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RAE-Revista de Administração de Empresas | FGV EAESP 1 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 eISSN 2178-938X FÓRUM Submetido em 18-05-2021. Aprovado em 18-11-2021. Avaliado pelo processo double-blind review. Editores convidados: Carla Curado, Lucía Muñoz-Pascual, Mírian Oliveira, Paulo Lopes Henriques, Helena Mateus Jerónimo. Versão traduzida | DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020220509X VALORES ORGANIZACIONAIS COMO SUPORTE PARA A ECONOMIA CIRCULAR E A SUSTENTABILIDADE Organizational values as enablers for the circular economy and sustainability Valores organizativos como facilitadores de la economía circular y la sostenibilidad Luisa Lavagnini Barboza¹ | luisa.barboza@usp.br | ORCID: 0000-0002-2093-4762 Ana Carolina Bertassini¹ | anabertassini@usp.br | ORCID: 0000-0002-1241-5276 Mateus Cecilio Gerolamo¹ | gerolamo@sc.usp.br | ORCID: 0000-0002-6535-0904 Aldo Roberto Ometto¹ | aometto@sc.usp.br | ORCID: 0000-0003-3577-5175 ⁴Universidade de São Paulo, Departamento de Engenharia de Produção, São Carlos, SP, Brasil RESUMO A transição para a Economia Circular (EC) requer uma compreensão mais aprofundada dos valores organizacionais, os quais podem estimular e encorajar inovações e atitudes sustentáveis. Entretanto, a maioria dos estudos aborda majoritariamente aspectos técnicos dessa transição. Portanto, o objetivo deste artigo foi identificar e analisar valores organizacionais essenciais para sustentar uma cultura que incorpore conceitos de circularidade e sustentabilidade. A partir de uma abordagem multi-método, identificamos 29 valores circulares e propusemos a definição de cada um deles. Os valores identificados foram discutidos em relação à sua importância para alavancar a sustentabilidade. Ademais, exemplificamos, por meio de um estudo de caso, a adoção de valores circulares por uma organização específica, e como ela está nutrindo esses valores. Este estudo seminal enriquece a discussão sobre a importância de soft skills para a transição à EC. Além disso, ele valoriza a relevância da gestão de recursos humanos nas organizações para impulsionar a sustentabilidade. Palavras-chave: economia circular, cultura organizacional, valores organizacionais, sustentabilidade, inovação. ABSTRACT The transition towards the circular economy (CE) requires that organizational values be examined in more depth and understood more fully, which can encourage innovation and sustainable attitudes. The majority of the studies on this matter, however, only address the technical aspects of the transition to a CE. The aim of this paper was to identify and analyze those organizational values that are essential for sustaining a culture that incorporates concepts of circularity and sustainability. Using a multi-method approach, we identified a list of 29 circular values and proposed a definition for each one. The values identified were discussed with regard to their importance in achieving sustainability. By way of a case study we also exemplified the adoption of circular values and how the specific organization we studied is nurturing those values. This seminal study enriches discussion of the importance of soft factors for the transition to a CE. It also embraces the relevance of human resource management in organizations for boosting sustainability. Keywords: circular economy, organizational culture, organizational values, sustainability, innovation. RESUMEN La transición hacia una economía circular (EC) requiere una profundización y comprensión de los valores organizativos, que pueden estimular y fomentar las innovaciones y actitudes sostenibles. Sin embargo, la mayoría de los estudios abordan los aspectos técnicos de esta transición. Por lo tanto, el objetivo de este artículo fue identificar y analizar los valores organizativos que son esenciales para sostener una cultura que incorpore circularidad y sostenibilidad. Utilizando un enfoque multimétodo, identificamos 29 valores circulares y propusimos una definición para cada uno de ellos. Los valores identificados se debatieron en relación con su importancia para la sostenibilidad. Además, ejemplificamos con un estudio de caso la adopción de valores circulares y cómo esa organización está desarrollando esos valores. Este estudio seminal enriquece el debate sobre la importancia de soft skills para la transición a la EC. Además, fomenta la relevancia de la gestión de los recursos humanos para impulsar la sostenibilidad. Palabras clave: economía circular, cultura organizativa, valores organizativos, sostenibilidad, innovación. mailto:anabertassini@usp.br FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto 2 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 3 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331eISSN 2178-938X eISSN 2178-938X Para alcançar as mudanças organizacionais necessárias a uma EC, é importante considerar não apenas os diferentes níveis da organização (indivíduos, grupos e a organização como um todo) (Lloria & Moreno-Luzon, 2014), mas também as interrelações entre os indivíduos e sua capacidade de se adaptar ao seu ambiente específico. Mudanças organizacionais dependem da aceitabilidade por parte dos indivíduos, e serão mais efetivas se percebidas como sendo centrais para a sobrevivência da organização (Buchanan et al., 2005; Dawson, 1994). Os valores organizacionais, enquanto “coração da cultura de uma organização” (Posner, 2010, p. 536), são geralmente a base para a integração de requisitos essenciais de desempenho e operacionais em uma estrutura orientada para resultados (Lagrosen & Lagrosen, 2019) e, portanto, precisam ser claramente comunicados e compartilhados. Além disso, esses valores podem orientar inovações, uma vez que influenciam o comportamento organizacional e constituem metas motivacionais (Miguel & Teixeira, 2009). Vários autores expressaram a importância de adaptar a CO para implementar a EC (Bashir & Verma, 2019; Bustinza, Gomes Vendrell-Herrero & Tarba, 2018; Isensee, Teuteberg, Griese & Topi, 2020). Normas, valores, visões, conceitos, ferramentas, instrumentos e indicadores devem ser verificados e ajustados a fim de propiciar a EC (Korhonen, HonKasalo & Seppälä, 2018). Apesar da importância dos aspectos culturais na transição para uma EC, e de todos os esforços necessários para desenvolver a literatura sobre EC, a CO e os valores que apoiam a transição para uma EC são pouco explorados (Jabbour et al., 2019; Korhonen, Nuur, Feldmann & Birkie, 2018). Há apenas dois estudos na literatura que abordam claramente discussões sobre uma cultura orientada para a EC (Bertassini, Ometto, Severengiz & Gerolamo, 2021) e valores organizacionais circulares (Barboza, Bertassini, Gerolamo & Ometto, 2020). Portanto, considerando a escassez de estudos no campo e a importância de compreender os valores que apoiam uma CO que aborde as especificidades da EC, este artigo visa a: (i) identificar os valores organizacionais que apoiam o desenvolvimento de uma cultura orientada para a EC; (ii) discutir a importância de identificar valores organizacionais circulares para o desenvolvimento sustentável; e (iii) exemplificar, por meio de um estudo de caso, a adoção de valores circulares e como uma organização específica nutre esses valores. Busca-se, assim, incentivar as organizações a se moverem em direção a uma EC baseada em aspectos inerentes ao inconsciente individual e coletivo. METODOLOGIA Esta pesquisa adota um procedimento multi-método (i.e., uma “pesquisa na qual o pesquisador coleta e analisa os dados, integra os achados e extrai inferências utilizandoabordagens qualitativas e quantitativas” (Tashakkori & Creswell, 2007, p. 3)) com base nas fases propostas por Bardin (2011) em sua teoria da análise de conteúdo. A análise de conteúdo compreende um conjunto de técnicas de análise para obter, por meio de procedimentos objetivos e sistemáticos de descrição de conteúdo, os indicadores que permitem a inferência do conhecimento. De acordo com INTRODUÇÃO A atividade humana em todo o mundo vem causando diferentes problemas sociais e ambientais, e aumentando a pressão por parte dos consumidores, da sociedade, dos governos e do mercado por negócios mais sustentáveis, uma situação que afeta diretamente a orientação estratégica das organizações. Uma vez que o modelo econômico linear baseado em ‘extrair-fabricar-descartar’ (‘take-make-dispose’) está enfrentando desafios cada vez mais graves (Ellen MacArthur Foundation [EMF], 2012), a economia circular (EC) vem ganhando a atenção das organizações. A EC é uma forma viável de redefinir o conceito de crescimento econômico, com foco na garantia de maior eficácia no uso e gestão de recursos, bem como na gestão da qualidade ambiental, inclusividade e bem-estar das populações (Cotec, 2016). Trata-se de um modelo econômico baseado em valores compartilhados e em uma visão sistêmica de longo prazo (Confederação Nacional da Indústria [CNI], 2018). Ele é capaz de criar valor sustentável, uma vez que sua implementação permite a minimização de impactos negativos, promovendo, ao mesmo tempo, a inclusão de novas formas de fazer negócio (Buren, Demmers, Heijde & Witlox, 2016). Possui também uma relação direta com o desenvolvimento sustentável, e é capaz de contribuir para o atingimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas (ONU) (Schroeder, Anggraeni & Weber, 2018) A maioria das definições de EC possuem em comum a otimização do valor dos produtos, componentes e materiais (Brocken, Pauw, Bakker & Grinten, 2016; EMF, 2012; Prieto-Sandoval, Jaca & Ormazabal, 2018), o que se reflete em mudanças nos processos. A transição para a circularidade, no entanto, requer mudanças mais radicais e inovações nos modelos de negócio e ecossistemas para que seja efetiva, uma vez que a EC opera nos níveis micro (produtos, empresas e consumidores), meso (ecoparques industriais) e macro (cidades, regiões, países) (Kirchherr, Reike & Kettert, 2017). A implementação de inovações nos modelos de negócio para uma EC exige mudanças simultâneas nas estruturas, processos, tecnologias, mentalidades, cultura e ecossistemas (Bocken, Schuit & Kraaijenhagen, 2018; Konietzko, Bocken & Hultink, 2020; Pieroni, McAloone & Pigosso, 2019); ou seja, para desenvolver modelos de negócio sustentáveis e circulares, as organizações devem se reinventar e adaptar diferentes aspectos, inclusive propondo uma cultura que incorpore conceitos e estratégias circulares e sustentáveis (Gue, Promentilla, Tan & Ubando, 2020). A cultura organizacional (CO) é um elemento chave para apoiar mudanças com vistas a alcançar uma EC, uma vez que a cultura corporativa transmite um sentido de identidade e, através de crenças, valores e normas, determina como fazer negócio (O’Donnel & Boyle, 2008). A CO pode ser definida como Um padrão de pressupostos básicos que um grupo específico inventou, descobriu ou desenvolveu para aprender a lidar com seus problemas de adaptação externa e integração interna, e que funcionou bem o suficiente para ser considerado válido, e, portanto, para que seja ensinada aos novos membros a maneira correta de perceber, pensar e sentir tais problemas. (Schein, 1984, p. 3) FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto 4 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 5 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331eISSN 2178-938X eISSN 2178-938X Pré-análise Os procedimentos adotados nesta fase foram bem definidos de modo a abranger o contato inicial com a literatura para a formulação das hipóteses e indicadores capazes de contribuir para o desenvolvimento do estudo (Câmara, 2013). Devido à novidade do tema, não era adequado realizar uma revisão sistemática da literatura; assim, os autores optaram por uma revisão exploratória que pudesse resultar em mais informações e melhores resultados. Consultamos relatórios de empresas, casos da literatura e sites institucionais de organizações que já adotam práticas e mentalidades circulares, tais como as empresas membros do Ellen MacArthur Foundation’s Circular Economy 100 Program (estabelecido para possibilitar que as organizações desenvolvam novas oportunidades e alcancem rapidamente suas ambições na EC), bem como organizações reconhecidas pelo The Circulars (a primeira premiação mundial de EC). Também pesquisamos valores organizacionais na literatura acadêmica relacionados à EC, tais como sustentabilidade, inovação, gestão de mudanças, reciclagem, gestão de resíduos, energia renovável, eco-design e Indústria 4.0. Como resultado, identificamos 149 valores organizacionais preliminares que poderiam estar relacionados à EC. Exploração do material Nesta fase, os dados foram sistematicamente transformados e agregados em unidades de categorização (Santos, 2012), a fim de permitir o desenvolvimento de interpretações e inferências. Utilizamos o software NVivo para codificar os dados qualitativamente, além de uma pesquisa confirmatória envolvendo especialistas e EC. Aplicação do software NVivo O NVivo foi utilizado para analisar e filtrar os valores organizacionais que identificamos. Este software é utilizado para a análise de informações qualitativas, o que permite a organização e categorização de dados textuais por meio da análise de palavras, frases e/ou parágrafos (Silva, Figueiredo & Silva, 2015). As definições dos 149 valores organizacionais anteriormente identificados foram utilizadas como input. Utilizando os resultados do NVivo, e, após rigorosa análise, os valores foram agrupados por semelhança de definição, e uma categorização preliminar foi proposta de acordo com a relação dos valores com o processo de transição à EC e com os princípios circulares: Grupo 1: Valores básicos a qualquer empresa, quer ela busque a EC ou não. Grupo 2: Valores relacionados com o processo de transição para a EC, ou seja, aqueles valores essenciais à proposição de qualquer tipo de mudança e/ou inovação. Duncan (1989), o método da análise de conteúdo “situa-se na intersecção entre os métodos qualitativos e quantitativos” (p. 27); portanto, ele permite a combinação de diferentes técnicas. Combinar métodos quantitativos e qualitativos pode potencializar as forças e perspectivas de cada método, especialmente com relação a um fenômeno desconhecido (Johnson & Onquegbuzie, 2004; O’Cathain, Murphy & Nicholl, 2008; Östlund, Kidd, Wengström & Rowa-Dewar, 2011), e proporcionar uma melhor abordagem e o potencial para ampliar o repertório de métodos de pesquisa tradicionalmente utilizados (Creswell & Clark, 2007; Molina-Azorin, 2016). Neste estudo, esta combinação desempenha um importante papel, uma vez que estamos lidando com um campo complexo e em relação ao qual há uma literatura limitada. Este estudo avaliou o tema em diversas dimensões, a fim de aumentar a confiabilidade dos resultados e abranger os benefícios descritos por Greene, Caracelli e Graham (1989) e Molina- Azorin (2016): complementaridade (integração dos resultados/análises de um método com os achados do outro); desenvolvimento (a contribuição dos resultados de um método no sentido de favorecer o desenvolvimento do outro); e expansão (extensão da amplitude e do escopo da pesquisa,utilizando diferentes métodos). Os dados qualitativos foram coletados antes dos dados quantitativos neste estudo, a fim de explorar, em um primeiro momento, o problema de pesquisa, e então analisá-lo a partir de uma perspectiva quantitativa apropriada para o estudo (Molina-Azorin, 2016). Para garantir a validade das respostas, seu conteúdo teórico e qualitativo foi consolidado segundo avaliações de especialistas no tema, os quais analisaram quantitativamente os dados utilizando métodos reconhecidos na literatura para a aplicação de questionários. As fases seguidas neste estudo são apresentadas na Figura 1, e descritas em detalhe nas subseções do texto. Figura 1. Visão geral da metodologia aplicada neste estudo Revisão da literatura Identificação dos valores 149 valores 91 valores divididos em três grupos 53 valores 29 valores Agrupamento qualitativo dos valores Proposições dos valores circulares Avaliação dos valores circulares implementados em uma empresa Compreensão de como os valores são implementados nas organizações Avaliação da importância dos valores Análise de conteúdo – software NVivo Pesquisa confirmatória Fuzzy Delphi Estudo de caso Tarefa Resultado Método / Ferramenta Pré análise Exploração do material Tratamento dos resultados FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto 6 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 7 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331eISSN 2178-938X eISSN 2178-938X Grupo demográfico Variáveis Frequência n=60 % Localização Brasil 40 66,6 Dinamarca 4 6,6 Itália 3 5,0 Reino Unido 3 5,0 Colômbia 2 3,3 Holanda 2 3,3 Albânia 1 1,7 Austrália 1 1,7 França 1 1,7 Líbano 1 1,7 Espanha 1 1,7 Taiwan 1 1,7 Local de trabalho Instituição educacional 54 90,0 Empresa privada 6 10,0 Os dados foram tratados estatisticamente utilizando o software IBM SPSS Satistics para análises estatísticas, preditivas, descritivas, prescritivas e regressivas. Também realizamos análises de frequência e descritivas (média, mediana, moda, desvio padrão, variância, soma e percentis). Além das ferramentas de estatística descritiva, foi aplicado o Teste de Hipótese Binomial conforme Gosavi (2015). Quando se aplica a escala Likert, geralmente é interessante determinar quantos respondentes estão em cada um dos lados, ou se houve um empate estatístico. O Teste Binomial facilita esta análise na medida em que proporciona um teste de significância estatística. Para aplicar este teste, para cada valor organizacional avaliado pelos respondentes, combinamos as respostas de Níveis 3 e 4 em um grupo (Grupo 1) e as respostas de Níveis 0 e 1 em outro grupo (Grupo 2). O nível 2 foi considerado “neutro”. O nível de significância (α) adotado foi 0,05. Considerando-se pi como sendo a proporção estimada da população pertencente ao Grupo i, e Li como o número no i-ésimo grupo (Gosavi, 2015), neste estudo supomos que L1≥L2. Levando esses fatos em consideração, testamos duas hipóteses para avaliar a disposição dos dados da pesquisa: H0: p1≤ p2 (hipótese nula). H1: p1 > p2. Grupo 3: Valores relacionados com o estado futuro de uma empresa circular, ou seja, aqueles valores essenciais para apoiar uma cultura organizacional circular. Este tratamento preliminar dos dados nos permitiu reduzir o número de valores organizacionais identificados para 91. Pesquisa confirmatória Foi realizada uma pesquisa confirmatória para validar o agrupamento dos valores organizacionais. De acordo com Forza (2002), uma pesquisa confirmatória visa a testar a adequação do conteúdo, das hipóteses e dos conceitos desenvolvidos em relação a determinado fenômeno. A pesquisa foi desenvolvida na plataforma Google Forms e, no período entre maio e agosto de 2020 (um período longo devido à pandemia de COVID-19), encaminhada a especialistas teóricos e práticos nos campos de EC e sustentabilidade. Para identificar o público-alvo, procuramos contatos em artigos científicos relacionados à EC, relatórios de empresas, mídias sociais, grupos de pesquisa universitária, entre outros. Também utilizamos o método “bola de neve”, uma técnica de pesquisa recomendada quando a população não pode ser estritamente delimitada ou detalhada, visando, assim, a identificar outros indivíduos de interesse para consulta (Dragan & Isaic-Maniu, 2013). De acordo com esse método, os pesquisadores identificam indivíduos para entrevista, os quais, por sua vez, devem indicar/recomendar outros entrevistados que possam contribuir para a pesquisa. Os respondentes da pesquisa foram solicitados a classificar os 91 valores em uma escala Likert de cinco pontos (de 0 a 4) com relação à importância do valor para a transição à CE, com base no BSI 8001 (0 = desimportante; 1 = Não muito importante; 2 = Moderadamente importante; 3 = Importante; 4 = Muito importante) – ver o Apêndice 1. Foi coletado um total de 60 respostas válidas. Os dados demográficos são mostrados na Tabela 1. A amostra dos respondentes foi suficiente para atingir a meta desta aplicação, uma vez que um grupo muito específico de especialistas foi selecionado para responder ao questionário. Tabela 1. Distribuição dos perfis demográficos Grupo demográfico Variáveis Frequência n=60 % Gênero Feminino 28 46,7 Masculino 32 53,3 Idade 24-30 anos 17 28,3 31-37 anos 12 20,0 38-44 anos 13 21,7 45-51 anos 9 15,0 > 51 anos 9 15,0 Tabela 1. Distribuição dos perfis demográficos (Continua) (Conclusão) FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto 8 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 9 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331eISSN 2178-938X eISSN 2178-938X gerais, o número fuzzy triangular consiste em um número fuzzy mostrado com três números reais (F = (L, M, U)), onde o limite superior, U, é o valor máximo do número fuzzy, o limite inferior, L, é o valor mínimo do número fuzzy, e M é o maior valor provável de um número fuzzy (valor crisp formal para o conjunto fuzzy) (Habibi, Jahatingh & Sarafrasi, 2015). Tabela 2. Números fuzzy considerados neste estudo Não importante Não muito importante Moderadamente importante Importante Muito importante / Essencial (0,0; 0,0; 0,25) (0,0; 0,25; 0,5) (0,25; 0,5; 0,75) (0,5; 0,75; 1,0) (0,75; 1,0; 1,0) Após a fuzzificação, as respostas dos especialistas foram agregadas (Agregação Fuzzy – AF) a partir de uma média dos números triangulares de cada especialistas, conforme mostrado em (1): (1) Em seguida, foi realizada a Defuzzificação para obter a melhor média, isto é, para converter os valores fuzzy em números claros e compreensíveis. Há diferentes métodos para isso, mas neste estudo utilizamos a fórmula (2) de Centro de Área (CA), onde Fi é a agregação fuzzy para o limite i. (2) Finalmente, para analisar os resultados obtidos com a fórmula CA, estabelecemos quatro níveis de avaliação (Forte, Moderado, Fraco e Inexistente), de acordo com a relação dos valores organizacionais necessários à sustentação de uma CO focada na EC (Ver Tabela 3). Selecionamos estas variações levando em consideração o valor de corte médio de 0,5, de acordo com a literatura (Saido, Siraj, DeWitt & Al-Amedy, 2018; Yusoff, Hashim, Muhamad & Hamat, 2021). Tabela 3. Valores de cortepara análise dos resultados Relação sustentando uma CO orientada para EC Entre > ≤ Forte 0,8 1,0 Moderada 0,5 0,8 Fraca 0,2 0,5 Inexistente 0,0 0,2 Classificamos 29 valores como possuindo a relação forte necessária à manutenção de uma CO orientada para a EC (ou seja, CA>0,8). Esses valores são enfatizados neste artigo como sendo valores organizacionais circulares, ou seja, valores organizacionais essenciais à sustentação de uma CO circular. Calculamos os intervalos de confiança utilizando o Teste Binomial, e se eles não se sobrepõem, a hipótese nula pode ser rejeitada, e o grupo com maior número de respondentes pode ser considerado “vencedor”, estatisticamente falando. Por outro lado, se os intervalos de confiança se sobrepõem, a hipótese nula não pode ser rejeitada, e não se pode tirar nenhuma conclusão (Gosavi, 2015). Em geral, se a hipótese nula fosse rejeitada no intervalo de confiança estabelecido, poderíamos afirmar que o número de respondentes que avaliaram os valores como sendo “Importantes” ou “Muito Importantes” (Níveis 3 e 4) para a transição à CE excedeu os outros níveis. Se a hipótese nula não fosse rejeitada, no entanto, não se poderia tirar nenhuma conclusão. Assim, aplicando a pesquisa confirmatória, pudemos filtrar a lista inicial de valores e identificar 53 valores organizacionais que foram avaliados como sendo importantes para inovações e para a transição à EC. Entretanto, como os resultados de alguns valores foram muito heterogêneos, e, consequentemente, não pudemos chegar a uma conclusão definitiva, tivemos de aplicar um novo filtro para validar os dados e obter um resultado mais confiavelmente consensual. Tratamento dos resultados Esta fase envolveu a inferência e interpretação dos resultados para torná-los significativos e válidos (Câmara, 2013). De acordo com Bardin (2011), esta fase compreende um momento de intuição e análise reflexiva e crítica. Utilizamos o Método Fuzzy Delphi e um caso de estudo para validar os resultados. Método Fuzzy Delphi O Método Fuzzy Delphi (MFD) é uma combinação da teoria fuzzy e do Método Delphi tradicional para considerar preferências linguísticas humanas na tomada de decisões (Saffie, Shukor & Rasmani, 2016). Este método permite capturar informações vagas e convertê-las em formato numérico, mais simples de manusear. Enquanto no Método Delphi tradicional as previsões se baseiam em respostas obtidas de um painel de especialistas em duas ou mais rodadas até que essas respostas convirjam, no MFD, o processo decisório é mais rápido e elimina a necessidade de múltiplas rodadas (Raut & George, 2018). As respostas são analisadas utilizando números fuzzy, o que reduz o nível de erro. Os 53 valores que identificamos anteriormente neste estudo foram analisados por oito especialistas em EC (parte do Centro de Pesquisa em Economia Circular da Universidade de São Paulo) utilizando o MFD. Desenvolvemos um questionário no qual os especialistas foram solicitados a classificar o grau de importância de cada um desses valores para a sustentação de uma CO orientada para a EC em uma Escala Likert de 1 a 5 (1 = Não importante; 2 = Não muito importante; 3 = Moderadamente importante; 4 = Importante; 5 = Muito importante / Essencial). Aplicamos e analisamos o questionário em setembro de 2020. As respostas dos especialistas foram convertidas em números fuzzy triangulares, a fim de identificar o nível de concordância com cada item, conforme mostrado na Tabela 2. Em termos FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto 10 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 11 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331eISSN 2178-938X eISSN 2178-938X RESULTADOS E DISCUSSÃO Uma maior sustentabilidade e circularidade nas organizações requer mudanças na forma como o valor é gerado e os negócios são feitos (Pieroni et al., 2019). Isso pode ser alcançado por meio da análise e do entendimento do fator humano e dos recursos disponíveis para influenciar o comportamento coletivo necessário por parte dos stakeholders para alcançar novas metas organizacionais (Maitlis & Lawrence, 2007). O estudo de questões culturais, na busca por mudanças no paradigma organizacional, é importante, pois a cultura possui uma função poderosa a desempenhar na moldagem da evolução humana (Bohem, 2008), e o engajamento com a EC e a sustentabilidade é afetado por dimensões culturais. A avaliação da CO geralmente se concentra nos valores organizacionais (Linnenluecke & Griffiths, 2010), pois eles desempenham um papel importante nas organizações, na medida em que influenciam a estrutura, a identidade e a estratégia organizacionais (Gorenak & Kosir, 2012), e afetam o desempenho da empresa (Malbasic & Posarie, 2017). O principal achado deste estudo, portanto, foi a identificação daqueles valores organizacionais que apoiam a transição à EC. Tais valores estão relacionados ao estado futuro de uma empresa circular, isto é, eles são essenciais para apoiar uma cultura organizacional circular. Em termos gerais, para assegurar sua sobrevivência no mercado, toda organização cultiva seus próprios valores básicos/fundamentais, tais como motivação, respeito, integridade, excelência e prosperidade. Organizações que já possuem um lado inovador cultivam valores como ambição, criatividade, agilidade, proatividade, flexibilidade e audácia, o que estimula a motivação e a inspiração nos indivíduos para encarar desafios, buscando novas oportunidades e assumindo riscos. Além destes, há aqueles valores relevantes para sustentar e alavancar uma CO orientada para a EC, os quais são definidos como valores organizacionais circulares. Neste sentido, organizações que buscam implementar uma EC devem nutrir, compartilhar e comunicar a todo o seu ecossistema de negócios um conjunto de valores que se adeque ao seu ambiente corporativo. O Quadro 1 mostra os valores organizacionais circulares propostos e suas definições. Quadro 1. Valores organizacionais circulares Valor organizacional Definição Adaptabilidade Capacidade ou disposição para mudar, para se adequar a diferentes condições Disponibilidade Qualidade ou condição de alguém aberto a influências e ideias Consciência Internalização da importância da inclusão e do respeito pelos valores éticos, preservação, desenvolvimento sustentável e qualidade de vida. Colaboração Trabalhar com outras pessoas ou organizações para criar ou alcançar algo em comum. Comprometimento Estado ou qualidade de ser dedicado a uma causa ou atividade. Uma forte motivação para realizar esforços para alcançar os objetivos e valores da organização Comunicação Processo de mão dupla para alcançar entendimento mútuo, no qual os participantes não apenas trocam informações, notícias, ideias e sentimentos, mas também criam e compartilham significados. Preocupação Prestar atenção à implementação de mecanismos que estimulam a produção o consume e o desenvolvimento sustentável. Estudo de caso Uma vez que poucos foram os casos reais já publicados detalhando explicitamente os valores circulares que uma organização possui para desenvolver sua cultura e estabelecer o caminho para a EC, realizamos, entre abril e agosto de 2020, um estudo de caso único em uma empresa multinacional do setor de aço e mineração que é líder na produção de aço no Brasil. Um estudo de caso é uma “descrição abrangente de um caso individual e sua análise” (Starman, 2013, p. 31), cujo objetivo é identificar variáveis, estruturas, formas e ordens de interação entre os participantes em um cenário da “vida real”, permitindo a realização de comparações com uma análise teórica(Simons, 2009; Starman, 2013). Não tivemos autorização para revelar o nome da empresa, portanto a chamaremos de “Alfa”. Escolhemos essa empresa devido à sua importância para a economia do Brasil e devido às suas iniciativas sustentáveis e circulares. O setor em que essa empresa opera é considerado um dos mais poluentes, mas a empresa está engajada em iniciativas de responsabilidade socioambiental e possui diferentes projetos, ações e mentalidades em prol da sustentabilidade e da EC, o que estimula o papel que o aço pode desempenhar em uma economia circular de baixo carbono para promover o desenvolvimento sustentável. Nosso objetivo na aplicação deste estudo de caso foi: exemplificar se os valores de uma organização real que quer ser circular são realmente circulares; e identificar os valores circulares que a empresa está implementando, e como ela os está implementando. Na condução do estudo de caso, combinamos entrevistas e análise documental. Realizamos 13 entrevistas semiestruturadas com gestores e analistas (ver a Figura 2 e o Apêndice II). Selecionamos apenas pessoas que trabalham diretamente com sustentabilidade e EC na organização para participar das entrevistas, a fim de obter um entendimento mais focado no panorama de valores circulares da organização. Figura 2. Detalhes do estudo de caso 13 horas de entrevistas Gerente Geral de Sustentabilidade Gerente Geral de Relações Institucionais e Sustentabilidade Gerente de Meio-Ambiente Gerente de Cultura Organizacional e Inovação Gerente de Sustentabilidade Gerente de Saúde, Segurança e Meio-Ambiente Gerente de Governança, Riscos e Controle Gerente de Meio-Ambiente Gerente de Meio-Ambiente Analista Sênior de Meio-Ambiente Analista de Meio-Ambiente Especialista em Stakeholders Especialista em Pesquisa e Desenvolvimento 13 entrevistados: 9 gerentes e 4 analistas/especialistas Entrevistas semiestruturadas De Abril a Agosto de 2020 (Continua) FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto 12 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 13 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331eISSN 2178-938X eISSN 2178-938X Aqui, percebemos que, seguindo a aplicação da pesquisa confirmatória, os valores para os quais havia quase um consenso em termos de respostas (>60%) nos níveis mais elevados de importância para a EC que estabelecemos neste estudo foram os mais relacionados aos princípios circulares e à sustentabilidade (incluindo os ODS), tais como: colaboração, comprometimento, engajamento em ecossistemas de negócios, ética, orientação para o futuro, inovação, sustentabilidade, pensamento sistêmico e redução de resíduos. Em discussões sobre a EC, é possível notar que muito se diz a respeito da sustentabilidade, pois uma produção e um consumo sustentáveis são centrais para a EC (Patil, Seal & Ramakrishna, 2020). Há uma relação direta entre circularidade e desenvolvimento sustentável, devido ao desejo de beneficiar as gerações atuais e futuras por meio da criação simultânea de qualidade ambiental, prosperidade econômica e igualdade social (Saidani, Yannou, Leroy, Cluzel & Kendall, 2019). Para que as organizações se tornem mais sustentáveis, suas atividades de sustentabilidade precisam se encaixar na CO desejada e ser consideradas autênticas em todo o ecossistema de negócios. Nesse sentido, os valores aqui identificados podem impulsionar a EC e, consequentemente, ser uma alavanca para o desenvolvimento sustentável nas organizações. De acordo com Salvioni e Alimici (2020), faz-se necessária uma mudança drástica para que haja uma conscientização específica sobre a responsabilidade socioambiental. Esses valores devem ser compartilhados entre todos os stakeholders, para inspirar boas práticas, comportamentos e mentalidades alinhados com diferentes ODS. Rodrigues-Anton et al. (2019) afirmaram que as iniciativas de EC formam relações fortes e possuem sinergia com diferentes ODS, especialmente com o ODS 6 (Água potável e saneamento), ODS 7 (Energia limpa e acessível), OSD 8 (Trabalho decente e crescimento econômico), OSD 9 (Indústria, inovação e infraestrutura), OSD11 (Cidades e comunidades sustentáveis), OSD 12 (Consumo e produção responsáveis), OSD 13 (Ação contra a mudança global do clima), OSD 14 (Vida na água) e OSD 15 (Vida terrestre). Os valores organizacionais circulares identificados neste estudo também podem ser grandes instrumentos para inspirar e engajar os stakeholders a lutar por objetivos comuns. Neste estudo de caso, notamos também que para apoiar a manutenção de uma CO circular, a Alfa enfatizou a sustentabilidade como valor fundamental. Kirchherr et al., (2018) ressaltaram esta ideia e afirmaram que a EC oferece um caminho inovador para o desenvolvimento sustentável, proporcionando o desenvolvimento de uma economia moderna, competitiva e, ao mesmo tempo, mais sustentável (Rodriguez-Anon, Rubio-Andrada, Celemín-Pedroche & Alonso-Almeida, 2019). A Alfa nutre reputação, lealdade, e transparência como valores que garantem a credibilidade dos produtos, serviços e pessoas junto a seus stakeholders. Liderança, qualidade, saúde e segurança são valores expressos pelas pessoas da organização. Valores como inovação e criatividade não são tão bem disseminados, uma vez que a empresa ainda é bastante tradicional; nesse sentido, ela deve realizar um esforço para melhor integrar tais valores em sua cultura, pois eles são essenciais para a sustentação de uma CO circular. Além desses valores, a empresa também deve fortalecer outros valores, tais como abertura, colaboração, proximidade e humanitarismo, para se alinhar a uma CO circular. Valor organizacional Definição Melhoramento contínuo Desejo de tornar os resultados melhores, mais eficientes e eficazes. Diversidade Característica de uma força de trabalho mesclada, oferecendo uma ampla gama de habilidades, experiências, conhecimentos e forças. Eficácia Alcançar os resultados desejados da melhor forma possível, de modo que a organização utilize seus recursos de maneira inteligente e racional. Engajamento com os ecossistemas de negócios Estar aberto a participar de ecossistemas de negócios e se associar a vários tipos de empresa, a fim de criar uma relação em constante evolução, na qual cada entidade é flexível e adaptável para sobreviver Ética Conjunto de crenças sobre o que é moralmente certo e errado. O pressuposto fundamental do comportamento humano sob o qual as decisões de gestão dos recursos naturais devem visar ao consumo presente, sem prejuízo para as gerações futuras. Orientação para o futuro Planejamento para o futuro, antes de agir. Possuir uma visão de longo prazo. Humanitário Indivíduo que deseja o bem da humanidade. Estar envolvido ou ligado à melhoria da vida das pessoas e à redução do sofrimento. Impacto O poderoso efeito ou influência que algo produz em uma situação, pessoa, organização, sociedade ou no meio-ambiente. Impacto positivo em diferentes áreas (econômica, social e ambiental). Inovação Criação e implementação de novas ideias que podem ser aplicadas a produtos/serviços, processos, modelos de negócio e cadeias de valor. Longevidade A durabilidade de algo. Aumento da vida útil do produto. Abertura Capacidade de ouvir comentários, feedback, preocupações e novas ideias, receber críticas e se engajar em diálogos. Proximidade Investimento em uma relação positiva com os diferentes stakeholders da organização. Resiliência Capacidade de retornar ao seu estado original após ser perturbado. Responsabilidade Aceitar responsabilidade pelas próprias ações, admitir erros e aprender com eles. Considerar os interessesda sociedade, assumir o impacto das próprias atividades sobre os clientes, fornecedores, funcionários, acionistas, comunidades e outros stakeholders, bem como sobre o meio-ambiente. Compartilhamento Compartilhar informações, ideias, sugestões e experiências relevantes com fornecedores, instituições de pesquisa, centros de tecnologia, universidades, usuários, sociedade e outras organizações. Sustentabilidade Atender às necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades. Proporcionar, simultaneamente, benefícios econômicos, sociais e ambientais. Sinergia Capacidade potencial de organizações individuais ou grupos de ser mais bem sucedidos ou produtivos como resultado da coesão e dos esforços mútuos em torno de um objetivo comum. Inovação sistêmica Conjunto interconectado de inovações, onde cada um influencia o outro, com inovação tanto nas partes do sistema quanto nas formas como elas interagem. Pensamento sistêmico Compreensão das relações de interdependência entre os vários componentes que constituem a organização, bem como o ambiente com o qual eles interagem. Transparência Situação em que as atividades são conduzidas abertamente, sem segredos, de modo que as pessoas possam confiar que elas são justas e honestas. Redução de resíduos Minimização dos resíduos na fonte, a fim de reduzir a quantidade que precisa ser tratada e descartada, o que geralmente se consegue com um melhor design de produto e/ou gestão de processos. Receptivo Algo ou alguém que convida ou atrai por suas características. Quadro 1. Valores organizacionais circulares (Conclusão) FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto 14 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 15 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331eISSN 2178-938X eISSN 2178-938X no sistema global de valores dos indivíduos fora do ambiente de trabalho (Cambra-Fierro, Polo- Redondo & Wilson, 2008; Gond & Herrbach, 2006; Vitell & Ramos-Hidalgo, 2006). A pressão por um negócio mais sustentável está aumentando, e a atenção aos valores organizacionais pode ajudar a construir uma infraestrutura resiliente, promover uma industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação, em concordância com o ODS 9. Práticas, iniciativas, mentalidades e comportamento circulares são essenciais para promover uma industrialização sustentável e uma economia inclusiva, especialmente considerando a simbiose industrial, a remanufatura e as cadeias de suprimento em circuito fechado (Kruchten & Eijk, 2020), as quais podem evoluir a partir de valores organizacionais circulares e sustentáveis que equilibram o “tripé da sustentabilidade” (planeta-pessoas-lucro), tais como os apresentados neste artigo. O alinhamento de valores organizacionais em todo o ecossistema de negócios pode propiciar uma trajetória em direção à EC e à sustentabilidade, gerando, assim, externalidades positivas (Cambra-Fierro et al., 2008). Como afirmado por Crane (1995), uma sustentabilidade forte e uma cultura orientada para a EC requerem consenso entre indivíduos e organizações com relação aos valores ambientais. A cultura é criada por meio de tempo, valores, atitudes e questões materializadas, e pode ser poderosa e sutil o suficiente para fazer com que todo o ecossistema de negócios repense seu papel no desenvolvimento sustentável. Quando se trata da EC e da sustentabilidade, o envolvimento de todo o ecossistema de negócios é vital para o bom funcionamento e a eficácia do negócio. CONCLUSÃO Este artigo identificou e analisou diferentes valores organizacionais que podem ajudar as organizações em sua jornada para a EC. Embora a compreensão dos critérios relacionados à CO seja vital para sustentar e incorporar mudanças e transformações organizacionais, ainda há limitações na literatura relacionada às características específicas da circularidade. Ao longo do estudo, observamos que os valores organizacionais circulares são essenciais para apoiar uma CO duradoura na transição para uma EC, e para alavancar o desenvolvimento sustentável. Os valores organizacionais são elementos chave para guiar a mudança organizacional, pois influenciam comportamentos e constroem a identidade organizacional. Os valores devem ser periodicamente revistos, a fim de alinhá-los com a CO desejada. Um forte apoio da direção da empresa também é essencial para disseminar uma cultura circular em toda a organização e seu ecossistema de negócios. Para promover a industrialização sustentável e uma economia inclusiva, as organizações devem analisar, entender e identificar os valores organizacionais alinhados com a CO desejada. Os valores organizacionais circulares identificados neste estudo apoiam o atingimento de diferentes ODS, porque incentivam um ambiente de trabalho motivante e inovador, e possuem um grande potencial para incentivar atitudes sustentáveis. As organizações, portanto, devem fazer todos os esforços para criar, modificar e/ou adaptar uma cultura que apoie a EC e a sustentabilidade. A perpetuação de comportamentos, crenças e princípios favoráveis à circularidade e à sustentabilidade requer que os valores identificados neste artigo e focados na produção e consumo responsáveis se propaguem por todo o ecossistema de negócios. Estes valores são: a disposição e a motivação para proteger ecossistemas e comunidades; a promoção da reutilização, reciclagem, reforma e compartilhamento de produtos e serviços, de modo a eliminar o desperdício; uma orientação para a criação de valor de longo prazo de forma inovadora, flexível, resiliente e sistemática; o estabelecimento de práticas de inclusão e engajamento entre os stakeholders; e o diálogo aberto, claro e transparente. Além de fomentar a circularidade, esses valores possuem uma forte relação e sinergia com o desenvolvimento sustentável, especialmente na perspectiva da Agenda 2030. Para formar uma CO duradoura, esses valores devem ser bem comunicados e compartilhados em todo o ecossistema de negócios, especialmente por líderes fortes que disseminem valores social e ambientalmente responsáveis (Hoffman, 1993). A Alfa enfatizou que seus líderes possuem um papel fundamental a desempenhar na demonstração de que a EC não fica apenas na teoria, mas é uma proposta para mudar a cultura por meio da definição de objetivos, recursos e estratégias internas. A diretoria deve transmitir os valores da empresa aos funcionários, os quais, por sua vez, devem transmiti-los em comportamentos no local de trabalho e no ambiente social, e a outros stakeholders. Atitudes e crenças compartilhadas são praticadas no cotidiano, e são habitualmente inspiradas através de treinamento. A Alfa possui vários comportamentos alinhados com seus valores compartilhados. Por exemplo, a empresa incentiva o engajamento e a motivação das equipes no desenvolvimento de soluções nos campos da EC e da sustentabilidade. Ela promove reuniões periódicas para apresentar e avaliar questões relacionadas ao desenvolvimento de projetos de EC. Oferece capacitação a todos na empresa sobre os fundamentos da sustentabilidade, e comunica todos os projetos e investimentos que está desenvolvendo de forma transparente. Uma vez que haja alinhamento em todo o ecossistema de negócios, pretende-se que os valores da organização circular inspirem os funcionários com criatividade, motivação e empoderamento para implementar iniciativas circulares e sustentáveis e alcançar os objetivos desejados (Gorenak & Kosir, 2012). A empresa também sabe que há crenças que precisam ser fortalecidas com o intuito de estimular esses comportamentos,por exemplo: “Como equipe, somos mais fortes do que a minha opinião individual”; “Se eu compreender bem a experiência do cliente, posso gerar um trabalho que seja mais interessante também para meus funcionários”; “Acredito que os funcionários podem se apropriar de seus papéis, e, independentemente de hierarquia, podem dar suas contribuições”. A Alfa também promove o melhoramento contínuo e a excelência de seus produtos e seu pessoal, com o intuito de estar, no mínimo, no mesmo nível de suas concorrentes. Como em qualquer processo de mudança organizacional, no entanto, identificam-se lacunas nas habilidades e recursos necessários. As organizações geralmente precisam olhar para além de seus muros para criar um negócio viável que produza um impacto positivo em todo o ecossistema. Os valores organizacionais afetam não apenas o ambiente interno de trabalho, mas podem também produzir um impacto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto FÓRUM | Valores organizacionais como suporte para a economia circular e a sustentabilidade Luisa Lavagnini Barboza | Ana Carolina Bertassini | Mateus Cecilio Gerolamo | Aldo Roberto Ometto 16 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331 17 FGV EAESP | RAE | São Paulo | V. 62 | n. 5 | 2022 | 1-21 | e2021-0331eISSN 2178-938X eISSN 2178-938X Bustinza, O. F., Gomes, E., Vendrell-Herrero, F., & Tarba, S. Y. (2018). An organizational change framework for digital servitization: Evidence from the Veneto region. Strategic Change, 27(2), 111- 119. doi: 10.1002/jsc.2186 Câmara, R. H. (2013). 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Ainda existem dúvidas sobre a terminologia e uma falta de clareza quanto à relação entre os valores organizacionais e a EC, assim como existe a importância dos valores organizacionais como instrumentos para guiar as mudanças. Esta relação deve ser fomentada, a fim de possibilitar inovações e motivar os stakeholders a lutar para alcançar objetivos comuns. REFERÊNCIAS Barboza, L. L., Bertassini, A. C., Gerolamo, M. G., & Ometto, A. R. (2020). Economia circular e sustentabilidade: Identificação de valores organizacionais. VII Congresso Brasileiro sobre Gestão de Ciclo de Vida, Gramado, RS. Recuperado de https://www.ufrgs.br/gcv2020/wp-content/ uploads/2021/01/GCV-2020-Volume-I.pdf Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Edições 70. Bashir, M., & Verma, R. (2019). Internal factors & consequences of business model innovation. Management Decision, 57(1), 262-290. doi: 10.1108/MD-11-2016-0784 Bertassini, A. C., Ometto, A. R., Severengiz, S., & Gerolamo, M. C. (2021). 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