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Direito Desportivo Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Reinaldo Zychan de Moraes Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios • Introdução; • Conceito; • Autonomia do Direito Desportivo; • Breve Evolução Histórica do Direito Desportivo no Brasil; • Desporto: Classificação; • Princípios do Direito Desportivo; • Sistema Brasileiro do Desporto. • Refl etir sobre o esporte e o direito; • Esclarecer o tratamento jurídico do esporte em normas nacionais e internacionais; • Destacar o esporte na Constituição Federal. OBJETIVOS DE APRENDIZADO Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios Introdução É pacífico o entendimento de que o Direito Esportivo, ou Direito Desportivo, atu- almente, constitui um ramo autônomo do Direito, com princípios, normas (escritas ou costumeiras), institutos, fontes e instituições próprias, que regulam a existência, organização e prática de todas as espécies de desporto, como fenômeno da vida social, inclusive com previsão constitucional da competência da Justiça Desportiva. Assim, todos aqueles que se relacionam ao esporte, sejam os atletas, sejam os representantes das entidades desportivas etc. precisam conhecer como funciona esse sistema jurídico todo próprio. Desconhecer como o Direito Desportivo funciona pode ser extremamente per- nicioso para as diversas relações jurídicas que se formam em torno do esporte, trazendo incertezas que em nada contribuem para o seu desenvolvimento. Conceito Não há como iniciar um estudo sem antes comparar as noções e conceitos da- dos por grandes estudiosos do tema, visando à construção de uma base sólida para se buscar a própria conceituação. O reconhecimento da existência do Direito Desportivo é o primeiro passo para que se possa defini-lo. Jean Loup, Professor da Faculdade de Direito e renomado advogado da Corte de Toulouse, ainda no princípio da década de 1930, já pro- clamava que o Direito Desportivo era um fato e que, não importava qual fosse a interpretação que se desse, negar sua existência seria inadmissível. Sobre esse aspecto, tomemos a lição de Carlos Miguel Aidar: A importância do Direito desportivo é inafastável a medida em que os te- mas jurídicos do desporto podem ser enfocados sob ângulos do desporto espetáculo, do desporto competição e do desporto profissão ou, então, sob a ótica do desporto comunitário, do desporto classista, do desporto estudantil e do desporto militar. (AIDAR, 1998, p. 118) Superado isso, a busca por uma conceituação do Direito Desportivo não é uma das tarefas mais simples. Para o decano dos juristas desportivos brasileiros, Valed Perry, o Direito Des- portivo é o “complexo de normas e regras que regem o desporto no mundo inteiro e cuja inobservância pode acarretar a marginalização total de uma associação na- cional do concerto mundial esportivo” (PERRY, 1981, p. 81), enquanto que para Eduardo Viana, “O Direito Desportivo é constituído pelo conjunto de normas, escritas ou consuetudinárias, que regulam a organização e a prática do desporto e, em geral, de quantas questões jurídicas situam a existência do desporto como fenômeno da vida social” (DA SILVA, 1997, p. 37). 8 9 Para Carlos Aidar, o Direito Desportivo é o conjunto de regras e instrumentos jurídicos sistematizados que tenham, por fim disciplinar os comportamentos exigí- veis na prática dos desportos em suas modalidades (AIDAR, 1998, p. 118). Outra importante construção conceitual é de autoria de Marcílio Krieger, ao mencionar que o Direito Desportivo “é a parte ou ramo do Direito Positivo que regula as relações desportivas, assim entendidas aquelas formadas pelas regras e normas internacionais e nacionais estabelecidas para cada modalidade, bem como as disposições relativas ao regulamento e à disciplina das competições” (KRIEGER, 2002, p. 40). Já Pedro Trengrouse Laignier de Souza ressalta que sua origem está no fato social (a prática do desporto), sendo imprescindível a existência de mecanismos punitivos para que esse sistema funcione: Dessa forma, podemos conceituar Direito Desportivo como sendo o ramo do Direito que busca relacionar, regular, disciplinar, estudar e resolver os conflitos decorrentes de todas as formas e modalidades desportivas, sis- tematizando regras disciplinares e comportamentos esperados dos des- portistas, com base em regras nacionais e internacionais e instituindo mecanismos coercitivos capazes de garantir a harmonia e uniformidade necessárias à prática desportiva. (SOUZA, 2005, p. 64) Autonomia do Direito Desportivo Apesar do grande salto evolutivo do Direito Desportivo ter ocorrido a pouco tempo (principalmente após a aprovação das Leis “Zico” e “Pelé”), se consolidan- do como uma das áreas de maior crescimento no país, sua existência não é recen- te, inclusive possuindo obras publicadas sobre o assunto ainda na década de 1950, como a obra Introdução ao Direito Desportivo, do jurista João Lyra Filho. Porém, a verdade é que o Direito Desportivo, durante muito tempo, foi tratado como um braço, um desmembramento de outras disciplinas do Direito, a exemplo do Direito Desportivo do Trabalho, Contratos Desportivos (Direito Civil), Adminis- tração e Gestão Desportiva (Direito Administrativo), dentre outras. Apesar do avanço que vivemos atualmente, não existe consenso doutrinário a respeito da autonomia do Direito Desportivo, porém, mesmo levando-se em consideração que ele ainda tem muito a se fortalecer, não se pode negar sua real importância, inclusive por possuir normas e garantias constitucionais que tratam do desporto. Assim, o melhor entendimento é o dos doutrinadores que reconhecem a auto- nomia do Direito Desportivo, como Luiz Roberto Martins Castro, que argumentam ser “o Direito Desportivo oriundo da necessidade de regulamentação do desporto, além de suas regras básicas de competição” (CASTRO, p. 14). 9 UNIDADE Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios Breve Evolução Histórica do Direito Desportivo no Brasil Primeiras Manifestações A legislação desportiva iniciou-se no Brasil em um momentoconturbado da história, na época da Segunda Guerra Mundial, em que o país pas- sava pelo regime ditatorial do Estado Novo de Getúlio Vargas, marcado pela supressão de uma série de garantias dos cidadãos. Os países agrupavam-se por aproximação de ideais e, assim, as legislações da época conti- nham conotações patrióticas e ufanistas, através da centralização da administração, utilizando os poderes Legislativo e Judiciário como meros co- adjuvantes do Executivo. Deve-se salientar que, sob a ótica do Estado Novo, a “educação física”, merecia extremo des- taque, tendo em vista o seu significado de “apu- ração da raça”, tanto que, em 1938, foi editado o Decreto-Lei nº 526/38, criando o Conselho Nacional da Cultura, e efetivando a inclusão da educação física no conceito de desenvolvimento cultural, sendo essa a primeira manifestação normativa com men- ção ao desporto no Brasil. Já a primeira legislação específica sobre o desporto foi o Decreto-lei nº 3.199/41, que buscava estabelecer as bases para organização do desporto no país, cujo principal objetivo era manter o controle das atividades esportivas pelo Estado, procurando tratá-lo como manifestação de exaltação patriótica, carregado de conceitos xenófobos. Com isso, as entidades e associações criadas ou formadas por colonos estrangeiros sofreram mudanças radicais, tendo que afastar os mem- bros de outra nacionalidade que compunham suas diretorias e, muitas vezes, alterar seus próprios nomes e denominações. Nesse período, o governo federal determinou a mudança do nome de agremiações esportivas que tivessem relação com os países que estavam em posição antagônica ao Brasil: Itália, Alemanha e Japão. É o caso do Clube Palestra Itália que teve seu nome alterado para Palestra de São Paulo e, posteriormente, para Palmeiras. Figura 1 – Getúlio Vargas Fonte: Wikimedia Commons 10 11 Apesar desse Decreto-Lei não ser democrático, já que seu intuito era fixar e manter os braços do Estado sobre o esporte, para que interviesse quando e como quisesse, sua importância é ter sido a primeira “Lei Orgânica do Esporte”, conside- rado por muitos doutrinadores como o marco oficial do Direito Desportivo. Por meio dele, foi criado o Conselho Nacional de Desportos (CND), responsável por zelar pelo desenvolvimento do desporto no Brasil, autorizando cada federação des- portiva a se organizar, desde que respeitasse as regras internacionais específicas de sua modalidade. Durante sua existência, o CND produziu mais de quatrocentas e trinta deli- berações e resoluções até sua extinção, em 1993, com a entrada em vigor da Lei Zico. Deve-se observar que, no período anterior à Constituição de 1988, a maciça produção de normas, tanto legais como infralegais, manteve, na sua essência, o mesmo viés autoritário, evidenciando a tendência de intromissão e intervenção estatal no desporto, a exemplo do Decreto nº 47.978/60, obrigando o regis- tro, no CND, de técnico desportivo diplomado em educação física e dos Decretos 51.008/61 e 53.820/64, que regulamentaram a profissão do jogador de futebol e sua participação em competições. Um marco importante foi, em 1962, a aprovação, pelo CND, do Código Bra- sileiro Disciplinar do Futebol (CBDF), subdividido em duas partes (processual e penal), e aplicável ao futebol, e do Código Brasileiro de Justiça e Disciplina Desportiva (CBJDD), com aplicação aos demais esportes. Tais documentos foram os responsáveis pelo desenvolvimento do sistema judicial desportivo e, em certo ponto, do Judiciário Desportivo. A Lei nº 6251/75, responsável por instituir a política nacional do desporto, ainda mantinha o poder do Estado sobre a organização do esporte, mas, ao mesmo tempo, começava a abrandar a sua forma de atuação, já que liberava a participação da inicia- tiva privada na promoção do desporto, reconhecia as formas comunitárias, estudantil, militar e classista de organização desportiva, instituiu, efetivamente, a Justiça Despor- tiva. Porém, previu que o CND exerceria, simultaneamente, as funções legislativa, executiva e judicante, relativas ao desporto. Sua preocupação na forma de promoção e desenvolvimento do desporto fez com que fosse recepcionada pela Constituição Fe- deral de 1988 e vigorando até a aprovação da Lei nº 8.672/93 (“Lei Zico”). Ainda, dentro do regime da ditadura militar, surge a Lei nº 6.354/76 (“Lei do Passe”), com o intuito de disciplinar as questões inerentes à relação de trabalho do jogador de futebol profissional, estipulando o tempo de duração dos contratos, a carga horária semanal do atleta, a obrigatoriedade da “concentração”, a possibili- dade de empréstimo do atleta, a vedação da profissionalização de atleta menor de dezesseis anos, além de regulamentar o passe dos atletas. Devemos ainda destacar que essa lei estabeleceu diversas regras sobre a compe- tência da Justiça Desportiva para julgar questões inerentes à relação de trabalho do atleta profissional, competência essa que não mais existe. 11 UNIDADE Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios O Desporto na Constituição Federal de 1988 Com a promulgação da Constituição de 1988, foi abandonado o retrógrado viés autoritário de intervenção estatal no desporto, como se vê já em seu artigo 5º, XVII, XVIII e XXVIII, ao dispor que é garantida aos brasileiros e aos estrangeiros residen- tes no país, a liberdade de associação para fins lícitos, a dispensa de autorização para criação de associações, vedando interferência estatal em seu funcionamento, e a proteção à reprodução de imagem e voz humanas nas atividades desportivas. Figura 2 – Zico Fonte: Wikimedia Commons Constituição Federal Art. 5º [...] XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; [...] XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodu- ção da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respec- tivas representações sindicais e associativas; E não fica apenas nisso, o artigo 24, IX, da Lei Maior, estabeleceu ser a compe- tência legislativa “desportiva” concorrente entre os entes da Federação (União, Es- tados, Distrito Federal e Municípios), enquanto o artigo 217 faz expressa menção no tocante a ser o esporte um dever do Estado, que deve proteger e incentivar as 12 13 manifestações desportivas de criação nacional, fomentando sua prática, formal e não formal, através do tratamento diferenciado ao profissional e o não profissional, destacando a autonomia das entidades desportivas e associações, principalmente quanto à sua organização e funcionamento. Constituição Federal Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; [...] Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não- -formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de cria- ção nacional. [...] Na realidade, a Constituição de 1988 trouxe, pela primeira vez, o esporte como uma das bases que constituem o Estado brasileiro. Uma das principais inovações é o amplo sentido dado à prática desportiva, não se limitando apenas à convencional, mas agregando a recreativa, a de lazer ea de divertimento, colocando o desporto no rol dos direitos sociais, com o objetivo de promover o bem-estar e a justiça social. O desporto não faz parte dos direitos sociais apenas por ter sido caracterizado como lazer, mas sim porque serve como forma de promoção social, educação, saúde e en- tretenimento. Aliás, a ideia de bem-estar social e integração social do homem já fora anteriormente prevista no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Declaração Universal dos Direitos Humanos Artigo 25 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. [...] 13 UNIDADE Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios Lei n.° 8.672 de 1993 - “Lei Zico” Merecedora de destaque, por ter sido a primeira grande lei sobre desporto, aprovada após a Cons- tituição Federal de 1988, a lei é chamada dessa forma por ter sido editada com o auxílio do então secretário do esporte, Arthur Antunes Coimbra, o ex-jogador de futebol conhecido como “Zico”. A lei era moderna, balizada em doutrinas des- portivas atualizadas, liberal, descentralizadora, não restritiva e, principalmente, democrática, ao reduzir, drasticamente, a interferência do Esta- do e fortalecer a iniciativa privada, nos assuntos do desporto, criando condições para a profissio- nalização da prática das diferentes modalidades desportivas e propiciando o desenvolvimento da autonomia de organização e funcionamento dos segmentos desportivos e das entidades de admi- nistração do desporto. O seu principal destaque foi, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasilei- ro, possibilitar que clubes, associações e entidades desportivas se transformassem, constituíssem ou contratassem sociedade comercial, com fins lucrativos, para ges- tão de suas atividades, os chamados “clubes empresa”, inclusive, estabelecendo o processo de filiação das entidades, a tipologia de voto e o mandato dos dirigentes, permitindo a remuneração de seus diretores. Porém, apesar de bem intencionada, a lei teve curto alcance, já que não ofere- ceu nenhuma espécie de benefício para que essa migração (de “sem fins lucrativos” para “com fins lucrativos”) fosse efetivada, já que os dirigentes dessas entidades teriam um enorme trabalho para convencer os associados dos possíveis benefícios da mudança, para conseguir aprová-la em seus estatutos. Outra inovação foi a capacidade de criação, pelos próprios atletas ou entidades de prática esportiva, de ligas regionais e nacionais, além da previsão dos direitos de arena e de imagem, dando às entidades esportivas a possibilidade de autorizar a transmissão, pelos meios de comunicação, de seus jogos e eventos, mediante re- muneração, garantindo que parte do arrecadado pelo clube deveria ser repassado para o atleta. A Lei Zico ainda foi responsável por regular a Justiça Desportiva, dispondo sobre procedimentos processuais (de primeira e segunda instâncias), garantindo o contraditório e a ampla defesa e disciplinando a organização dos tribunais. Ela vigorou até o ano 1998, até ter sido revogada pela Lei Pelé, em vigor até os dias atuais. Figura 2 – Zico Fonte: Wikimedia Commons 14 15 Desporto: Classifi cação Mesmo não havendo consenso sobre essa diferenciação, esporte e desporto não se confundem, pois: • Esporte: é um fenômeno sociocultural, que envolve a prática voluntária de atividades de concentração, intelectuais, motoras, proeza ou esforço físico, com finalidade recreativa ou profissional, sujeita a determinados regramentos, que visa a competição entre os praticantes, contribuindo para a formação, desenvolvimento e/ou aprimoramento físico, intelectual e psíquico de seus praticantes e espectadores. • Desporto: pode ser definido como uma espécie de atividade esportiva com- petitiva institucionalizada, cuja participação é motivada por uma combinação de fatores intrínsecos e extrínsecos, qualificado por regras rígidas, previamente definidas, em complexidade proporcional ao tipo de atividade realizada naquela modalidade, concebidas sobre a experiência prévia e informadas pelo ganho emocional, físico, intelectual e psíquico de quem participa, e/ou de quem assiste. Atividade esportiva é gênero do qual a atividade desportiva é espécie . A ativi- dade esportiva é lúdica, havendo flexibilidade convencional nas regras que podem ser alteradas no meio da atividade ou pelo menos consideradas, já que seu principal objetivo é o ganho emocional de quem participa. Já a desportiva é revestida de regras rígidas e pré-determinadas, com pouca ou nenhuma amplitude de flexibi- lização, prescindindo de um quadro de árbitros, para a direção, interpretação e aplicação dessas regras, para a definição do ganhador, já que seu principal objetivo é o ganho emocional de quem assiste. Ambas as expressões são comumente sobrepostas ou conjugadas como sinôni- mas, obrigando-nos a adotar outra espécie de “classificação”, dividindo o desporto em: educacional, de participação e de rendimento: • Desporto educacional: pode ser considerado como aquele praticado nos sis- temas de ensino ou em outras formas de educação. É caracterizado por se evitar, em sua prática, a seletividade e a hipercompetitividade de seus partici- pantes, tendo como objetivo primordial alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer (SILVA, 2005. p. 814); • Desporto de participação: (vulgar e erroneamente chamado de “amador”) visa apenas a integração de seus participantes de modo voluntário, sem vín- culo algum (SILVA, 2005. p. 814). Conforme José Ricardo Oliveira, essa es- pécie de desporto se encontra presente em todas as atividades esportivas, que não exijam vínculo ou compromisso do praticante com a atividade ou com a entidade. Dessa forma, a utilização da expressão “esporte amador”, além de antiquada, é errada, devendo ser evitada, já que as palavras amador ou profis- sional não caracterizam uma qualidade da modalidade, mas sim do praticante, ou melhor, do indivíduo (AIDAR, 2003. p. 43); 15 UNIDADE Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios • Desporto de rendimento: pode ser considerado como a imagem do desporto formal, caracterizado pela busca de resultados desportivos. Abrange as atividades das associações atléticas, ligas, federações e confederações (SILVA, 2005. p. 819). O desporto de rendimento é definido no artigo 3º, III, da Lei 9.615/98, como aquele praticado, tanto segundo as normas gerais daquela Lei, quanto as da prática desportiva (nacionais e internacionais), com a finalidade de obter resultados e inte- grar pessoas e comunidades do país e estas com as de outras nações. Lei Pelé Art. 3º O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes ma- nifestações: [...] III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações. Como o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência, muitas vezes, utili- zam os termos como sinônimos, com apoio na Lei n.° 9.615/98 (Lei Pelé) e nos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito (NAPIER, 2003. p. 29), convém adotar a subdivisão do desporto de rendimento em formal e não formal. Foi a própria Constituição Federal de 1988 que subdividiu o desporto de ren- dimento em categorias, ao utilizar, no artigo 217, a expressão “práticas despor- tivas formais e não formais”. A tarefa de disciplinar cada uma foi executada pela doutrina e pela Lei n.° 9.615/98 (Lei Pelé), que prefere chamá-los de desporto de rendimento organizado e praticado: • De modo profissional; • De modoneoprofissional. A modalidade profissional é descrita no artigo 3º, § 1º, da Lei 9.615/98, pos- suindo como característica principal o contrato formal de trabalho, remunerado, entre o atleta e a entidade de prática desportiva ou, em outras palavras, a lei classifica o atleta profissional como “funcionário” do clube ou entidade esportiva. Assim, eventuais outros contratos do atleta com outras pessoas jurídicas devem ser de caráter de patrocínio. Já o atleta não profissional é identificado no artigo 3º, § 2º, da Lei 9.615/98, tanto pela liberdade de prática, como pela inexistência de contrato de trabalho. Importante mencionar que é permitido para os atletas não profissionais o recebi- mento de incentivos tanto materiais como de patrocínio. Lei Pelé Art. 3º § 1º O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em con- trato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva; 16 17 II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. Assim, pode-se dizer que a prática desportiva formal é aquela regulada por regras (nacionais ou internacionais) do esporte, além das regras da prática da modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais e internacionais de administração do desporto (NAPIER, 2003. p. 29), administrada por entidade de organização espor- tiva e desenvolvida por meio de um contrato de trabalho, enquanto que a prática não formal é caracterizada pela liberdade lúdica de seus praticantes. Maria Helena Diniz, ao efetuar a diferenciação entre as duas espécies, dispõe que a finalidade precípua do desporto profissional é auferir renda, seja a arrecadada com a competição, seja por meio de patrocinadores ou fomentadores esportivos e remunerar os atletas, enquanto que o não profissional é identificado, tanto pela liber- dade de sua prática, quanto pela inexistência de contratos de trabalho, mesmo que permitida a participação de fomentadores e patrocinadores (DINIZ, 2003, p. 324). Também são definidos pela lei mais duas outras manifestações do esporte: o desporto educacional e o desporte de formação. Lei Pelé Art. 3º [...] I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitivi- dade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; [...] IV - desporto de formação, caracterizado pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos desportivos que garantam competência técnica na intervenção desportiva, com o objetivo de promover o aperfeiçoamen- to qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos recreativos, competitivos ou de alta competição. Princípios do Direito Desportivo Os princípios são a base, o sustentáculo, não apenas das normas, mas da essência de todas as disciplinas do Direito. Podem ser caracterizados como regras que nor- teiam e irradiam por todo o sistema; uma fonte que serve e auxilia o ordenamento, na criação, compreensão, interpretação e aplicação das normas no caso concreto. Quanto à importância dos princípios, vale sempre lembrar a máxima que des- creve ser mais grave violar um princípio do que uma norma, complementada pelas palavras de Celso Antônio Bandeira de Melo (apud MELO FILHO, 2006, p. 55): “violar qualquer princípio, ainda que implícito, é tão afrontoso, como o que esteja expresso”. 17 UNIDADE Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios Antes de tudo, deve-se salientar que os princípios do Direito Desportivo são influenciados e inspirados nos fundamentos e objetivos do Estado Democrático de Direito, previstos nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal de 1988, a exemplo da soberania (art. 1º, I), que envolve a supremacia nacional, e dá ao desporto a característica de patrimônio do país. Sobre os princípios da Justiça Desportiva, merece menção a lição de Paulo Mar- cos Schmitt: “princípios são proposições diretoras de uma ciência [...] são ordena- ções que irradiam e imantam o sistema de normas – na perspectiva de um sistema desportivo, são os seus sustentáculos, alicerces, bases e fundamentos” (SCHMITT, 2006, p. 22). Já quanto aos princípios constitucionais propriamente ditos, o principal, dentre os desportivos, é o princípio do direito social, previsto no artigo 6º da CF/88, derivando deste todos os demais. Temos ainda o princípio da autonomia na ad- ministração das entidades desportivas, dado pelo artigo 217, I da CF/88, dentre tantos outros. Constituição Federal Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não- -formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; Assim como o legislador constitucional inseriu na lei maior alguns dos princí- pios norteadores do Estado Democrático, o Direito Desportivo, em sua legislação específica, também elencou seu rol de princípios, mais especificamente no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e na Lei nº. 9.615/98 (Lei Pelé). Deve- -se ressaltar que tal rol não é exaustivo, podendo e devendo ser complementado, em aplicação subsidiária e analógica, pelos demais que compõem o arcabouço do ordenamento jurídico. No prisma infraconstitucional, o Direito Desportivo também possui seus prin- cípios específicos, devidamente previstos no artigo 2º da Lei n º. 9.615/98 (Lei Pelé) tais como: • da soberania: supremacia nacional na organização da prática desportiva; • da autonomia: liberdade das pessoas organizarem-se para a prática desportiva; • da democratização: não discriminação nas condições de acesso às atividades desportivas; • da liberdade: para a prática do desporto, associando-se ou não a entidade do setor: o desporto é um direito individual social e não um dever social; • do direito social: dever do Estado em fomentar as práticas desportivas; • da diferenciação entre o tratamento dado ao desporto profissional e não profissional: visa resguardar direitos e impor deveres àqueles que elejam uma modalidade desportiva como profissão; 18 19 • da identidade nacional: proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional; • da educação: voltado para o desenvolvimento integral do homem e fomenta- do pela prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional; • da qualidade: valorização dos resultados desportivos, educativos, dos rela- cionados à cidadania e ao desenvolvimento físico e moral: velha máxima de “mens sana in corpore sano”; • da descentralização: organização e funcionamento harmônicos de sistemas desportivos diferenciados e autônomos; • da segurança: relativo à integridade física, mental ou sensorial do praticante de qualquer modalidade desportiva; • da eficiência: tem a ver com a busca do resultado positivo, desportivo e admi- nistrativo: competência e eficiência, tanto na prática da modalidade desporti- va, como na administração do desporto. O parágrafo único do mencionado artigo prevê que, no tocante à exploração e gestão do desporto profissional, devem ser observados, ainda, os princípios da “transparência financeira e administrativa; da moralidade na gestão desportiva; da responsabilidade social de seus dirigentes; do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional; e da participação na organização desportiva do país”. Ademais, esses princípios devem ser conjugados, em uma interpretação siste- mática, com os demais Princípios Gerais do Direito, principalmente com os cha- mados direitos/princípios fundamentais básicos, previstos no artigo 5º da Consti- tuição Federal, a exemplo dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, ao devido processo legal (na Justiça Desportiva), sem excluir os outros tantos espalhados por todoo texto constitucional. Finalizando, conforme mencionado, o artigo 2º do Código Brasileiro de Justiça Desportiva também traz um rol de princípios, de natureza processual, de aplicação imediata ao Direito Desportivo, tais como: ampla defesa; celeridade; contraditório; economia processual; impessoalidade; independência; legalidade; moralidade; mo- tivação; oficialidade; oralidade; proporcionalidade; publicidade; razoabilidade. Código Brasileiro de Justiça Desportiva Art. 2º A interpretação e aplicação deste Código observará os seguintes princípios, sem prejuízo de outros: I - ampla defesa; II - celeridade; III - contraditório; IV - economia processual; V - impessoalidade; 19 UNIDADE Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios VI - independência; VII - legalidade; VIII - moralidade; IX - motivação; X - oficialidade; XI - oralidade; XII - proporcionalidade; XIII - publicidade; XIV - razoabilidade; XV - devido processo legal; XVI - tipicidade desportiva; XVII - prevalência, continuidade e estabilidade das competições (pro competitione); XVIII - espírito desportivo (fair play). Sistema Brasileiro do Desporto A principal lei que trata da organização do desporto em nosso país, a Lei Pelé – Lei n.º 9.615/98, estabeleceu em seu artigo 4º o Sistema Brasileiro do Desporto, sendo composto pelo: • Ministério do Esporte; • Conselho Nacional do Esporte – CNE; • Sistema Nacional do Desporto e os Sistemas de Desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, organizados de forma autônoma e em regi- me de colaboração, integrados por vínculos de natureza técnica específicos de cada modalidade desportiva. Nesse sistema, também podem ser incluídas as pessoas jurídicas que desenvol- vam práticas não formais, promovam a cultura e as ciências do desporto e formem e aprimorem especialistas. O objetivo desse sistema é o de garantir a prática desportiva regular e melhorar o padrão de qualidade. A organização desportiva em nosso país, fundada na liberdade de associação, integra o nosso patrimônio cultural e é considerada de elevado interesse social. 20 21 Nessa organização, vamos destacar o Conselho Nacional do Esporte – CNE, que é órgão colegiado de normatização, deliberação e assessoramento, diretamen- te vinculado ao Ministro de Estado do Esporte. Composto 22 membros indicados pelo Ministro do Esporte, que o presidirá, esse conselho tem importantes atribuições definidas na Lei Pelé, sendo que, dentre elas, devemos destacar as seguintes: • Estabelecer os Códigos de Justiça Desportiva e suas alterações, com as pecu- liaridades de cada modalidade; • Estabelecer o Código Brasileiro Antidopagem – CBA e suas alterações. 21 UNIDADE Direito Desportivo – Aspectos Introdutórios Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Constituição Federal https://goo.gl/zaRrL Código Brasileiro de Justiça Desportiva https://goo.gl/KjSmBy Código Brasileiro Antidopagem https://goo.gl/XqxNk1 Estatuto do Torcedor – Lei n.º 10.761/03 https://goo.gl/VeACmf Lei n.º 9.615/98 – Lei Pelé https://goo.gl/jvPvAV 22 23 Referências AIDAR, C. M. C. Direito desportivo e outras considerações jurídico desporti- vas. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 2, 1998. ______. 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