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CLASSES SOCIAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL AULA 3 Profª Valéria Pilão 2 CONVERSA INICIAL Nas aulas anteriores, compreendemos como se desenvolve a estrutura de classes na sociedade capitalista e apreendemos de que maneira a classe burguesa e a classe trabalhadora, que estão em contradição, constituem-se e manifestam-se historicamente na sociedade brasileira. Nesta aula, com base no conhecimento já assimilado, buscaremos analisar de que maneira e por que a classe trabalhadora se organiza em instituições. Ainda além, procuraremos elucidar o histórico dessas organizações, demonstrando a tradição de luta dos trabalhadores brasileiros. Esta aula está organizada em cinco temas. No primeiro, abordaremos o surgimento do sindicalismo no Brasil e trataremos das duas correntes mais importantes que existiram naquele momento: o socialismo reformista e o anarcossindicalismo. Posteriormente, no Tema 2, abordaremos o processo de institucionalização dos sindicatos e suas consequências nas lutas trabalhistas. No Tema 3, problematizaremos a construção de outra instância representativa de classe e faremos um breve histórico da constituição do primeiro partido nacional que defendeu os interesses da classe trabalhadora no país, o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Nos temas seguintes, continuaremos pensando na organização da classe trabalhadora, sendo que no Tema 4 abordaremos como se desenvolveram as entidades trabalhistas durante a ditadura civil-militar no país e, no último tema, problematizaremos a crise do sindicalismo enquanto instituição representativa da classe trabalhadora — crise esta que começa a se manifestar de forma mais intensa no final dos anos 1980 e nas décadas seguintes. TEMA 1 – SURGIMENTO DO SINDICALISMO NO BRASIL Já vimos nas aulas anteriores que a classe trabalhadora brasileira possui algumas características particulares. Agora poderemos observar em mais detalhes como se formou essa classe e como ela se organizou ao longo de todo o século XX. É importante destacar inicialmente que a classe trabalhadora brasileira é formada majoritariamente por homens brancos e imigrantes, pois no início do século, quando a industrialização no país começou a se desenvolver de maneira mais substanciosa, o processo imigratório foi bastante incentivado. Desta feita, 3 os escravos libertos e recém-alforriados foram excluídos inicialmente da constituição da classe trabalhadora assalariada. Se por um lado a classe trabalhadora assalariada foi inicialmente constituída por trabalhadores imigrantes, por outro, reconhecemos que, compondo sua mão de obra, vieram ideias e valores do anarquismo e do socialismo, que naquele momento estavam sendo difundidos na Europa. Por isso, essas duas correntes teóricas e políticas estiveram fortemente presentes no processo de desenvolvimento do sindicalismo no país. E, a grosso modo, podemos dizer que uma das principais diferenças entre essas correntes é a negação da atuação político-partidária feita pelo anarquismo, mas que é defendida pelo socialismo. Nesse primeiro momento da história do sindicalismo no Brasil houve organizações bastante expressivas nas lutas da classe trabalhadora, como a Greve Geral de 1917, que se iniciou no setor têxtil da cidade de São Paulo e posteriormente teve a adesão de outras categorias. De modo geral, entende-se que o período de 1917 a 1920 foi intenso em ações grevistas. TEMA 2 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS SINDICATOS Com o desenvolvimento do movimento sindicalista no país, algumas medidas ocorreram por parte do Estado na tentativa de controlar as organizações da classe trabalhadora. Dentre as medidas executadas a partir dos anos 1920 estava a criação de um Conselho Nacional do Trabalho, buscando controlar as ações dos sindicatos, tornando-os uma instituição voltada a conciliação dos conflitos de classes. No entanto, foi a partir dos anos 1930 que a institucionalização e o controle dos sindicatos se fortaleceu, sendo que na época já estávamos sob a égide do primeiro governo de Getúlio Vargas. Nesse período, várias medidas foram tomadas, desde a criação do Ministério do Trabalho, em 1930, até a criação da Lei de Sindicalização, de 1931, que estabelecia como deveriam ser destinados os recursos do sindicato, bem como quais tipos de ações estes poderiam ou não desenvolver. No final dos anos 1930, período do Estado Novo, a ditadura Vargas estabeleceu uma nova lei na qual criava o imposto sindical. Naquele momento, essa lei foi extremamente polêmica, pois os setores mais conservadores eram favoráveis à medida, enquanto as tendências mais combativas eram contrárias. 4 Interessante salientar que como havia o controle na forma de realizar os gastos dos sindicatos e por isso os recursos provenientes do imposto não poderiam ser gastos na manutenção de greves ou em atividades políticas, os sindicatos foram se aproximando de instituições de ajuda ao trabalhador, perdendo, portanto, todo o seu caráter combativo e de classe que possuíam inicialmente. Dessa forma, vemos que ao longo dos anos 1920 e 1930 o sindicalismo no Brasil passou por um processo de institucionalização que comprometeu em partes sua atuação combativa. TEMA 3 – PARTIDO POLÍTICO Os partidos políticos também são instituições importantes para a organização da classe trabalhadora. Sua constituição, acompanhada de uma agenda política, possibilita a defesa dos direitos da classe trabalhadora, bem como a disputa pela hegemonia com a burguesia. No que diz respeito ao papel que os partidos podem e devem cumprir, podemos citar como importantes referências as obras de Vladimir Lênin e Antonio Gramsci. No que diz respeito à história brasileira, temos que o primeiro partido de repercussão nacional e que teve como plataforma a defesa os direitos da classe trabalhadora foi o Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922. Destaca-se que o partido é resultado tanto da formação de classe trabalhadora brasileira como das influências que a Revolução Bolchevique (1917) causava pelo mundo. A peculiaridade é que a maior parte dos membros fundadores do PCB tinha origem e militância no anarcossindicalismo. Apesar de atualmente podermos constatar um refluxo deste partido, ao longo da história brasileira o PCB cumpriu um papel importante tanto do ponto de vista da disputa política (apesar de boa parte de sua história estar na ilegalidade), bem como na produção intelectual. Na tradição dos partidos comunistas, pelo PCB passaram intelectuais eminentes do cenário nacional, como Otávio Brandão, Caio Prado Junior, Nelson Werneck Sodré, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Paulo Ribeiro Rodrigues da Cunha, Marly de Almeida Gomes Vianna, entre tantos outros e outras. 5 TEMA 4 – A CLASSE TRABALHADORA DURANTE O REGIME MILITAR Se no pré-1964 houve movimentos trabalhistas tanto rurais quanto urbanos organizados e conquistando espaços e direitos – como exemplo, no campo temos as ligas camponesas e nas cidades as organizações de inúmeras greves sob o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) – no pós-1964 as lutas trabalhistas foram se arrefecendo conforme aumentava a truculência do Estado ditatorial. Uma das primeiras medidas tomadas contra a classe trabalhadora durante o regime foi a proibição do direito de greve, que associada ao fim da estabilidade do emprego contribuiu de maneira significativa ao longo dos anos para a desmobilização de classe. Outra marca do período no que diz respeito à classe trabalhadora foi o arrocho salarial sofrido. Em outras palavras, durante o regime civil-militar a classe trabalhadora não teve reajustes equivalentes à inflação do mesmo período, o que significava perda salarial constante. Diante da truculência do Estado, as organizações trabalhistas foram recuando, sendo os últimos grandes movimentosde greve as ocorridas em Osasco e Contagem, em 1968. Apenas ao final dos anos 1970 que o movimento trabalhista se fortaleceu, em especial na região do ABC e nos setores metalúrgicos, que iniciaram um movimento de luta por melhores condições de salários frente ao capital e contribuíram sobremaneira para o processo da abertura democrática brasileira nos anos seguintes. TEMA 5 – A CRISE DO SINDICALISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Por que podemos falar em crise do sindicalismo? Essa crise é só brasileira? Para responder a essas duas perguntas devemos nos debruçar sobre as transformações ocorridas na forma de organização do trabalho engendradas a partir dos anos 1970 em função da crise de acumulação do capital vivenciada no mesmo período. Para compreendermos esse processo, não basta analisarmos apenas a história brasileira, pois se trata de um movimento do capitalismo como um todo. Portanto, a crise do sindicalismo não é apenas brasileira, ela é mundial. De toda forma, importa reprisar que a crise no Brasil aparece com suas particularidades históricas. 6 As alterações na forma de organização do trabalho com a introdução das novas tecnologias no processo produtivo e da automação proporcionaram aos setores industriais o aumento de sua produtividade diminuindo o contingente de trabalhadores. Esse movimento, somado à flexibilização do trabalho e à desregulamentação das leis trabalhistas, proporciona o crescimento de um contingente de trabalhadores informais, bem como o aumento do número de desempregados. Nesse cenário mundial e nacional há o enfraquecimento das representações sindicais e sua capacidade de endurecimento frente ao capital, pois o crescente desemprego, bem como a redução das ações do Estado em políticas para a garantia de direitos fomentam a insegurança na classe trabalhadora e, assim, provocam seu recuo político. Vemos, pois, que há uma série de elementos que devem ser levados em consideração para a compreensão do processo de crise o qual o sindicalismo brasileiro vem enfrentando no Brasil nas últimas décadas. NA PRÁTICA No Brasil contemporâneo existem diferentes centrais com diferentes propostas de ações políticas, como, por exemplo, a Central Sindical e Popular (CONLUTAS), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical. Faça uma pesquisa buscando diferenciar essas centrais de trabalhadores, destacando os elementos em comum em suas lutas e as posturas divergentes. Após ter realizado a pesquisa sobre tais centrais sindicais do país, busque uma notícia de jornal que trate de um acordo e/ou ação executada por um sindicato. Avance em suas investigações, descobrindo a qual central sindical a instituição noticiada está associada. Com base nessas descobertas, analise em que medida sua postura se coaduna com a da central vinculada. Ao realizar esta proposta de atividade o aluno terá condição de compreender de que maneira os sindicatos atuam no cotidiano e como suas ações estão articuladas com propostas políticas oriundas das centrais e, portanto, como as ações dos sindicatos estão articuladas a outras instituições representativas. 7 FINALIZANDO Nesta aula buscou-se demonstrar parte da história do movimento trabalhista no Brasil, em especial ao longo do século XX, período no qual a classe trabalhadora assalariada efetivamente se formou e se desenvolveu. Vimos que, no começo do século, os sindicatos surgem como espaços de lutas e reivindicações autônomos, mas que logo na década de 1920 a sua institucionalização contribui para uma composição mais assistencialista e menos combativa. Na verdade, temos nesse processo de institucionalização um dilema enfrentado pelas organizações da classe trabalhadora como um todo, pois os espaços institucionalizados são importantes na disputa pela hegemonia e na contraposição à burguesia e aos seus interesses, no entanto, quando as organizações privilegiaram estes espaços, elas se afastaram da classe trabalhadora e burocratizaram-se. Essa, por exemplo, é uma das críticas recentemente feitas tanto aos partidos vinculados à classe trabalhadora na sociedade brasileira contemporânea como aos sindicatos. De toda forma, podemos observar que o século XX foi um século de luta organizada pela classe trabalhadora, apesar de podermos apontar momentos nos quais as organizações foram mais ou menos atuantes. 8 REFERÊNCIAS ANTUNES, R. O que é sindicalismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. _____. Crise e poder. São Paulo: Cortez, 1986. CHINAZZO, S. S. R. Epistemologia das ciências sociais. Curitiba, InterSaberes, 2013. KIELING, F. dos S. Ciências sociais nas organizações. Curitiba: InterSaberes, 2012. MONTAÑO, C.; DURIGUETTO, M. L. Estado, classe e movimento social. São Paulo: Cortez, 2011. MULLER, C. Teoria dos movimentos sociais. Curitiba: InterSaberes, 2013. SANTANA, M. A. Mundo em Transe. Revista Sociologia – especial., São Paulo, ano I, n. 3, p. 48-55, 2017.