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Crônica de D. Pedro I [1]
dinamismo narrativo. Em seus textos surge o povo em suas multifacetadas 
manifestações, chegando mesmo ao protagonismo em algumas ocasiões. Seu 
estilo é bastante coloquial e direto, em que por vezes o narrador chega 
mesmo a dialogar com o leitor.
Boa parte da produção de Fernão Lopes se perdeu, havendo sobrevivido 
entre outras obras a Crônica d’el-rei D. Pedro I, na qual se registram 
algumas das passagens da história de D. Inês de Castro. Um dos trechos mais 
impactantes relata o suplício e a execução de dois dos conselheiros que 
participaram da morte de Inês:
A Portugal foram trazidos Alvaro Gonçalves e 
Pero Coelho, e chegaram a Santarem, onde el-rei era. 
El-rei, com prazer de sua vinda, porém mal magoado 
porque Diogo Lopes fugira, os saiu fóra a receber, e, 
sanha cruel, sem piedade os fez por sua mão metter a 
tormento, querendo que lhe confessassem quaes 
foram na morte de Dona Ignez culpados, e que era 
que seu padre tratava contra elle, quando andavam 
desavindos por azo da morte d'ella. E nenhum d'elles 
respondeu a taes perguntas cousa que a el-rei 
prouvesse.
E el-rei, com queixume, dizem que deu um açoute 
no rosto a Pero Coelho, e elle se soltou então contra 
el-rei em deshonestas e feias palavras, chamando-lhe 
traidor, á fé perjuro, algoz e carniceiro dos homens. E 
el-rei, dizendo que lhe trouxessem cebola, vinagre, e 
azeite para o coelho, enfadou-se d'elles, e mandou-os 
matar.
A maneira de sua morte, sendo dita pelo miudo, 
seria mui estranha e crua de contar, cá mandou tirar o 
coração pelos peitos a Pero Coelho, e a Alvaro 
Gonçalves pelas espaduas. E quaes palavras houve e 
aquelle que lh'o tirava, que tal officio havia pouco em 
costume, seria bem dorida cousa de ouvir. Emfim, 
mandou-os queimar. E tudo feito ante os paços onde 
elle pousava, de guisa que comendo olhava quanto 
mandava fazer. (Capítulo XXXI.)
Mantivemos a ortografia da edição de 1895. Há nesse registro um jogo 
entre um ambiente de tortura e uma situação doméstica. Lopes intercala um 
pedido banal de temperos feito pelo rei em meio a tormentos, injúrias e 
muita dor, brincando com a palavra coelho, que tanto é a carne que come o 
rei, quanto é o nome do torturado, Pero Coelho. Com isso ele prepara o 
desfecho da cena, revelando que a execução foi apreciada pelo monarca 
durante sua refeição, como num piquenique se acompanha um jogo ou uma 
brincadeira. O cronista enfatiza assim o grau de crueldade e desprezo pela 
vida humana demonstrado por D. Pedro. É importante notar ainda que a 
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