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LLPT_TopicosdeLiteraturaPortuguesa_impresso-5

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Eis aí, em linhas muito sumárias, a trágica vida de Dona Inês de Castro, 
que “depois de morta foi rainha”, nas palavras de Luís de Camões. Mas isso 
não é tudo, por trás do que já foi relatado há também uma história de amor 
que marcou a literatura e as artes de Portugal e toda a Europa. Uma história 
que desempenhou um importante papel na modelagem do espírito 
português, de sua identidade nacional, num processo em que ao fato 
histórico foram sendo agregados detalhes, situações e desdobramentos 
criados por artistas e pela imaginação popular, constituindo assim um mito 
que acabou maior e mais interessante que a personagem histórica 
propriamente dita. Para entender esse processo, devemos conhecer a história 
e a formação do mito de Inês de Castro. 
A HISTÓRIA
Inês de Castro nasceu na Galícia, como já foi dito, entre 1320 e 1325, filha natural 
de Pedro Fernandes de Castro, um alto funcionário do trono espanhol e também de 
ascendência bastarda (como se vê, era algo recorrente na aristocracia da época).
Apesar da bastardia, Inês cresceu no seio de uma família nobre e rica, e na 
juventude tornou-se dama de companhia de sua prima, D. Constança Manuel, uma 
nobre espanhola de uma importante família. Tão importante, que Constança 
simplesmente tornou-se a esposa do príncipe herdeiro português, D. Pedro. E aqui entra 
um personagem fundamental desta história.
O infante D. Pedro, filho de Afonso IV, um notável monarca dos primórdios da 
história portuguesa, ao conhecer a dama de companhia de sua esposa, a bela Inês, 
apaixonou-se perdidamente por ela. O príncipe, como era de se esperar, foi 
correspondido pela nobre galega, e tornaram-se amantes. O relacionamento amoroso 
deles era tão intenso e aberto que provocou a desaprovação da corte. Quando Constança 
concebeu seu primeiro filho com D. Pedro, convidou Inês para ser madrinha, pois pelas 
leis canônicas a relação carnal entre pais e madrinhas era considerada incestuosa. 
Parece que a artimanha não funcionou muito bem, já que o rei Afonso decidiu expulsar 
Inês da corte e exilá-la num castelo próximo da fronteira com a Espanha.
Mesmo separados, Pedro e Inês continuaram se comunicando e mantiveram aceso 
o forte sentimento que os ligava. Foi quando uma fatalidade permitiu o retorno de Inês 
e a continuação de seu affair com o príncipe: ao ter seu terceiro filho (e futuro rei 
português, após Pedro), Constança morreu. Viúvo, o herdeiro do trono de Portugal 
sentiu-se livre para manter Inês a seu lado, até com a possibilidade de torná-la sua 
esposa.
No entanto, o rei, os fidalgos da corte e a opinião pública da época não pensavam 
da mesma forma. A fim de evitar conflitos, Pedro levou Inês para Coimbra, onde fixou 
residência num belo palacete, o Paço de Santa Clara, construído pela avó de Pedro, a 
Rainha Santa — uma decisão que foi considerada como uma provocação! O escândalo 
que a situação causava era crescente, com a desaprovação tanto da nobreza quanto do 
povo em geral.
No entanto, essa febre de moralidade e bons costumes que se abatera sobre o país 
tinha uma fundo político inconfessável. Inês, mesmo sendo filha ilegítima, pertencia a 
uma família poderosa na Espanha, os Castros, e seus irmãos haviam também 
conquistado o afeto e a confiança de D. Pedro. Afirma-se que tais irmãos teriam 
convencido Pedro a se casar com Inês e, em razão do pai da moça ser de linhagem real 
espanhola, exigir o trono da Espanha, unificando assim os dois países.
A ideia repugnava o rei Afonso e a maioria da nobreza, que viam em semelhantes 
conluios a possibilidade de Portugal submergir dentro da Espanha, perdendo sua 
autonomia e identidade. Os espanhóis construíam na época uma poderoso reino, de 
grande força militar e sentimento de unidade. Não seria Portugal a anexar a Espanha, e 
sim o contrário.
O rei, procurando afastar o filho de Inês e, por tabela, de seus insidiosos irmãos, 
tenta convencê-lo a se casar de novo com uma aristocrata de família real, mas a tática 
não funciona. O esperto Pedro se esquiva da sugestão, alegando que permanecia 
enlutado e não havia ainda esquecido a “amada” Constança. Era o que dizia o príncipe.
Em meio a esse embate, nossa Inês teve nada menos que quatro filhinhos com D. 
Pedro. O primeiro morreu ainda pequeno, mas os outros cresciam muito saudáveis. Já o 
legítimo herdeiro do trono lusitano, o infante Fernando, cujo nascimento levará à morte 
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