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Curso De Direitos Fundamentais - 2022 - Felippe Augusto

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CAC
Curso de
Direitos
Fundamentais
FILIPPE AUGUSTO DOS SANTOS
NASCIMENTO
Graduado em Direito pela UFC. Mestre em Direito pela UFRN. Doutor em
Direito pela UFC. Defensor Público Federal. Professor Substituto da UFC.
Professor do Curso Ouse Saber. Ex-Procurador do Estado da Paraíba. Ex-
Procurador do Município de Natal
filippeaugusto83@gmail.com @proffilippeaugusto
Curso de
Direitos
Fundamentais
mailto:filippeaugusto83@gmail.com
Curso de Direitos Fundamentais
© Filippe Augusto dos Santos Nascimento
EDITORA MIZUNO 2022
Revisão: Ulisses Vieira Moreira Peixoto
Revisão Técnica: Filippe Augusto dos Santos Nascimento
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)
N244c Nascimento, Filippe Augusto dos Santos.
Curso de Direitos Fundamentais / Filippe Augusto dos Santos Nascimento. – Leme, SP: Mizuno, 2022.
371 p. : 16 x 23 cm
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5526-238-4
1. Direitos fundamentais – Brasil. 2. Direito civil. I. T ítulo.
CDD 342.81
Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422
Nos termos da lei que resguarda os direitos autorais, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial destes
textos, inclusive a produção de apostilas, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive
através de processos xerográficos, reprográficos, de fotocópia ou gravação.
Qualquer reprodução, mesmo que não idêntica a este material, mas que caracterize similaridade confirmada
judicialmente, também sujeitará seu responsável às sanções da legislação em vigor.
A violação dos direitos autorais caracteriza-se como crime incurso no art. 184 do Código Penal, assim como na Lei nº
9.610, de 19.02.1998.
O conteúdo da obra é de responsabilidade dos autores. Desta forma, quaisquer medidas judiciais ou extrajudiciais
concernentes ao conteúdo serão de inteira responsabilidade dos autores.
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA MIZUNO
Rua Benedito Zacariotto, 172 - Parque Alto das Palmeiras, Leme - SP, 13614-460
Correspondência: Av. 29 de Agosto, nº 90, Caixa Postal 501 - Centro, Leme - SP, 13610-210
Fone/Fax: (0XX19) 3571-0420
Visite nosso site: www.editoramizuno.com.br
e-mail: atendimento@editoramizuno.com.br
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
http://www.editoramizuno.com.br
mailto:atendimento@editoramizuno.com.br
Aos acadêmicos de Direito do Brasil, que nunca se sintam constrangidos
ou envergonhados por defender os direitos fundamentais.
“Fica decretado que agora vale a verdade.
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira”.
(Thiago de Mello. Os Estatutos do Homem.
Ato Institucional Permanente. 1964)
 Agradecimentos
Agradeço a Deus por me dar forças para o estudo e para a escrita.
Agradeço à minha Famíla pelo carinho e pela compreensão. Sei que minhas
falhas são muitas e minhas virtudes são poucas, mas nunca duvidem que meu amor
é gigante!
Agradeço aos amigos pela cumplicidade e pelas gargalhadas.
Agradeço aos meus Professores e minhas Professoras por cada lição. Foram
elas que me trouxeram até aqui.
Agradeço aos Alunos e às Alunas pela atenção e pelo carinho.
Agradeço às Editoras Mizuno e Ouse Saber pela confiança.
Agradeço a você, leitor ou leitora, pela leitura!
 Apresentação
Depois de ter me dedicado, no Mestrado e no Doutorado, ao estudo dos
Direitos Fundamentais, o que busquei fazer de forma aprofundada e crítica, resolvi
elaborar este livro com um propósito um pouco diferente. A meta nesta obra foi
tratar os pontos da matéria de forma completa e, principalmente, acessível,
disponibilizando à comunidade jurídica um tratamento didático sobre os direitos de
cúpula do ordenamento.
Este livro, no entanto, segue no caminho do rigor científico e da análise
detalhada das temáticas, o que entendo ser plenamente compatível com o caráter
pedagógico e a linguagem simples, pontos necessários à ampla compreensão dos
temas.
Creio que os anos ministrando aulas sobre Direitos Fundamentais em
Universidades e no Curso Ouse Saber (www.ousesaber.com.br) ajudaram
bastante no intuito de elaborar uma obra ao alcance de todos e sem deixar de ser
interessante também para aqueles que estão em níveis mais aprofundados do
estudo.
Assim sendo, convido você à leitura desta obra, acreditando que ela, além de
funcionar como colaboradora de seus estudos, poderá servir como reforço na
proteção dos tão caros Direitos Fundamentais.
Boa leitura!
Fortaleza, 09.IV.21.
Filippe Augusto dos Santos Nascimento
http://www.ousesaber.com.br
sumário
CAPÍTULO 1
TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1 Conceitos Iniciais
1.2 Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
1.3 Afirmação Histórica
1.3.1 Idade Antiga
1.3.2 Idade Média
1.3.3 Idade Moderna
1.3.4 Idade Contemporânea
1.4 Questões Terminológicas
1.5 Características
1.6 Teoria dos Status de Jellinek
1.7 A Teoria das Gerações dos Direitos Fundamentais
1.8 As Críticas à Teoria das Gerações (ou mesmo Dimensões) dos Direitos
Fundamentais
1.9 Teorias Fundamentadoras
1.10 Norma Específica
1.11 Classificações Importantes
1.11.1 Quanto aos Titulares
1.11.2 Quanto à Natureza
1.11.3 Histórica ou Quanto às Gerações (ou Dimensões)
1.11.4 Classificação Constitucional (Título II)
1.12 Titularidade
1.12.1 Estrangeiros Não Residentes têm o Mesmo Rol de Direitos do Art. 5º, da
CF/88?
1.12.2 Pessoas Jurídicas são Titulares Direitos Fundamentais?
1.13 A Dimensão Subjetiva
1.14 A Dimensão Objetiva
1.14.1 O Surgimento da Dimensão Objetiva: O Caso Lüth.
1.14.2 Da Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais como Uma Ordem Objetiva
de Valores ao seu Papel de Competência Negativa
1.14.3 Desdobramentos da Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais
1.15 A Eficácia Vinculante
1.15.1 A Vinculação das Funções Estatais
1.15.2 Os Deveres Estatais de Tutela (Schutzpflichten)
1.16 A Eficácia Irradiante
1.16.1 A Constitucionalização do Direito
1.16.2 Os Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares
1.17 Eficácia Processual
1.17.1 A Objetivação de Processos de Tutela de Direitos Fundamentais
1.17.2 A Abertura dos Processos Estatais de Tutela dos Direitos Fundamentais à
Participação Pública
1.18 A Aplicação dos Direitos Fundamentais entre os Particulares
1.18.1 A Teoria da Aplicação Indireta (Mittelbare Drittwirkung)
1.18.2 A Teoria da Aplicação Direta (Unmittelbare Drittwirkung)
1.18.3 Outras Teorias
1.18.5 Por um modelo brasileiro de Aplicação dos Direitos Fundamentais entre
Particulares
1.18.4 A Aplicação Predominante no Brasil
1.19 Aplicabilidade
1.20 Cláusula de Abertura
1.20.1 Cláusula de Abertura e o Bloco de Constitucionalidade
1.20.2 Cláusula de Abertura e as Cláusulas Pétreas
1.21 Âmbito de Proteção
1.22 Restrições e Núcleo Essencial
1.23 Colisões
1.24 Hermenêutica Específica
CAPÍTULO 2
DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE
2.1 Direitos Individuais
2.1.1 Vida
2.1.1.1 Vida e Pesquisa Científica
2.1.1.2 Aborto
2.1.1.3 Morte e Regulação pelo Estado
2.1.1.4 Interrupção Humanitária da Vida (Morte Digna)
2.1.1.5 Clonagem
2.1.2 Direito à Liberdade
2.1.3 Direito à Igualdade
2.1.3.1 “Separate But Equal” (“Treatment as an Equal”)
2.1.3.2 Discriminação Positiva: Ações Afirmativas.
2.1.3.2.1 Participação Política das Mulheres
2.1.3.2.2 Cotas para Pessoas com Deficiência
2.1.3.2.3 Cotas Raciais e Programa Universidade para Todos (PROUNI)
2.1.3.3 Doação de Sangue por Homens Gays
2.1.3.4 Desdobramentos do Direito à Igualdade na CF/88
2.1.4 Segurança
2.1.5 Propriedade
2.1.5.1 Função Social na CF
2.1.5.2 Desdobramentos do Direito à Propriedade na CF
2.1.6 Legalidade
2.1.7 Vedação à Tortura
2.1.7.1 Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes
2.1.7.2 A Lei que Define os Crimes de Tortura
2.1.7.3 Desdobramentos da Vedação à Tortura na CF
2.1.8 Liberdade de Manifestação do Pensamento
2.1.9 Liberdade de Consciência
2.1.10 Intimidade e Vida Privada
2.1.11 Liberdade de Profissão
2.1.12 Inviolabilidade Domiciliar
2.1.13 Sigilo de Correspondência e Comunicações
2.1.13.1 Sigilo de Dados
2.1.13.2 Sigilodas Comunicações
2.1.14 Liberdade de Informação
2.1.15 Liberdade de Locomoção
2.1.16 Reunião
2.1.17 Associação
2.1.18 Defesa do Consumidor
2.1.19 Petição e Certidões
2.1.20 Garantias Processuais
2.1.21 Garantias Penais
2.1.22 Princípio da Presunção de Inocência
2.1.23 Remédios Constitucionais
2.2 Direitos de Nacionalidade e Direitos Políticos
2.2.1 Nacionalidade
2.2.1.1 Critérios de Definição de Nacionalidade
2.2.1.2 Espécies de Nacionalidade
2.2.2 Naturalização
2.2.2.1 Naturalização Ordinária
2.2.2.2 Naturalização Extraordinária (Ou Quinzenária)
2.2.3 Quase Nacionalidade
2.2.4 Brasileiros Natos e Brasileiros Naturalizados
2.2.5 Vedação da Extradição de Brasileiros Natos e Outros Institutos do Direito
Internacional que Envolvem a Questão da Nacionalidade
2.2.6 Cargos Privativos de Brasileiros Natos e Atividade Nociva ao Interesse Nacional
2.2.6.1 Conselho da República
2.2.6.2 Propriedade de Empresa Jornalística
2.2.7 Perda da Nacionalidade
2.2.8 Direitos de Participação Política
2.2.9 Direitos Políticos Positivos
2.2.10 Direitos Políticos Negativos
2.2.10.1 Suspensão, Perda e Cassação de Direitos Políticos
2.2.11 Partidos Políticos e Fidelidade Partidária
2.3 Direitos Sociais
2.3.1 Finalidade
2.3.2 Natureza
2.3.3 Sujeitos (Ativo e Passivo/ Titularidade e Destinatário)
2.3.4 Educação
2.3.5 Saúde
2.3.6 Alimentação
2.3.7 Trabalho
2.3.8 Moradia
2.3.9 Transporte
2.3.10 Lazer
2.3.11 Segurança
2.3.12 Previdência Social
2.3.13 Proteção à Maternidade e Infância
2.3.14 Assistência
2.3.15 Justiciabilidade dos Direitos Sociais
2.3.15.1 Reserva do Possível
2.3.15.2 Mínimo Existencial
2.3.16 Metodologia Fuzzy e os Camaleões Normativos
REFERÊNCIAS
Capítulo 1
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
1.1 Conceitos Iniciais
Direitos fundamentais são os direitos mais básicos do ser humano, essenciais
para a garantia de uma vida com dignidade, previstos em uma dada Constituição,
temporal e territorialmente especificada, distintos das demais normas
constitucionais por gozar de aspectos formais e materiais caracterizadores de sua
fundamentalidade.
Os direitos fundamentais são, assim, um determinado grupo de direitos
previstos na Constituição que são considerados os mais básicos do ser humano.
São os direitos essenciais, basilares, prioritários, sem os quais não se pode garantir
a dignidade do próprio ser humano. Assim, afirma-se que a dignidade da pessoa
humana é o fundamento ético do qual surge a noção de direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais devem, no entanto, ser diferenciados de outras
gamas de direitos constitucionalmente previstos. Nesse sentido, o conceito de
direitos fundamentais apresentado acima possui o peculiar aspecto de se
diferenciar das demais normas constitucionais por basear-se em um critério de
especial fundamentalidade formal e material, o que segue entendimento clássico de
Robert Alexy1, já tornado tradicional também no Direito Constitucional lusitano2 e
brasileiro3.
No que tange à fundamentalidade material, isso decorre do especial conteúdo
das normas de direitos fundamentais, relacionado com a proteção de direitos
individuais, sociais e difusos, enquanto matéria inerente à estrutura do estado e da
sociedade.
Sabe-se que a noção de Constituição ressurge, no cenário global, na Idade
Moderna, com as revoluções liberais. Nesse cenário, a Constituição apresenta
dois principais objetivos: i) limitar o poder do Estado e ii) garantir os direitos
básicos dos indivíduos. Ante tais objetivos centrais da Constituição, reside a
fundamentalidade material dos direitos fundamentais, que garantem os direitos
mais básicos dos indivíduos, impedindo um avanço autoritário do Estado.
A noção de fundamentalidade formal, por sua vez, implica esses direitos
possuírem estatura constitucional, o que os coloca em posição de prevalência em
relação às normas legais consagradoras de direitos, bem como, mesmo dentro do
ambiente constitucional, possuírem uma especial proteção normativa, como, no
caso brasileiro, a vedação a revogação por meio de emenda constitucional (art. 60,
§ 4º, IV, da CF/88):
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (…)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(…)
IV - os direitos e garantias individuais.
Com efeito, além de estarem previstos na norma superior do ordenamento
jurídico (Constituição), ainda possuem especial proteção normativa quando
comparados às demais normas também previstas no texto constitucional.
“A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e resulta dos
seguintes aspectos, devidamente adaptados ao nosso direito constitucional pátrio: a) como
parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais situam-se no ápice de todo
ordenamento jurídico, de tal sorte que – neste sentido – se cuida de direitos de natureza
supralegal; b) na qualidade de normas constitucionais, encontram-se submetidos aos limites
formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional
(art. 60 da CF), cuidando-se, portanto (pelo menos num certo sentido) e como leciona João
dos Passos Martins Neto, de direitos pétreos, muito embora se possa controverter a respeito
dos limites da proteção outorgada pela Constituinte, o que será objeto de análise na parte
final desta obra; c) por derradeiro, cuida-se de normas diretamente aplicáveis e que vinculam
de forma imediata as entidades públicas e privadas (art. 5º, § 2º. Da CF) que a noção da
fundamentalidade material permite a abertura da Constituição e outros fundamentais não
constantes de seu texto e, portanto, apenas materialmente fundamentais, assim como a
direitos fundamentais situados fora do catálogo, mas integrantes da Constituição formal,
ainda que possa contraverter-se a respeito da extensão do regime da fundamentalidade
formal a estes direitos apenas materialmente fundamentais, aspecto do qual voltaremos a nos
ocupar de forma mais detida no próximo capítulo”4.
Vale observar que o critério constitucional brasileiro necessita de ambos os
aspectos (formal e material), pois há normas materialmente jusfundamentais fora
do texto da Constituição, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente
possui um título dedicado aos direitos fundamentais, mas que, como não possuem
fundamentalidade formal, não gozam do status de superioridade típico das normas
jusfundamentais.
1.2 Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
a)
b)
Direitos humanos e direitos fundamentais são conceitos próximos, tendo em
vista que os direitos fundamentais também são essenciais à garantia da vida
humana digna e gozam de superioridade normativa.
Segundo André de Carvalho Ramos, a distinção entre direitos humanos e
direitos fundamentais passa pela compreensão dos locais de normatividade e de
exigibilidade desses direitos5. Os conceitos de Locus de Normatividade e Locus de
Exigibilidade ajudam a compreender essa distinção:
Locus de Normatividade: é o local de normatividade, ou seja, onde o
direito está positivado. Os direitos humanos estão positivados nos Tratados
Internacionais. Os Direitos Fundamentais estão nas Constituições de cada
país.
Assim, cada país vai ter um catálogo específico de Direitos Fundamentais,
enquanto que os direitos humanos serão adotados por um agrupamento de
nações (signatárias do Tratado Internacional).
Locus de Exigibilidade: é o local onde o direito poderá ser exigido. Por tal
critério, se os direitos humanos foram estabelecidos no plano internacional,
somente seriam exigíveis no âmbito internacional. Enquanto que o direito
fundamental somente seria exigível no ordenamento jurídico interno. Este
critério é falho, pois, mesmo o direito estando em um tratado
internacional, ele poderá ser exigível no âmbito interno.
O Brasil sendo signatário de um tratado internacional, os direitos humanos
dele decorrentes são exigíveis no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, o Locus
de Exigibilidade não se constitui como um critério adequado para a diferenciação
pretendida, como exemplo, cite-se aexigibilidade da audiência de custódia, que
possui previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos (Tratado
Internacional) e não possuía previsão legal no Brasil até a recente alteração
legislativa promovida pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) no CPP, mas que,
ainda assim, já era exigível na ordem interna brasileira com base no Tratado
Internacional.
Alguns autores não fazem distinção entre direitos humanos e direitos
fundamentais6, mas prevalece na doutrina de direitos fundamentais a distinção
supramencionada7.
1.3 Afirmação Histórica
Cumpre analisar, neste ponto, a origem, a formação e as bases históricas dos
direitos fundamentais, portanto, tema de grande relevância.
Os direitos fundamentais e os direitos humanos possuem, historicamente,
origem semelhante. Verifica-se que as sociedades, ao buscarem a proteção de
seus direitos basilares, fizeram surgir ambos os direitos, os quais somente foram
tecnicamente diferenciados na contemporaneidade. Ante o exposto, em seu início,
o estudo da origem dos direitos fundamentais se confunde com o estudo da
origem dos direitos humanos.
Vale esclarecer, ainda, que há controvérsia doutrinária quanto ao momento
histórico em que surgiram tais direitos. A literatura majoritária afirma que somente
nos séculos XVII e XVIII, com as revoluções burguesas, surgiram os direitos
humanos e fundamentais, tendo em vista que, somente nesse período, verifica-se a
existência de um Estado a ser limitado por essas categorias de direitos8. Lado
outro, há também um forte posicionamento que defende que a origem dos direitos
humanos e dos direitos fundamentais coincide com o surgimento do próprio
Direito na Antiguidade9. Nesses termos, é válido percorrer os vários momentos
históricos indicados pelos autores das diferentes correntes.
1.3.1 Idade Antiga
Para os autores que entendem que o surgimento do Direito é o próprio
surgimento dos direitos mais básicos do ser humano e, por via de consequência,
dos direitos humanos e dos fundamentais, o Código de Hamurabi é sempre visto
como um marco inicial10.
O Código de Hamurabi11 é considerado um salto civilizatório por ser o
primeiro corpo de regras jurídicas escritas, sendo um dos primeiros vestígios da
fundação do Direito, por isso, alguns autores defendem o nascimento dos direitos
humanos e dos direitos fundamentais neste instrumento inicial de comunicação do
Direito.
Da antiguidade clássica, por mais que não se siga a corrente que acredita que já
ali nasceram os direitos humanos e os direitos fundamentais, indubitavelmente,
podem ser retirados outros elementos que influenciaram decisivamente na
formação de tais direitos:
i) Justiça e Participação Política Grega: visto que na Grécia nasceu uma ideia de Democracia (apesar
da exclusão de mulheres, escravos e estrangeiros) e só existirem verdadeiramente direitos humanos e
direitos fundamentais com Democracia. Trata-se de um fundamento filosófico importante.
ii) Legalidade Romana: a legalidade romana foi fundamental para o desenvolvimento dos direitos
humanos, pois, com a positivação sistemática de leis escritas, houve maior estabilidade e conhecimento
geral dos padrões de comportamento, sendo, pois, um marco histórico do nascimento de tais direitos.
Por exemplo: Lei das XII Tábuas.
iii) Pensamento Judaico-Cristão: o pensamento judaico-cristão de respeito e amor ao próximo
estabeleceu as bases para a igualdade que é uma premissa central para os direitos humanos e os direitos
fundamentais:
“De qualquer forma, a mensagem evangélica postulava, no plano divino, uma igualdade de
todos os seres humanos, apesar de suas múltiplas diferenças individuais e grupais. Competia,
portanto, aos teólogos aprofundar a ideia de uma natureza comum a todos os homens, o que
acabou sendo feito a partir dos conceitos desenvolvidos pela filosofia grega”12.
Restam, assim, estabelecidos os precedentes históricos dos direitos humanos e
dos direitos fundamentais.
1.3.2 Idade Média
Com a queda do Império Romano, surgiu a Idade Média. O período medieval
foi marcado pelo domínio do pensamento cristão no ocidente, tendo como
característica importante a fragmentação do poder político, marcado pelo
nascimento dos feudos, locais de constante arbítrio, o que dificulta a
caracterização dos direitos fundamentais nesse período.
Alguns autores, no entanto, destacam como importantes para o
desenvolvimento da proteção dos direitos alguns documentos jurídicos do período
que buscaram – mesmo sem um sucesso a longo prazo – limitar o poder dos
monarcas. Podem ser citados:
i) A Declaração das Cortes de Leão de 1188: consistiu em uma manifestação da luta dos senhores
feudais contra a centralização do poder nas mãos do monarca absoluto e o consequente nascimento
futuro do Estado Nacional. Foram criadas no reinado de Afonso IX, trazendo a imposição dos súditos
(vassalos) ao soberano (suserano) de uma declaração mínima de direitos.
ii) A Magna Carta de 1215: também consistiu em uma resistência dos senhores feudais (barões) ao
poder do monarca (João Sem Terra), impo ndo a este uma série de limitações em forma de direitos,
quais sejam: liberdades eclesiásticas; direito de propriedade; vedação de confisco; devido processo legal;
acesso à justiça; liberdade de locomoção; tribunal do júri.
Essas Cartas trazem uma série de direitos que já se modelavam em formato
prescritivo próximo aos das cartas de direitos típicas dos séculos XVII e XVIII, que
conformaram inquestionavelmente os direitos humanos e os direitos fundamentais
no sentido moderno e que os delineia o sentido até os dias atuais. Não obstante
isso, essas cartas medievais não garantiam direitos a todos os indivíduos, mas
apenas aos senhores feudais e seus vassalos inexistindo o caráter da universalidade
que marca os direitos humanos. Por isso, é difícil afirmar que nesse período já
existem direitos fundamentais tais como nos dias atuais.
1.3.3 Idade Moderna
a)
A Idade Moderna possui o relevante aspecto de trazer consigo a formação dos
Estados, inicialmente, governados por monarquias absolutistas, pondo fim ao
período de fragmentação política medieval. As mudanças do final da Idade Média
estimularam o crescimento do comércio e o surgimento da classe mercantil, a
qual, posteriormente, transforma-se na classe burguesa. Tal classe, detentora do
poderio econômico, em um segundo momento da Idade Moderna, buscará
alcançar participação no poder político, até então, reservado aos membros do
clero e da monarquia, surgindo, com isso, as revoluções burguesas, momento este
em que emergirão os direitos fundamentais nos termos em que, tecnicamente, são
conhecidos atualmente.
As revoluções burguesas, por sua vez, apresentam-se, historicamente, em dois
momentos:
1ª Fase – Século XVII – Revolução Inglesa
As revoluções liberais surgem diante da necessidade de limitar os poderes do
Estado, baseadas na ideia de que os seres humanos possuem direitos anteriores ao
próprio Estado, sendo um dos marcos do surgimento dos direitos humanos e dos
direitos fundamentais.
Na Revolução Inglesa, nasce a Petition of Rights (1628), assegurando a soberania
do Parlamento em matéria de tributos, ou seja, a competência para instituir novos
tributos é do Parlamento e não do monarca, o que significa a introdução de uma
noção de representatividade, típica dos direitos políticos, além da manifesta defesa
do direito de propriedade. Além disso, proibiu os aprisionamentos arbitrários e
assegurou o devido processo legal.
Ademais, em 1679, foi criado o Habeas Corpus Act. De acordo com Fabio
Konder Comparato, o Ato de Habeas Corpus não só criou a primeira garantia de
direitos humanos e fundamentais, como também serviu de matriz à todas as outras
garantias:
“A importância histórica do habeas corpus, tal como regulado pela lei inglesa de 1679,
consistiu no fato de que essa garantia judicial, criada para proteger a liberdade de
locomoção, tornou-se a matriz de todas as que vieram a ser criadas posteriormente, para a
proteção de outras liberdades fundamentais. Na América Latina, por exemplo, o juiciode
amparo e o mandado de segurança copiaram do habeas-corpus a característica de serem
ordens judiciais dirigidas a qualquer autoridade pública, acusada de violar direitos líquidos e
certos, isto é, direitos cuja existência o autor pode demonstrar desde o início do processo,
sem necessidade de produção ulterior de provas.”13
Posteriormente, ainda no cenário Inglês, surge a Bill of Rights (1689), que
instituiu a Separação dos Poderes logo após a Revolução Gloriosa, finalizando o
Absolutismo na Inglaterra; garantiu também o reconhecimento da ilegalidade de
b)
i)
ii)
iii)
tributos cobrados sem previsão de aprovação pelo Parlamento; assegurou o
direito de petição ao monarca e as eleições livres para formação do Parlamento; e
promoveu a imunidade de palavras no Parlamento. Tal documento pode ser
indicado como matriz moderna dos direitos fundamentais.
2ª Fase – Século XVIII – Revolução Americana e Revolução Francesa
Com as revoluções liberais do século XVIII, surgem os estados liberais
(Estados de Direito) em detrimento do regime absolutista, sendo tal espaço
histórico um terreno fértil para o fortalecimento dos direitos básicos do gênero
humano.
Os documentos jurídicos das revoluções liberais visavam a limitar o poder do
Estado, sendo pautados por: Separação dos Poderes e Garantia de Direitos.
Dentre esses documentos jurídicos, os mais relevantes do período foram:
Declaração de Independência Americana (1776);
Constituição Americana (1787);
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
De acordo com Fábio Comparato, existe um elemento básico que vai
diferenciar a Revolução Americana da Revolução Francesa. Os documentos
americanos foram declaradores de direitos para o povo americano. PPor sua vez,
a declaração francesa almejou ser universal, buscando estabelecer direitos para
todos os seres humanos. Por isso, Comparato defende que a Constituição
Americana (1787) deu origem aos direitos fundamentais, enquanto que a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) deu origem
aos direitos humanos. Seria o início da distinção entre direitos humanos e direitos
fundamentais14.
Com as revoluções burguesas da Inglaterra, Estados Unidos e França, outras
revoluções espalharam-se pelo mundo. As monarquias, aos poucos, foram caindo
e as Constituições surgindo e, com estas, os direitos fundamentais, consagrando
direitos para o povo de cada país.
1.3.4 Idade Contemporânea
Na Idade Contemporânea, com a noção de direitos fundamentais já bem
solidificada, vão surgindo novos direitos que podem ser expostos em duas novas
fases de consagração:
a)
i)
ii)
iii)
1ª Fase – Estado Social
Após o surgimento dos direitos fundamentais, inicialmente, individuais, civis e
políticos, afirma-se a liberdade, inclusive a econômica. Junto a isso, houve em
período comum, a ocorrência da Revolução Industrial, o que propiciou um grande
desenvolvimento econômico e o surgimento de fábricas de grande porte, tudo
sustentado sobre o trabalho de uma grande massa de operários, que formaram
um proletariado urbano e carente de mínimas condições de vida.
As péssimas condições de vida dessa classe trabalhadora, a grande maioria da
população, fez com que surgissem ideias para a proteção desse grupo. Foram
ideologias centrais nesse sentido:
Socialismo Utópico: obra do pensamento de Proudhon e Blanc. Para eles,
seria necessário transformar o capitalismo. Acreditavam em um capitalismo
menos predatório do proletariado, a fim de melhorar a condição de vida da
população.
Socialismo Científico: obra do pensamento de Marx e Engels. Para eles, o
capitalismo não teria salvação. Dentro do modelo capitalista, não haveria
como se chegar a uma igualdade entre os indivíduos. Então, era necessário
acabar com o modelo capitalista, com a ideia de propriedade, coletivizando
os meios de produção.
Doutrina Social da Igreja: desenvolvida por Leão XIII. Foi consagrada na
Encíclica Rerum Novarum, em que a Igreja Católica condenava a usura e o
enriquecimento desmedido.
O Constitucionalismo Social surge como reação a tais movimentos. Como um
modo de preservar o capitalismo, mas arrefecendo as revoltas populares (p. ex., a
Primavera dos Povos de 1848 e a Revolução Russa de 1917) ante as péssimas
condições de vida da grande maioria da população.
A ideia do Constitucionalismo Social era reestruturar o Estado, a fim de que o
avanço econômico pudesse ser divido e não ficasse concentrado apenas em um
pequeníssimo grupo de pessoas. Para isso, o Constitucionalismo Social buscava
criar o Welfare State (ou Estado de Bem-Estar Social), ou seja, a Constituição
agora seria uma promotora de bem-estar social, continuando a ser responsável
pela limitação do poder e pela consagração de direitos, todavia, esses direitos
também deveriam promover a melhoria das condições de vida do povo através de:
intervenção do Estado na economia; intervenção do Estado na propriedade; consagração
de direitos sociais.
A partir dessas Constituições, começam a ser consagrados, de forma
b)
a)
sistemática, os direitos sociais, valores ligados à igualdade material. São os direitos
sociais, econômicos e culturais.
Os documentos iniciais deste período são a Constituição Mexicana de 1917 e a
Constituição de Weimar de 1919.
2ª Fase – Universalização dos Direitos
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com os massacres por ela promovidos
contra a própria condição humana, verificou-se a necessidade de uma proteção
em larga escala dos direitos humanos, o que se deu com a criação da ONU em
1945, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e uma consequente
positivação em massa de tratados de direitos humanos sobre diferentes
conteúdos. Essa fase de expansão é chamada de universalização ou
internacionalização dos direitos humanos.
Essa grande leva de direitos positivada em tratados incluíam direitos inerentes
a todo o gênero humano, os chamados direitos difusos, caracterizados por terem
titulares indeterminados ou indetermináveis, podendo atingir a alguém em
particular, mas, simultaneamente, também atingindo a todos os integrantes da
comunidade humana. São exemplos de direitos difusos os direitos ao meio
ambiente e à paz.
A universalização ou internacionalização dos direitos humanos traz consigo um
fenômeno irradiação sobre as Constituições nacionais, influenciando também a
criação de direitos fundamentais difusos.
1.4 Questões Terminológicas
A opção terminológica “direitos fundamentais” é tecnicamente mais adequada
aos termos acima expostos. Existem, no entanto, outras terminologias utilizadas
pela doutrina. A maioria dessas terminologias, no entanto, está historicamente
ultrapassada ou representa apenas uma parcela dos direitos aqui examinados.
Cabe analisar cada uma delas:
Direitos Naturais: é a terminologia que remete às origens dos direitos
fundamentais durante o processo liberal-revolucionário de suas raízes
modernas. Tal denominação possui base na linha filosófica (jusnaturalismo)
que defende que o ser humano é titular de direitos, antes mesmo da
existência do Estado. Assim, para além das leis positivadas e da existência
do Estado, o ser humano é titular de direitos. É uma questão mais abstrata
e filosófica, que esteve na gênese dos direitos humanos e fundamentais,
mas que não é tecnicamente exigível no âmbito jurídico nos termos do que
b)
c)
d)
e)
f)
g)
h)
prevalece atualmente.
Direitos do Homem: também é uma terminologia que está ligada à origem
dos direitos fundamentais, remetendo ao período das revoluções liberais
do século XVIII, em especial, à Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789. Acaba, contudo, por excluir a universalidade do sentido
do humano, ao enfatizar apenas a figura masculina.
Direitos Individuais: trata apenas de uma parcela dos direitos
fundamentais, aqueles destinados à proteção do indivíduo. Assim, ignora os
direitos coletivos, sociais e difusos.
Liberdades Públicas: são garantias de ação conferidas ao indivíduo na vida
social, que representam apenas um fragmento dos direitos fundamentais.Trata-se de garantias do exercício de direitos individuais. Ex.: O direito de
manifestação, o direito de reunião, direito de ir e vir, decorrentes do
direito de liberdade.
Direitos Públicos Subjetivos: é uma definição incompleta. Direito público
subjetivo se traduz no direito de o indivíduo exigir algo do Estado. Todavia,
em que pese os direitos públicos serem exigíveis pelo particular em face do
Estado, também são deveres que independem da ação do indivíduo
(dimensão objetiva), sendo, pois, uma definição incompleta. Exemplo: o
dever de construir escolas e hospitais deve ser exercido pelo Estado,
independente de uma provocação do indivíduo.
Direitos Humanos Fundamentais: a expressão gera uma confusão entre
direitos humanos e fundamentais, sendo utilizada, por exemplo, por
Alexandre de Moraes15, mas criticada pela literatura em geral, haja vista o
locus de normatividade já estudado.
Direitos de Personalidade: trata-se de uma nomenclatura de eminente
vertente civilista, além disso, não consegue transmitir em si toda a
pluralidade de situações jurídicas encartada nos direitos fundamentais,
tendo em vista a existência de direitos fundamentais que não são direitos
de personalidade.
Direitos dos Povos: remete à expressão típica dos direitos humanos,
fazendo referência a direitos de comunidades humanas com vínculos
culturais próprios e que necessitam de proteção contra as maiorias
hegemônicas. Embora possua zona de confluência com direitos
i)
i)
ii)
iii)
fundamentais, também não consegue transmitir em si toda a pluralidade de
situações jurídicas neles encartada.
Garantias: são espécies de direitos fundamentais. A garantia existe não
como um fim em si mesmo, mas para proteger outros direitos
fundamentais. Encontram suas origens no Habeas Corpus Act tal como visto
acima. De acordo com o Jorge Miranda, as garantias são direitos em estado
de defesa, ou seja, são direitos fundamentais que existem com
características próprias para defender outros direitos fundamentais que
conferem prerrogativas aos seres humanos.
As garantias fundamentais podem ser classificadas em três espécies:
As Garantias Limite: existem quando o texto constitucional estabelece
limites ao Estado. Nesse tipo de garantia, a Constituição controla o poder
do Estado, impedindo-o de avançar sobre uma esfera de liberdade das
pessoas, que acabaria violando prerrogativas suas decorrentes dos demais
direitos fundamentais. Por exemplo: as Limitações Constitucionais ao Poder de
Tributar, que impedem que o Estado invada o direito de propriedade ou de
livre circulação dos indivíduos por meio da tributação;
As Garantias Institucionais: existem quando o texto constitucional cria
instituições para proteger os direitos fundamentais. Nesse tipo de garantia,
a onstituição determina a criação de entes e órgãos públicos (instituições)
para proteger e promover os direitos fundamentais. Por exemplo: quando
a Constituição cria o Ministério Público e a Defensoria Pública, estabelecendo
que esses órgãos devem velar pelos direitos fundamentais;
As Garantias Instrumentais: existem quando o texto constitucional cria
instrumentos jurídicos - remédios e ações constitucionais - que visam a
proteger os direitos fundamentais. Nesse tipo de garantia, a Constituição
cria ferramentas jurídicas para proteger os direitos fundamentais em juízo.
Por exemplo: Habeas Corpus, Habeas Data, Mandado de Injunção, Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental etc.
É válido ressaltar que o conceito de garantias institucionais é espécie das
denominadas “garantias de organização” (Einrichtungsgarantie), percebidas
teoricamente por Carl Schmitt16, já na primeira metade do século XX, ainda sob a
regência da Constituição de Weimar. São conceituadas como especiais proteções
conferidas pela Constituição a certas instituições com a finalidade de impedir a
supressão desses objetos protegidos pela atuação da legislação ordinária.
ii.i)
ii.ii)
j)
As garantias de organização podem ser de duas espécies:
 Garantias dos institutos (Institusgarantien): protegem certos conceitos,
bens e preceitos jurídicos fundamentais, em especial, relacionados a
aspectos da vida privada, tais como a família, o casamento, a propriedade, a
herança etc.
 Garantias Institucionais (Institutionelle Garantien): são garantias
fundamentais que asseguram a existência de instituições públicas relevantes
para a sociedade, tais como a autonomia universitária, autonomia do
Ministério Público e da Defensoria Pública, a liberdade de informação
jornalística etc.
Voltando às questões terminológicas, por fim, há os deveres fundamentais.
Deveres Fundamentais: é bastante divergente a relação entre direitos
fundamentais e deveres fundamentais. Para autores como Gierke, a todo
direito corresponde um dever17. Isso é controverso em razão da matriz
liberal dos direitos fundamentais, tendo eles surgido para limitar o Estado,
não o indivíduo. Nesse contexto, surge a dicotomia entre deveres
fundamentais não autônomos versus deveres fundamentais autônomos. Os
primeiros associam o direito existente a um dever. Os segundos defendem
que existem deveres fundamentais que não são interligados a direitos,
sendo, portanto, autônomos18.
Nos dias de hoje, prevalece o entendimento de que os deveres fundamentais
têm um caráter de equivalência aos direitos fundamentais, alguns autores chegam
mesmo a tratá-los como espécies de direitos fundamentais. Nesse sentido, Jorge
Miranda:
“Simétricos dos direitos fundamentais apresentam-se os deveres fundamentais (…) O
constitucionalismo moderno de matriz ocidental é a história da aquisição de direitos
fundamentais. (…) Não implica isto, porém, uma desconsideração ou subalternização dos
deveres. Não implica no plano jurídico, porque, mesmo quando são poucos os deveres
consignados nas Constituições, ficam imprejudicados os vastíssimos deveres nas relações das
pessoas entre si”19.
Nesses termos, a fim de esclarecer os conceitos aqui elencados e sua relação
com os direitos fundamentais, veja-se a esquematização a seguir:
1.5 Características
As características dos direitos fundamentais ainda são pouco estudadas, apesar
de serem muito importantes para a definição desses direitos. Essas características
são bastante trabalhadas na seara dos direitos humanos, sendo, por vezes,
importadas para o campo dos direitos fundamentais, o que exige rigor científico
para realizar as necessárias adequações.
A missão de caracterizar os direitos fundamentais, no entanto, é mais árdua do
que a de caracterizar os direitos humanos, pois a disciplina constitucional dos
direitos fundamentais varia entre os Estados, dependendo de fatores culturais e
históricos de cada povo, enquanto os direitos humanos estão previstos em
documentos internacionais com pretensão de universalidade. Nesses termos, para
tratar dessas características é necessário observar as peculiaridades dos direitos
fundamentais em cada Estado.
Nesse contexto, surge, como característica inicial dos direitos fundamentais, a
previsão constitucional, ou seja, o fato de esses direitos estarem previstos como
tal em um determinado ordenamento jurídico, o que lhes confere um status
diferenciado em relação às demais normas jurídicas.
Outra característica é a da inalienabilidade20, no sentido de serem vedadas as
práticas comerciais com direitos fundamentais, por exemplo, a venda de órgãos ou
autodegradação remunerada. A questão da inalienabilidade, no entanto, deve ser
analisada com cautela, pois não se trata de uma restrição total ao proveito
econômico de direitos fundamentais, já que, em alguns casos, a própria
Constituição autoriza tal benefício pecuniário como ocorre no art. 5º, XXVIII, “a”
e “b”21 e XXIX22. Outros exemplos são os direitos autorais e os direitos de
imagem que podem ser negociados. Portanto, existem exceções à inalienabilidade.
Atenção:
O mais peculiar caso de autodegradação remunerada foi o do “arremesso de anões”, decidido pelo
Conselho de Estado Francês, em que foi determinado que anões não poderiam ser arremessados,
mesmo quede forma consentida e remunerada, para a diversão dos frequentadores de bares. O caso
foi judicializado pelos próprios anões que desejavam seguir sendo arremessados para manter sua fonte
de renda, mas o Conselho de Estado manteve a atividade como ilícita ante a inalienabilidade e
irrenunciabilidade dos direitos fundamentais. (C.E., Ass., 27 octobre 1995, Commune de Morsang-sur-
Orge - Rec., p. 372 - Assemblée. - Req. n° 136727 - Mlle Laigneau, rapp. ; M. Frydman, c. dug.; Mes
Baraduc-Bénabent, Bertrand, av.)
Mais uma característica é a da historicidade, decorrente do fato de serem os
direitos fundamentais resultado da evolução temporal de cada Estado, sendo os
direitos fundamentais o reflexo dos eventos marcantes da história de cada povo23.
Com efeito, não se pode negar a existência de uma relação entre as tragédias
ocorridas durante Segunda Guerra Mundial e o fortalecimento dos direitos
fundamentais no regime da Lei Fundamental Alemã. Do mesmo modo, não pode
ser ignorada a influência dos eventos ocorridos durante a Ditadura Militar no Brasil
na fecunda consagração de direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988.
Há também a irrenunciabilidade ou indisponibilidade24, pois não é possível aos
indivíduos abdicarem de seus direitos fundamentais, o que engloba a vedação a
lesões consentidas a direitos fundamentais. Tal característica está relacionada ao
fato de serem os direitos fundamentais responsáveis pela garantia de uma
existência minimamente respeitável para os seres humanos, o que deve impedir,
na maior medida possível, lesões a tais direitos, mesmo que tais lesões sejam
consentidas pelo próprio titular do direito25.
Um tema dramático relacionado à indisponibilidade dos direitos fundamentais é
o do debate sobre a legalização da eutanásia ou ortotanásia, pois nesses casos o
indivíduo consentiria com a eliminação de sua própria vida para pôr fim a um
sofrimento físico ou mental causado por alguma enfermidade, o que implicaria em
uma grave renúncia a direito fundamental26.
Outra característica é a inviolabilidade, que é a impossibilidade de os direitos
fundamentais serem ofendidos por leis infraconstitucionais ou atos do Poder
Público, ou seja, atos do Executivo, do Judiciário e do Legislativo.
Vale destacar também que o Estado deve adotar ações para buscar a máxima
efetividade, ou seja, a máxima eficácia social, mudança real da sociedade. Além
disso, por mais que se passe longo período de tempo, as pessoas não perdem os
direitos fundamentais pelo seu não uso, o que se convola na característica da
imprescritibilidade dos direitos fundamentais.
Destaca-se ainda a interdependência, que significa a existência de conexões
entre os diferentes direitos fundamentais. Tais direitos possuem relações de
dependência, pois a efetivação ou a violação a determinados direitos causa impacto
em outros direitos.
Nesses termos, pode-se perceber, por exemplo, a relação que existe entre o
direito à manifestação do pensamento (art. 5º, IV27) e o direito de resposta (art.
5º, V28), pois, à medida que a Constituição assegura a liberdade de expressão, ela
já prevê também uma limitação (direito de resposta) para os casos de abuso
daquele direito.
Essa interdependência revela que na Constituição há um verdadeiro sistema de
direitos fundamentais, baseado na dependência que tais direitos guardam entre si,
o que é reforçado pelo fato de existirem direitos que têm como finalidade a
proteção de outros direitos. Os direitos com missão de defesa são as chamadas
garantias fundamentais. Em razão desse papel diferenciado, afirma-se que as
garantias fundamentais possuem um caráter instrumental em relação aos direitos
fundamentais propriamente ditos29.
A Constituição, por exemplo, consagra o direito à informação de interesse
particular ou coletivo perante os órgãos públicos (art. 5º, XXXIII30), mas ciente de
que há a possibilidade concreta de violações a tal direito, criou a garantia do habeas
data (art. 5º, LXXII31) como mecanismo para a defesa em caso de desrespeito ao
direito consagrado.
Tendo em conta as demonstradas relações entre os direitos fundamentais,
surge a característica da complementaridade, que significa que os direitos
fundamentais não devem ser considerados (interpretados e/ou aplicados) de forma
isolada. Isso decorre diretamente do fato de os direitos fundamentais formarem
um sistema.
Dessarte, o que se nota é que os conteúdos dos direitos fundamentais são
complementares, sendo importante evitar interpretações e/ou aplicações que
prejudiquem essa complementaridade. Nesses termos, o direito à saúde (art. 6º,
caput32) e o direito à vida (art. 5º, caput33), por exemplo, são complementares,
afinal, haverá prejuízo a este direito, caso aquele não seja devidamente protegido.
Do mesmo modo, para que a saúde seja garantida é importante a existência de um
meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput34), o que também
demonstra a complementação de conteúdos.
Em razão dessa interação entre interdependência e complementaridade é que
se afirma que os direitos fundamentais são indivisíveis35, ou seja, que tais direitos
não admitem interpretações que os afastem ou dividam, causando prejuízos aos
seus conteúdos36.
Por fim, deve-se falar sobre a multifuncionalidade37 ou condição polifacética38,
que está ligada à ideia de polivalência dos direitos fundamentais, isto é, a
possibilidade de os direitos fundamentais desempenharem diversas funções. A
noção de multifuncionalidade substituiu a antiga concepção de que os direitos
fundamentais teriam como única função serem resistências do indivíduo em face
do Estado.
Dessa forma, segundo essa visão multifuncional, todos os direitos fundamentais
podem ser analisados sob diversas perspectivas. Assim sendo, cada direito pode
revelar diferentes funções: defensiva ou prestacional; subjetiva ou objetiva;
preventiva ou repressiva.
A concepção de multifuncionalidade aqui apresentada aproxima os direitos
fundamentais ao conceito de “direito fundamental completo” sustentado por
Robert Alexy. Segundo o autor, o direito fundamental completo é aquele que reúne
um feixe de posições jurídicas39, ou seja, um só direito capaz de gerar diferentes
relações jurídicas, como direito de defesa, de prestação, de proteção, de
procedimento etc.40 Há, no entanto, uma distinção entre a concepção de
multifuncionalidade aqui defendida e o conceito proposto por Alexy. Trata-se do
fato de que o autor alemão faz crer que apenas alguns direitos fundamentais
enquadram-se nesse conceito de “direito fundamental completo”, enquanto a
concepção multifuncional abrange os direitos fundamentais de forma indistinta.
Assim sendo, pode-se observar que a perspectiva multifuncional preserva a
indivisibilidade dos direitos fundamentais, evitando a falsa dicotomia entre direitos
negativos e prestacionais, típica de algumas classificações dos direitos
fundamentais, como será mais bem detalhado abaixo. Não bastasse isso, a
multifuncionalidade também permite uma análise normativa e estrutural mais
precisa dos direitos fundamentais, pois possibilita a compreensão de que cada
direito possui uma pluralidade de funções, podendo cada direito, por exemplo,
revelar uma dimensão subjetiva e uma dimensão objetiva.
Com efeito, o reconhecimento da multifuncionalidade permite a abertura dos
direitos fundamentais a várias e diversificadas atuações. Essa característica por
estar diretamente relacionada com as funções dos direitos fundamentais é muito
importante para a compreensão das dimensões objetiva e subjetiva, que serão
estudadas mais adiante.
Os direitos fundamentais também são relativos, já que podem entrar em
choque, o que fará com que um desses direitos seja, no caso concreto, ante a
impossibilidade de harmonização, limitado para que o outro possa prevalecer41.
Há, por exemplo, várias possibilidades de conflito entre o direito à liberdade de
imprensa (art. 5º, XIV42 e art. 220, § 1º43, da CF/88) e o direito à intimidade e à
vida privada (art. 5º, X44). Assim sendo, em cada caso concreto, pode ser queum
ou outro direito prevaleça, o que demonstra que os direitos fundamentais são
relativos, podendo ser limitados por outros direitos fundamentais. Todavia, parte
da doutrina elenca como direitos fundamentais absolutos a vedação à tortura e a
proibição do trabalho escravo45.
Há, ainda, a controversa universalidade46, característica que é bastante tratada
pela literatura dos direitos humanos47 e repetida pela literatura dos direitos
fundamentais48, baseada na ideia de que a condição humana é o único requisito
para ser titular dos direitos fundamentais49. A noção de universalidade, que é
criticada até mesmo na seara dos direitos humanos50, deve ser compreendida
com reservas no que tange aos direitos fundamentais, pois há direitos destinados a
determinados grupos de pessoas, o que significa que os demais indivíduos não
foram contemplados como titulares de tais direitos51.
Nesses termos, todas essas características estudadas são importantes, pois
definem o que são os direitos fundamentais, portanto, as classificações que
pretendam tratar de tais direitos e de suas funções não podem desprezá-las ou
subvertê-las.
RESUMO:
a) Inalienabilidade: Não é possível transferi-los a outrem, seja a título gratuito
ou oneroso.
b) Historicidade: Os direitos fundamentais não são dados pelo Estado como
uma mera concessão ou presente. Eles decorrem de lutas históricas da
coletividade, fato que ampara a irrenunciabilidade por um único indivíduo.
c) Irrenunciabilidade: Uma vez tidos como conquistas históricas, não é possível
simplesmente renunciar a um direito.
d) Inviolabilidade: Trata da impossibilidade de os direitos fundamentais serem
ofendidos por força de lei infraconstitucional ou ato do Poder Público, sob pena
de responsabilização.
e) Máxima Efetividade: Ao Estado não basta positivar os direitos fundamentais,
mas deve ter uma atuação pautada em sua efetivação.
f) Imprescritibilidade: Por mais que se passe longo período de tempo, não
perdem os direitos fundamentais pelo seu não uso.
g) Interdependência: Existem conexões entre os direitos fundamentais, que
formam um sistema de direitos que se completam. Dessa maneira, a efetivação
ou violação de um direito poderá causar impacto em outros direitos.
Exemplificando, o direito à liberdade é amparado e defendido pela garantia do
habeas corpus.
h) Complementaridade: Os conteúdos dos direitos fundamentais são
complementares, sendo importante evitar interpretações e/ou aplicações que
prejudiquem essa complementaridade.
i) Indivisibilidade: Em razão dessa interação entre interdependência e
complementaridade é que se afirma que os direitos fundamentais são indivisíveis,
ou seja, que tais direitos não admitem interpretações que os afastem ou dividam,
causando prejuízos aos seus conteúdos.
j) Multifuncionalidade (Condição Polifacética): várias funções possíveis dos
direitos fundamentais.
l) Relatividade: Não há direito fundamental absoluto. Como os direitos
fundamentais representam valores sociais, certas vezes tais valores podem
entrar em choque, nestes casos deve haver uma compatibilização entre os
direitos em jogo.
m) Universalidade: Porque clama pela extensão universal dos direitos
fundamentais, com a crença de que a condição de pessoa é o requisito único
para a titularidade de direitos.
n) Previsão Constitucional: Esses direitos estão previstos como tal em um
determinado ordenamento jurídico, o que lhes confere um status diferenciado
em relação às demais normas jurídicas.
1.6 Teoria dos Status de Jellinek
Georg Jellinek, no livro “Sistema dos Direitos Subjetivos Públicos” (System der
Subjektiv Öffentlichen Rechte52), trata os direitos fundamentais como direitos
públicos subjetivos do indivíduo em relação ao Estado, demonstrando algumas das
funções de tais direitos, que são reveladas com base na posição jurídica que o
indivíduo assume em face do Estado53.
Assim sendo, um ponto muito importante, que deve, desde já, ficar claro, é que
“o objeto central da teoria dos status é a estrutura formal da posição jurídica global
do cidadão”54. Como já visto, direito subjetivo público é um direito que o cidadão
detém frente ao Estado, direitos exigíveis pelo particular ante o Poder Público.
Nesse passo, a estrutura formal da posição global do cidadão analisa que tipo de
demanda o cidadão possui frente ao Estado, o que Jellinek divide em quatro
categorias.
Desse modo, a teoria de Jellinek não analisa diretamente o conteúdo dos
direitos fundamentais, mas a espécie de relação jurídica que o indivíduo manterá
com o Estado em decorrência da utilização dos direitos fundamentais. Isso revela
um segundo aspecto dessa teoria, que é o seu caráter formal55, já que não há
necessariamente uma preocupação com o conteúdo dos direitos fundamentais,
centrando-se em uma preocupação abstrata com as situações jurídicas a que as
diferentes funções dos direitos fundamentais podem remeter o cidadão.
Nesses termos, Jellinek divide as relações jurídicas que o cidadão pode manter
com o Estado em quatro: status negativo (status libertatis), status positivo (status
civitatis), status passivo (status subiectionis) e status ativo (status da cidadania ativa).
Esses quatro status revelam quatro diferentes posições jurídicas do indivíduo,
decorrentes de quatro diferentes funções exercidas pelos direitos fundamentais,
havendo uma correlação entre a situação do indivíduo e a função que está sendo
desempenhada pelo direito fundamental.
O status negativo é aquele em que há uma relação jurídica baseada na não
interferência do Estado na vida do cidadão, ou seja, os direitos fundamentais
exercem a função de garantir ao indivíduo que o Estado não intervirá nos aspectos
particulares de sua vida. Nesse sentido, o status libertatis assegura ao particular
desenvolver aspectos de sua vida privada, estando o Estado impedido de avançar
sobre tal seara.
Dessa forma, quando um indivíduo manifesta suas opiniões sobre arte e poesia
aos colegas reunidos em um bar ou em uma praça, há implícito, nessa situação, o
exercício do status negativo, originada do direito à livre a manifestação do
pensamento (art. 5º, IV56). Da mesma forma, quando um estudante debate com
um professor, em sala de aula, sobre algum conteúdo de uma determinada
disciplina, também há o exercício do status negativo, derivado não apenas do já
citado direito à livre manifestação do pensamento, mas também do direito à
educação (art. 6º, caput57). Em ambos os casos, os direitos citados garantem aos
cidadãos que o Estado não interferirá em suas relações pessoais, revelando assim
uma importante função desses direitos fundamentais, qual seja: a limitação da
atuação estatal.
Já o status positivo ocorre, quando, em decorrência do exercício de direitos
fundamentais, o particular passa a demandar determinados comportamentos por
parte do Estado. Analisando sob outra perspectiva, pode-se afirmar que, no status
civitatis, o Estado passa a ter um dever para com o cidadão, ou seja, o Estado
necessita criar os meios, adotar providências materiais e/ou jurídicas para que o
direito fundamental do particular possa ser efetivado58.
Pode ser usado como exemplo o direito a receber dos órgãos públicos
informações de interesse particular ou coletivo (art. 5º, XXXIII59), que exige do
Estado um aparato mínimo (pessoal, estrutura física, organização administrativa)
para poder fazer com que o direito fundamental do indivíduo seja respeitado. O
direito de petição aos Poderes Públicos e o direito à obtenção de certidões (art.
5º, XXXIV, “a” e “b”60) exigem a mesma espécie de estrutura estatal. Da mesma
maneira, os direitos à vida e à liberdade (art. 5º, caput61) necessitam de um
esquema de estatal de segurança pública para sua proteção. Havendo ainda os
direitos à saúde, à educação, à moradia etc. (art. 6º, caput62), que necessitam de
uma forte atuação estatal, por meio de políticas públicas, para que sejam
efetivados.
O status passivo é aquele em que o cidadão assume um papel de sujeição em
relação ao Estado, seja em decorrência de um dever ou de uma proibição.Esse
status subiectionis é uma postura imposta ao particular em decorrência de deveres
fundamentais63, por exemplo, votar (art. 14, § 1º, I64) e prestar serviço militar (art.
143, caput65). Trata-se de uma “posição de sujeição”66 do indivíduo em relação ao
Estado.
Por fim, há o status ativo, em que o cidadão, no exercício de direitos
fundamentais, assume uma postura participativa na vida política estatal. No
presente status de cidadania ativa, o indivíduo passa a poder influir na vida estatal,
por meio do exercício de direitos fundamentais. Dessa maneira, o direito ao voto
(já citado como um dever), por exemplo, permite ao cidadão assumir esse papel
de participante da vida política estatal.
Assim sendo, pode-se notar que a teoria dos status de Jellinek permite o
reconhecimento de diferentes funções dos direitos fundamentais, que, por sua vez,
baseados em uma lógica de direito subjetivo, possibilitam diferentes formas de o
indivíduo se relacionar com o Estado.
Desse modo, ressaltando-se, mais uma vez, o caráter formal da teoria de
Jellinek, as quatro funções dos direitos fundamentais apresentadas pelo autor não
necessariamente guardam relação com o conteúdo desses direitos, pois o que é
relevante para a teoria é a espécie de relação jurídica que o indivíduo mantém com
o Estado e não o conteúdo de cada direito fundamental.
Não obstante o citado caráter formal, em algum momento da evolução teórica
desse assunto, a doutrina passou a realizar, em maior ou menor grau67, uma
identificação entre o status negativo e os chamados “direitos de defesa”, entre o
status positivo e os “direitos sociais”, entre o status ativo e os “direitos políticos”68.
Vale registrar que os autores que defendem esta identificação ainda são a maioria
dentre os estudiosos dos direitos fundamentais.
Apesar do mérito acadêmico dos autores que defendem a citada correlação
entre cada um dos status e específicas classes de direitos, não se revela adequada
tal identificação à dinâmica dos direitos fundamentais, pois, como foi possível
perceber nos exemplos citados acima, cada um dos status pode se manifestar em
direitos fundamentais de diferentes conteúdos, sejam direitos de defesa, sociais ou
políticos. Esta é a posição aqui defendida, que, registre-se, é minoritária.
Pode-se assim usar a clássica relação entre o status negativo e os “direitos de
defesa” para demonstrar os problemas desse tipo de correspondência69.
Inicialmente, deve-se questionar a própria terminologia “direitos de defesa”, pois
ela já carrega consigo a ideia de função limitadora do Estado, contudo, essa
terminologia atribui tal noção apenas a um grupo de direitos, quando, de fato, essa
função é inerente a todos os direitos fundamentais. Nota-se assim que,
tradicionalmente, os chamados “direitos de defesa” correspondem aos direitos
individuais, ou seja, aqueles com forte consagração durante o Estado Liberal, que
buscam a proteção do indivíduo isoladamente considerado. Ocorre que a análise
de típicos direitos individuais (“direitos de defesa”) revela que desses direitos
podem derivar todas as espécies de status.
Assim sendo, a liberdade e a propriedade (art. 5º, caput70), clássicos exemplos
de direitos individuais (“direitos de defesa”), possuem uma função limitadora da
atividade estatal, pois, com a garantia constitucional de tais direitos, não pode o
Estado privar os indivíduos de sua liberdade ou de seus bens, salvo por meio de
um devido processo legal (art. 5º, LIV71), não pode também o Estado confiscar a
propriedade dos seus cidadãos (art. 150, IV72) e várias outras limitações são
impostas ao Estado em razão de tais direitos.
Em decorrência dos mesmos direitos à liberdade e à propriedade, no entanto,
também surge para o cidadão o status positivo, pois ele pode exigir do Estado a
adoção das medidas necessárias para a proteção e efetivação desses direitos
individuais. É para a proteção da vida, da liberdade e da propriedade, por exemplo,
que o Estado necessita desenvolver políticas de segurança pública. É, em
decorrência do direito à propriedade, que um indivíduo pode exigir do Estado o
pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro, em caso de desapropriação
por interesse social (art. 5º, XXIV73), por exemplo.
Dessa forma, percebe-se que dos direitos individuais (“direitos de defesa”)
podem afluir diferentes status, o que veda a correlação hermética entre direitos de
defesa e o status negativo. Da mesma maneira, dos direitos sociais e dos direitos
políticos também podem derivar todas as espécies de status, o que impede a
identificação entre determinados status e específicos grupos de direitos.
Essa ilação é compartilhada por Ingo Sarlet, que afirma “que as diferentes
funções (ainda que nem sempre e não todas ao mesmo tempo) dos direitos
fundamentais podem reunir-se na mesma norma que os consagra”74. Não
obstante isso, o autor opta por realizar uma classificação binária que distingue os
direitos fundamentais entre “direitos de defesa” e “direitos a prestações”,
baseando-se em um critério de predominância75.
Apesar de ser inegável a perspicácia com que Sarlet constrói sua classificação
dos direitos fundamentais com base na predominância da função, ainda assim, essa
classificação não parece adequada, pois se trata de uma distinção baseada em
funções, o que contraria a multifuncionalidade dos direitos fundamentais e reduz a
percepção sobre as várias possibilidades de aplicação de todos os direitos
fundamentais, revelando uma consequência prática negativa.
Com efeito, considerando a teoria dos status de Jellinek uma teoria formal, que
não se baseia no conteúdo dos direitos fundamentais, mas apenas nas possíveis
relações entre indivíduo e Estado derivadas desses direitos, bem como se
atentando para a multifuncionalidade, constatada nos vários exemplos acima
citados, ressalta-se aqui o equívoco e a desnecessidade de classificações baseadas
nos status de Jellinek, mas pautadas no conteúdo dos direitos, mormente, a
distinção entre “direitos de defesa” e “direitos prestacionais”.
Não se trata apenas de uma questão de reforçar a “dignidade constitucional”
de todos os direitos fundamentais76, mas de deixar expresso que as diferentes
funções dos direitos fundamentais não residem em diferentes grupos de direitos,
mas em cada norma consagradora de direito fundamental, o que é uma tênue
diferença, mas uma forma inteiramente diversa de tratar cada um desses direitos.
Além disso, é necessário observar que a própria teoria dos status de Jellinek é
alvo de severas críticas por parte da doutrina. Os principais argumentos contrários
à teoria de Jellinek atacam o formalismo, a abstração e a defasagem histórica de tal
modelo77. Essas críticas, apesar de não inviabilizarem a teoria de Jellinek, são
pertinentes, principalmente, quando se observa que o autor escreveu o System der
Subjektiven Öffentlichen Rechte (“Sistema dos Direitos Subjetivos Públicos”), livro
que explica a teoria dos status, no distante ano de 1892, lastreado por um
positivismo jurídico clássico e pautado na lógica dos direitos fundamentais apenas
como direitos subjetivos.
Konrad Hesse, um dos principais críticos da teoria dos status, afirma que o
“status jurídico particular” do cidadão, originado dos direitos fundamentais, é um
status material, concreto, intangível ao Estado:
“O status jurídico-constitucional, fundamentado e garantido pelos direitos fundamentais,
distingue-se, fundamentalmente, do status jurídico-fundamental da, hoje, ainda prosseguida
doutrina do status de G. Jellinek. Pois o ‘status negativus’, ao qual G. Jellinek atribui, no
essencial, os direitos fundamentais, é um meramente formal, secundário diante da forma
básica do ‘status subjectionis’: a ‘pessoa’, à qual cabe o ‘status negativus’, não é o homem ou
cidadão em sua realidade da vida, senão o indivíduo abstrato na redução a sua capacidade de
ser titular de direitos e deveres”78.
Assim sendo, o autor critica o formalismo da teoria de Jellinek, atacando o fato
de tal teoria se concentrar apenas no status negativo, baseando-seem abstrações
distanciadas da noção real de vida do indivíduo79. Apesar da crítica pertinente de
Hesse, assiste razão a Alexy ao observar que a análise da posição jurídica do
cidadão, decorrente do exercício dos direitos fundamentais, sob a perspectiva
material de Hesse, não impede a análise do mesmo problema sob a perspectiva
formal de Jellinek80.
Há ainda a crítica de Peter Häberle, que, baseando-se na ideia de um atual
Estado prestacional, defende a inversão da lógica de Jellinek, sustentando a
prevalência dos status ativo e positivo, remetendo o status negativo ao último dos
status81. Defende ainda Häberle o surgimento de um novo tipo de status: o “status
activus processualis”. Essa nova espécie de status designa todos os procedimentos
em matéria de direitos fundamentais, baseando-se em uma ideia de participação
do indivíduo em tais procedimentos, gerando uma “reserva processual de
prestação” para os direitos fundamentais, garantindo assim melhores efeitos
materiais para esses direitos82.
A crítica de Häberle, como observa a doutrina83, é muito importante para
reforçar o caráter “cívico-ativo” (caráter participativo) dos direitos fundamentais,
aspecto subestimado pela supervalorização do status negativo realizado por
Jellinek. Nada obstante isso, não se pode concordar com Häberle ao defender a
prevalência dos status ativo e positivo em detrimento do negativo, pois isso
implicaria repetir o equívoco de Jellinek ao dar preferência ao status negativo.
Assim sendo, todos os status devem gozar do mesmo nível de respeito
constitucional, manifestando suas funções (ainda que não todas ao mesmo
tempo84), em cada caso concreto, na medida em que seja necessário para
satisfação do direito fundamental exercido.
Não bastasse isso, o chamado status activus processualis pode ser considerado,
o que é reconhecido pelo próprio Häberle85, como incluso no tradicional status
ativo, o que preserva a teoria dos status, exigindo apenas alguns reparos.
Deve-se, no entanto, destacar que, sob a nova nomenclatura, Häberle
desenvolveu uma gama de relevantes novos conceitos para o reforço do citado
caráter “cívico-ativo” dos direitos fundamentais. Além disso, Häberle, com o status
activus processualis, suscita a possibilidade de novas funções para os direitos
fundamentais não imaginadas originalmente por Jellinek, o que, sob a ótica da
exploração científica, deixa margem para interessantes incursões. Esses fatos,
contudo, também não esvaziam a teoria dos status, servindo apenas como
aperfeiçoamento da teoria tradicional.
Por fim, é inegável que a tese de Jellinek foi elaborada em outro contexto
histórico, estatal e constitucional, sendo inclusive anterior à própria noção de
dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Desse modo, o próprio
reconhecimento da dupla dimensão dos direitos fundamentais faz com que se
perceba que a teoria dos status não contempla todo o fenômeno das relações
jurídicas dos direitos fundamentais, pois ela foi elaborada para normas de direitos
fundamentais imaginadas apenas como direitos subjetivos públicos86.
1.7 A Teoria das Gerações dos Direitos Fundamentais
A Teoria das Gerações classifica os direitos fundamentais utilizando como
critério de distinção a suposta evolução histórica de tais normas, defendendo a
ideia de um processo cumulativo e qualitativo de consagração sucessiva de direitos
fundamentais87. Com base em tal ideia, os partidários da teoria geracional
reconhecem a existência de três gerações de direitos fundamentais88.
Há, no entanto, autores que defendem a existência de mais gerações. Paulo
Bonavides, por exemplo, defende a existência da quarta89 e da quinta90 gerações
de direitos fundamentais.
Desse modo, cada geração corresponde a um momento histórico em que
houve a consagração de um determinado grupo de direitos fundamentais com as
mesmas características. Assim sendo, geração após geração, novos direitos
somam-se ao grupo anterior, formando a esfera normativa dos direitos
fundamentais.
A Teoria das Gerações apresenta os direitos fundamentais de primeira geração
como sendo o produto do pensamento liberal-burguês dos séculos XVII e XVIII,
resultante da necessidade de garantias individuais em face da atuação arbitrária do
Estado absolutista. O jusnaturalismo deontológico é apontado por José Adércio
Leite Sampaio como a matriz teórico-ideológica que lastreou o surgimento dos
direitos fundamentais91. Segundo Sampaio, nessa fase, surge a ideia de que “o
homem é o valor-base da fundamentação do direito e notadamente dos direitos
humanos. Kant veio afirmar de forma categórica que todo homem era um fim e
nunca um meio”92.
Os direitos de primeira geração referem-se assim à fase inicial do
constitucionalismo moderno, sendo, comumente, chamados de direitos civis e
políticos, consagrados a partir das revoluções burguesas do século XVIII. Segundo
a teoria geracional, os direitos de primeira são direitos de defesa e autonomia do
indivíduo em face do Estado, demarcando liberdades individuais.
Em razão dessas características, tais direitos passaram a ser reconhecidos
como direitos de defesa ou negativos, ou seja, que não exigem prestações por
parte dos poderes públicos, o que gerou uma identificação entre os chamados
direitos de primeira geração e o status negativo de Jellinek93, transmitindo-se a
ideia de que a mera abstenção estatal seria suficiente para o respeito e
preservação desses direitos.
A segunda geração, de acordo com a doutrina tradicional, surge em
decorrência do contexto excludente e desigual característico do século XIX,
mormente nas cidades industrializadas da Europa ocidental. O jusnaturalismo e o
iluminismo foram responsáveis por grandes revoluções, derrubando o antigo
regime, levando ao poder a burguesia emergente e consagrando direitos
individuais, mas não lograram êxito no concernente à atenuação das graves
distorções sociais.
Diante de tal cenário, doutrinas de cunho social passaram a exigir a ação
estatal, fundamentando-se no princípio da igualdade, a fim de proporcionar bem-
estar social à coletividade. O movimento socialista (utópico e científico) surge
nessa conjuntura, influenciando vários eventos políticos-jurídicos daquele século,
por exemplo, a Assembleia Constituinte da Alemanha e a II Revolução Francesa,
ambas em 1848, não por acaso, ano do Manifesto Comunista94, bem como a
Comuna de Paris de 187195. Por fim, não se pode olvidar que, já no século XX, o
movimento socialista alcança a sua mais significativa vitória com a Revolução Russa
de 1917.
Como reação ao avanço das ideias socialistas, houve severas transformações
nos países de matriz capitalista. O choque entre o liberalismo individualista e a
antítese socialista teve como síntese as sociais democracias96. Como visto
inúmeras vezes, para o constitucionalismo, os principais ícones da social
democracia foram a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar
de 1919, responsáveis pela criação do modelo do welfare state97 e pela
consagração dos chamados direitos fundamentais de segunda geração.
Com efeito, a segunda geração de direitos é composta pelos diretos
econômicos e sociais, tais como o direito à moradia, à educação, à alimentação, à
saúde, à assistência social, ao trabalho etc., correspondendo ao advento do Estado
Social nos séculos XIX e XX. Desse modo, conforme a teoria das gerações,
enquanto a primeira geração assegura direitos aos indivíduos através da limitação
da atuação estatal, os direitos de segunda geração são destinados a coletividades
ou a toda a sociedade, mesmo que possam ser utilizados de forma individual98.
Dessarte, tornou-se comum afirmar que os direitos de segunda geração
exigem uma atuação efetiva do Estado para que possam ser concretizados. Dessa
maneira, os direitos sociais passaram a ser identificados como direitos
prestacionais, pois sua efetividade estaria condicionada a ações estatais. Tal ideia
teve como consequência a noção de que esses direitos implicam em custos para o
Estado, criando uma barreira fática e orçamentária a sua efetivação99.O empecilho de ordem material foi justificado doutrinariamente com a
afirmação de que os direitos sociais seriam normas de caráter programático, o
que, na prática, significou, durante largo período de tempo, a inoponibilidade de
tais normas ao Estado, fragilizando sensivelmente a força normativa dos direitos
sociais. Nos últimos anos, no entanto, vem ocorrendo um esforço doutrinário e
jurisprudencial para recuperar o desgastado sentido de programaticidade,
tentando reconhecer a normatividade dos direitos sociais.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é rica em exemplos:
“A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM
PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra
inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode
converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público,
fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira
ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.” (RE
393175 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/12/2006, DJ
02-02-2007 PP-00140 EMENT VOL-02262-08 PP-01524)
Os direitos fundamentais de terceira geração, por sua vez, tratam-se de
reivindicações geradas “pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de
beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra
e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos
direitos fundamentais”100.
Ainda no contexto do welfare state, ocorreram as duas grandes guerras
mundiais, eventos traumáticos para a humanidade, que repercutiram diretamente
na seara dos direitos fundamentais. Após os conflitos, houve a já citada
internacionalização dos direitos humanos, principalmente, em decorrência da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948101, acompanhada por um
processo de especificação e incorporação de direitos fundamentais ao corpo das
Constituições.
O implacável atentado ao ser humano, durante a Segunda Guerra Mundial,
revelou a necessidade de direitos que transcendessem os interesses dos
indivíduos, das sociedades e dos Estados, ressaltando a importância da própria
espécie humana. Dessa forma, os direitos da terceira geração surgem
caracterizados por sua titularidade difusa ou coletiva, sendo destinados não ao
indivíduo ou a determinado grupo social, mas a todo o gênero humano. Tratam-se
dos direitos à paz, à comunicação, à autodeterminação dos povos, ao meio
ambiente, ao desenvolvimento e ao patrimônio comum da humanidade. Perez
Luño acrescenta os direitos à qualidade de vida e à liberdade informática102.
Paulo Bonavides, por sua vez, defende a autonomia da quarta e da quinta
gerações. Segundo o autor, a quarta seria, mais uma vez, titularizada por toda a
humanidade, mas, sob esta perspectiva, estariam os direitos capazes de proteger
as pessoas em relação aos efeitos da globalização e do neoliberalismo. Segundo o
autor, esses fenômenos contemporâneos ameaçam direitos e garantias
conquistados historicamente, sendo os direitos de quarta geração limites a essa
ameaça103. Tratam-se dos direitos à informação, à democracia e ao pluralismo.
Já a quinta geração, recentemente defendida por Bonavides, seria formada pelo
direito à paz, que, segundo o autor, extrapolou os limites dos direitos de terceira
geração, elevando-se autônoma e paradigmaticamente como um direito
fundamental de quinta geração104.
Todos os eventos históricos citados culminaram no reconhecimento de uma
importância destacada para os direitos fundamentais dentro do constitucionalismo
da segunda metade do século XX e dos dias atuais. Tais direitos passaram a se
posicionar nos sistemas jurídicos nacionais em um patamar de superlegalidade,
originando o chamado Estado Democrático de Direito, modelo estatal
caracterizado por encontrar nos direitos fundamentais seu principal referencial de
juridicidade.
Veja-se a esquematização das estudadas gerações:
1.8 As Críticas à Teoria das Gerações (ou mesmo Dimensões) dos Direitos
Fundamentais105
Como se pode observar, a Teoria das Gerações revela-se como uma
classificação dos direitos fundamentais que utiliza o aspecto histórico como critério
de distinção entre os grupos (gerações) de direitos, aproximando aqueles que
supostamente guardam semelhanças em relação à função e à titularidade: no
primeiro momento histórico, houve a consagração de direitos individuais com
função de defesa; no segundo momento, surgiram os direitos sociais com função
prestacional; no terceiro momento, foram consagrados os direitos difusos e
coletivos para proteção de toda a espécie humana.
Desse modo, a Teoria das Gerações, assim como a dupla dimensão, é uma
classificação baseada na inter-relação funções-titularidade dos direitos
fundamentais. Ocorre que tais classificações são incompatíveis, já que a
classificação realizada pela dupla dimensão, diferentemente da classificação das
gerações, não compartimenta os direitos fundamentais, além de propor uma
distinção técnica entre funções-titularidade dos direitos fundamentais, com base na
própria estrutura normativa desses direitos e não com fundamento no momento
histórico de sua positivação.
A citada incompatibilidade de propostas classificatórias torna-se ainda mais
evidente, quando são expostos os equívocos da teoria das gerações, o que será
desenvolvido a seguir.
Inicialmente, deve-se mencionar a clássica crítica relativa à imprecisão
terminológica do termo “gerações”, que conduz à ideia de substituição de uma
geração pela subsequente106. A partir da constatação de tal imprecisão, os adeptos
dessa teoria107 passaram a sustentar a utilização do termo “dimensões”, o que
supostamente eliminaria a falsa ideia de eliminação dos direitos de uma geração
antecedente pela subsequente108.
Não obstante isso, não parece recomendável a utilização do termo
“dimensões” para substituir o vocábulo “gerações”, pois isso colabora com a já
citada polissemia com que, em regra, a palavra “dimensão” é tratada pela literatura
jurídica. Ressalte-se que, cientificamente, o termo “dimensões” já possui uma
destinação específica, relacionada com o estudo da dupla dimensão aqui
trabalhada. Desse modo, a utilização do mesmo vocábulo para designar outro
fenômeno não se revela produtivo, ajudando a proliferar a indesejada polissemia.
A questão terminológica, no entanto, é a menos relevante das críticas à Teoria
das Gerações dos direitos fundamentais. A substituição terminológica não elimina
os problemas estruturais e normativos da classificação em gerações ou dimensões
dos direitos fundamentais109.
Apresenta-se, nesse caso, a ausência de verdade histórica110 como segunda
crítica à teoria das gerações, já que a teoria atacada realiza uma excessiva
simplificação da realidade, desprezando, por exemplo, o fato de haver a previsão
de direitos sociais e culturais já nos primeiros documentos constitucionais do
século XVIII111.
Pode-se citar a pós-revolucionária Constituição Francesa de 1791, que, em
suas disposições fundamentais, já garante que “será criado e organizado um
estabelecimento geral de socorros públicos para criar as crianças expostas, aliviar
os pobres enfermos e prover trabalho aos pobres válidos que não o teriam
achado”112. Há também a previsão de um sistema educacional: “será criada uma
instrução pública comum a todos os cidadãos, gratuita em relação àquelas partes
de ensino indispensáveis para todos os homens”113. Não bastasse isso, a carta
constitucional assegura direitos de caráter cultural: “serão estabelecidas festas
nacionais para conservar a lembrança da Revolução Francesa, manter a
fraternidade entre os cidadãos, e ligá-los à Constituição, à Pátria e à lei”114. Vale
também lembrar que a Constituição Política do Império do Brazil de 1824, com forte
influência da carta francesa,

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