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Os Portos e a Crise Económica Alterações Estruturais

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Os Portos e a Crise Económica – Alterações Estruturais 
Futuras
As dificuldades de crédito de 2008 e a subsequente crise económica 
terminou um período de crescimento que durou mais de duas 
décadas, durante o qual os portos experimentaram aumentos de 
volume de dois dígitos. O crescimento anual foi de tal forma que as 
preocupações de congestionamento foram o foco central nos últimos 
anos antes da crise. 
Os contentores ilustram bem a questão, já que a deslocalização da 
produção eo aumento dos bens fabricados na China nos anos 1990 e 
2000 resultou num “boom” comercial impressionante, com reflexos 
no transporte marítimo e nos portos. A indústria do transporte 
marítimo foi crescendo a uma taxa mais rápida do que aquela a que 
os portos poderiam construir terminais.
A crise económica reverteu o quadro. Fortemente afetados pela 
banca, o consumo e o comércio entraram em colapso. Do pico, a 
carga por via marítima caiu vertiginosamente em 2009, o comércio 
passou a níveis 20% inferiores a 2008 e fotos dos navios e guindastes 
parados foram utilizadas para visualizar a crise nos jornais.
No final de 2009, váriasvários sinais indicaram a recuperação das 
taxas de frete, mas se a estagnação do comércio pode ser temporária 
(vamos ver), esta crise tem consequências profundas sobre a 
estrutura dos transportes marítimos e dos portos.
É bem sabido que a procura portuária é, em princípio, derivada da 
procura do comércio internacional. Assim, é importante analisar os 
efeitos da crise nos diversos sectores portuários: (a) contentores, (b) 
petróleo bruto, (c) minério de ferro e (d) carvão.
Os principais produtos transportados nos contentores são os 
alimentos, incluindo frutas, alimentos enlatados, bebidas e produtos 
lácteos. Estes produtos constituem 20 a 25% de todos os fluxos de 
contentores, verificando-se que estes volumes crescem de forma 
substancial na maioria dos portos, em parte porque a fruta é cada vez 
mais contentorizada. O impacto da crise sobre estes fluxos é bastante 
limitada, já que o consumo de alimentos final não é atingido 
duramente pela recessão, e embora se verifique nos supermercados 
uma mudança de marcas para produtos mais baratos, as vendas 
globais dos alimentos continuam a ser bastante estáveis (Mintel 
Internacional, 2009).
O principal motor dos produtos químicos, a segunda categoria 
substancial da carga contentorizada, é a produção industrial. Os 
produtos químicos são produtos intermédios, que são utilizados na 
produção de tintas, automóveis, plásticos, equipamentos médicos, 
entre outros. A produção industrial mostra a variação da produção 
destes produtos. Uma parte crescente dos produtos de consumo 
manufacturados é produzido no exterior e enviada para a Europa. O 
consumo de bens (excluindo alimentos) constitui aproximadamente 
20 a 30% de todos os fluxos de importação para a Europa. 
As quantidades de bens de consumo distribuídos para a Europa estão 
relacionadas com o consumo no centro do continente, que decaiu, 
com reflexos na redução de stocks para diminuição dos riscos da 
logística.
A última categoria de carga contentorizada são os outros produtos 
intermédios, que são trazidos para a Europa, para serem usados na 
produção de bens de capital ou de consumo. Estes fluxos estão 
também fortemente relacionados com produção industrial, tendo sido 
afectados pela crise. 
Os indicadores demonstram a profundidade da desaceleração 
económica na Europa, embora a produção de bens não duradouros e 
de energia tenha diminuído de forma moderada, a produção de bens 
intermédios (químicos e peças), bens de capital (máquinas) e bens de 
consumo duráveis (automóveis e televisores) diminuíram 
drasticamente. Na maioria dos portos, as quebras no movimento de 
contentores em 2009 foi de cerca de 20 a 30%: Hamburgo -29%, 
Bremen -20%, Roterdão -13%, Antuérpia -19%. Os portos espanhóis 
em especial sofreram quebras importantes nos contentores: Algeciras 
-8%, Barcelona -29%, Bilbao -20%, Vigo -21%, Valência manteve-se.
O petróleo bruto é a segunda carga mais substancial nos fluxos dos 
portos europeus. A procura dos produtos de refinaria diminuiu, pelo 
menos na Europa. No entanto, o efeito sobre a redução da procura 
não levou a uma semelhante redução na produção, já que as 
refinarias na Europa têm aumentado a quota de exportação.
O terceiro grande fluxo de mercadorias na Europa é o minério de 
ferro, que é um fluxo de importação para fornecimento de unidades 
siderúrgicas. Os seus clientes mais importantes são a indústria de 
produção de veículos, incluindo os produtores de peças. Ora a 
produção de automóveis na Europa Ocidental registou um forte 
decréscimo, como resultado da crise. Um declínio similar foi 
verificado na atividade da indústria da construção na Europa. 15 a 
20% é a estimativa mais provável da queda. 
Uma mercadoria também com volumes substanciais na Europa é o 
carvão. Uma parte das importações de carvão, cerca de um terço, são 
os chamados Coque de carvão, que são utilizados na produção de aço 
e cimento. A maioria é usada na produção de electricidade. A 
construção e a procura de energia foram afectadas pela crise 
económica: mais nas indústrias, cujo consumo de energia diminui 
muito, que nos agregados familiares. Isto explica porque o 
movimento portuário de carvão nos portos da Europa está em 
declínio
Numa crise económica em que a produção industrial e o comércio são 
especialmente atingidos, leva a uma redução sem precedentes do 
volume dos portos, com implicações sobre as estratégias das 
autoridades portuárias, armadores, operadores de terminais e outros 
intervenientes no sector. 
Antes da crise, portos e terminais de contentores que requerem 
pórticos e infra-estruturas especializadas tinham-se desenvolvido a 
um ritmo elevado, principalmente com a entrada de operadores 
internacionais por meio das concessões. Os recursos de capital 
necessários e as capacidades dos operadores foram os principais 
motivos para o crescente envolvimento de agentes privados nos 
portos. Devido às especificidades, competências e recursos 
financeiros substanciais, estes operadores estavam em melhor 
posição para atender aos elevados requisitos de capital e às 
capacidades exigidas nos concursos para as concessões.
No entanto, a crise e os seus efeitos sobre o transporte marítimo, 
levaram à diminuição das expectativas de crescimento, pelo que a 
expansão das capacidade pode não ser necessária num futuro 
imediato. Assim, os operadores enfrentam uma oferta excessiva, 
dificultando o retorno dos investimentos, devido à procura de 
poupança de custos pelos armadores, ao concentrar das linhas nas 
rotas principais, aumentando as parcerias estratégicas na navegação 
e reduzindo as despesas com a logística e os portos.Todas as 
principais empresas de navegação e as grandes alianças 
suspenderam serviços e alteraram rotas. Mesmo os líderes de 
mercado reconsideram a partilha cooperativa de serviços e a 
utilização de menos navios.
Acresce que se prevê que no futuro os volumes de carga nos portos 
possam crescer em um ritmo inferior ao observado anteriormente, 
durante vários anos, o que leva os armadores a reconsiderar as suas 
redes de transporte a médio longo prazo. 
Notteboom e Rodrigues (2010) defendem que a resposta está no 
processo definido como “foreland – based regionalization”.Ou seja, a 
integração dos portos de hub nas redes de transporte regionais, 
passando o hub intermediário a funcionar como portos de hinterland. 
Esta posição dos armadores poderá reduzir os portos de escala e ter 
impactos importantes nos restantes portos.
Devido à crise, os armadores estãoagora mais dispostos a trabalhar 
em conjunto com os operadores do porto para melhorar a utilização 
dos investimentos, ou seja, para maximizar a utilização de instalações 
existentes, sem grandes investimentos em novas instalações, 
reduzindo os custos, concentrando-se na eficiência dos terminais, em 
vez da construção de novos terminais.
Refletindo sobre essas tendências, a maioria das autoridades 
portuárias já reformulou as capacidades de crescimento, olhando 
para crescimentos mais lentos do que os previstos há dois anos. Os 
operadores de terminais também tomaram medidas de corte de 
custos. Hutchison Port Holdings e a APM Terminals procederam a uma 
revisão global dos seus projectos em curso. A DP World também 
suspendeu cerca de metade dos seus projectos expansão de 
capacidade, incluindo o terminal Gateway Londres.
As autoridades portuárias estão sob pressão para reduzir os custos 
portuários, embora as taxas portuárias representam apenas uma 
pequena percentagem dos custos da passagem pelo porto. Verifica-se 
o congelamento de tarifas ou baixas temporárias dos preços 
(Roterdão, fez um desconto de 7% devido à crise e Antuérpia fez uma 
redução para a carga fraccionada, siderurgia, papel, madeira e 
frutos). 
Estão também a introduzir-se taxas portuárias dependentes do 
volume à custa das taxas fixas, o que é mais adequado à situação 
económica. Por exemplo, Hamburg implementou taxas inferiores por 
TEU, mas apenas para navios com grandes quantidades, e outros 
portos reduzem as taxas a novas linhas na esperança de tirar 
negócios dos vizinhos.
Pedidos para diminuir as taxas portuárias têm sido mais 
generalizados do que os pedidos de renegociação de taxas de 
concessão, levando as autoridades portuárias a responder usando 
uma variedade de instrumentos, incluindo negociações bilaterais com 
os operadores. Nos piores casos, alguns operadores entregaram a 
exploração dos terminais às autoridades portuárias.
Como os projectos de expansão portuária a atrasarem-se devido às 
dificuldades financeiras, autoridades nacionais e regionais têm vindo 
a conceder permissão para grandes fundos públicos para o 
desenvolvimento portuário, que hoje já não é viável sem a 
intervenção do Estado. Na Itália, as autoridades portuárias 
propuseram um "Plano Marshall para os portos". Em França os portos 
foram encarados como investimentos públicos ambientais prioritários 
na resposta à crise. Isso pode perturbar seriamente o equilíbrio entre 
os portos concorrentes e levar ao financiamento público excessivo no 
sector portuário europeu, segundo Pallis, 2010.
Por outro lado, antes da crise, verificava-se a escassez de terrenos 
para o desenvolvimento de terminais (particularmente em economias 
desenvolvidas), face às excelentes perspectivas de crescimento e aos 
elevados retornos sobre o investimento (em muitos casos, 15% ou 
mais) atraindo muitos investidores. 
Data Maiores aquisições de 
terminais desde 2005
Preço de 
Aquisição 
comparado com o 
EBITDA
2005 DP World compra CSX World 
Terminals 
14 vezes
Inícios de 2006 PSA compra 20% da HPH 17 vezes
Meados de 2006 DP World compra a P&O 
Ports 
19 vezes 
Meados 2006 Goldman Sachs Consortium 
compra a ABP 
14,5 vezes
Final de 2006 AIG compra a P&O Ports 
North America 
24 vezes
Início de 2007 Ontario Teachers’ Pension 
Fund compra OOIL Terminals 
23,5 vezes
Meados de 2007 RREEF compra Maher 
Terminals 
25 vezes
Nota: EBITDA = Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e 
Amortização 
Fonte: Notteboom e Rodrigues (2010)
Um factor importante para a aquisição de empresas pelo agente 
financeiro é o pressuposto da liquidez, o que implica que é possível 
vender activos rapidamente. Num mercado onde os fluxos de 
contentores estão a crescer, os terminais são de activos bastante 
líquidos, mas a situação pode-se transformar rapidamente se as 
condições mudarem. 
Mas as empresas que operam terminais têm forma de ajustar a sua 
estratégia para lidar com a queda nos volumes de contentores desde 
o final 2008. Grandes empresas como a HPH e DPW estão a rever as 
suas estratégias de hinterland o que pode levar a uma inversão do 
seu envolvimento directo nos serviços de barcaças, serviços 
ferroviários e terminais terrestres.
Durante o ano de pico que antecedeu a crise económica investidores, 
especuladores financeiros e fundos de pensões, com nenhum ou 
pouco conhecimento do negócio de exploração de terminais 
assumiram uma importância crescente nas empresas de exploração 
global de terminais e nas linhas de navegação. Além disso, os 
governos e as autoridades portuárias começaram a ficar muito 
“gananciosos” nos concursos para as operações de suas instalações 
portuárias (terminais de contentores em geral). Como resultado, 
rendas extremamente elevadas foram definidas para as instalações e 
os retornos esperados sobre o investimento líquido e TIR dos projetos 
(taxa interna de retorno) foram grosseiramente sobrestimados tendo 
como base a ideia de que os números de contentores continuariam a 
subir. 
Não apenas os operadores privados se comprometeram com grandes 
investimentos, mas também aceitaram riscos excessivos. A crise 
levou a uma queda súbita na atractividade dos terminais, como 
resultado de problemas de caixa existentes entre muitas empresas e 
a um receio de excesso de capacidade estrutural no mercado. 
Actualmente, a maioria dos terminais estão freneticamente a 
procurar novos clientes, navios e carga. O argumento de que os 
movimentos de contentores voltarão a níveis aceitáveis a curto prazo 
ignora o facto de que é inevitável a consolidação em baixa, a 
médio/longo prazo, no lado da oferta do transporte marítimo e que 
muitas operadoras podem abandonar segmentos específicos do 
mercado. 
Hoje os operadores de terminais adotam uma avaliação mais 
cautelosa das perspectivas de futuro. Observa-se um claro 
abrandamento dos investimentos dos operadores globais, armadores 
e instituições financeiras nos portos de contentores a nível mundial. A 
evidência sugere que os múltiplos de cerca de 8-12 vezes sobre o 
EBITDA são o novo padrão nas aquisições de terminais. O 
financiamento de projectos de grandes terminais tornou-se uma 
tarefa mais difícil do que antes. 
Nota - Texto elaborado a partir de papers de A. Pallis, Peter De 
Langen e de Theo Notteboom, Jean-Paul Rodrigue e Gustaaf De 
Monie, de 2010.

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