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Crime político • o que é crime político? • qual criminoso político terá o benefício da exceção à extradição por motivo político? O caso Cesare Battisti Contexto 1. Anos 1970. Onda de terror assolava a península italiana: durante pouco mais de uma década, grupos radicais de esquerda e de direita promoveram, numa guerra que mantinham entre si e contra o Estado italiano, ações de extrema violência, que iam de atentados a bomba, roubo e assassinatos até lesão corporal e sequestro de pessoas. 2. O italiano Cesare Battisti foi condenado em seu país à prisão perpétua por quatro homicídios, cometidos naquela época e naquele contexto, em que ele aparece como membro de uma organização política denominada Proletários Armados para o Comunismo (PAC). 3. Condenado à revelia pela justiça italiana, Battisti viveu na França, onde obteve asilo político, direito que, mais tarde, perderá, quando, então, fugirá para o Brasil. 4. O governo italiano requer às autoridades brasileiras a extradição de seu nacional O tratado de extradição com a Itália e o caso Battisti Artigo I "cada uma das Partes obriga-se a entregar à outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal." Questão: será Battisti o criminoso político a que se refere o tratado de extradição celebrado com a Itália? 1. Battisti solicita o reconhecimento da condição de refugiado político 2. solicitação negada pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare). Em documento de 16 páginas, alegou-se, em síntese, que • a justiça italiana era democrática e respeitava os direitos humanos; • que não havia nexo causal entre a perseguição alegada por Battisti e o pedido de refúgio; e • que não lhe caberia, ao Conare, entrar no mérito das acusações. O Conare é composto por: 1. Ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, do Trabalho e do Emprego, da Saúde, da Educação, 2. Departamento da Polícia Federal, 3. por organização não-governamental que se dedica a atividades de assistência e de proteção do refugiado no país e 4. pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, com direito a voz, porém sem voto. Recurso: amparado na Lei 9.474/97, que define os mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, Battisti recorreu ao Ministro da Justiça contra a decisão do Conare, e o recurso obteve provimento. Resultado: sua condição de refugiado foi reconhecida, e isso, nos termos do art. 33, daquele diploma legal, obstaria "o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio” Justificativa para o provimento do recurso apresentada pelo MJ Jurisprudência italiana. Primeiro Tribunal do Júri de Apelação de Milão. "26. [...] um só projeto criminoso, instigado publicamente para a prática dos crimes de associação subversiva constituída em quadrilha armada, de insurreição armada contra os poderes do Estado, de guerra civil e de qualquer maneira, por terem feito propaganda no território nacional para a subversão violenta do sistema econômico e social do próprio País" • citou manifestação de Francesco Cossiga (ex-Presidente da Itália), para quem "os crimes que a subversão de esquerda e a eversão de direita cumpriram são certamente crimes, mas não certamente 'crimes comuns', porém 'crimes políticos'." (para. 28); • citou Francisco Rezek, que define o crime político como uma afronta a "uma forma de autoridade assentada sobre ideologia ou metodologia capaz de suscitar confronto além dos limites da oposição regular num Estado democrático" (para. 29); e • referiu-se ao fato de que "a mudança de posição do Estado francês, que havia lhe conferido guarida como militante político de extrema esquerda, foi o único motor de seu deslocamento para o Brasil" (para. 34). • qualificar alguém como criminoso político é ato soberano do Estado; que o caráter humanitário "perpassa o refúgio, implicando o princípio in dubio pro reo: na dúvida de reconhecimento deverá inclinar-se a favor do solicitante do refúgio"; Em resumo: 1. ao interpretar o tratado de extradição, o MJ partiu do pressuposto que compete exclusivamente ao Estado nacional definir o conceito de crime político; 2. em seguida, avaliou o contexto histórico de Estado estrangeiro, qualificou suas normas, rotulando-as normas de exceção, e afirmou que o extraditando foi por elas atingido 3. lançou mão de argumentos de autoridade 4. se, quanto a isso tudo, o Estado nacional não tiver certeza, terá pelo menos dúvidas que lhe permitem dar provimento ao recurso Síntese do argumento ministerial Embora seja um Estado democrático de direito, a Itália foi palco de turbulências políticas e de ações praticadas por um poder clandestino. Num cenário como esse, foram adotadas justificadamente medidas de exceção. Battisti sentiu os efeitos dessas medidas, materializadas em certos procedimentos e tipos penais específicos. Definição de crime político Trecho do relator do processo, Min. Cesar Peluso: "Não ignoro que a extrema violência ou a excepcional crueldade que envolveu os crimes comuns atribuídos ao extraditando, por si sós, não teriam força para deferimento do pedido, se, tendo por vítimas outras pessoas, houvessem sido produto de uma ação política concebida em ambiente de luta aberta contra regime totalitário, seja no contexto de uma comoção ou rebelião política, seja no de uma guerra civil, seja em circunstâncias análogas" (fls. 142) Elementos do conceito de crime político implícito nessa concepção • motivo da ação: político • alvo: regime totalitário Ação política Crimes políticos: infrações contra a organização e funcionamento do Estado. Não entram nessa definição as infrações contra grupos sociais (p.ex.: ataque a minorias étnicas promovido por membros de outros grupos sociais, ou a maioria ou outra minoria étnica) Alvo: regime totalitário • Não entram nessa definição, as ações criminosas, politicamente motivadas contra um Estado democrático. • Numa democracia, as ações criminosas politicamente motivadas contra o Estado serão tratadas como: • terrorismo ou • crime comum com agravantes • Nem um, nem outro têm direito à exceção à extradição. Um grupo de extrema direita que atenta contra o Estado democrático será visto como terrorista, assim como serão vistos como terroristas os movimentos separatistas nas repúblicas democráticas. Sob a perspectiva dos valores da ordem democrática, as demandas de Battisti poderiam ter sido feitas pelos canais da democracia e do sistema italiano. Nada há que justifique o recurso à violência. Se tivermos o Estado democrático como referência, será possível diferenciar entre crime político puro e crime político misto crime político puro: ato regulamentado numa democracia, porém reprimido num regime autoritário (greve, manifestação do pensamento). Esse é o tipo de criminoso político que se procura beneficiar com a exceção da extradição: o jornalista, o escritor, o artista etc. crime político misto: crime comum praticado com motivação política contra regime autoritário. Síntese de crime político sob a perspectiva de um regime democrático 1. crimes políticos são aquelas infrações cometidas contra o Estado 2. tipos de crime político • anistiáveis ou com benefício da exceção à extradição • não anistiáveis e sem o benefício da exceção à extradição 3. crimes políticos anistiáveis ou com o benefício da exceção à extradição • crime político puro cometido contra Estado autoritário • crime político misto cometido por motivação política 4. crimes políticos não anistiáveis e sem o benefício da exceção à extradição • os crimes hediondos • todas as infrações que excedamos limites lícitos do ataque e da defesa • o crime de genocídio • os crimes com vítimas inocentes Decisão do STF • Battisti é extraditável, e o presidente da república está autorizado a atender a solicitação italiana; • a decisão final de extraditar ou não é do presidente, que poderá decidir de acordo com seu interesse, conveniência e oportunidade. Contradição Se Battisti é extraditável, significa que ele não tem a condição de criminoso político no sentido pretendido pelo tratado de extradição. Por que deveria o presidente da república ter o poder de reconhecer-lhe a condição de perseguido político, se o judiciário já decidiu que Battisti não tem essa condição?
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