pessoa diferentemente da visão tradicional estruturalista que vê apenas uma simples substituição no nome “Marta” pelo pronome “ela”. Perceba que o uso do pronome propicia ao ouvinte/leitor instruções de conexão entre a predicação que se faz do pronome “se assustou com os preços altos” e o próprio Sintagma Nominal em questão “Marta” (considerado como aquele sobre o 8 qual também já se disse algo). Tal mecanismo colabora na construção do perfil do referente “Marta” por parte do ouvinte/leitor. SAIBA! Observe! Não é a concordância de gênero e número entre nome e pronome (Marta = ela) que garante a equivalência entre esses dois termos, mas as relações estabelecidas entre as suas predicações. É por causa dessas relações que sabemos que o pronome “ela” se refere ao SN “Marta”. Entretanto, o mero mecanismo de correferenciação entre sequências não constitui obrigatoriamente um texto. Ampliando seus esforços, os estudiosos foram observando, ao lado da correferenciação, outros fenômenos que também estabelecem relações entre as orações por meio de sequenciação (conectivos), pronominalização (pronomes), definitivização (artigos definidos e indefinidos), concordância verbal, relação tópico-comentário entre outros. Porém, a investigaçãoacerca dos elementos conectivo-sequenciadores, que estabelecem relações entre as orações, levou os teóricos a questionarem se havia obrigatoriedade de relações conectivas presentes entre os enunciados para se constituir um texto. Vejam-se os exemplos: A) Alberto não foi ao aniversário de sua irmã: enviou-lhe um presente. B) Alberto não foi ao aniversário de sua irmã: estava adoentado. C) Alberto não foi ao aniversário de sua irmã: não pode dizer quem estava lá. Como é possível constatar, em (a), é a relação adversativa, implicada pelo conector “mas”, a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Em (b), é a relação explicativa, implicada pelo conector “porque”, a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Em (c), é a relação conclusiva, implicada pelo conector “portanto”, a que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Entretanto, os conectores “mas”, “porque” e “portanto” não estão presentes entre os enunciados, mas isso não impede que o ouvinte/leitor reconstrua o sentido da sequência, constituindo mentalmente as relações argumentativas próprias entre as orações. Desse modo, conforme Bentes, considerar “o conhecimento intuitivo do falante acerca das relações a serem estabelecidas entre sentenças e o fato de nem todo texto apresentar o fenômeno da co-referenciação... [constituíram] fortes motivos para a construção de uma outra linha de pesquisa, que não considerasse o texto apenas uma simples soma... de frases.” (BENTES, op.cit., p.249). Os estudiosos partem, então, para uma segunda fase de desenvolvimento da LT, considerando os múltiplos mecanismos possíveis que garantem a linearidade, progressão textual e construção de sentidos. 9 II. Fase da Gramática Textual – essa fase apoiou-se no objetivo de criar gramáticas textuais. Mesmo considerando-se já um bom desenvolvimento nas investigações da LT, acreditava-se ser o texto um sistema uniforme, estável e abstrato e, nesse ponto, ainda se aproximavam um pouco da forma como o estruturalismo descrevia a língua (sistema uniforme, estável e abstrato). As gramáticas textuais refletiam acerca de fenômenos linguísticos não explicáveis por uma gramática da frase. “Neste período, postulava-se o ‘texto’ como uma unidade teórica formalmente construída, em oposição ao “discurso”, unidade funcional, comunicativa e intersubjetivamente construída.” (BENTES, op.cit., p.249). Nessa fase, é possível constatar a forte influência teórica da Gramática Gerativo- Transformacional de Noam Chomsky. O Gerativismo é outra corrente linguística que nasce na segunda metade do século XX e que também rompe com o estruturalismo linguístico, mas que mantém um caráter de pesquisa bastante formal que afirma ser a língua um sistema inato ao homem e não um produto de aprendizado social, portanto, desse ponto de vista, as regras da língua são uniformes e estáveis e já estão prontas na mente. Seu objeto de estudo será então o sistema abstrato de regras Linguísticas inatas à mente humana e não o uso que se faz delas no plano social. Assim, o texto é tomado como a maior unidade linguística de análise que pode ser decomposto (e recomposto) em unidades menores classificáveis numa gramática do texto, buscando assim descrever que papel cada elemento desempenha textualmente. Assim, como o Gerativismo considera a competência linguística do Falante Ideal que detém o conhecimento internalizado de todas as regras da língua (mesmo que não seja levado a usá-las socialmente, ou seja, ele tem a competência, mas não necessariamente o desempenho), essa segunda fase considera a competência textual: “todo falante nativo possui um conhecimento acerca do que seja um texto... sabe reconhecer quando um conjunto de enunciados constitui um texto [ou não]... é capaz de resumir e/ou parafrasear um texto... perceber se ele está completo [ou não]”. (BENTES, op.cit., p.250). Nesse sentido, o falante possuiria três capacidades textuais básicas, conforme aponta Charolles (1989 apud BENTES, op.cit., p.250): 1a. a capacidade formativa (produzir e compreender) 2a. a capacidade transformativa (reformular, parafrasear e resumir) 3a. a capacidade qualificativa (reconhecer e tipificar: narração, descrição, argumentação) Uma gramática do texto teria as seguintes tarefas, conforme apontam Fávero & Koch (2005): observação dos princípios e fatores de textualidade responsáveis pela coesão e coerência textual flagrados na superfície do texto; observação de critérios para delimitação do texto em sua completude; e diferenciação dos vários tipos textuais. Veja que o texto é tomado como um “tecido” com princípios específicos, regras e fatores que formam o conjunto homogêneo e uniforme da textualidade. Assim como 10 o Gerativismo concebe o Falante Ideal, as gramáticas textuais concebem o Texto Ideal. O texto seria uma unidade teórica e considerá-lo em funcionamento era considerar o discurso e não o texto. No entanto, a pretensão das gramáticas textuais não alcançou todos os objetivos da investigação acerca do texto, deixando vários fenômenos inexplicáveis ou mal explicados. Não eram capazes de descrever todas as possíveis regras de textualidade, até porque os gêneros textuais são plurais e muito produtivos. Todos os dias podem surgir novos gêneros textuais (orais e escritos) com princípios e regras particulares (até bem pouco tempo não se tinha o e-mail ou o chat, por exemplo!). Cai assim o princípio de homogeneidade textual. Esse tratamento das gramáticas textuais começou a ser visto como excessivamente formal e iniciou-se um terceiro movimento. III. Fase da Teoria do Texto – conforme sintetiza Bentes, 2007, diferentemente das gramáticas textuais que tencionavam a competência textual de falantes/ouvintes ideais, nessa fase, busca-se “Investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso 1 ... [adquirindo] particular importância ... [o] seu contexto pragmático [ou seja,] o conjunto de condições externas da produção, recepção e interpretação dos textos.” (BENTES, op.cit., p.251). A língua passa a ser entendida não mais como um sistema abstrato (virtual), mas atual, em funcionamento, em uso efetivo. Nessa medida, o texto deixa de ser visto como um produto formal pronto e acabado (ideal) e passa a ser entendido como um processo (real) em funcionamento. Vemos assim que, nessa perspectiva, a LT torna-se uma disciplina de caráter interdisciplinar, relacionando seus interesses com os de outras áreas do conhecimento que envolvem questões de linguagem e sociedade. Conforme Marcuschi (1998), a LT pode ser bem compreendida como “uma disciplina de caráter multidisciplinar, dinâmica, funcional e processual, considerando a língua como não-autônoma nem sob seu aspecto formal”. (MARCUSCHI,1998).2 OBSERVAÇÃO: Para ampliar o conhecimento acerca dos rumos atuais da Linguística Textual, sugerimos a leitura do texto indicado abaixo: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502001000300002 [acesso em 22/09/2015, às 14:59] 1 Grifo nosso. 2 Maiores detalhes sobre essa fase serão aprofundados nos itens que se seguem, em função dessa ser hoje a fase referencial (atual) da LT. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502001000300002 11 2. Conceito de texto e a construção de sentidos no texto Conforme apresenta Bentes (2007), assim como a Linguística Textual (LT) evoluiu ao longo de suas três fases, o conceito de Texto também evoluiu. Observem-se as características principais que constituem as concepções de texto predominantes em cada fase. I. Em um primeiro momento (Fase Transfrástica), o texto é concebido como: “uma sequência pronominal ininterrupta” - dada a ênfase na questão da co- referenciação. (HARWEG, 1968, Apud BENTES, op.cit., p.247). “uma sequênciacoerente de enunciados” (ISENBERG, 1970, Apud BENTES, op.cit., p.247). “forma de organização do material linguístico” (BENTES, op.cit., p.253). “unidade linguística superior à frase” (KOCH, 1997, Apud BENTES, op.cit., p.253). II. Em um segundo momento (Fase da Gramática Textual), o texto é concebido como: “complexo de proposições sintático-semânticas” (apresenta um conjunto de conteúdos). (BENTES, op.cit., p.253). “estrutura pronta e acabada” (BENTES, op.cit., p.253) que obedece a uma estrutura formal articulada estritamente a partir de sete fatores de textualidade: - Coesão; - Coerência; - Aceitabilidade; - Informatividade; - Situacionalidade; - Intertextualidade; e - Intencionalidade. “produto de uma competência linguística idealizada” (ênfase no aspecto formal do texto – extensão e constituintes). (GARRAFA, 1987, Apud, BENTES, op.cit., p.253). “maior unidade linguística com sequência coerente e consistente de signos linguísticos.” (WEINREICH, 1971, Apud, BENTES, op.cit., p.253). Uma definição de texto que representa bem esses dois primeiros momentos é o de Stammerjohann: “O termo abrange tanto textos orais, como textos escritos que tenham como extensão mínima dois signos lingüísticos, um dos quais, porém, pode ser suprido pela situação, no caso de textos de uma só palavra, como ‘Socorro!’, sendo sua extensão máxima indeterminada.” (STAMMERJOHANN, Apud BENTES, op.cit., p.253). 12 Conforme Bentes, entre os conceitos de texto da primeira e segunda fase não há representativas diferenças. Porém, vale a pena salientar ainda que as Gramáticas Textuais assim como definem o TEXTO também definem o NÃO-TEXTO: TEXTO = “sequências linguísticas coerentes entre si” NÃO-TEXTO = “sequências linguísticas incoerentes entre si” Essa oposição (texto X não-texto) em si já se mostra um tanto desconexa se se considerar estranho ou difícil de imaginar uma “sequência” que não seja lógica e coerente. Só é sequência porque possui uma lógica, do contrário seria apenas um amontoado aleatório de elementos! Considerava-se Não-Texto as produções que “ferissem” algum(ns) dos sete fatores de textualidade. II. Em um terceiro momento (Fase da Teoria do Texto), a noção de texto é completamente revista. A Teoria do Texto não considera a possibilidade do “não- texto”, primeiramente por ser ilógico conceber uma sequência linguística incoerente em si. Se há uma sequência linguística, certamente há uma lógica. É possível, por exemplo, encontrar textos precários, incompletos, lacônicos etc, mas que não perdem o seu estatuto de texto por isso. Desde que uma “sequência” faça sentido para alguém, já será um texto. Por exemplo, se considerarmos um gênero textual bastante informal e corriqueiro, mesmo que escrito, o “recado de geladeira”. Imagine que alguém (uma moça) que mora com a mãe, escreva o seguinte recado de geladeira: A1) “Mãe, deixei o Lucas na creche agorinha. Volto na próxima segunda. Beijo, Luíza.” É possível que algum purista que analise este texto o julgue incompleto, lacônico, mal-estruturado por falta de referências... Entretanto, considerando o funcionamento social deste gênero, a situação comunicativa que o envolve, os possíveis interlocutores/falantes que dele se utilizam para estabelecer uma comunicação etc, vemos que é um texto absolutamente possível, funcional e suficiente. Não está faltando, nem sobrando informação. Elas são justas ao que é necessário nesta situação comunicativa, cujas interlocutoras são “Luíza”, autora do texto e sua “mãe”, a interlocutora/leitora. A “mãe”, interlocutora/leitora do texto, sabe muito bem que é sua filha, a irmã do “Lucas” quem escreve, sabe que “Lucas” é uma criança pequena e por isso ainda vai à creche, que “agorinha” significa, por exemplo, de manhã, horário natural em que se deixam as crianças na creche e ainda sabe quando vai ser a “próxima segunda”, dia em que a filha vai voltar para casa. Não é preciso acrescentar nada: imagine como seria esquisito e impróprio um “recado de geladeira”, nessa mesma situação comunicativa, que trouxesse todas essas informações implícitas (que são totalmente possíveis de inferir) sem a mínima necessidade de sua presença: A2) “Prezada senhora Marilda Pinheiro, eu, sua filha Luíza Pinheiro, 24 anos, residente nesse mesmo domicílio, informo solenemente que entreguei o seu 13 filho Lucas Pinheiro, meu irmão caçula, de três anos de idade, aos cuidados da creche Criança Feliz, domiciliada à rua Jatobá, 66, centro, as 7h da manhã do dia 10 de Outubro de 2010. Informo ainda que estou viajando a trabalho para Belo horizonte e tenho meu regresso datado para a próxima segunda- feira, dia 18 de Outubro de 2010. Sem mais para o momento, firmo-me: Luiza Pinheiro. Por outro lado, um texto pode fazer todo sentido para um falante e para outro pode não fazer nenhum sentido. Para ilustrar esta possibilidade, vejamos como exemplo o texto a seguir: A vaguidão específica – Millôr Fernandes “As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica”. (Richard Gehman). - Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte. - Junto com as outras? - Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia. - Sim senhora. Olha, o homem está aí. - Aquele de quando choveu? - Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo. - Que é que você disse a ele? - Eu disse para ele continuar. - Ele já começou? - Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse. - É bom? - Mais ou menos. O outro parece mais capaz. - Você trouxe tudo pra cima? - Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera. - Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite. - Está bem, vou ver como. Note-se que o problema de coesão caracterizado pela falta de referências não chega a constituir, de forma alguma, falta de coerência no texto, que impossibilite a comunicação entre as interlocutoras dele, pois a proposta do autor é a de que a situacionalidade preencha as lacunas referenciais entre as interlocutoras. Talvez para outros interlocutores/leitores, o texto não faça sentido algum, mas definitivamente as informações veiculadas por ele são suficientes para as interlocutoras dessa interação que possuem o conhecimento partilhado necessário à compreensão da sua suposta falta de referência em si. Ou seja, um texto pode fazer sentido para uns e para outros não! Considere-se ainda que, no texto em questão, o autor não prioriza as informações do texto em si, cujas referências estão ausentes, mas especialmente o tom de humor em referir-se sarcasticamente a certas características apontadas como do universo feminino. 14 Para esta terceira fase, o texto não pode ser entendido como uma estrutura pronta e acabada, um produto, mas como um processo com atividades globais de comunicação – planejamento, verbalização, e construção. Lembre-se de que considerar o texto como um processo é considerar seu funcionamento com atividades de planejamento, verbalização e construção a partir de aspectos: Linguísticos (sintáticos, lexicais etc); Semânticos (conteúdo, coerência, significação); e Pragmáticos (seu uso, situação comunicativa, contexto etc). E sem perder de vista a importante relação entre os sujeitos da produção textual: falante/ouvinte; autor/leitor. Essa relação é crucial para que o texto faça sentido e se organize especificamente de uma forma e não de outra; quer esta relação se dê no aspecto interpessoal (entre pessoas), ou entre instituições, ou ente uma instituição e uma coletividade, ou entre uma mídia e uma coletividade etc. O mesmo texto, inclusive, é passível de diferentes leituras num mesmo momento histórico ou se lido em épocas e contextos diferentes.Como exemplo disso podemos citar bem rapidamente as diferentes interpretações dos textos bíblicos que as pessoas fazem de um modo geral ou para si próprias. A própria forma linguística da Lei abre “brechas” para distintas interpretações... Ou ainda, um texto pode ser considerado moralmente impróprio, ou vulgar, ou acintoso aos valores sociais, familiares e religiosos etc e em outro momento/contexto pode ser considerado revolucionário, à frente de seu tempo, verdadeiro etc: os poemas de Gregório de Matos (o poeta barroco conhecido como “Boca do Inferno”) podem ser um bom exemplo disso. Ou, por outro lado, um texto que pode ter sido considerado poético, verdadeiro e bonito em dado momento histórico, pode hoje ser motivo de piada e referência de preconceito e opressão: por exemplo, a música “Ai, que saudades da Amélia”, de Ataulfo Alves e Mário Lago, de 1941, sobretudo em sua segunda estrofe que hoje faz-nos considerar “Amélia” um adjetivo pejorativo quanto à caracterização da mulher moderna: “Ai, que saudades da Amélia” Nunca vi fazer tanta exigência Nem fazer o que você me faz Você não sabe o que é consciência Nem vê que eu sou um pobre rapaz Você só pensa em luxo e riqueza Tudo o que você vê, você quer Ai, meu Deus, que saudade da Amélia Aquilo sim é que era mulher Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer 15 Quando me via contrariado Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!" Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade Voltando à questão da conceituação do texto, na terceira fase da LT, conforme descreve Koch (op.cit), a definição de texto deve considerar que: ➊A produção textual é uma atividade verbal ➋A produção textual é uma atividade verbal consciente ➌A produção textual é uma atividade verbal, consciente e interacional ★o falante/ouvinte pratica ações, atos de fala; ★o falante/ouvinte tem objetivos e intenções - ele sabe o que faz, como faz e porque faz; ★o texto é o produto da interação entre falante/ouvinte, autor/leitor; ★há sempre um objetivo a ser atingido; ★o sujeito/falante tem um papel ativo na produção textual - dizer é fazer; ★os interlocutores estão obrigatoriamente envolvidos nos processos de construção e compreensão do texto. ★os enunciados são dotados de certa força (atos) - saudação, pergunta, asserção, solicitação, convite, despedida, etc; ★há uma consciência no uso do conhecimento, elementos linguísticos e fatores pragmáticos e interacionais. ★esses atos estão inseridos em contextos situacionais, sócio- cognitivos e culturais. Vejam-se três definições de texto de diferentes autores (que são exponenciais neste momento mais atual da Linguística Textual), mas que devem ser tomadas em sua complementaridade entre si, uma vez que não deve haver apenas uma definição engessada em si mesma para definir o texto (apud BENTES op.cit., p.255- 256): Bakhtin (1929) – “Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor”. 16 Koch (1997a) – “Poder-se-ia, assim, conceituar o texto, como uma manifestação verbal constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas sócio-culturais”. Marcuschi (1983) – “Proponho que se veja a Lingüística do Texto, mesmo que provisória e genericamente, como o estudo das operações lingüísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais. Seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos constituintes lingüísticos, a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações ao nível pragmático da produção do sentido no plano das ações e intenções. Em suma, a Lingüística Textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. Por um lado, deve preservar a organização linear que é o tratamento estritamente lingüístico, abordado no aspecto da coesão e, por outro lado, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear: portanto, dos níveis do sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas”. 2.1 – Construindo sentidos no texto: organização estrutural e processamento textual Uma vez que já construímos o panorama teórico da constituição da LT de seu nascimento, desenvolvimento até à caracterização de seu objeto de estudo (o texto) no perfil atual e vigente deste campo de investigação, agora serão apresentadas algumas das principais categorias teóricas de análise relacionadas à organização estrutural, às estratégias de processamento e funcionamento e ao contexto interacional. Essa descrição será topicalizada da seguinte maneira: I. Processamento textual II. Organização estrutural I. Processamento textual – o texto deve sempre ser entendido como um processo. O processamento textual acontece através de sistemas de conhecimento acionados no texto e no contexto de produção (KOCH, 2007; 2006). Na produção textual, toda ação (fazer) é necessariamente acompanhada de processos de ordem cognitiva, de maneira que o sujeito dispõe de modelos e tipos de operações mentais. Os interlocutores, na comunicação, dispõem de saberes acumulados sobre os diversos tipos de atividades da vida social, eles têm conhecimentos na memória que precisam ser ativados para que a atividade seja efetivada com sucesso. Tais atividades geram expectativas e isso compõe um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto. 17 Considerando o texto como um processo, HEINEMANN e VIEHWEGER (1991 apud Koch 2007) definem três grandes sistemas de conhecimento, responsáveis pelo processamento textual global: Conhecimento linguístico: diz respeito ao conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela escolha dos termos e pela organização do material linguístico na superfície textual, inclusive dos elementos coesivos. Conhecimento enciclopédico ou de mundo: corresponde às informações armazenadas na memória de cada sujeito. O conhecimento do mundo abrange o conhecimento declarativo, manifestado por enunciações acerca dos fatos do mundo (“A Ponta do Seixas, na Paraíba, é o extremo leste do continente americano”; “São Paulo é a cidade mais populosa do Brasil”) e o conhecimento episódico e intuitivo, adquirido por via da experiência (“Não dá para fritar o ovo sem quebrar a casa”). Conhecimento interacional: compreende dimensão interpessoal da linguagem, ou seja, com a realização de certas ações por meio da linguagem. Divide-se em: conhecimento ilocucional: (meios diretos e indiretos para atingir um objetivo); conhecimento comunicacional: (meios adequados para atingir os objetivos desejados); conhecimento metacomunicativo: (meios de prevenir e evitar distúrbios na comunicação - atenuação, paráfrases, parênteses de esclarecimento etc); conhecimento superestrutural: (modelos textuais globais que permitem aos usuários reconhecer um texto como pertencente a determinado gênero ou certos esquemas cognitivos). Entenda quetais formas de conhecimento são estruturadas em modelos cognitivos. Nessa medida, os conceitos são organizados em blocos, formando uma rede de relações, de forma que um dado conceito sempre aciona uma série de entidades. É o caso da eleição, à qual se associam: políticos, eleitores, corrupção, CPI, leis, senado, dinheiro e hoje em dia até cuecas! É por causa dessa estruturação que o conhecimento enciclopédico transforma-se em conhecimento procedimental e fornece instruções para agir em situações particulares e agir em situações específicas. II. Organização estrutural – de modo geral, alguns autores, como por exemplo, Dijk (2000), Koch (2007; 2006), Fávero (2009) e Kleiman (2004; 2007), orientam uma organização textual a partir de três níveis estruturais (inter-relacionáveis entre si) a serem apresentados e brevemente descritos a seguir: Superestrutural, Macroestrutural e Microestrutural, conforme esquematizado abaixo: 18 SUPERESTRUTURAL – ou de nível global, com ênfase nas relações esquemático-cognitivas. MACROESTRUTURAL – ou de nível semântico, com ênfase nas relações de coerência textual. MICROESTRUTURAL – ou de nível de superfície linguística, com ênfase nas relações de coesão textual. Quanto ao nível SUPERESTRUTURAL, este se refere tanto às estruturas textuais globais que permitem o reconhecimento dos gêneros ou tipos (ver exemplos abaixo), como também envolve o conhecimento sobre estratégias esquemáticas cognitivas relacionadas à significação global da base textual. São estratégias facilitadoras na produção/recepção de textos que acionam na memória o conhecimento armazenado, através de modelos globais como, esquemas, frames scripts e planos. MODELOS GLOBAIS ➠Frames Certo conjunto convencional de elementos armazenados na memória sem uma organização sequencial que acionamos cognitivamente numa situação de uso. Por exemplo, ao se mencionar o frame “festa de aniversário”, acionamos o conjunto “balões, brigadeiros, bolo, vela, crianças, salgados, presente etc” sem uma necessária ordem desses elementos. Outros exemplos de frames: natal, carnaval, correios etc ➠Esquemas Certo conjunto convencional de elementos armazenados na memória e organizados sequencialmente que acionamos cognitivamente numa situação de uso. Por exemplo, ao se mencionar o esquema “um dia de trabalho”, acionamos o conjunto numa determinada ordem “acordar, levantar, fazer xixi, tomar banho, vestir-se, tomar café, sair de casa, chegar ao trabalho, trabalhar até meio dia, sair para o almoço... etc”. ➠Planos Modelos de comportamento manifestados pelas pessoas no sentido de alcançarem um certo propósito e que são acionados numa situação de uso. Ao deparar-se com uma situação típica produzida pelo falante, o ouvinte já interpreta suas intenções. Por exemplo, um adolescente que organiza um plano para conseguir dos pais permissão para viajar sozinho. ➠Scripts São planos mais estabilizados ou estereotipados com rotina bem estabelecida e que geralmente especificam papéis e ações dos interlocutores. Por exemplo, carta de amor, infância, novela etc. 19 Veja-se a seguir um esquema geral dos principais tipos de texto: Quanto aos níveis MACROESTRUTURAL e MICROESTRUTURAL, estes serão abordados a seguir em sessões separadas. tTipos Tipos de Texto Técnico e Científico Argumentativo Humanístico Literário Periodístico Expositivo Narrativo Informativo Descritivo Dedução Indução Dialogado Opinativo Ensaio Jurídico Administrativo Publicitário Coloquial- Dialetal 20 3. Os eixos de análise textual – Coerência A coerência faz parte do nível MACROESTRUTURAL de análise, como referimos antes. Este nível refere-se às relações de coerência textual, responsáveis por construir a significação global no texto através dos processos de produção e compreensão textual, analisados numa leitura top-down (no eixo vertical). A coerência textual é considerada fundamental para a textualidade, pois dela depende em grande parte o sentido do texto. A construção da coerência textual depende da organização tentacular de fatores de diversas ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais e pragmáticos. Autores como Costa Val (2006) e Koch (2007; 1997; 2006) apresentam a coerência como responsável pela diferença entre um texto e um aglomerado de frases. É pela coerência que as ideias são conectadas, harmonizadas, não contraditórias, propiciando a compreensão semântica global. Platão e Fiorin, (1996, Cf. pp. 397-400), simplificam esta questão, apresentando os diferentes níveis de coerência: Coerência narrativa é a que ocorre quando se respeitam as implicações lógicas existentes entre as partes da narrativa. (...) A coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações explícitas colocadas no texto e as conclusões que se tira deles, as consequências que se fazem deles decorrer. (...) Coerência figurativa diz respeito à combinatória de figuras para manifestar um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si. (...) Coerência temporal é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista da localização no tempo. (...) Coerência espacial diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto de vista da localização espacial. (...) Coerência no nível de linguagem usado e a compatibilidade, do ponto de vista da variante linguística escolhida, no nível do léxico e das estruturas sintéticas utilizados no texto. (...) Note que alguns autores como Koch (2007; 2006; 2009), Fávero (2009) e Bentes (2007), defendem importantes critérios de textualidade, relativos à coerência textual, entre os quais os mais importantes são: 1- Princípio de interpretabilidade – depende da co-participação entre produtor e receptor na situação de comunicação e da intenção comunicativa. Não há textos incoerentes em si, eles são coerentes dentro de um contexto interacional e o que pode ser incoerente para um pode fazer todo sentido para outro. Por exemplo, algumas letras de música que podem ser perfeitamente interpretadas por uma coletividade para quem determinado estilo musical é familiar, corriqueiro e 21 identificador de determinada cultura, enquanto que para outra coletividade tal estilo não seja tão identificador e que, portanto, não haja uma total ou mesmo boa compreensão por falta de conhecimento de certas referencias, culturais, comportamentais etc. Poderíamos entender que uma letra de rap pudesse gerar essa dualidade interpretativa. Veja um trecho da música “Sequestro”, dos Detentos do Rap: “Coletes? Ok. armamento? Ok. Veiculos? Ok. Mapa geral da situação de Guadalupe? Ok. Tem alguma duvida? Não, não, não... Então fé em Deus e vamo pro arrebento É isso mesmo.” (http://letras.mus.br/detentos-do-rap/1155336/) 2- Situação comunicativa – diz respeito à situacionalidade que envolve a interação e interfere na produção/recepção do texto, podendo ser entendida em sentido estrito (contexto imediato) e em sentido amplo (contexto sócio-político-cultural). Bentes dá o exemplo da música “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, de Roberto Carlos em homenagem ao Caetano Veloso. Para quem conhece o contexto amplo, é possível entender que a música trata do exílio de Caetano em função do período da ditadura militar no Brasil. Mas para um jovem que não tenha essas referências, o texto pode referir talvez uma situação romântica de saudades entre amantes à distância. Veja a letra: “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, Um dia a areia branca Seus pés irão tocar E vai molhar seus cabelosA água azul do mar Janelas e portas vão se abrir Pra ver você chegar E ao se sentir em casa Sorrindo vai chorar Debaixo dos caracóis dos seus cabelos Uma história pra contar de um mundo tão distante Debaixo dos caracóis dos seus cabelos Um soluço e a vontade de ficar mais um instante As luzes e o colorido Que você vê agora Nas ruas por onde anda Na casa onde mora Você olha tudo e nada Lhe faz ficar contente Você só deseja agora Voltar pra sua gente Debaixo dos caracóis dos seus cabelos Uma história pra contar de um mundo tão distante Debaixo dos caracóis dos seus cabelos Um soluço e a vontade de ficar mais um instante Você anda pela tarde E o seu olhar tristonho Deixa sangrar no peito Uma saudade, um sonho Um dia vou ver você Chegando num sorriso Pisando a areia branca Que é seu paraíso Debaixo dos caracóis dos seus cabelos Uma história pra contar de um mundo tão distante Debaixo dos caracóis dos seus cabelos Um soluço e a vontade de ficar mais um instante (http://letras.mus.br/roberto-carlos/48576/) 22 3- Conhecimento de mundo e conhecimento partilhado – conhecimento de mundo é toda memória de vida (social, histórica e individual) armazenada mentalmente e o conhecimento partilhado é a intersecção de conhecimentos comuns compartilhados por produtor e receptor na interação comunicativa. Os modelos cognitivos globais são ferramentas importantes para organizar as relações entre o conhecimento de mundo e o conhecimento partilhado. Conforme Kock & Travaglia (1993, p.60). O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no estabelecimento da coerência: se o texto falar de coisas que absolutamente não conhecemos, será difícil calcularmos o seu sentido e ele nos parecerá destituído de coerência. É o que aconteceria a muitos de nós se nos defrontássemos com um tratado de física quântica! Adquirimos esse conhecimento à medida que vivemos, tomando contato com o mundo que nos cerca e experienciando uma série de fatos. Mas ele não é arquivado na memória de maneira caótica: vamos armazenando os conhecimentos em ‘blocos’, que se denominam ‘modelos’ cognitivos.” 4- Polifonia – (várias vozes) diz respeito ao jogo de vozes e pontos de vista presentes no texto. Muitas vezes a mudança de vozes nem sempre aparece nitidamente marcada no texto. Para ilustrar esse funcionamento, Bentes dá como exemplo a música “ECT”, de Nando Reis, Marisa Monte, Carlinhos Brown. Nela há uma rede polifônica de várias vozes representadas: O eu lírico do texto, o narrador, o funcionário dos correios, o locutor/remetente da carta etc “ECT” Tava com o cara que carimba postais Que por descuido abriu uma carta que voltou Levou um susto que lhe abriu a boca Esse recado vem pra mim, não pro senhor Recebo crack, colante Dinheiro parco embrulhado em papel carbono e barbante Até cabelo cortado Retrato de 3x4 pra batizado distante Mas isso aqui, meu senhor É uma carta de amor Leve o mundo que eu vou já Leve o mundo que eu vou já Leve o mundo que eu vou já Leve o mundo que eu vou Mas esse cara tem a língua solta A minha carta, ele musicou Tava em casa, vitamina pronta Ouvi no rádio a minha carta de amor Dizendo: eu caso contente Papel passado e presente desembrulhado Vestido Eu volto logo, me espera Não brigue nunca comigo Eu quero ver nossos filhos O professor me ensinou fazer uma carta de amor Levo o mundo e não vou lá Levo o mundo e não vou lá Levo o mundo e não vou lá Levo o mundo e não vou (http://letras.mus.br/marisa-monte/431968/) 5- Inferência – relaciona-se às estratégias cognitivas que, com base no conhecimento de mundo, organizam e acionam os modelos globais de estruturas textuais: frames, esquemas, planos, scripts. Vejamos alguns exemplos de inferências, a seguir, apontados em Kock & Travaglia (1993, p.65-66). “Paulo comprou um... [Camaro] novinho em folha.” Inferências: 1. Paulo tem um carro. 2. Paulo tinha recursos para comprar o carro. 3. Paulo é rico. 4.Paulo é melhor companhia que você. 23 (...) “A diz: -A campainha! B diz: -Tô no banho A diz: -Tudo bem” Não se pode dizer que, do ponto de vista estritamente linguístico, haja uma relação entre as três falas. No entanto, não temos nenhuma dificuldade em estabelecer as ‘pontes’ que faltam. 6- Intertextualidade – é um fator importante para o processamento cognitivo do texto, na medida em que recorre ao conhecimento de outros textos. Todo texto traz em si, em níveis variáveis, um grau de intertextualidade, seja ela explícita (quando há indicação da fonte) ou implícita (quando não há indicação da fonte). Veja o exemplo abaixo que faz parte de uma campanha publicitária de MatosGrey para o Ação Criança, entidade que luta contra a desnutrição infantil. O Slogan em baixo do anúncio diz: “Uma criança sem comida na barriga, só tem comida na cabeça. Ajude a Ação Criança a lutar contra a desnutrição infantil”. Veja-se que a intertextualidade está presente quando remete o pato “feio” comida/receita (que seria sem graça e que ao molho roquefort fica muito mais apetitoso) ao “Patinho feio” da literatura infantil, inclusiva a imagem do anúncio remete imageticamente a fusão/intertextualidade dos textos livro de receita culinária (de pato) e o livro infantil do “Patinho feio”. [https://artedesign.wordpress.com/2008/05/05/ - acesso em 25/9/2015 Às 16:00] 7- Intencionalidade – esse critério tem uma forte relação com a argumentatividade e refere-se à forma como os sujeitos usam textos a fim de perseguir e realizar suas intenções, de modo que seus textos produzam-se adequados à obtenção dos efeitos desejados. Conforme Kock & Travaglia (1993, p.80) 24 A ‘aceitalibidade’ constitui a contraparte da intencionalidade Já se disse que, segundo o Principio Cooperativo de Grice, o postulado básico que rege a comunicação humana é o da cooperação, isto é, quando duas pessoas interagem por meio de linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e procuram calcular o sentido do texto do(s) interlocutor(s), partindo das pistas que ele contém e ativando seu conhecimento de mundo, da situação, etc. Assim, mesmo que um texto não se apresente, à primeira vista, como perfeitamente coerente e não tenha explícitos os elementos de coesão, o receptor vai tentar estabelecer a sua coerência, dando-lhe a interpretação que lhe pareça cabível, tendo em vista os demais fatores de textualidade. É por isso que, como já mencionamos por várias vezes, Charolles – 1983 conceitua a coerência como um princípio de interpretabilidade do discurso. 8- Informatividade – é o grau de previsibilidade informacional presente no texto que também está condicionado à intencionalidade e é regulado pelo contexto situacional mais amplo. O grau de informatividade vem imediatamente da relação “dado-novo” referente às informações do texto. Um texto pode trazer um nível de informações novas alto, intermediário ou baixo. É importante salientar que esse critério também depende da interação emissor/receptor: o texto “a terra é redonda” pode ter nível zero de informação para um e ter nível alto de informação para outro (uma criança, por exemplo). Outros aspectos que também merecem consideração sobre a questão da coerência: a consistência e relevância, a aceitabilidade, os fatores de contextualização e os próprios elementos linguísticos que em si já servem de pistas argumentativas. 25 4. Os eixos de análise textual – Coesão A coesão textual faz parte do nível MICROESTRUTURAL de análise, como referimos antes. Este nível refere-se às relações coesivas lineares que dizem respeito ao modo como os elementos presentes na superfície textual (no eixo horizontal) estão interconectados através de recursos linguísticos, constituindo sequências veiculadoras de sentido. Diferentemente da coerência, a coesão diz respeito à estrutura formal do texto. Trata da manifestação linguística da coerência e apresenta-se naforma como conceitos e relações subjacentes são expressos no texto. A coesão é construída através de elementos gramaticais (pronomes anafóricos, catafóricos, artigos, elipse, concordância, correlação entre os tempos verbais, conjunções, etc.), que definem as relações entre frases e sequências de frases e no interior das mesmas, e elementos lexicais, através da reiteração, da substituição e da associação (cf. COSTA VAL, 2006, p.6). As várias possibilidades de coesão textual podem ser agrupadas dentro de três grandes tipos (cf. FÁVERO, 2009): ➊ Coesão referencial ➋ Coesão recorrencial ➌ Coesão sequencial Diz respeito aos elementos que têm a função de estabelecer referência. Não são interpretados pelo seu sentido próprio, mas referem-se a alguma outra coisa, relacionando o signo a um objeto. A coesão referencial é obtida por meio da substituição e reiteração de termos. Esta se dá quando, apesar de retomadas estruturais, a informação progride, o discurso segue a diante. A coesão recorrencial é obtida por meio da recorrência de termos, paralelismo, paráfrase e recursos fonológicos. Esta tem por função (assim como a recorrencial) fazer o texto progredir, encaminhar o fluxo informacional, porém não pela retomada de itens ou estruturas, mas pela sequenciação das sentenças através de mecanismos temporais e conectivos. Para considerarmos uma apresentação mais pormenorizada do eixo da coesão na organização do texto, devemos levar em conta que cada um dos três tipos de coesão (1. Referencial; 2. Recorrencial; e 3. Sequencial) organiza-se a partir de um conjunto de subtipos. Para estudarmos mais detalhadamente estes aspectos, consideraremos as descrições da autora supracitada, Leonor Fávero, que tão bem apresenta a coesão textual em suas microrrelações na construção do texto: I. Coesão Referencial – relacionada objetivamente com o estabelecimento da referência, subdivide-se em dois tipos: Substituição e Reiteração. 26 1) SUBSTITUIÇÃO – dá-se quando um elemento é retomado ou antecedido por uma proforma (elemento gramatical de baixa densidade sêmica – o pronome, por exemplo). As proformas podem ser: pronominais: “Anita vendeu um carro. Ele é preto”. A proforma pronominal ELE retoma o referente UM CARRO. verbais: “Laura caminha todos os dias no parque da cidade. Armando faz o mesmo”. A proforma verbal FAZ O MESMO retoma o referente CAMINHA TODOS OS DIAS NO PARQUE. numerais: “Evandro e Marta são primos. Ambos estudam numa escola do estado”. A proforma numeral AMBOS retoma o referente EVANDRO e MARTA. adverbiais: “PÂMELA vai à Paris todos os anos em Dezembro. Lá faz muito frio”. No caso da retomada do referente, tem-se uma anáfora, por exemplo: A1) “Anita é uma moça trabalhadora e esforçada. Ela levanta cedo e dorme tarde, pois, para trabalhar, essa moça pega quatro conduções todos os dias”. ANITA = referente ELA = proforma pronominal ESSA = proforma pronominal No caso da sucessão do referente, tem-se uma catáfora, por exemplo: A2) “Juliana só me disse isso: não quero casar com Pedro”. 27 ISSO = proforma pronominal NÃO QUERO CASAR COM PEDRO = Referente Podem ainda ser incluídos no tipo de coesão referencial por substituição os subtipos: Anáfora esquemática: “Meu filho vai casar-se. Ela é professora”. O pronome ELA retoma a ideia de que o filho vai casar-se com uma mulher. Definitivização: “Era uma vez uma princesa encantada que vivia presa numa torre. A princesa era filha...”. O referente é introduzido indefinidamente e retomado definidamente. Elipse: é a substituição por zero . _“O que você fez ontem o dia inteiro? _ Nada. _ Não fez nada durante o dia inteiro? _ Não”. 2) REITERAÇÃO – dá-se quando há repetição de certas expressões no texto que possuem a mesma referência. Os tipos de reiteração são: repetição do mesmo item lexical: “A água acabou com a cidade. A cidade ficou alagada. Da cidade não sobrou nada”. sinônimia: “Tião é o meu cachorro” / “Tião é o meu cão” hiperonímia: “Luciana comprou um imóvel. O apartamento tinha uma excelente vista”. hipônímia: “Júlia foi vendedora de carros. Os veículos eram de primeira linha”. 28 II. Coesão Recorrencial – voltada à recorrência temática para construir o movimento dado-novo que retoma as informações dadas e acrescenta informações novas, fazendo fluir o texto. 1) RECORRÊNCIA DE TERMOS: tem função de ênfase, intensificação e possibilita o fluir da informação no texto. Por exemplo: “Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor...” (M. BANDEIRA, apud FÁVERO, op cit, p. 27). 2) PARALELISMO: traz estruturas (lexicais) ou idéias (do mesmo campo semântico) paralelas. Por exemplo: “Eia! Eia! Eia! Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria! Eia telegrafia sem fios, simpatia metálica do inconsciente! Eia túneis, eia canais, panamá, Kiel,Suez! ...”. (F. PESSOA, apud FÁVERO, op cit, p. 28). 3) PARÁFRASE: ato de reformulação pelo qual dizemos a “mesma coisa” com outras palavras, relacionando texto-fonte e texto-derivado. 4)RECURSOS FONOLÓGICOS: “a forma fonética é uma consequência da estrutura semântica fornecida pela sintaxe”, considerando-se nesse aspecto os funcionamentos pragmáticos, estilísticos e psicolinguísticos da produção textual (cf. FÁVERO, p. 29). Os recursos fonológicos podem ser de dois tipos: segmentais : aliteração, assonância, cacofonia etc suprassegmentais: ritmo, silêncio, entonação etc III. Coesão Sequencial – também fazem progredir o texto como os mecanismos recorrenciais, fazendo caminhar o fluxo informacional, mas não há neles a retomada a itens ou expressões anteriores. 1) TEMPORAL: toda sequenciação é temporal, mas essa categoria quer indicar o tempo no “mundo real”, conforme explica Fávero (op cit). Aqui temos os seguintes subitens: ordenação linear dos elementos: “Levantou cedo, tomou café e saiu”. expressões ordenadoras ou continuadoras: “Inicialmente você lava os cabelos. Depois aplica a máscara capilar. A seguir você enxágua e escova os cabelos”. partículas temporais: “Não deixe de escovar os dentes à noite”. correlação dos tempos verbais: “Eu solicitei que saíssem da minha casa”. 29 2) POR CONEXÃO: subordinação dos enunciados a outros para contriir a compreensão através de sua interdependência seja de ordem semântica, lógica ou pragmática. operadores do tipo lógico: estabelece relações gramaticais lógicas de interdependência. disjunção inclusiva – “Há vagas para moças ou rapazes” disjunção exclusiva – “Dilma ou Serra será eleito presidente do Brasil” condicionalidade – “Se chover, não iremos à praia” causalidade “Se Sócrates é homem, então ele é mortal” mediação – “Fugiu para que não o prendessem” complementação – “Jéssica deu uma flor à professora” restrição ou delimitação – “Atropelei a moça que faz artesanatos” operadores do discurso: estabelecem relações argumentativas, discursivas. conjunção – “Chove e faz sol” disjunção – “Estude bastante para as provas. Ou vai querer pegar uma DP?” contrajunção – “Estudou muito, porém, não passou no vestibular” [contudo / todavia / entretanto...] explicação ou justificativa – “Deve haver um engano, pois eu cheguei aqui desde ontem” conclusão – “Não gosto de você, portanto, saia da minha casa” pausas: restabelecem a conexão entre dois enunciado, mesmo com a ausência do conectivo – “Não mexa nesses fios; levará um choque” / “Não fui ao enterro; mandei uma coroa de flores”. Sintetizando, observe abaixo um esquema geral dos fatores de coesão, adaptado de Fávero (2009, p.60) que sintetiza as relações coesivas já estudadas: 30 ESQUEMA GERAL DOS FATORES DE COESÃO REFERENCIAL 1. Substituição (anafóricae catafórica) proformas pronominais proformas verbais proformas adverbiais proformas numerais 2. Reiteração repetição do mesmo item lexical sinonímia hiponímia e hiperonímia expressões nominais definidas nomes genéricos RECORRENCIAL 1. Recorrência de termos 2. Paralelismo 3. Paráfrase 4. Recursos fonológicos segmentais suprassegmentais SEQUENCIAL 1. Temporal ordenação linear expressões ordenadoras ou continuadoras partículas temporais correlação dos tempos verbais 2. Por conexão 2.1 – Operadores do tipo lógico disjunção condicionalidade causalidade mediação implicação lógica complementação restrição ou delimitação etc 2.2 – Operadores do discurso conjunção disjunção contrajunção explicação ou justificativa conclusão etc 2.3 – Pausas OBSERVAÇÃO: Para ampliar seus estudos sobre texto, coesão e coerência, sugerimos a leitura do texto indicado a seguir: http://www.filologia.org.br/revista/40suple/a_construcao_de_texto.pdf [Acesso em 22/09/2015, às 15:04] http://www.filologia.org.br/revista/40suple/a_construcao_de_texto.pdf 1 UNIDADE II – TEXTO ORAL E TEXTO ESCRITO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PEDAGÓGICAS 5. Diferenças e características entre o texto Falado e Escrito: a relação Oralidade / Escrita e seus diferentes níveis de formalidade, organização e variação Não é novidade o fato de que o ensino tradicional de língua em nossas escolas (seja língua materna ou estrangeira) é, ainda, bastante questionável em muitos dos seus aspectos. Essa constatação já é um consenso entre os educadores brasileiros, e tem-se identificado na formação do professor uma das principais causas dessa situação. É claro que são vários os fatores que causam essa crise, sendo a formação deficiente do professor de língua apenas uma das marcas visíveis do problema. Um dos aspectos dessa deficiência é a falta de uma base teórica que lhe dê segurança para trabalhar com o texto em sala de aula, fornecendo os procedimentos de leitura, interpretação e produção de textos pertinentes e necessários. O ensino tradicional não considera a noção de variação linguística, Linguística não leva em conta a linguagem falada e trabalha com uma linguagem “estática”. Ele se torna ainda mais precário no que se refere ao trabalho: com a linguagem oral e com os níveis de formalidade do discurso; com a conceituação do que vem a ser o texto e seus critérios de textualidade; e com o processo de leitura e produção escrita. Infelizmente, a realidade escolar mostra sérios problemas relacionados à aquisição da linguagem escrita, envolvendo os processos de leitura e produção: O discurso oral é tomado apenas como “anti-modelo”, ou seja, o que deve ser evitado na escrita, deixando de ser explorado enquanto processo ativo na linguagem. Os níveis de formalidade textual são encarados apenas como dois parâmetros que classificam a linguagem como formal (escrita) ou informal (oral), deixando de conferir ao texto (oral ou escrito) uma posição numa ‘escala’ de formalidade, atribuindo-lhe a propriedade de ser mais ou menos formal de acordo com sua natureza. O texto, na maioria das vezes, é tido como um conjunto de palavras a serem decodificadas sem se levar em conta elementos como autoria e sentido. O processo de escrita é considerado como cópia do padrão da escrita literária e acadêmica, sem que se ensine como se dá esse processo, nem quais as implicações da relação entre a passagem da oralidade para a escrita e o exercício da produção textual escrita. É urgente buscar soluções no sentido de se adotar uma postura mais séria e comprometida que supere e redimensione as concepções tradicionais de ensino de língua, veiculadas convencionalmente nas escolas. Assim, justifica-se a ênfase na importância acerca da reflexão sobre um “continuum” na relação fala/escrita e suas implicações na aquisição da linguagem escrita e processos de leitura e produção, 2 para uma aprendizagem mais proveitosa e adequada. Outro ponto merecedor de destaque é que refletir sobre a relação oralidade / escrita inevitavelmente traz à tona questões relacionadas à variação linguística e, nesse sentido, é importante refletir sobre os aspectos teóricos que dizem respeito às modalidades oral e escrita em relação aos diferentes níveis de formalidade da linguagem e variação que compõem um “continuum” fala-escrita. A elaboração textual está baseada numa diversidade de gêneros textuais que se bem explorada, a partir das diversas situações do dia-a-dia, nos diferentes níveis de formalidade, tanto no que se refere a textos falados, como textos escritos, propicia uma reflexão acerca da influência mútua entre as modalidades oral e escrita, uma vez que, tudo o que se fala pode se tornar escrito e vice-versa. Vejam-se alguns exemplos desses diferentes gêneros textuais do dia-a-dia (falados e escritos): DIFERENTES GÊNEROS TEXTUAIS DO DIA-A-DIA ESCRITOS FALADOS Cartas: pessoais, de recomendação, de demissão etc Novelas* (realização oral, elaboração escrita) Memorandos, ofícios, circulares Comerciais* (realização oral, elaboração escrita) Anúncios: publicitários, de emprego, de venda etc Cinema* (realização oral, elaboração escrita) Formulários (diversos) Peças teatrais* (realização oral, elaboração escrita) E-mails, chats Telefonemas Multas Aulas Posts, coments de blogs Entrevistas de emprego Notas fiscais Conferências, palestras, comunicações, Listas de compra Discursos parlamentares Bulas de remédio, receitas médicas, exames médicos Conversas de bar, de elevador, de ponto de ônibus, de namorados, de marido/mulher, de ex-marido e ex-mulher etc Recibos Teleconferências Contas domésticas Bate-papo em viva-voz via skype, msn etc Jornal impresso e eletrônico-digital Programas de rádio e TV Cheques Pregão na feira, na rua, na bolsa de valores Placas, out-doors Fofocas Recados de geladeira, de orkut, de post- it etc ‘Bronca’ (reprimenda) dos pais, da professora, do guarda de trânsito etc ETC! ETC! 3 A investigação linguística (sobretudo a textual), bem como a prática pedagógica, devem explorar as variedades de linguagem, não só incorporando o estudo da oralidade a suas questões de análise e investigação, mas concedendo-lhe uma consideração especial no que se refere à relação fala/escrita. Como bem coloca Marcuschi (1997), a variação linguística pode ser investigada tanto na oralidade como na escrita. No entanto, é interessante enfocarmos a fala, já que esta é uma atividade muito mais fundamental que a escrita na vida das pessoas. O homem é essencialmente um ser que fala. Entretanto, como temos visto, a escola não considera esse lugar da fala e confere, no ambiente acadêmico, uma posição inferior, desvalorizada, centralizando a atenção dos alunos nas atividades de escrita. SAIBA! Esse imaginário já está tão arraigado que é comum ouvir-se que a escola esta aí para ensinar a escrita e não a fala. A escola não pode ignorar a fala porque a escrita está essencialmente ligada a esta e, como já foi dito, o homem é essencialmente um ser que fala e não um ser que escreve. Se parar para pensar um pouco sobre a questão, o que é possível observar é que a atenção dada à fala no ambiente escolar e nos manuais didáticos é também resquício dos pressupostos teóricos linguísticos dos últimos séculos, que não mantinham uma preocupação com a fala “real”, ou autêntica e, portanto, desprezava a produção oral efetiva. Conforme Marcuschi, “fenômenos como a prosódia e até mesmo aspectos e efeitos expressivos de usos variados da língua e a própria variação socioletal não estavam nos horizontes da Linguística”. (Marcuschi, op.cit., p.40), Saiba que só nos últimos anos é que a oralidade começou a ser investigada mais seriamente e passou-sea refletir acerca da importância do estudo da fala e de suas variedades no ensino de Língua. Hoje, a preocupação com a oralidade vem se tornando cada vez mais aceita no contexto escolar. Contudo, nem sempre essa preocupação volta-se para as questões principais que devem ser abordadas. O ensino de língua deve garantir que a oralidade assuma o seu papel e o seu lugar na sala de aula e, portanto, deve ter em vista que variedade textual é adequada para ser trabalhada, considerando também a diversidade contextual. O principal objetivo em veicular um ensino baseado nessas questões é o de evitar a criação de uma concepção “monolítica” restrita ao modelo de escrita padrão. Como já se disse, a variedade linguística tanto se faz observar na fala como na escrita e o estudo dessas variedades deve ser conduzido de maneira continuada em ambas as modalidades. De acordo com Marcuschi, enxergar a língua por uma ótica “monolítica” leva a conceber um “dialeto de fala padrão” fundamentado na escrita, sem ligações com as relações de “influências mútuas” entre fala e escrita. A fala deve ter seu lugar bem definido no ensino de língua. Entenda que não se trata de ensinar a falar, mas de identificar a grandiosa riqueza e variabilidade dos usos da língua, pois um aspecto central no estudo da oralidade é a variação. É de fundamental importância ter em mente que a língua falada é: 4 variável de cultura para cultura; de sociedade para sociedade; de grupo para grupo; de situação para situação; de indivíduo para indivíduo; e a visão do dialeto padrão uniforme é uma visão teórica que não tem constatação no mundo real, não há um equivalente empírico para esta sistematização da língua(gem). (cf MARCUSCHI, op. cit. p. 41). Assim, não podemos perder de vista, no ensino de língua materna, noções como: PADRÃO NORMA JARGÃO DIALETO GÊNERO GÍRIA VARIANTE SOTAQUE REGISTRO ESTILO ETC Outro aspecto que não devemos perder de vista é a análise dos níveis de formalidade (+/- Formal; +/- Informal) e dos níveis de uso da língua e suas funções e valores sociais do mais ao menos formal, tanto na escrita como na fala, sem que tal abordagem se prenda restritamente à observação lexical. SAIBA! Conforme Marcuschi (op cit), a análise dos textos orais pode revelar as relações mútuas e diferenciadas que a fala mantém com a escrita, influenciando uma à outra nos diferentes processos de aquisição da escrita. O estudo da oralidade pode revelar a contribuição da fala na formação sócio-cultural e na preservação de tradições orais que persistem mesmo em culturas decisivamente letradas. Além disso, viabiliza, também, a investigação das diferenças e semelhanças nas atividades que relacionam fala e escrita, facilitando a abordagem da diversidade de processos de contextualização inserida nas produções orais e escritas. Considerar o estudo da fala e a ele se dedicar é, principalmente, criar uma oportunidade ímpar para explicitar, conforme Marcuschi: “Aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como, suas formas de disseminação. Além disso, é uma atividade relevante para analisar em que sentido a língua é um mecanismo de controle social e reprodução de esquemas de dominação e poder implícitos em usos linguísticos na vida diária, tendo em vista suas íntimas, complexas e comprovadas relações com as estruturas sociais”. (MARCUSCHI, op.cit., p.43). 5 Marcuschi (op. cit.) discute o papel e o lugar da oralidade no ensino de língua e ilustra sua argumentação com uma criteriosa análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e de uma gama considerável de livros didáticos de 1º e 2º graus. O autor afirma que, no século XXI, um dos desafios para as obras didáticas será aprender a lidar com a variação linguística em seus mais variados aspectos: ➊Variação sociolinguística ➋Variação dialetal ➌Variação de registros e níveis de fala ➍Variação de gêneros textuais realizados na fala ➎Variação de estratégias organizacionais da interação verbal ➏Variação de estratégias comunicativas ➐Variação de estratégias e processos de compreensão na interação ➑Variação de situações sócio-comunicativas ➒Variação de construções sintáticas ➓Variação de seleção lexical. (cf. MARCUSCHI, op.cit., p.76). Aceitar esse desafio e respeitar o lugar da oralidade na aula de língua é comprometer-se com um ensino sem discriminações linguísticas. 5.1 Fala e Escrita: peculiaridades próprias A Fala e a Escrita são duas modalidades de uso da língua que se utilizam do mesmo sistema lingüístico, linguístico mas têm suas próprias peculiaridades. Isso não significa que devam ser encaradas de maneira dicotômica (oposta, sendo uma superior e outra inferior). Conforme sintetiza Koch (2007; e 1997), vários estudiosos desta área como Marcuschi (1995/2007a), Koch & Oesterreicher (1990), Halliday (1985) e Koch (1992), afirmam que “os diversos tipos de práticas sociais de produção textual situam-se ao longo de um “continuum” tipológico, em cujas extremidades estariam, de um lado, a escrita formal e, do outro, a conversação espontânea, coloquial” (KOCH, 2007, p.31). Escrita Formal Oralidade Informal 6 Marcuschi deixa bem clara a natureza desse “continuum” tipológico, mostrando que as diferenças entre oralidade e escrita dão-se dentro de um “continuum” tipológico das práticas sociais de produção de texto e não na relação dicotômica de dois pólos opostos. Assim, o “continuum” tipológico distingue e correlaciona os textos de cada modalidade quanto às estratégias de formulação textual que determinam o “continuum” das características que diferenciam as variações das estruturas, seleções lexicais etc. Tanto a fala como a escrita dão-se num “continuum” de variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de dois contínuos sobrepostos. (cf MARCUSCHI, 2007a). Para proceder a localização dos diversos tipos de texto no “continuum”, Koch 2007 relata a contribuição de alguns autores importantes autores da linguística textual: Koch & Oesterreicher indicam o uso do critério “medium” e do critério proximidade/distância. Chafe considera o nível maior ou menor de envolvimento dos interlocutores. Halliday sugere que o texto escrito tem maior densidade lexical, e o falado maior complexidade sintática. Koch Os textos escritos podem estar mais próximos do pólo conversacional e vice-versa. Há ainda os tipos mistos e intermediários. Conforme Koch, (2007; 1997), alguns autores (Chafe, Tannen, Halliday, Oesterreicher etc.) a partir da década de 60 consideraram a dicotomia entre as modalidades FALA e ESCRITA, atribuindo a cada uma características particulares. Koch afirma que tais características refletiam uma visão preconceituosa e centrada no modelo da escrita formal padrão. Com base em tal dicotomia FALA X ESCRITA, categorizava-se que (cf. KOCH, 2007, p.32): FALA ESCRITA Contextualizada Descontextualizada Implícita Explícita Redundante Condensada Não-planejada Planejada Predominância do “modus pragmático” Predominância do “modus sintático” Fragmentada Não-fragmentada Incompleta Completa Pouco elaborada Elaborada Pouca densidade informacional Densidade informacional Predominância de frases curtas, simples e coordenadas. Predominância de frases complexas e subordinadas Pequena frequênciade passivas Emprego frequente de passivas Poucas nominalizações Abundância em nominalizações Menor densidade lexical Maior densidade lexical 7 Em linhas gerais, é possível considerar que essas características não são exclusivas nem de uma nem de outra modalidade e que elas foram estabelecidas a partir dos parâmetros da escrita por visão preconceituosa que discriminava a fala. Nesse sentido, é mister entender que a fala possui características próprias, particulares à suasituação enunciativa, sua forma de organização e realização. Veja abaixo algumas das característica mais essenciais da natureza da fala (mencionadas por Koch op cit; Marcurschi op cit) que merecem destaque e revelam- se originalmente particulares a ela. Devido a sua interacionabilidade intrínseca, a fala é, a priori, “não- planejável”. Ela precisa ser apenas “localmente planejável”. Possui sua verbalização e planejamento concomitantes, pois esses processos emergem no momento da interação – a fala é o seu próprio rascunho. Apresenta descontinuidades frequentes no fluxo discursivo: abandono de tópicos discursivos; retomadas de tópicos discursivos, inserções abruptas de novos tópicos discursivos, truncamentos etc. Sintaxe característica/típica ligada, de certa forma, à sintaxe geral da língua. Um exemplo é a topicalização: “Esse menino eu não sei se tomou banho hoje”; “A violência, falta de segurança, eu não me acostumo com esse ritmo de grandes metrópoles no Brasil” Fala é processo, portanto, é dinâmica: não é um produto pronto e acabado, pois está continuamente se re-fazendo, indo-e-voltando nos tópicos de interesse dos interlocutores, definindo-se em razão das necessidades, escolhas e pressões comunicativas da interação. Na atividade de “co-produção” discursiva, os interlocutores empenham-se juntos na produção textual. Em função da interação imediata, há pressões de natureza pragmática que passam por cima das exigências sintáticas: truncamentos, correções, inserções, repetições e parágrafos. Esses elementos têm uma função importante, a função cognitivo-interacional (cf. MARCUSCHI, 1986, apud KOCH, op.cit.). SAIBA! O texto falado não é caótico, ele tem sim uma estrutura própria que se pauta a partir de sua produção. É nesse sentido que deve ser descrito, estudado e analisado. No processo de produção do texto falado, os interlocutores estão in praesentia – num mesmo tempo e espaço físico (salvo exceções como telefone, rádio e outras possibilidades de conversação oral à distância que a tecnologia oferece). 8 Descritas as diferenças e características que perfilam as duas modalidades (falada e escrita), vejam-se a seguir as principais interferências da oralidade na escrita, conforme aponta Koch (1997). I. QUESTÃO DE REFERÊNCIA: na oralidade muitas vezes os referentes são recuperados no próprio contexto (basta apontar, por exemplo), dispensando assim que os falantes precisem explicitá-os sempre. Mas na escrita não é bem assim, pois por ser não-presencial há a necessidade de explicitar sempre os referentes, através das marcas linguística. O trecho abaixo revela a produção escrita de um sujeito que ainda não consegue diferenciar bem os usos da situação oral dos da escrita. Exemplo: “... certo dia um homem muito rico mudou-se, para perto da fazenda do pobrehomem. Ese homen era mau e iguinorante. Assim que soube se sua existência, dia e noite não parava de atormentá-lo, então ele disse...” (KOCH, op.cit., p.35). II. REPETIÇÕES: no texto falado, a repetição é muito frequente, aliás ela é um dos seus mecanismos de organização, desempenhando funções didáticas, sintáticas, argumentativas, enfáticas etc. O trecho abaixo revela a interferência clara de um recurso da fala na escrita. Exemplo: “... já estavam chegando no final da gruta andaram andaram-andaram chegaram no final da gruta virão o bau-cheio de jóias moedas voutaram para casa e ficaram muito felizes.”(KOCH, op.cit., p.36). III. USO DE ORGANIZADORES TEXTUAIS: são continuadores tópicos da fala, por exemplo: e, aí, daí, então, daí então etc: Os textos das crianças são ricos em organizadores textuais típicos da oralidade. Exemplo: “era uma vês un castelo abandonado e um dia 2 mininos pobres que tinham passado por lá. comesaram a reformar o castelo e o tempo foi pasando e a notícia se espahol e os mininos creseram e finalmente o castelo ficol pronto os mininos foram entrando e lá dentro tinha 8 cuartos.” (KOCH, op.cit., p.36). IV. JUSTAPOSIÇÃO DE ENUNCIADOS SEM MARCA DE CONEXÃO EXPLÍCITA: é comum, nos textos, enunciados justapostos, sem elementos explícitos de conexão, ligação ou transição. O sujeito que está adquirindo a modalidade escrita, ainda não aprendeu os mecanismos sequenciadores próprios dessa modalidade e mistura à escrita o padrão oral. 9 Exemplo: “Entraram na gruta com lanterna [/] primeiro foi o leão muitos tigres e onças depois foi milhares de cobras e serpente e la no teto é cheio de morcegos [/] já estavam chegando no final da gruta [/] andaram andaram-andaram [/] chegaram no final da gruta [/] virão o bau-cheio de jóias moedas [/] voutaram para casa e ficaram muito felizes.”(KOCH, op.cit., p.36).1 V. DISCURSO CITADO: o discurso citado é manifestado prioritariamente no estilo direto que o mais frequente na oralidade, em geral, sem a presença de um verbo que introduza a fala do outro (fulana disse:, fulana resmungou:, fulana gritou:). O sujeito ainda não aprendeu os mecanismos sequenciadores próprios da modalidade escrita e mistura a ela a estrutura mais típica da oral que é a que ele melhor conhece. Exemplo: “Dez oras depois o Lucas vil um navio pirata elegrito gente vamos nos conder um navio pirata sea prosima vamologo ja sei vamos nos esconder na quela caverna certo elá atras sera que é perigos ela fora rárá vamos ficaricos maos pirtas não acharão droga vam em bora viva camos ricos e turma vou ta para casa. Fim.” (KOCH, op.cit., p.37). VI. SEGMENTAÇÃO GRÁFICA: também é comum que a segmentação gráfica, em textos de sujeitos iniciantes na modalidade escrita, seja feita em função do que ele ouve. É curioso notar que a criança, por vezes, tentando acertar a segmentação gráfica adequada, acaba dividindo no meio algumas palavras ou juntando outras numa só! Exemplo: “sabiacomoaranjar, arainha, poriso, aguera, masantesdiso, convoce, masnã, elegrito, vamologo.” (cf. KOCH, op.cit., p.37). VII. GRAFIA CORRESPONDENTE À PALAVRA: ou seqüência de palavras tal como pronunciadas oralmente, isto é, reproduzindo o que a criança ouve. Exemplo: “virão (=viram), vamos nos conder (=nos esconder), perigos (=perigoso), maos piratas (=mas os) espahol (=espalhou), ficol, partil, vil (-viu)” (cf. KOCH, op.cit., p.37). VIII- CORREÇÕES FEITAS DA FORMA COMO SE FAZEM NO TEXTO ORAL: assim como na fala, o sujeito não apaga ou risca a forma que considera inadequada, mas justapõe a esta a forma corrigida. 1 A inserção de barras é nossa e serve para separar os enunciados a fim de evidenciar a justaposição sem conectividade entre eles. 10 Exemplo: “Chegando lá a turma rezol rezolvrão to(mar) banho de cachoeira mas algen esquso o maio...” (KOCH, op.cit., p.36). Para finalizar este tópico, é importante ainda trazer algumas considerações sobre a organização da coesão e da coerência na conversação. Já que na Unidade I a abordagem destes critérios de textualidade foi longamente trabalhada, valendo conceitualmente, tanto para a fala como para a escrita, mas sempre tomando como exemplos textos escritos para ilustrar seus múltiplos fatores, sub-tipos (enfim, seus funcionamentos), aqui tomaremos como referência o texto falado, a conversação propriamente para analisar o funcionamento destes critérios de textualidade. Para esta discussão, apontamos a autora Leonor Fávero (2009) que traz um capítulo de seu livro “Coesão e coerência textuais” sobre estas questões. Esta autora, na mesma linha de pensamento de Koch, Marcuschi e outros autores citados nesta Unidade II, entende que a conversação deve ser analisada com justiça aos seus aspectos que são particulares e essenciais. Antes de entramos nas especificações dadas à construção da coesão e da coerência no texto falado, é importante frisar alguns aspectos cruciais da natureza da fala, conforme esta autora. Fáveroreitera que a conversação “é uma atividade linguística, que pertence às práticas diárias de qualquer cidadão, independente de seu nível sociocultural. Ela representa o intercurso verbal em que duas ou mais pessoas se alternam, discorrendo livremente sobre questões propiciadas pela vida diária.” (CASTILHO, 1986 apud FÁVERO, 2009, p. 84). Conforme retoma Fávero de Castilho (1986 apud Fávero 2009), há dois tipos de conversação: a natural – com suas variedades informal, coloquial, e formal; e a artificial – desenvolvida em peças de teatro, filmes, novelas, romances etc; estas seguem um tipo de roteiro prévio. Lembre-se de que tanto no texto oral, como no escrito o sistema linguísticos é o mesmo para a construção sintática. Entretanto, as regras para a realização oral, bem como os meios utilizados são distintos, o que acaba por revelar materialidades linguísticas totalmente diferentes. Você também deve considerar que assim como a escrita, a fala também deriva da mesma base semântica, fazendo uso do mesmo repertório lexical, variando, inclusive, na escolha e organização do vocabulário e nesse sentido, reafirmamos um fundamento linguístico já enfatizado: o de que fala e escrita são variações funcionais do mesmo sistema linguístico. 11 SAIBA! É comum muitos autores repetirem o equívoco de que o texto falado não é planejado. Mas devemos considerar que o planejamento do texto oral é diferente do planejamento do texto escrito. Fávero aponta quatro graus de planejamento da conversação (indo do falado não planejado ao escrito planejado), defendidos por Ochs (1979 apud Fávero 2009): falado não planejado – prescinde de reflexões e preparação prévia: uma briga ou discussão, uma conversa no elevador, dar uma informação na rua etc; falado planejado - é pensado e projetado antes de sua realização, mas está sujeito às pressões da situação comunicativa em co-produção com o(s) interlocutor(es): uma aula, um discurso, uma reunião de condomínio, uma conversa para romper um relacionamento etc; escrito não planejado – elaborado em situações informais do dia-a-dia, caracterizadas pela necessidade do uso da escrita, mas levando em conta situações sem preparação ou expectativa prévia: um recado de geladeira, bilhetinhos trocados em sala de aula, a escrita/‘conversa’ dos chats na internet etc. escrito planejado – é pensado e projetado antes de sua publicação: um livro, um artigo de jornal, uma carta de demissão, uma solicitação formal a uma instituição pública etc Uma das marcas essenciais da organização da conversação é que ela é fruto de uma criação coletiva e dialógica, pois os interlocutores produzem o texto em cooperação. Aqui vale a máxima: “quando um não quer, dois não ‘conversam’2”! O fato de o planejamento da fala se dar localmente, confere-lhe uma característica denominada “fragmentação”, consequente de sua natureza espontânea, que se opõe a uma maior “integração” da modalidade escrita, em função do maior tempo de que ela dispõe para ser produzida. (cf FÁVERO, op. cit. p. 86). “A rapidez com que o locutor constrói a fala tem consequências no controle do fluxo da informação, conduzindo-o a descontinuidades nesse mesmo fluxo, reveladas por fenômenos como repetições, paráfrases, inserções, anacolutos, falsos começos e outros; desse modo ela vai revelando seus processos de construção, ao contrário da escrita que busca escondê-los, mostrando somente os resultados”. (FÁVERO,op. cit. p.86). Outra característica forte da fala apontada por Chafe (apud FÁVERO,op. cit. p.86) é o “envolvimento” interpessoal que se opõe ao “afastamento”, típico da escrita. 2 O provérbio original é “quando um não quer, dois não brigam”. 12 Considere-se ainda que as “descontinuidades” da fala são, em sua maioria, técnicas linguísticas usadas como estratégias controladoras do diálogo que estão baseadas em regras conversacionais3 do tipo: Não diga o óbvio e sim concentre-se no que é importante; Seja claro para não dispersar nem perder o interesse de seu interlocutor, bem como os objetivos do diálogo; Não fale de forma irresponsável ou inconsequente para não fugir ao que refere a sua opinião e confundir o interlocutor. Feitas as colocações anteriores, focalizemos, então, o funcionamento da Coerência e da Coesão na conversação. Analisar estes critérios de textualidade no texto oral é trazer à tona uma discussão polêmica, por se tratar de um fenômeno linguístico com poucas evidências empíricas estudadas até então. “Na conversação, a coesão não pode ser definida em termos estritamente formais, pois o texto se produz dialogicamente, na concorrência de dois ou mais agentes. A coerência não é uma unidade de sentido, e sim uma dada possibilidade interpretativa resultante localmente. Dois interlocutores se entendem não só porque são coerente no que dizem, mas principalmente porque sabem do que se trata em cada caso. E, quando não sabem, manifestam seu desentendimento de modo a integrá-lo como parte efetiva no próprio texto”. (MARCUSCHI, 1988, apud FÁVERO, op. cit. p.90). Nessa perspectiva, a coerência se dá em função dos enunciados construídos na conversação se mostrarem mutuamente relacionados de modo ordenado e significativo, melhor caracterizada em termos de “tópico discursivo”, considerando a sua centração, organicidade e delimitação. Ao lado (ou dentro!) da organização do tópico discursivo há frequentemente as “digressões”, ou partes que não estão topicamente relacionadas com o que veio imediatamente antes, ou com o que vem logo depois, mas que no todo da conversação é possível recuperar tentacularmente e por isso fazem sentido. Por outro lado, a coesão é uma relação linear4 entre as sentenças, não sendo necessariamente condicional ou suficiente para a coerência. Ela não é um fator interdependente, mas um subproduto da coerência. Seguem alguns exemplos da coesão na conversação5: 1. Coesão referencial - reiteração, repetição do mesmo item lexical por: 3 Sobre a conceituação destas regras conversacionais, sugere-se a leitura de “Logic and conversation”, de H Grice, 1975. 4 Conforme foi enfaticamente destacado na Unidade I. 5 Os exemplos citados são retirados de Fávero (op cit, p.91 e ss) que usou como fonte o inquérito de número 360 do arquivo do Projeto NURC-SP (sobre a linguagem falada culta na cidade de São Paulo). 13 autorrepetição: “... ele já ia à escola da manhã que eu comecei quando eu comecei trabalhar... comecei a trabalhar há dois anos... e quer dizer então... ele já à escola de manhã”. heterorrepetição: “L1 - nós somos:: seis filhos L2 - e a do marido? L1 – e a do marido... eram doze agora são onze...” 2. Coesão recorrencial - paráfrase: “Contexto: o tópico que se desenvolve é mercado de trabalho, especificamente, a “procura de engenheiro”. “L2 ... a grande maioria é engenheiro administradores economistas L1... é que a gente está na:: na espera da tecnologia, né?... L2 [mas engenheiro o peso é muito grande...” 3. Coesão sequencial - por conexão: “Contexto: o tópico que vem se desenvolvendo é o do planejamento familiar”. “L1 e:: nós havíamos programado Nove ou dez filhos... não é? ... L2 a sua família é grande? L1 nós somos:: seis filhos L2 e a do marido? L1 e a do marido... eram doze agora são onze... 14 6. Mais algumas considerações sobre o binômio Oralidade e Escrita Nesta sessão, serão feitas algumas considerações a respeito de categorias teóricas e perspectivas científicas em torno da relação oralidade e escrita. Mais especificamente, aspectos relacionados à visão dicotômica sobre Oralidade X Escrita; às especificidades das categorias Oralidade/Fala e Letramento/Escrita; ao binômio Oralidade/Escrita e prática sociais;à visão culturalista; à visão variacionista; à interacional; à visão funcionalista da relação Fala e Escrita. Tais considerações são apresentadas por Marcuschi (2007a). I. Fala x escrita - a perspectiva das dicotomias: esta visão é da perspectiva dicotômica entre fala x escrita, é considerada restrita, pois polariza essas duas modalidades da língua. Por outro lado, há quem considere nesta perspectiva as relações fala x escrita dentro de um “continuum”. Aqui as análises são voltadas para o código com permanência no fato linguístico. Esta teoria deu origem ao prescritivismo gramatical e à norma linguística. De modo geral, as características próprias à fala e à escrita são descritas/prescritas por essa visão da seguinte maneira: FALA = contextual, implícita, redundante, não planejada, imprecisa, não normatizada. ESCRITA = descontextualizada, explícita, condensada, planejada, precisa, normatizada. Tal visão, baseada no perfil das condições empíricas de uso da língua, é uma visão formalista distorcida do fenômeno textual. É uma visão “imanentista” que originou as Gramáticas Pedagógicas. Ela remonta a separação “forma x conteúdo”, classifica a fala como pouco “complexa” e postula que a escrita é fundada num conjunto de regras que regem a língua. II. Oralidade x letramento ou fala x escrita? – há que se observar algumas especificidades dessas categorias teóricas, pois tais especificidades relacionam-se ao seu emprego em teoria e análise. O binômio Oralidade x Letramento está voltado para analisar as diferenças entre duas “práticas sociais”; enquanto que o binômio Fala x Escrita volta-se às diferenças entre duas modalidades de uso da língua. Sintetizando: ORALIDADE: prática social apresentada sob várias formas ou gêneros textuais em sua diversidade de uso formal e contextual. FALA: forma de produção discursivo- textual oral que dispensa um aparato técnico, necessitando, apenas, dos recursos próprios ao ser humano. LETRAMENTO: uso social da escrita ESCRITA: tecnologia de 15 que vai de uma apropriação mínima da escrita até uma utilização científica dela. representação abstrata da fala e produção discursivo-textual com especificidades próprias. III. Oralidade e escrita no contexto das práticas sociais: Marcuschi (2007a) situa o papel das práticas sociais da escrita e da oralidade na civilização contemporânea. Ele considera a relação entre “vida cotidiana” e os fenômenos da fala e escrita. O texto seria, então, uma prática social e não um artefato linguístico. A escrita, enquanto prática social, tornar-se-ia indispensável. Em relação ao uso da língua (fala e escrita) as práticas sociais têm o seu lugar, papel e grau de relevância de ambas as modalidades na sociedade – eixo de um “continuum” sócio-histórico- tipológico e até morfológico. SAIBA! Para fixar: HOMEM = naturalmente um “ser que fala” e não um “ser que escreve” – a escrita é derivada e a fala é primária. FALA = prática social do dia-a-dia. ESCRITA = prática de um ambiente formal - escola (o que lhe confere prestígio). A escrita permeia hoje praticamente todas as práticas sociais das comunidades em que se insere sob a forma de “letramento”. Os objetivos e ênfase do uso da escrita variam de acordo com os contextos em que se inserem: a “apropriação / distribuição” da escrita e da leitura (padrões de alfabetização), e os “usos / papéis” da escrita e da leitura (processos de letramento). Mesmo as pessoas analfabetas também estão sob a influência das estratégias da escrita em seu desempenho oral. A escrita passou a ter um “status” bastante singular no contexto das atividades cognitivas em geral. Deve-se distinguir, então: LETRAMENTO: processo de aprendizagem sócio-histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários. ALFABETIZAÇÃO: domínio ativo e sistemático das habilidades de ler e escrever. ESCOLARIZAÇÃO: prática formal e institucional de ensino que visa a uma formação do indivíduo, sendo que a alfabetização é apenas uma das atribuições/atividades. (cf MARCUSCHI, 2007a). Muitos são os usos de oralidade e escrita em nossa sociedade, como você já viu anteriormente. Também vimos que há diferentes meios de acesso e usos da linguagem na sociedade, tanto em relação à fala, quanto à escrita. E esses diferentes usos possibilitados através de diferentes mídias e tecnologias, além da 16 própria voz e do código escrito, põem em contato / interação / dialogismo diferentes subjetividades, em diferentes espaços sociais: INTERAÇÃO ENTRE DIFERENTES ESPAÇOS / SUBJETIVIDADES homem/mulher dentro/fora da escola pai/filho dentro/fora de casa sogra/nora patrão/empregado dentro/fora do trabalho civil/militar professor/aluno governante/povo padre/fiel dentro/fora da igreja fornecedor/consumidor dentro/fora do tribunal etc A escrita é uma fonte de preconceito, na medida em que se atribui o desenvolvimento à alfabetização. A escrita é um fato histórico e deve ser tratado como tal e não como um bem cultural. (cf MARCUSCHI, 2007a) A história do uso da escrita e da alfabetização ocidental é descontínua e contraditória (relação alfabetização/processo de industrialização). A alfabetização instituída dá-se de preferência sob o controle do estado, orientando-se por seus objetivos. Assim a aquisição da escrita é um fenômeno “ideológizavel”. A fala é contínua no dia-a-dia e a oralidade tem lugar em seus diferentes contextos e usos sociais. IV. Oralidade x escrita: a tendência fenomenológica de caráter culturalista: esta visão é aculturalista e de perspectiva epistemológica. Ela observa as práticas sociais da oralidade x escrita, faz análise cognitiva dos efeitos de organização e produção do conhecimento no aspecto psico-sócio-econômico-cultural. Esta tendência é inadequada para o trato com os fatos da língua. Ela confere ao domínio da escrita o avanço na capacidade cognitiva-individual: X Cultura oral Cultura escrita Pensamento concreto Pensamento abstrato Raciocínio indutivo Raciocínio dedutivo Atividade artesanal Atividade tecnológica Cultivo da tradição Inovação constante Ritualismo Analitismo Há três grandes problemas nessa tendência: Etnocentrismo; Supervalorização da escrita; e Tratamento globalizante. 17 V. Fala x escrita – perspectiva variacionista: tal visão trata do papel da escrita a partir dos processos educacionais e da variação na relação língua padrão e não- padrão em contextos de ensino formal. Modelos teóricos baseiam-se no “currículo bidialetal”. Não há dicotomias, verificam-se as regularidades e variações: Língua padrão Variedade não-padrão Língua culta Língua coloquial Norma padrão Norma não-padrão Marcuschi (2007) afirma simpatizar com essa tendência, mas acredita serem necessárias maiores reflexões. Para ele fala e escrita não são dialetos, mas “modalidades” de uso de língua. Nesse sentido o aluno se tornaria “bimodal”. VI. Oralidade x escrita – a perspectiva interacional: esta perspectiva trata das relações entre fala e escrita, considerando o “continuum” textual. É a visão interacionista, cujos fundamentos baseiam-se em: Relação dialógica no uso Estratégias de linguagem Funções interacionistas Envolvimento e situacionalidade Formulaicidade Este modelo percebe mais sistematicamente a língua enquanto fenômeno dinâmico e estereotipado, centrando-se em atividades dialógicas que frisam os aspectos mais salientes da fala. Porém tem um baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua (cf Marcuschi, 2007a). Nesta visão, as análises se prestam a observar a diversidade de formas textuais produzidas monologicamente e dialogicamente. Além disso, nela trata-se de fenômenos de compreensão na interação verbal e com o texto escrito, detectando especificidadesna atividade de construção do sentido. Esta perspectiva postula que não se deve polarizar ou dicotomizar a relação entre fala e escrita e orienta-se por uma linha discursiva e interpretativa. VII. Concepção e funcionamento da língua – consequente relação fala / escrita: O sucesso da análise vai depender da concepção de Língua que subjaz à teoria, bem como da noção de funcionamento da língua, esta é fruto das condições de produção. A noção de sistema atém-se à concepção básica de uma “estrutura virtual”. Fica desde já eliminada uma série de distinções geralmente feitas entre fala e escrita, tais como a contextualização (na fala) X descontextualização (na escrita), implicitude (na fala) X explicitude (na escrita) e assim por diante. A língua (seja oral ou escrita) reflete a organização da sociedade, uma vez que se relaciona com as “representações e as formações sociais”. Entretanto, a fala e a escrita representam formas de organização da mente através das próprias representações mentais. Vale salientar, sobretudo, que, assim como a fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a escrita não tem propriedades intrinsecamente privilegiadas. São modos de representação cognitiva 18 e social que se revelam em práticas sócio-culturais específicas. A oralidade e a escrita são ambas práticas sociais e não propriedades de sociedades distintas. 19 7. Considerações sobre a Análise da Conversação Esta área tem um caráter interdisciplinar, na medida em que divide alguns pressupostos teóricos com outras áreas (inclusive com a LT). Ela busca estabelecer relações com a exterioridade da linguagem, problematizando a separação entre a materialidade da língua e seus contextos de produção. Assim como a Sociolinguística, a Pragmática, a Análise do discurso, a Semiótica discursiva e a própria Linguística textual, esta área também mobiliza saberes de outras ciências como a Filosófica da linguagem, a Antropologia, a História, a Sociologia, a psicanálise e as Ciências cognitivas. Foi na década de 1980 que foi lançado, no Brasil, o primeiro livro nesta área com o título “Análise da Conversação”, de Luiz Antônio Marcuschi (1986/2007b). Para este autor, a conversação é o exercício prático das potencialidades cognitivas do ser humano em suas relações interpessoais, tornando-se assim um dos melhores testes para a organização e funcionamento da cognição na complexa atividade da comunicação humana. “A conversação é a primeira das formas de interação a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida afora... Conversação, aqui, trata das formas de interação verbal de nossa sociedade, apesar de alguns estudiosos da área considerarem apenas as interações verbais face-a-face em que há “simetria de direitos e espontaneidade na realização do evento”. (MARCUSCHI, op cit, p.14). Como enfatiza Marcuschi (2007b), a Análise da Conversação (doravante AC) teve origem na década de 1960 no campo dos estudos sociológicos ligados à Etnometodologia a partir de trabalhos referenciais como os de Harold Garfinkel, Harvey Sacs, Emanuel Schegloff e Gail Jeferson. A partir dessa perspectiva, os estudiosos da AC têm procurado investigar os aspectos da organização do texto conversacional. SAIBA! Para a Etnometodologia, os analistas tem de ser perceptivos aos fenômenos interacionais, centrando-se nos detalhes estruturais do processo interativo. Vejamos três níveis essenciais desse enfoque apontados por Hilgert (1989 apud MARCUSCHI, 2007b): A) macronível: nas fases conversacionais – abertura, fechamento e parte central, e o tema central e subtemas da conversação. B) nível médio: turno conversacional, tomada de turnos, sequência conversacional, atos de fala e marcadores conversacionais. C) micronível: elementos internos do ato de fala, que constituem sua estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódica. A Análise da Conversação estabelece o texto como seu objeto de estudos, mas esta área vai dedicar-se único e exclusivamente ao estudo do texto oral, natural, e presencial (face to face), ou seja, aquele texto produzido em situações 20 espontâneas. Portanto, textos “artificiais” como os de novela, cinema ou ainda conversas telefônicas, não são objeto de interesse específico neste campo científico. Numa conversa, geralmente abordada-se um ou mais tópicos discursivos, algo sobre o que duas pessoas (pelo menos) conversam. Esse tópico discursivo define-se como uma atividade que correlaciona objetivos entre os interlocutores onde há um movimento dinâmico da estrutura conversacional que faz dele a base do texto oral. A organização tópica, como já foi anteriormente retomada de Fávero, pauta-se em três propriedade: a centração, organicidade e delimitação. Na Análise da Conversação, o tópico discursivo (aquilo sobre o que se fala) é fio condutor da conversação e a unidade funcional da conversação é o turno (período de tempo que cada falante ocupa). SAIBA! A conversa espontânea é uma atividade co-produtiva sem “controle” exato de como o interlocutor orienta sua intervenção, mas, nem por isso, torna-se caótica. Os falantes negociam uma relação com o curso da conversa, produzindo sentidos estrutural e funcionalmente. Para sinalizar que compartilhamos cognitivamente da interação, recorremos, naturalmente, a expressões do tipo: “isso me lembra”, “por falar em” etc. que podem marcar a passagem de um tópico a outro. A estrutura tópica serve, assim, de fio condutor da organização linear do discurso. Conforme Dionísio, 2001 “O conjunto de relevâncias em foco em dado momento vai, paulatinamente, cedendo lugar a outros conjuntos de relevâncias, ligadas a aspectos antes marginais do tópico em desenvolvimento ou a novos conjuntos que vão sendo introduzidos a partir dos já existentes”. (DIONÍSIO, 2001, p.72) Lembre-se de que o planejamento na fala ocorre no momento da interação, pois a conversação é localmente planejada. Considere ainda que em se estabelecendo uma gradação do informal para o formal, observa-se uma variedade entre esses dois pólos que se estabelecem dentro de um continuum e que podem ser exemplificadas relacionando diferentes variedades entre fala e escrita, escrita e escrita, e fala e fala, conforme já foi refletido a partir das contribuições de Marcuschi nesse assunto. Após esta apresentação da AC, acompanhe a seguir alguns dos pontos mais importantes dessa teoria linguística. I. SOBRE O TRATAMENTO DOS DADOS ORAIS – primeiramente, deve-se considerar o sistema de transcrição de texto oral: as conversações naturais que servem de corpus para a AC devem ser gravadas ou filmadas para que o analista possa observar, transcrever e comprovar seuS dados da maneira mais fiel possível. O analista pode privilegiar os aspectos fundamentais para sua análise, mas a transcrição deve ser legível. Em função do trabalho com textos orais, esta área possui normas de transcrição de texto bastante específicas para atender a todas as situações. A AC analisa materiais empíricos, orais, contextuais, incluindo realizações entonacionais e gestuais que possam colaborar com a construção do sentido. Um outro aspecto importante para caracterizar o perfil da Análise da 21 Conversação é a importância conferida também aos recursos não verbais utilizados na fala. Os recursos não-verbais são de grande relevância na transcrição e análise das conversações. Steinberg (1988 apud DIONÍSIO, 2001, p. 77) sistematiza os recursos não-verbais normalmente empregados nas conversações: 1. Paralinguagem – pequenos sons emitidos pelo aparelho fonador que não constituem signos linguísticos, mas interferem na significação: hm hm, shiiii, tsc tsc. 2. Cinésica – movimento do corpo, mãos, gestos na conversação. 3. Proxêmica – proximidade / distância entre os interlocutores. 4. Tacêsica – uso de toque durante a conversação. 5. Silêncio. – ausência de conversação,mas que às vezes diz mais que mil palavras: falamos, portanto, com a voz e com o corpo. Vejamos um exemplo retirado de Dionísio (op cit, p. 78): 203 M03 certas coisas... eu digo peraí... tinha uma bacia conforme essa aqui ((pega 204 numa bacia plástica que está próxima e mostra)) uma bacia... de loiça... eu 205 maiei aqui assim ((demarca na bacia o nível da água colocada na época)) eu 206 butei água... No segundo capítulo do livro Análise da Conversação, Marcuschi (2007b) apresenta um sistema de transcrição para textos falados, que sintetiza bem como deve ser o tratamento formal de transcrição da fala e que inclusive serve de base às transcrições do Projeto NURC6. Segue abaixo o referido quadro adaptado: OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO 1. Indicação dos falantes Os falantes devem ser indicados em linha, com letras ou alguma sigla convencional H28 M33 Doc. Inf. 2. Pausas ... não... isso é besteira 3. Ênfase MAIÚSCULA ela comprou um OSSO 4. Alongamento de vogal : (pequeno) :: (médio) ::: (grande) eu não tô querendo é dizer que ... é: o eu fico até:: o: tempo todo 5. Silabação - do-minadora 6. Interrogação ? ela é contra a mulher machista... sabia? 7. Segmentos incompreensíveis ou ininteligíveis ( ) (ininteligível) bora gente... tenho aula... ( ) daqui 8. Truncamento de palavras ou desvio sintático / eu pre/ pretendo comprar 9. Comentário do transcritor (( )) M.H. ... é ((rindo)) 6 Projeto de Estudo Coordenado da Norma Urbana Linguística Culta. 22 10. Citações “” “mai Jandira eu vô dize a Anja agora que ela vai apanhá a profissão de madrinha agora mermo” 11. Superposição de vozes [ H28. é... existe... [você ( )do homem... M33. [pera aí... você Acha... pera aí... pera aí 12. Simultaneidade de vozes [[ M33. [[mas eu garanto que muita coisa H28. [[eu acho eu acho é a autoridade 13. Ortografia tô,ta, vô, ahã, mhm II. A ORGANIZAÇÃO DA CONVERSA – numa conversa, os interlocutores devem falar um por vez. Eles devem esperar um lugar relevante para a transição (LRT), ou seja, esperar por marcas na fala do interlocutor como pausas, hesitações, entonações descendentes, marcadores etc. Os interlocutores emitem sinais para marcar o fim de seu turno ou um convite à fala do outro e trocam o tempo todo os papéis de falante e ouvinte, mas isso não impede que, em algumas situações, muitas pessoas falem ao mesmo tempo e se entendem. Todos os falantes têm direito à fala. Conforme explica Marcuschi (2007b), a noção de turno engloba dois sentidos: 1. distribuição de turno 2. unidade construcional. Os turnos podem ser nucleares (centrais no desenvolvimento do tópico discursivo) e inseridos (produções marginais ao tópico). A mudança de turno pode ocorrer através da passagem, assalto, e sustentação da fala. A passagem do turno pode ser requerida ou consentida pelo falante; os assaltos são uma espécie de violação da regra “falar um de cada vez” e o falante invade o turno do outro sem solicitação ou consentimento (o interlocutor assaltado pode perder e em seguida retomar, abandonar ou recuperar o comando da interação sobrepondo-se à fala do outro); e a sustentação é uma tentativa do falante de garantir a posse do turno, recorrendo a marcadores conversacionais, alongamentos, repetições e elevação da voz. No caso das entrevistas formais, que apresentam uma estrutura básica de pergunta e resposta, em geral, a elaboração do turno conversacional apresenta uma distinção nítida: os turnos de resposta tendem a ser longos e apesar de pausas, truncamentos, hesitações, alongamentos etc, não há tomada de turno. A estrutura em pergunta e resposta compõe a unidade fundamental da organização conversacional e podem variar na sua realização. III. DOS MARCADORES CONVERSACIONAIS – como o texto oral é planejado e verbalizado ao mesmo tempo, dos recursos mais característicos da fala natural são os marcadores conversacionais que podem ser verbais, não-verbais ou prosódicos: alguns marcam finalização de turno (“não é?”, “entendeu?”); outros marcam participação (“uhrum”); e outros marcam convergência (“exato”, “sim”). Os marcadores conversacionais são produzidos pelos falantes para dar tempo à organização do pensamento, sustentar o turno, monitorar o ouvinte, corrigir-se, 23 reorganizar e reorientar o discurso, e pelos ouvintes para orientar e monitorar o falante quanto à recepção com sinais de convergência, indagação e divergência. Os marcadores conversacionais (MC) se apresentam divididos em quatro grupos: (Cf DIONÍSIO, op. cit., p. 89). 1. MC simples: um só item lexical – “mas”, “éh”, “aí”; 2. MC compostos: sintagmas geralmente estereotipados – “sim mas”, “bom mas aí”; 3. MC oracionais: pequenas orações – “eu acho que”, “sim mas me diga”; 4. MC prosódicos: recursos prosódicos – entonação, pausa, hesitação, tom de voz. IV. A CONSTRUÇÃO DA COMPREENSÃO NO TEXTO FALADO – quando dois ou mais indivíduos conversam, eles coordenam conteúdos e ações, contruindo um texto coerente. O sucesso da interação atrela-se ao processo interacional estabelecido entre os participantes num esforço coletivo pela construção de sentidos. Conforme Marcuschi (op cit), a compreensão na interação verbal face a face, resulta de um projeto conjunto de interlocutores em atividades cooperativas e coordenadas de co-produção de sentido e não de uma simples interpretação semântica de enunciados postos. O analista deve dar conta de como os participantes de uma interação resolvem suas estratégias e processos de compreensão. Marcuschi apresenta algumas atividades de compreensão na interação verbal que merecem destaque: Estratégia 1- negociação: central para a produção de sentidos na interação verbal dada a sua natureza conjunta; Estratégia 2- construção de um foco comum: na interação a base da troca é a sintonia referencial, o interesse comum e referentes partilhados; Estratégia 3- demonstração de (des)interesse e (não-)partilhamento: se não há esse partilhamento a interação não progride; Estratégia 4- existência e diversidade de expectativas: os interlocutores criam expectativas diversas em relação um ao outro relacionadas ao contexto, às condições em que são produzidas, conhecimento partilhado etc; Estratégia 5- marcas de atenção: sinais enviados pelos interlocutores que demonstram se há boa ou má sincronia na interação. A análise da conversação no Brasil constitui-se em uma linha de pesquisa praticada sistematicamente com uma produção editorial que abrange transcrições de materiais do corpus do Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta (NURC), análises de textos orais sobre diversos temas da AC, gramáticas do português falado (com o corpus dos NURCs), além de teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras. 24 8. Leitura, Oralidade e Escrita: práticas linguísticas, sociais e pedagógicas Pensar sobre a comunicação conduz inevitavelmente à reflexão acerca da natureza tecnológica e universalizada do uso da escrita. De acordo com Foucambert (1998), a escrita é usualmente definida como meio privilegiado de comunicação. Embora, nas situações de comunicação oral (informar, perguntar, apontar etc), de modo geral, reconheça-se uma facilidade e interatividade mediada pela comunicação em presença dos interlocutores, na comunicação escrita, o que seria uma característica contrária (a NÃO-presença), também é reconhecida como elemento facilitador, pois, ela se realiza na ausência dos interlocutores e mesmo assim veicula a comunicação em situações específicas e cada vez mais comuns, permitindo que os interlocutores possam interagir à distância. SAIBA! É bom nunca perder de vista que Fala e Escrita são modalidades linguísticas distintas. Observe abaixo alguns aspectos do funcionamento sócio-históricoda escrita: Escrita = meio de expressão. Mas para quem? Em que condições? Comunicar-se por meio da escrita soa como uma armadilha para alguns membros da sociedade: uso misterioso, difícil e mutável. Escrita = meio pelo qual alguns se expressam. Meio de dominação engendrada nas relações histórico-sociais de força e poder. Os usos da escrita (comunicação e expressão) não dizem respeito a capacidades técnicas, mas sim ao reconhecimento de certo Status: luta pelo poder teoricamente democrática. Para Foucambert (1998), a afirmação de que a escrita seja essencialmente e generalizadamente um meio de comunicação não se sustenta, pois ela pode ser prioritariamente comunicação e expressão num plano individual, particular, mas no plano histórico-social, por princípio, ela está dentro das relações de força e de poder. “Sim, a escrita é um meio de expressão e comunicação. Mas do quê? De algo que não existiria sem ela” (FOUCAMBERT, op.cit., p 44). No plano da comunicação e expressão, a escrita abre um registro novo, diferente daquilo tudo que já se comunicava e se expressava sem ela. A escrita implica outras restrições e operações: “Ao contrário do oral, a escrita não é permutada no instante efêmero, mas na permanência do espaço (...) A escrita não é o terreno do pensamento que se cria, mas do pensamento que experimenta a si mesmo em sua unidade (...) O oral dá-se no tempo; a escrita, no espaço.” (FOUCAMBERT, op.cit., p.46- 47). A função da escrita tem a ver com a transformação dos processos de conhecimento, sua dimensão é espacial e visual enquanto que a da fala é temporal e auditiva. A escrita não é meramente uma transcrição da fala. A escrita torna-se a linguagem da abstração, do pensamento reflexivo e teórico (o pensamento sobre o pensamento): 25 SAIBA! A ESCRITA é um meio de construir uma visão de mundo, dar sentido. Não representar, mas apresentar a realidade através de restrições próprias e operações específicas. A LEITURA é o que vai em busca da visão de mundo e de seu confronto com outros pontos de vista. Leva ao questionamento e à investigação. Para Vygotsky (apud FOUCAMBERT, op.cit., p.52), a escrita é a álgebra da linguagem, forma mais difícil e complexa da atividade verbal, intencional e consciente. Assim como é difícil para uma criança, também o é para muitos adultos. Basta-se a comunicar e expressar precisamente as especificidades intelectuais que ela mesma permite elaborar. Aprender a manejá-la (ler e escrever) é entrar no uso dessas funções. “Como dizia um professor primário: Agora não basta mais ensiná- los a ler, é preciso também que eles compreendam”. Aprofundando o olhar acerca destes funcionamentos sociais, concordamos que historicamente, as práticas de Escrita e Leitura se configuraram como representações sócio-discursivas de diferentes classes e aquelas práticas relacionadas às classes econômico e politicamente dominantes foram atreladas ao “bom uso” do vernáculo, à aquisição e acúmulo do conhecimento (e sua organização), ao progresso e avanço científico-tecnológico e à ascensão social. Nessa perspectiva, vinculou-se à escola, sobretudo, o papel de “ensinar”, reproduzir e reconhecer tais práticas. A prática pedagógica faz uso de cartilhas, livros e manuais didáticos para instrumentalizar os exercícios de leitura e escrita em sala de aula. Entretanto, a escola mostra modelos de escrita, mas não consegue ensiná-los. A escola não prioriza: Quais são as condições atuais de leitura? Quem lê? Quem escreve? Para quê? Por quê? No exercício pedagógico das práticas de Leitura e Escrita há o apagamento (ou enfraquecimento) de sua mais importante característica: a interacionalidade dialógica – constitutiva da linguagem, seja oral ou escrita. A escola se faz o grande (e único) interlocutor do aluno. Desde os exercícios de reconhecimento fonético “IVo Viu a uVa”, até as tais “fichas de leitura” em que os alunos nem precisam ler o livro para completar as respostas. (cf. GERALDI, 1985). O aluno não é levado a produzir textos e sim a reproduzi-los e sua autonomia e originalidade, na maioria das vezes, é podada e minada ao longo de seu percurso escolar. Portanto, não há troca, interação, mas apenas uma simulação desse processo entre professor e aluno. Em geral, o professor é sempre a boca (falante) e o aluno é sempre a orelha (ouvinte), sem que nunca troquem de papéis. E quando o aluno (re)produz, o professor não está interessado em sua produção, mas em se ele conseguiu reproduzir o modelo. Os sentidos que as crianças atribuem à escrita, seus esquemas de interpretação, são variados e dependem das experiências passadas, bem como dos conhecimentos adquiridos – a escola confunde falta de conhecimento com inaptidão para adquirir os conhecimentos acadêmicos, não reconhecendo o saber do aluno e rotulando-os: “os alunos fracos”, “os que não sabem”. Veja-se o texto, abaixo, em 26 que a professora está interessada em se a criança decodificou a escrita, mas não está preocupada com a interpretação que a criança faz. Apresentado por SMOLKA (1988, p.59). A professora escreve na lousa: "A mamãe afia a faca" e pede para uma criança ler. A criança lê corretamente. Um adulto pergunta à criança: - Quem que é a mamãe? - É a minha mãe, né? - E o que que é "afia"? A criança hesita, pensa e responde: - Sou eu, porque ela (a mamãe) diz: vem cá, minha fia. A professora, desconcertada, intervém: - Não, afia é amola a faca!" A criança é exposta a uma frase solta, descontextualizada, mas mesmo assim tenta levantar hipóteses, com base no uso que ela faz de ‘afia’ no seu contexto social e funcional. Vê-se que, como a criança já usa a linguagem (oral) e sabe que ela tem uma função, um sentido, ela fica confusa por não conseguir se subjetivar pelo “texto” que a escola apresenta. Sobre a questão da oralidade na escola, Brito (1985) postula que “O processo de construção de redação é uma disputa (não uma integração) constante entre a competência linguística do estudante (basicamente oral, não-formal e desescolarizada) e a imagem de língua escrita que cria a partir da imagem do interlocutor e de interlocuções privilegiadas (...) Como esse interlocutor tem caráter fortemente repressivo e valorativo, o estudante, na necessidade de mostrar que “sabe”: - nega sua capacidade linguística oral; cria uma imagem de língua a partir das fontes que identifica com a imagem do interlocutor, isto é, relações sociais em que haja (ou o aluno identifique) marcas de autoridade, padrão culto etc.” (BRITO, 1985, p.125). Geraldi (1985) conclui que, nessas condições, quanto menos conhecimento específico sobre a linguagem escrita (metalinguístico) a criança tem, mais noção da funcionalidade escrita ela demonstra. Ele aponta o exemplo de dois garotos que foram reprovados em um ano por “não saberem escrever” e no ano seguinte um foi aprovado e o outro novamente reprovado. Mas, conforme Geraldi, a “produção” do aluno aprovado não passava de uma caricatura idiota, reprodutora do modelo das cartilhas, que nem chega a ser um texto (e sim, no máximo uma “redação”). Já o aluno reprovado, apesar de vários problemas com o registro escrito, apresenta verdadeiramente um texto, uma narrativa em que se pode compreender uma história com todos os seus elementos básicos (enredo, personagens, espaço, tempo, clímax) e, além disso, o texto denota a subjetividade de seu autor, pois retrata um tema bastante típico paras as crianças, sobretudo as de classe econômica baixa. Textos apresentados por GERALDI (1985, p.129). 27 A casa é bonita. A casa é do menino. A casa é do pai. A casa tem uma sala. A casa é amarela. Era uma vez umpionho queroia ocabelo dai um emninopinheto dapasou um umenino lipo enei pionho aí pasou um emnino pionheto daí omenino pegoupionho da amunhér pegoupionho da todomundosaiogritãdo todomundo pegou pionho di até sofinho begoupionho. [Era uma vez um piolho que roía o cabelo de um menino piolhento daí passou um menino limpo sem piolho aí um menino piolhento daí o menino pegou piolho daí a mulher pegou piolho daí todo mundo saiu gritando todo mundo pegou piolho até seu filhinho pegou piolho.] Smolka (1988) questiona: “Que escrita é essa que a criança aprende na escola que faz com que ela “regrida” quando escreve o que pensa? Assim se comprova, mais uma vez, que a escola ensina as crianças a repetirem e reproduzirem palavras e frases feitas. A escola ensina palavras isoladas e frases sem sentido e não trabalha com as crianças [na fase da escrita inicial], o “fluir do significado”, a estruturação deliberada do discurso interior pela escritura.” (SMOLKA, 1988, p.69). É devolvendo o direito à palavra ao aluno que talvez se possa um dia ler a história contada, e não contida, da grande maioria que hoje ocupa os bancos das escolas públicas. E tal atitude, conforme Geraldi, dá novo significado à questão “como avaliar redações?” Apontando, no mínimo, para critérios diferentes daqueles que reprovaram o autor do texto, e aprovaram o “autor” da redação. (cf GERALDI, 1985, p.129). SAIBA! É preciso não perder de vista que o autor/sujeito emerge do discurso na escritura, e o professor enxergará isso, observando as marcas, delineando as pistas e trabalhando a leitura e escritura como práticas discursivas. As situações de ensino/aprendizagem devem ser instauradoras da relação de interação e interlocução – ela é objeto de conhecimento e constitutiva do conhecimento na interação. Não se trata apenas de ensinar (no sentido de transmitir) a escrita, mas de usá-la como interação e interlocução na sala de aula, experimentando a linguagem nas suas várias possibilidades. Veja a seguir algumas importantes contribuições de Smolka (1988) que servem de sugestão para a abordagem destas questões no ensino, na sala de aula: “Buscando, então, transformar algumas condições e procedimentos de ensino nas escolas, começamos a usar, como uma das formas de articulação das atividades e de constituição da interdiscursividade, a literatura infantil. Além da literatura, procurávamos implementar as várias formas de linguagem (plástica, corporal etc) possíveis e viáveis nas situações escolares. E por que a utilização da literatura? Porque a literatura, como discurso escrito, revela, 28 registra e trabalha formas e normas do discurso social; ao mesmo tempo, instaura e amplia o espaço interdiscursivo, na medida em que inclui outros interlocutores – de outros lugares, de outros tempos – criando novas condições e novas possibilidades de troca de saberes, convocando os ouvintes/leitores a participarem como protagonistas no diálogo que se estabelece”. (SMOLKA, 1988, p.80). E ainda: “Nesse processo, a escrita integra o habitus e a possibilidade, a necessidade e o gosto (também forjados socialmente) da interação por escrito ganham força na correspondência e no registro das experiências. Mas relato e ficção se fundem, se confundem: o imaginário também ganha força. Fatos e crenças, ritos e mitos, medos e desejos são explicitados. É o discurso cotidiano que começa a ser marcado pelo trabalho de escritura das crianças e que traz, portanto, as marcas da realidade sócio-cultural dos indivíduos e dos grupos em interação.” (SMOLKA, 1988, p.100). Após a reflexão apresentada, considerando a proposta da autora, veja agora três textos também apresentados por Smolka, (1988), em que se podem reconhecer todos esses aspectos por ela apontados, relacionados ao trabalho com o texto literário e o processo de subjetivação da criança, através da leitura/escrita. [A galinha foi na feira com o galo. Ela beijou o galo. Ela passou "boca louca". O pintinho falou: "Olha o namoro!" O galo falou: "Porque a sua mãe é bonita demais!" A galinha falou: "Você também é". O galo falou: "Obrigado". A galinha falou: "Obrigado, você". O galo: "De nada". O galo deu um 'boca louca" para ela. O pintinho bicou o galo, o galo pegou os pintinhos no couro e o galo casou com a galinha e os dois foram passear no bosque. A galinha ficou contente. Os pintinhos ficaram chorando.] SMOLKA, 1988, p. 102 29 [A minha irmã parece o Janjão e eu não gosto dela... ela mexe quando eu tô brincando de carrinho ela não deixa eu brincando de carrinho porque ela não gosta que eu não "brinco" com moleque de rua. Mas eu vou na rua, eu bato nela e eu vou, bato, e a minha mãe bate em mim e vou dormir. Depois que eu acordo, quando meu pai chega, eu falo pra ele, ele bate nela. Eu gosto quando meu primo bate nela. Eu dou risada. Acabou "dessa" folha] SMOLKA, 1988, p. 103 30 [Eu acharia melhor que todo mundo que viesse na festa, não estragasse as bandeirinhas, os balões todos que tivessem na festa, não estragasse. Guardasse pro outro ano. Porque as folhas são caras, os cartazes também. Cada um ponha as sujeiras no lixo, senão as faxineiras não dão conta... Papel no lixo conserva a nossa escola. Porque ontem de ontem eu vim trazer o menino que eu olho, tinha cada balão lindo, cada desenho lindo! Tinha um balão no meio do pátio parecia balão de verdade! Podia guardar todos os materiais. Pelo jeito que eu vi eu acho que foi uma festa linda! Pena que eu não pude vir aqui! Este cartaz que está na nossa classe, a gente podia sortear ou senão, guardar como lembrança lá embaixo... Também eu não posso porque eu sou crente da Congregação Cristã do Brasil, eu não posso participar da rodinha do escarnecedor] SMOLKA, 1988, p. 105 31 RESUMO DA UNIDADE I Na Unidade I, você acompanhou o percurso da frase ao texto, passando pelas três fases de construção da Linguística Textual: I. Fase Transfrástica – a própria designação já aponta o principal interesse dessa fase, a análise transfrástica que vai além dos limites da frase. Esta fase volta-se para os fenômenos linguísticos que nunca foram bem explicados pelas teorias formalistas limitadas ao nível da frase. II. Fase da Gramática Textual – essa fase apoiou-se no objetivo de criar gramáticas textuais. Mesmo considerando-se já um bom desenvolvimento nas investigações da LT, acreditava-se ser o texto um sistema uniforme, estável e abstrato e, nesse ponto, ainda se aproximavam um pouco da forma como o estruturalismo descrevia a língua (sistema uniforme, estável e abstrato). As gramáticas textuais refletiam acerca de fenômenos linguísticos não explicáveis por uma gramática da frase III. Fase da Teoria do Texto – conforme sintetiza Bentes, 2007, diferentemente das gramáticas textuais que tencionavam a competência textual de falantes/ouvintes ideais, nessa fase, a língua passa a ser entendida não mais como um sistema abstrato (virtual), mas atual, em funcionamento, em uso efetivo. Nessa medida, o texto deixa de ser visto como um produto formal pronto e acabado (ideal) e passa a ser entendido como um processo (real) em funcionamento. Na sequência, você pode conferir a conceituação do texto que podemos esquematizar abaixo assim: ➊A produção textual é uma atividade verbal – o falante/ouvinte pratica ações, atos de fala; há sempre um objetivo a ser atingido; os enunciados são dotados de certa força (atos) - saudação, pergunta, asserção, solicitação, convite, despedida, etc; esses atos estão inseridos em contextos situacionais, sócio-cognitivos e culturais; esses atos estão inseridos em contextos situacionais, sócio-cognitivos e culturais. ➋A produção textual é uma atividade verbal consciente – o falante/ouvinte tem objetivos e intenções - ele sabe o que faz, como faz e porque faz; o sujeito/falante tem um papel ativo na produção textual - dizer é fazer; o sujeito/falante tem um papel ativo na produção textual - dizeré fazer; há uma consciência no uso do conhecimento, elementos linguísticos e fatores pragmáticos e interacionais. ➌A produção textual é uma atividade verbal, consciente e interacional – o texto é o produto da interação entre falante/ouvinte, autor/leitor; os interlocutores estão obrigatoriamente envolvidos nos processos de construção e compreensão do texto. Em seguida, você refletiu sobre como se constroem os sentidos no texto através da sua organização estrutural e processamento textual. Sobre o processamento textual, você acompanhou as descrições sobre o conhecimento linguístico; o conhecimento enciclopédico; e o conhecimento interacional. Sobre a organização estrutural do texto, você viu que o texto se organiza a partir de três níveis: 32 SUPERESTRUTURAL – ou de nível global, com ênfase nas relações esquemático-cognitivas. MACROESTRUTURAL – ou de nível semântico, com ênfase nas relações de coerência textual. MICROESTRUTURAL – ou de nível de superfície linguística, com ênfase nas relações de coesão textual. Para aprofundar o estudo da Coerência, você estudou os seguintes critérios de textualidade da coerência: 1- Princípio de interpretabilidade 2- Situação comunicativa 3- Conhecimento de mundo e conhecimento partilhado 4- Polifonia 5- Inferência 6- Intertextualidade 7- Intencionalidade 8- Informatividade Para aprofundar o estudo da Coesão, você estudou os seguintes critérios de textualidade da coesão: 1- Coesão Referencial por substituição e reiteração 2- Coesão Recorrencial por recorrência de termos, paralelismo, paráfrase e recursos fonológicos 3- Coesão Sequencial por elementos temporais e por conexão. 33 RESUMO DA UNIDADE II Na Unidade II, você acompanhou as discussões sobre o texto oral e o texto escrito – suas diferenças e características e seus diferentes níveis de formalidade, organização e variação. Vimos que o ensino tradicional não considera a noção de variação linguística, Linguística não leva em conta a linguagem falada e trabalha com uma linguagem “estática”. Ele se torna ainda mais precário no que se refere ao trabalho: com a linguagem oral e com os níveis de formalidade do discurso; com a conceituação do que vem a ser o texto e seus critérios de textualidade; e com o processo de leitura e produção escrita. Infelizmente, a realidade escolar mostra sérios problemas relacionados à aquisição da linguagem escrita, envolvendo os processos de leitura e produção. Outro ponto merecedor de destaque é que refletir sobre a relação oralidade / escrita inevitavelmente traz à tona questões relacionadas à variação linguística e, nesse sentido, é importante refletir sobre os aspectos teóricos que dizem respeito às modalidades oral e escrita em relação aos diferentes níveis de formalidade da linguagem e variação que compõem um “continuum” fala-escrita. Como bem coloca Marcuschi (1997), a variação linguística pode ser investigada tanto na oralidade como na escrita. No entanto, é interessante enfocarmos a fala, já que esta é uma atividade muito mais fundamental que a escrita na vida das pessoas. O homem é essencialmente um ser que fala. Entretanto, como temos visto, a escola não considera esse lugar da fala e confere, no ambiente acadêmico, uma posição inferior, desvalorizada, centralizando a atenção dos alunos nas atividades de escrita. Em linhas gerais, você observou que as características da fala e da escrita não são exclusivas nem de uma nem de outra modalidade e que elas foram estabelecidas a partir dos parâmetros da escrita por visão preconceituosa que discriminava a fala. Nesse sentido, é mister entender que a fala possui características próprias, particulares à sua situação enunciativa, sua forma de organização e realização. Veja abaixo algumas das característica mais essenciais da natureza da fala (mencionadas por Koch op cit; Marcurschi op cit) que merecem destaque e revelam- se originalmente particulares a ela. Devido a sua interacionabilidade intrínseca, a fala é, a priori, “não-planejável”. Ela precisa ser apenas “localmente planejável”. Possui sua verbalização e planejamento concomitantes, pois esses processos emergem no momento da interação – a fala é o seu próprio rascunho. Apresenta descontinuidades frequentes no fluxo discursivo: abandono de tópicos discursivos; retomadas de tópicos discursivos, inserções abruptas de novos tópicos discursivos, truncamentos etc. 34 Sintaxe característica/típica ligada, de certa forma, à sintaxe geral da língua. Um exemplo é a topicalização: “Esse menino eu não sei se tomou banho hoje”; “A violência, falta de segurança, eu não me acostumo com esse ritmo de grandes metrópoles no Brasil” Fala é processo, portanto, é dinâmica: não é um produto pronto e acabado, pois está continuamente se (re)fazendo, indo-e-voltando nos tópicos de interesse dos interlocutores, definindo-se em razão das necessidades, escolhas e pressões comunicativas da interação. Ainda sobre o binômio Oralidade e Escrita, você acompanhou as considerações acerca de algumas discussões apontadas por Marcuschi: I. Fala x escrita - a perspectiva das dicotomias II. Oralidade x letramento ou fala x escrita? III. Oralidade e escrita no contexto das práticas sociais IV. Oralidade x escrita: a tendência fenomenológica de caráter culturalista V. Fala x escrita – perspectiva variacionista VI. Oralidade x escrita – a perspectiva interacional VII. Concepção e funcionamento da língua – consequente relação fala / escrita Seguimos também com uma apresentação sobre a Análise da Conversação e os seus níveis essenciais de análise: A) macronível: nas fases conversacionais – abertura, fechamento e parte central, e o tema central e subtemas da conversação. B) nível médio: turno conversacional, tomada de turnos, sequência conversacional, atos de fala e marcadores conversacionais. C) micronível: elementos internos do ato de fala, que constituem sua estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódica. Você pode aprofundar o olhar, nessa discussão sobre: I. Sobre o tratamento dos dados orais II. A organização da conversa III. Os marcadores conversacionais IV. A construção da compreensão no texto falado Por fim, vou acompanhou a reflexão sobre a Leitura, Oralidade e Escrita como práticas linguísticas, sociais e pedagógicas. Aprofundando o olhar acerca destes funcionamentos sociais, concordamos que historicamente, as práticas de Escrita e Leitura se configuraram como representações sócio-discursivas de diferentes classes e aquelas práticas relacionadas às classes econômico e politicamente dominantes foram atreladas ao “bom uso” do vernáculo, à aquisição e acúmulo do conhecimento (e sua organização), ao progresso e avanço científico-tecnológico e à ascensão social. Nessa perspectiva, vinculou-se à escola, sobretudo, o papel de “ensinar”, reproduzir e reconhecer tais práticas. 35 BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec, 2002. _____ . Estética da Criação Verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2002. BENTES, A. C. Linguística Textual. IN. MUSSALIM, F. & BENTES, A. Introdução à Linguística – Domínios e Fronteiras. 5ed. São Paulo, Cortez. Vol.1., 2007, p.245- 287. BENVENISTE, E. O Aparelho Formal da Enunciação. IN Problemas de Lingüística Geral II. Campinas: Pontes, 1989. BRITO, P.L. Em terra de surdos-mudos: um estudo sobre as condições de produção de textos escolares. In: GERALDI, J.W. (org). O Texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1985. COSTA VAL, M. G. Redação e textualidade. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. DIJK, T. A. Some aspects of text grammars. Paris, The Hague, 1972. _____. Cognição, discurso e interação. 3 ed. São Paulo, contexto, 2000. DIONÍSIO, Ângela P. Análise da conversação. 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