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Respostas_cientificas_para_enunciados_picaretas

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© 2021 por N1 Tecnologia Comportamental 
Capa: Andre Luiz 
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total 
ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem o 
prévio consentimento, por escrito, da N1 Tecnologia 
Comportamental. A violação dos direitos de autor (Lei 
no9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. 
 
N1 Tecnologia Comportamental 
Curitiba – PR 
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41 991 331 216 
contato@n1tc.com.br 
 
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mailto:contato@n1tc.com.br
5 
 
A COISA MAIS PRECIOSA 
Apesar de sua preciosidade, o conhecimento científico não chega a todos, 
sendo muitas vezes restrito a cientistas e acadêmicos. Um conhecimento 
acumulado, cheio de soluções para os problemas do mundo, mas preso 
em bibliotecas físicas e virtuais, inacessíveis a grande parcela da 
população devido a seus custos de acesso e/ou linguagem hermética. 
Esta obra tem o objetivo de enfrentar este problema e ser amplamente 
acessível. Os autores, revisores e organizadores renunciaram a um 
potencial retorno financeiro em troca de tornar a obra gratuita e acessível. 
A versão digital desta obra é totalmente grátis e a versão impressa terá 
o custo apenas de impressão e logística, nada mais. 
Você pode contribuir fazendo uma doação de qualquer valor a partir do 
QRcode ou ChavePix a seguir. 
 
Chavepix: editora@n1tc.com.br 
Todo o valor será utilizado para a elaboração de novas obras de 
divulgação científica, para que o máximo de pessoas se beneficiem do 
conhecimento científico e seus benefícios. 
Sem a ciência, a tomada de decisão é como um tiro enviesado no escuro. 
Scott Geller 
mailto:editora@n1tc.com.br
6 
 
 
7 
 
PREFÁCIO 
Após ouvir a palavra “crítica”, muitas pessoas já começam a 
mudar o humor e encaram qualquer coisa que vier a partir dali como uma 
briga, uma discussão ou até mesmo como falta de educação. E há quem 
diga que ao verbalizar sua crítica sobre determinado assunto você não 
está desrespeitando a opinião dos demais. Entretanto, a crítica é apenas a 
nossa capacidade de examinar e avaliar minuciosamente alguma coisa, 
seja ela uma produção artística, literária ou científica. Por exemplo, ao 
examinarmos informações científicas (ou ditas científicas), precisamos 
utilizar o nosso pensamento crítico para verbalizar argumentos críticos. 
Uma discussão científica não pode ser baseada em opiniões pessoais, 
crenças, espiritualidade, achismos ou falácias. Infelizmente, não é o que 
acontece, pois facilmente encontramos diversos “enunciados picaretas” 
abundantes em falácias que possuem o objetivo de enganar pessoas com 
total ausência de pensamento crítico. 
Será que este é o momento que seu hipocampo e seu córtex 
cerebral começam a se movimentar para tentar lembrar algum “enunciado 
picareta” que você viu por aí? Não se preocupe! Eu vou te ajudar a 
lembrar de um: 
“A prática que estudo é milenar (falácia ad antiquitatem), já foi 
utilizada por milhões de pessoas (falácia ad populum) ao longo do mundo 
e funciona a partir de ingredientes naturais (falácia ad naturam). Tenho 
certeza que as pessoas que criticam não a estudaram o suficiente (falácia 
8 
 
ad hominem) ou não estudaram com os verdadeiros mestres (falácia do 
escocês de verdade).” 
É incrível que em poucas linhas conseguimos identificar cinco 
falácias, porém o mais triste é saber que a maioria da população 
conseguiria identificar um total de zero falácias. Por que isso acontece? 
Porque as falácias são construídas a partir de narrativas inconscientes, 
com o objetivo de confundir e enganar o receptor da informação. As 
informações falaciosas parecem verdadeiras, parecem corretas, mas na 
verdade possuem falhas, tornando-as falsas. A origem do termo falácia, 
vem do latim “fallacia” que significa aquilo que engana ou ilude. 
Devemos adicionar ao problema, o fato de que grande parte da população 
brasileira (e mundial, ouso dizer) não é ensinada a pensar de forma crítica 
e não aprende metodologia científica na educação básica. 
Aqui, vamos ativar mais uma vez nossa memória: lembra quando 
você estava na escola e sua professora propunha debates? Que tipo de 
debates eram esses? Eram debates com argumentações baseadas em 
evidências científicas e fatos ou debates onde a turma era dividida em 
dois grupos (contra e a favor) e cada um deveria expor suas opiniões? A 
professora geralmente lançava perguntas simples, que de fato são 
baseadas em opiniões, como por exemplo: “O que você acha do uso de 
uniforme nas escolas?”, “O que você acha sobre comer sorvete no 
inverno?” até perguntas que não são opinativas como: “O que você pensa 
sobre vacinas?”, “Você acha que a Terra é plana?”, etc. O ponto é que a 
maioria de nós aprendeu a debater um tópico baseado nas nossas próprias 
9 
 
opiniões, crenças e no nosso próprio viés. Esse comportamento de debate 
não é exclusivo das escolas, a grande mídia repete esse comportamento 
diariamente. Acredito que você já deve ter encontrado em jornais a 
famosa “coluna de opiniões”, onde pessoas leigas respondem perguntas 
científicas sem nenhum tipo de conhecimento técnico-científico. 
Também encontramos esse falso debate em documentários e reportagens 
sobre diversos assuntos, onde um tópico polêmico é escolhido e a mídia 
apresenta os dois lados da moeda. Por exemplo, existe um documentário 
famoso em uma grande plataforma de streaming que critica diversas 
terapias alternativas e mostra que a indústria do bem-estar é bilionária e 
pode causar diversos danos. Entretanto, a cada episódio eles apresentam 
o lado bom e o lado ruim do tema, ou seja, o espectador ao final do 
programa fica com aquela pulguinha atrás da orelha: “Talvez seja bom, 
pois várias pessoas estão dizendo que foram curadas. Se bem não faz, mal 
também não faz.”. E aqui é onde mora o perigo, pois o programa não 
deixa claro que o “lado bom” é baseado em evidências (ou experiências) 
anedóticas e não em evidências científicas ou fatos concretos. As 
evidências anedóticas são um recurso narrativo utilizado nos “enunciados 
picaretas”, onde alguém diz o quão maravilhosa uma prática alternativa é 
e que ela se curou ou alguém que ela conhece se curou, mas não apresenta 
nenhum tipo de evidência de que aquilo é de fato algo legítimo. 
Nosso cotidiano está cercado de afirmações falaciosas, evidências 
anedóticas e falta de pensamento crítico. Esse é o cenário perfeito para 
que diversos picaretas se aproveitem de pessoas em estado de 
10 
 
vulnerabilidade e desespero, prometendo uma solução milagrosa para 
diversos problemas. Acrescentamos a catástrofe, órgãos públicos e 
conselhos de classe que recebem centenas ou milhares de denúncias por 
ano, mas não possuem uma estrutura para avaliá-las e tomar as devidas 
medidas. É importante frisar que esses locais também não estão livres de 
pessoas que acreditam nos discursos falaciosos e anti-científicos. Nosso 
papel como cientistas, divulgadores científicos e/ou defensores das 
práticas baseadas em evidências científicas é o de promover iniciativas 
com o objetivo de educar o público leigo. Nosso papel não é “converter” 
ninguém e sim informar o público leigo que está em busca de informações 
científicas e confiáveis. Precisamos também lutar por uma melhor 
educação básica, por uma educação científica em todos os estágios de 
nossa formação acadêmica e por investimos no campo científico. A 
mudança é morosa, mas ela vai acontecer se todos nós estivermos juntos 
em busca de um único objetivo: práticas baseadas em evidências 
científicas que possam ajudar o ser humano de forma eficiente e segura. 
 
Gabriela Bailas, PhD em Física Teórica de Partículas 
Pesquisadora na Universidade de Tsukuba no Japão 
Criadora e divulgadora científica no canal Física e Afins 
(YouTube) e no Instagram @bibibailas11 
 
SUMÁRIO 
 
Ciência, o melhor remédio contra a picaretagem..............................11 
 
As ilusões dos tratamentos pseudocientíficos....................................29 
 
As escolhas que você acredita ter feito foram escolhas do seu 
cérebro?...................................................................................................61 
 
O aluno tem que focar? A escola, o aluno e a desigualdade em 
tempos de pandemia.............................................................................93 
 
A falsa dicotomia entre os seres humanos e os outros animais: qual 
o nosso papel na grande História da Vida?.......................................113 
 
Salve o mundo com Ciência do Comportamento.............................139 
 
12 
 
 
13 
 
Capítulo 1 
 
 
 
14 
 
Ciência, o melhor remédio contra a picaretagem. 
Paulo Guerra Soares1; Carlos Eduardo Costa2; Alexandre Dittrich3 
1Núcleo Evoluir 
2Universidade Estadual de Londrina 
3Universidade Federal do Paraná 
 
Você já deve ter, em algum momento da sua vida, procurado a 
ajuda de um médico. Isso pode ter acontecido quando você estava se 
sentindo enjoado, febril ou mesmo quando sofreu aquela contusão 
muscular durante uma partida de futebol com os amigos. O médico, após 
examiná-lo, pediu exames, receitou algum remédio ou aconselhou que 
você ficasse de repouso. Ao seguir as orientações do médico, 
provavelmente houve uma melhora no seu quadro de mal estar. 
 Por que as pessoas doentes não procuram com maior frequência 
um xamã, um pajé, uma benzedeira? Afinal de contas, existem os mais 
diversos tipos de “curandeiros” por aí, que prometem resoluções rápidas 
e eficientes contra as maiores adversidades. No entanto, as pessoas, de 
maneira geral, costumam procurar a ajuda dos médicos quando sua saúde 
não vai bem1. Por que elas fazem isso? Seriam os médicos milagreiros? 
Qual o “poder” especial que essas pessoas possuem? 
A resposta não está em milagres ou qualquer poder sobrenatural. 
As pessoas procuram médicos porque a medicina funciona! Pelo menos, 
funciona mais que suas alternativas. Vacinas, antibióticos, antialérgicos, 
exames de imagem e procedimentos cirúrgicos cada vez mais minuciosos 
têm permitido que as pessoas que procuram os médicos possam continuar 
vivendo as suas vidas com qualidade. Funcionar, nesse caso, independe 
da opinião das pessoas. Alguém pode achar que dipirona não é eficiente 
para diminuir a temperatura corporal, mas um simples teste desmentiria 
 
1 Algumas pessoas podem até recorrer a estes “curandeiros” com alguma frequência. 
Entretanto, acreditamos que mesmo essas pessoas não deixam de consultar um médico 
paralelamente, especialmente se o quadro clínico for grave. Se não o fazem, bem... 
Elas podem ficar em maus lençóis! 
15 
 
esta pessoa no ato! A medicina funciona porque, diferente de muita 
picaretagem por aí, utiliza os preceitos da ciência para lidar com seu 
objeto de estudo. 
As pessoas confiam na ciência. A pesquisa Wellcome Global 
Monitor (2019) entrevistou milhares de pessoas em diversos países do 
mundo e descobriu que 72% delas confiam, em algum grau, na ciência e 
nos cientistas. As pessoas não apenas procuram médicos, psicólogos, 
dentistas ou fisioterapeutas. Elas utilizam, diariamente, muitos dos 
produtos da ciência. Telefones celulares, Internet, viagens de avião, 
previsão do tempo, sistemas de segurança - tudo produto da ciência2! 
Sabemos muito sobre o universo por causa do conhecimento produzido 
pela ciência, mas sabemos muito mesmo. Ela tem sido muito útil para 
lidarmos com os nossos problemas, desde os mais simples até os mais 
complexos. Mas será que a ciência é a única forma de conhecer o mundo? 
Só a ciência funciona? A resposta para ambas as perguntas é não. 
Existem, sim, outros tipos de conhecimento. Vamos analisar alguns deles 
a seguir. 
 
O senso comum 
É provável que um trabalhador rural saiba exatamente a melhor 
época do ano para se plantar milho. Ele nunca realizou nenhum 
experimento para saber isso. Talvez tenha aprendido com o pai dele, que 
teria lhe dito (ensinado) como fazer; talvez tenha aprendido fazendo e 
lidando com as consequências daquilo que fazia – ou ambos. O mais 
importante é que ele sabe, e isso basta. Alguns ditados populares também 
podem ser bastante úteis. Quando as pessoas dizem que “a pressa é 
inimiga da perfeição”, querem ensinar que é importante, em determinadas 
tarefas, termos paciência e perseverança. Se tentarmos apressar o 
processo, os resultados podem não ser tão efetivos. 
 
2 Estes produtos práticos da ciência são conhecidos como tecnologia. 
16 
 
Os exemplos do trabalhador rural e dos ditados populares são 
amostras de um segundo tipo de conhecimento: o senso comum, o 
conhecimento popular. Podemos dizer que o senso comum consiste em 
um conjunto de crenças e opiniões, essencialmente de caráter prático 
(uma vez que procura resolver problemas cotidianos), geralmente aceitas 
e compartilhadas por muitas pessoas. Ele é diferente do conhecimento 
científico, mas, em muitos casos, pode ser útil e ajudar as pessoas a 
lidarem com problemas do dia a dia – pode funcionar! As pessoas fazem 
café e atravessam uma rua sem recorrer à química e a cálculos complexos 
da física e movimento dos corpos. 
Assim, podemos definir o conhecimento do senso comum como 
assistemático, superficial, sensitivo e subjetivo (Lakatos & Marconi, 
2006; Marconi & Lakatos, 2004). Muito do que conhecemos sobre as 
coisas a partir do senso comum tem a ver com as nossas próprias 
experiências, impressões, valores e julgamentos sobre o mundo. A 
ciência, por outro lado, é um empreendimento diferente. Ela se preocupa 
com a acumulação sistemática de evidências sobre um determinado 
objeto para que possamos formular afirmativas gerais – teorias – que 
possam ser verificadas. O conhecimento científico deve ser obtido por 
meio de procedimentos que possam eliminar fontes de erro conhecidas. 
O que o diferencia o senso comum da ciência é o modo de formular e 
responder perguntas. Em outras palavras, o método. Os ditados 
populares, embora sejam derivados da experiência cotidiana das pessoas, 
não são resultado da acumulação sistemática e metódica de evidências. 
Portanto, não existe uma teoria científica que os sustente. 
Sim, nós podemos querer que os ditados sejam verdade. Podemos 
acreditar neles. No entanto, estas crenças estão baseadas nas nossas 
experiências pessoais e precisamos tomar cuidado porque elas não 
funcionam em todos os contextos. Vejamos alguns ditados populares que, 
na verdade, são contraditórios: Seguro morreu de velho/Quem não arrisca 
não petisca; É de pequenino que se torce o pepino/Pau que nasce torto, 
17 
 
morre torto; Não deixe para amanhã, o que você pode fazer hoje/Não 
ponha a carroça na frente dos bois; Cavalo dado não se olha os 
dentes/Quando a esmola é grande, o santo desconfia. Podemos viver 
situações em que ora um provérbio se encaixa, ora outro. O mais 
interessante é que, geralmente, os provérbios são usados depois que as 
coisas acontecem. 
As descobertas da ciência muitas vezes produzem conclusões 
muito diferentes daquilo que conhecemos no senso comum. Como diria 
o psicólogo estadunidense B. F. Skinner em seu livro Ciência e 
Comportamento Humano, “os experimentos [científicos] nem sempre 
dão o resultado que se espera, mas devem permanecer os fatos e perecer 
as expectativas. Os dados, não os cientistas, falam mais alto” (2003, p. 
13). 
 
A religião 
Outro tipo de conhecimento – bem arraigado em nossa cultura – é 
o conhecimento religioso. As religiões possuem teorias elaboradas que 
explicam desde a criação do universo até o que acontece após a morte. Já 
ouviu falar em criacionismo? O criacionismo é um exemplo de 
conhecimento baseado na crença religiosa, aceito e difundido atualmente 
por muitas pessoas. De acordo com a Stanford Encyclopediaof 
Philosophy (Ruse, 2021), os criacionistas judaico-cristãos acreditam que 
o nosso universo foi criado em seis dias (no sétimo dia, o suposto Criador 
teria descansado). Deus, o Criador, teria moldado – do nada – a terra, os 
céus, o dia e a noite, os seres humanos, os animais e as plantas. Alguns 
criacionistas afirmam que a Terra tem pouco mais de seis mil anos de 
idade, baseados em um livro publicado em 1658 pelo Arcebispo James 
Ussher chamado The Annals of the World. Muitas pessoas acreditam que 
este Deus seria capaz de influenciar, de alguma forma, as coisas que 
acontecem na Terra. Você já deve ter escutado a expressão “graças a 
Deus” alguma vez na sua vida. 
18 
 
O conhecimento religioso, nesse sentido, possui um caráter 
sagrado, valorativo e infalível. O conhecimento religioso é baseado na 
crença, na fé. Não existem evidências científicas que sustentem que o 
universo tenha sido criado em seis dias ou que possua aproximadamente 
seis mil anos. Os cristãos acreditam nisso, muito provavelmente baseados 
em alguma passagem da Bíblia, um livro de verdades inquestionáveis. 
Não existe, para as religiões, a necessidade de explicação científica dos 
fenômenos. A maioria de suas afirmações é produto da fé. Provas de que 
Deus existe? Não são necessárias – é uma questão de crença. Não há 
necessidade de acumulação de evidências empíricas para sustentar 
qualquer conhecimento. Na verdade, a fé é mais exaltada nas religiões do 
que o ceticismo3. Jesus teria dito a Tomé “Porque me viste, creste? Bem-
aventurados os que não viram e creram” (João 20:29). Na ciência, o 
ceticismo é uma virtude maior. 
Na maioria das vezes, o conhecimento religioso não provoca 
nenhum tipo de consequência mais severa. No entanto, algumas 
“verdades” do conhecimento religioso – lembre-se, produto de crenças – 
podem ser perigosas. Por exemplo, a Bíblia afirma que Deus transmitiu a 
seguinte lei a Moisés: “Qualquer homem da casa de Israel ou dos 
estrangeiros que peregrinam entre vós, que comer algum sangue, contra 
ele me voltarei e o eliminarei do seu povo” (Levítico 17:10). Alguns 
religiosos, como as Testemunhas de Jeová, costumam levar esse tipo de 
afirmação ao pé da letra, recusando-se, por exemplo, a realizar e receber 
transfusões de sangue – um ato que poderia até salvar a vida de alguém! 
O objetivo desta discussão não é causar um conflito entre ciência e 
religião. Estamos apenas contrapondo a origem das afirmações religiosas 
 
3 Ceticismo será tomado aqui como a prática de questionar se uma afirmação está 
sustentada em pesquisa empírica e se é reproduzível. Usaremos o termo “cético” para 
designar aquelas pessoas que duvidam de tudo que não está provado de maneira 
evidente. 
19 
 
(crença, fé) e as origens do conhecimento científico (evidências empíricas 
e sistemáticas). 
O que são essas evidências empíricas e sistemáticas e por que elas 
são tão importantes? Vamos tomar como exemplo a origem do da vida na 
Terra. Por que a ciência não sustenta a visão religiosa, de que Deus foi o 
responsável pela origem da vida? Porque que as evidências apontam para 
outra direção! 
Evidências empíricas são fatos que podem ser confirmados pela 
observação. Vamos examinar, então, alguns desses fatos. A teoria mais 
aceita hoje sobre a origem da vida na Terra é a teoria da evolução por 
seleção natural, proposta por Charles Darwin em seu livro A Origem das 
Espécies, de 1859. Entre 1831 e 1836, Darwin viajou por diversos países 
a bordo do navio Beagle e, durante esta expedição, observou algumas 
características interessantes em alguns animais, especialmente aqueles 
que viviam em diferentes ilhas do arquipélago de Galápagos, no Equador. 
Darwin observou que existia pequenos pássaros chamados tentilhões, no 
arquipélago todo e no continente próximo. Todavia, eles se diferenciavam 
por uma característica: o bico. Havia tentilhões com bicos mais curtos e 
duros, e outros mais compridos e finos, por exemplo4. Darwin começou 
a se questionar: por que tantas espécies de pássaros em um ambiente tão 
próximo? Ao retornar para a Inglaterra, ele começou a elaborar as bases 
da teoria da evolução: aquelas características que permitiram maior 
probabilidade de sobrevivência são selecionadas, pois aumentam a 
chance de conservação e de reprodução destes indivíduos; aqueles 
indivíduos que possuem menor probabilidade de sobreviver possuem 
menor possibilidade de deixar descendentes e, por conseguinte, transmitir 
estas características. Os bicos dos tentilhões são essenciais para que eles 
se alimentem. As variações observadas por Darwin nos bicos dos 
 
4 Existem 13 espécies de tentilhões em Galápagos (França, 2017). 
20 
 
tentilhões estavam relacionadas com as melhores formas de obter 
alimento em cada uma das ilhas do arquipélago. 
Desde então, já foram coletadas muitas evidências que permitem 
sustentar as afirmações de Darwin. Vamos analisar algumas delas. A 
Paleontologia, ciência que estuda as formas de vida em eras geológicas 
anteriores por meio da observação de fósseis, permitiu identificar que 
existiram outras formas de vida no planeta. Algumas dessas espécies 
encontram-se extintas, mas, quando comparadas com as espécies atuais, 
podemos notar muitas semelhanças. A estrutura óssea de alguns 
dinossauros bípedes, por exemplo, se assemelha muito à estrutura óssea 
das aves atuais, o que permite que os pesquisadores tracem uma linha 
evolutiva entre um tiranossauro e uma galinha (Versignassi & Sanches, 
2017)! 
Mas podemos ir além: em 1988, um grupo de cientistas liderados 
pelo biólogo Richard Lenski, da Michigan State University, iniciou um 
grande empreendimento experimental utilizando uma bactéria chamada 
Escherichia coli5. Os pesquisadores começaram o projeto com 12 
populações desta bactéria e disponibilizavam uma quantidade de 
alimento limitada diariamente, para “forçar” uma competição entre os 
indivíduos. Para ter uma ideia do ritmo de propagação desta bactéria, a 
cada 75 dias são registradas 500 gerações! Em 2020, já haviam sido 
registradas mais de 70 mil gerações de bactérias, e as mutações que foram 
ocorrendo ao longo de sucessivas gerações transformaram a estrutura 
genética da E. coli, permitindo que as populações mais recentes se 
tornassem mais eficientes em processar alimento, alterassem o tamanho 
de suas células e até mesmo seu padrão reprodutivo. O experimento de 
Lenski e colaboradores, com aproximadamente 70 mil gerações de 
 
5 Os detalhes sobre o experimento pode ser consultados em 
http://myxo.css.msu.edu/ecoli/overview.html 
http://myxo.css.msu.edu/ecoli/overview.html
21 
 
bactérias, equivale a mais ou menos um milhão de anos de evolução do 
ser humano! 
Pois é, a teoria da evolução por seleção natural parece complicada 
e pode até parecer meio sem graça. Mas, na verdade, é o oposto disso! 
Compreender como as características das diversas espécies (animais e 
vegetais) foram mudando com o passar das gerações a partir da interação 
com o ambiente é um empreendimento fascinante. Nas palavras de 
Richard Dawkins, um importante biólogo evolucionista: “Estamos 
cercados por infindáveis formas belíssimas e fascinantes, e não é por 
acidente, e sim uma consequência direta da evolução pela seleção natural 
não aleatória6 única na vida, o maior espetáculo da Terra” (2009, p. 426). 
A Filosofia 
E quanto à Filosofia? Essa palavra é de origem grega, e significa 
“amor pelo saber”. Mas a essa altura já deve estar claro que a ciência 
também tem muito “amor pelo saber”. De fato, a palavra “ciência”, de 
origem latina, igualmente significa “saber” ou “conhecimento”. 
Nada disso é coincidência: filosofia e ciência estão historicamente 
ligadas pela busca do saber. A ciência, conforme a conhecemos hoje, com 
seus métodos e suas divisões de acordo com os processos que estuda, é 
uma criação bastante recente. Até o século XVII, todas as tentativas 
sistemáticas deconhecer o mundo eram chamadas de “filosofia”. Por 
exemplo, a obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, publicada 
em 1687 por Isaac Newton, é considerada uma das mais influentes da 
história da ciência. Hoje ela é considerada uma obra de Física, mas note 
a expressão “Filosofia Natural” no título. Filosofia Natural era como se 
denominava uma certa forma de conhecimento que, depois, veio a se 
chamar Ciência. De certo modo, a Filosofia é a “mãe” de todas as 
ciências, que, aos poucos, foram se dividindo em campos específicos de 
 
6 “Não aleatório” no sentido de que as características que são selecionadas são aquelas 
que aumentam a chance de sobrevivência dos indivíduos desta espécie. 
22 
 
estudo e desenvolvendo métodos próprios de investigação, em especial 
nos últimos quatro séculos. 
A Filosofia, porém, continua existindo como método de 
investigação e crítica, e desempenha um papel muito importante, 
frequentemente atuando em conjunto com as ciências. Dada a amplitude 
dos métodos e interesses dos filósofos, há uma grande variedade de 
propostas para definir o que ela é. Assim, qualquer proposta de defini-la 
tem seus limites, e pode ser criticada. Mesmo assim, vamos arriscar uma 
definição: a Filosofia é uma exploração sistemática das possibilidades 
que a linguagem e o pensamento oferecem para que possamos conhecer 
e transformar o mundo. Essas possibilidades são frequentemente 
chamadas de lógicas ou racionais. A linguagem, que evoluiu 
conjuntamente com o que chamamos de pensamento, é uma característica 
muito especial do comportamento humano. Outros animais também 
apresentam formas rudimentares de linguagem, mas os avanços 
impressionantes que alcançamos com a ciência e a tecnologia só foram 
possíveis em função do alto grau de desenvolvimento das línguas 
humanas, que nos permite coordenar o nosso comportamento das mais 
variadas formas ao lidar com o mundo. A linguagem nos permite dar 
nomes para os fenômenos, agrupá-los em categorias e estabelecer 
relações entre eles, além de conversar sobre tudo isso e transmitir o que 
sabemos para outras pessoas. Sem tais capacidades a ciência certamente 
não teria chegado tão longe. Uma teoria científica é um produto 
linguístico, que só existe porque podemos falar e escrever. O caminho 
que leva da observação dos processos do mundo até a formalização de 
uma teoria científica é bastante complexo. A Filosofia, com seu olhar 
crítico sobre a linguagem, nos ajuda a construir teorias científicas e a 
testar continuamente sua solidez, sua coesão e seus limites. Ao explorar 
as múltiplas possibilidades da linguagem, a Filosofia amplia nossa 
capacidade de pensar, e esta é essencial para a ciência. 
23 
 
É comum que a Filosofia seja definida pela sua insistência em 
questionar, duvidar, criticar – e nisso ela é semelhante à ciência. O 
filósofo, assim como o cientista, é um cético. O saber avança, e esse 
avanço depende de nossa capacidade de continuamente fazer novas 
perguntas e buscar novas respostas. O diálogo entre a Filosofia e a ciência 
tem se mostrado muito produtivo: cada uma delas aprende e muda com 
os métodos e descobertas da outra. Parece cada vez mais claro que a união 
entre a investigação empírica e a análise racional é o melhor caminho para 
que nossa curiosidade em relação ao mundo produza bons frutos, que nos 
permitam satisfazer nossa vontade de saber e, a partir disso, melhorar a 
vida das pessoas.7 
 
A Ciência 
Mas o que é a ciência afinal? Não é algo tão simples de se 
responder, pois muitos estudiosos buscam discutir isso e possuem 
respostas diferentes. Neste capítulo nós faremos uma apresentação mais 
geral do que é a ciência, para que você perceba como difere de outros 
tipos de conhecimento e porque ela é um modo de pensar que nos protege 
contra a “picaretagem” que anda por aí. Carl Sagan escreveu um livro 
brilhante – como quase tudo que ele fazia – intitulado O mundo 
assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro 
(1996). Neste livro, ele apresenta algumas características do pensamento 
científico que abordaremos aqui. 
Em primeiro lugar, a ciência deve trabalhar com hipóteses que 
possam ser refutadas. Por exemplo, a afirmação “o mundo foi criado há 
12 horas junto com toda memória que você tem” é uma afirmação que 
não podemos refutar. Se eu disser, “mas eu me lembro da minha festa de 
aniversário de 10 anos”, alguém poderia responder “Esta é uma memória 
 
7 Assim como a ciência, a Filosofia tem suas próprias “ferramentas”, ou métodos. O 
livro de Baggini e Fosl (2008) oferece uma forma acessível e muito informativa de se 
familiarizar com essas ferramentas. 
24 
 
que foi criada junto com você há 12 horas atrás”. Se não houver meios de 
alguém conduzir uma investigação para se chegar a alguma conclusão 
sobre a validade de uma afirmação, esta afirmação deve ser refeita ou 
abandonada. Isaac Newton dizia que se uma questão não pudesse ser 
respondida por um experimento, então aquela questão não era digna de 
debate. 
Em segundo lugar, sempre deve haver o incentivo ao exame 
cético na ciência. Como já expusemos anteriormente, em um pensamento 
científico a dúvida deve ser exaltada e a crença cega em algo deve ser 
combatida. Se alguém faz uma afirmação extraordinária como, por 
exemplo, “eu vi discos voadores”; “seres extraterrestres existem e visitam 
a terra com frequência”; “alguém com fé e treinamento pode atravessar 
paredes”; “fulano pode curar qualquer tipo de doença conhecida pela 
força do pensamento”, esse alguém precisa apresentar evidências de cada 
afirmação. Quem faz a alegação deve provar o que diz. Quanto mais 
incomum e fantástica for a alegação, quanto mais ela não condiz com o 
que já sabemos sobre o funcionamento do mundo, mais contundente e 
impressionante deve ser a prova ou a evidência apresentada. 
Hoje em dia, fotos e vídeos podem ser facilmente manipulados. 
Documentos são facilmente forjados. Portanto, após a apresentação das 
“provas”, elas deverão ser avaliadas de maneira cética, exames periciais 
deverão ser conduzidos para a verificação da autenticidade de tais provas 
e experimentos ou observações diretas – se possíveis – podem ser 
requeridos para sustentar as afirmações. Podemos e devemos ser céticos 
em relação a tudo. Não há nada “sagrado” em ciência, isto é, algo que não 
possa ser questionado. Os cientistas são sempre céticos em relação às 
descobertas de outros cientistas! Ninguém está isento de uma análise 
cética de suas afirmações. Não há, em ciência, uma figura com autoridade 
para dizer algo e ser aplaudido, sem que suas ideias sejam verificadas à 
exaustão. Demorou muitos anos até que as ideias de Albert Einstein 
fossem aceitas e, até hoje, há experimentos que indicam que há “pontos 
25 
 
frágeis” em suas teorias que precisam ser revistos. A seleção natural de 
Charles Darwin demorou para ser aceita nos meios científicos e sua teoria 
original sofreu mudanças ao longo do tempo, a partir de novas 
descobertas. 
Se falamos em exames céticos das observações ou afirmações, 
estamos falando em pesquisa. Há diversas maneiras de se fazer pesquisa, 
mas uma coisa há de comum em qualquer pesquisa: método! É preciso 
que o investigador descreva todos os passos dados para responder a 
alguma questão, para se chegar a alguma conclusão. Darwin coletou 
materiais e os foi descrevendo, classificando-os e fez muitas observações 
em sua viagem a bordo do Beagle, para assim estruturar sua teoria. 
Einstein fez experimentos mentais, isto é, partiu de alguns pressupostos 
da Física e imaginou o que ocorreria sob certas circunstâncias. Claro, 
muitos anos depois vieram pesquisas experimentais controladas que 
indicaram que Darwin e Einstein estavam na direção correta! 
Portanto, uma outra característica da ciência é a experimentação 
controlada, sempre que possível8. Na experimentação, o cientista está 
interessado em verificarse existem relações de causalidade entre 
variáveis, por meio da observação e análise. O que isso significa? 
Significa que o cientista manipula as variáveis para tentar estabelecer 
relações entre elas. Por exemplo, o cientista poderia se perguntar: a 
substância X elimina o patógeno Y? Como responder a esta pergunta? 
Em um experimento, o cientista aplica a substância X no patógeno Y e 
observa os resultados. Se a concentração do patógeno diminuir, então 
 
8 Mas lembre-se: nem sempre é possível! Podemos produzir conhecimento científico 
de outras formas, para além da experimentação. Os paleontólogos, como citado 
anteriormente, fazem inferências a partir da observação sistemática de fósseis em 
comparação a espécies atuais. Quando um cientista não pode manipular as variáveis 
diretamente, ele pode recorrer a uma estratégia correlacional, por exemplo. Em uma 
correlação, observam-se variáveis que têm alta probabilidade de ocorrer em conjunto e 
infere-se uma relação entre elas. Esta é uma estratégia bastante utilizada por 
estatísticos. 
26 
 
podemos suspeitar que estas variáveis (substância e patógeno) se 
relacionam de alguma forma. A substância pode ser considerada a causa 
da eliminação do patógeno. Esse tipo de evidência experimental é muito 
importante para o conhecimento científico. Por que, após o experimento, 
dissemos que podemos “suspeitar” e não “ter a certeza” de algo? Porque 
muitas pesquisas ainda precisam ser feitas para que aquela relação seja 
comprovada. Podem ter ocorrido erros (não identificados) no primeiro 
experimento. Lembre-se: cientistas são céticos! 
Por falar em erros, outro ponto importante em ciência é 
exatamente a necessidade de verificação dos erros de forma 
independente. Isto nada mais é do que permitir que o conhecimento 
gerado seja minuciosamente investigado por outras pessoas. Elas 
examinarão todos os possíveis erros que você possa ter cometido. 
Procurarão por algo errado em sua investigação usando todas as 
habilidades e instrumentos que possuem. Avaliarão se as conclusões a 
que você chegou realmente estão assentadas nos dados que você 
apresentou. Se tudo parecer correto, ainda repetirão sua investigação ou 
observação, seguindo o mesmo método que você seguiu, para verificarem 
se chegarão aos mesmos resultados e conclusões – dá-se a isso o nome de 
replicação. Qualquer pessoa tem o direito de fazer esta investigação na 
busca por erros. Conhecimento científico é conhecimento público! Não 
pode haver mistérios, nem forças ocultas, nem habilidades especiais, nem 
procedimentos ou resultados secretos. 
Em ciência nenhuma afirmação deve ser aceita apenas porque 
parece intuitivamente evidente. Há diversos exemplos de como nos 
enganamos com facilidade. Veja a figura abaixo. Qual das duas retas é 
maior? 
 
27 
 
 
 
 Na verdade, elas possuem o mesmo tamanho. Não acredita? 
Ótimo! Continue sempre sendo cético. Pegue uma régua e meça as duas 
retas. Essa é uma ilusão bastante conhecida em Psicologia (por exemplo, 
Myers, 1998). Há muitas outras evidências de como nossa percepção 
pode estar enviesada. Leia um capítulo sobre “percepção” em algum bom 
livro de Psicologia Geral ou Introdução à Psicologia (por exemplo, 
Nolen-Hoeksema, Fredrickson, Loftus, & Lutz, 2018) e você descobrirá 
o quanto os humanos são propensos a erros de observação. Cientistas são 
humanos! Embora alguns não pareçam, todos são. Erram como qualquer 
pessoa. A diferença é que sabem disso e, por isso, aceitam que outros 
possam buscar falhas em seu trabalho. É verdade que alguns cientistas 
não gostam quando alguém diz que eles estão errados. Como dissemos, 
são humanos. Todavia, os sentimentos dos cientistas não devem ser 
levados em conta quando se trata de aceitar ou não alguma afirmação. 
Gostemos ou não, esta é a regra do jogo. 
Outra característica importante do pensamento científico é o 
chamado Princípio da Parcimônia ou A Navalha de Ockham (em 
alguns lugares você vai encontrar o nome grafado como Occam). Ockham 
formulou o princípio no século XIV e, mais tarde, ele foi assim expresso: 
“As coisas não devem ser multiplicadas além do necessário” 
(Abbagnano, 2007, p. 298). De modo mais coloquial, podemos dizer que 
o Princípio da Parcimônia nos diz que “menos é melhor”, ou seja, se eu 
tenho várias explicações adequadas e plausíveis para o mesmo conjunto 
de fatos, devo optar pela explicação mais simples. Entretanto, é 
importante saber que “mais simples” não quer dizer “mais simplória”. 
Podemos supor que extraterrestes vieram com tecnologia avançada e 
28 
 
construíram as pirâmides do Egito – isso parece bem simples. Também 
podemos supor que, com uso de tecnologias rudimentares, mas muito 
bem pensadas e com ajuda de muita mão de obra e bastante tempo, 
pessoas comuns poderiam tê-las construído – isso parece mais 
complicado. Entretanto, a primeira suposição não é a mais simples (ela é 
simplória), pois exigiria evidências que ainda não temos (a existência de 
vida inteligente extraterrestre com tecnologias avançadas de 
deslocamento no espaço, que tenham visitado nosso planeta, entre outras 
coisas). Sobre a segunda hipótese, ela é mais simples, pois não há nada 
nela que não tenha sido verificado de alguma forma: havia muita mão de 
obra e “dinheiro” disponível naquela época e região; pedras enormes 
poderiam ser transportadas pelo Nilo e, depois, em trenós de madeira 
sobre a areia molhada etc.9 A teoria da terra plana parece mais simples do 
que a teoria da terra esférica. Todavia, ela é apenas mais simplória, uma 
vez que há muitas evidências a favor da segunda hipótese e nenhuma (que 
não tenha sido refutada) a favor da primeira. O Princípio da Parcimônia 
não pode ser usado sem o auxílio de todas as outras características do 
pensamento científico que apresentamos antes. Ou seja, use-o com 
parcimônia! A Navalha de Ockham, como qualquer navalha, pode ser 
perigosa se mal utilizada. 
Por fim, mas não menos importante, o pensamento científico 
rejeita um conhecimento por falta de evidência. Não é proibido não ter 
uma resposta! Na verdade, o que não podemos fazer é inventar uma 
resposta. Veja que isso é diferente de dizer que algo “não existe”. O que 
um cientista sério diz é: “não há evidências suficientes que confirmem 
esta afirmação”, seja ela qual for (até mesmo sobre a existência de vida 
 
9 Veja os vídeos dos canais de YouTube Nerdologia (2014) e Você Sabia? (2018) sobre 
a construção das pirâmides para aprender um pouco mais sobre o tema. 
29 
 
[inteligente] em algum lugar do universo). Se no futuro houver 
evidências, a ciência reverá suas posições10. 
 
Considerações finais 
Neste capítulo, buscamos apresentar as diferenças entre o 
conhecimento científico e outros tipos de conhecimento em linhas gerais. 
Esperamos que o leitor possa ter compreendido a importância do 
pensamento científico e as vantagens que ele proporciona. O nosso 
mundo vive rodeado de muita picaretagem: astrologia, búzios, cristais 
energéticos, curas milagrosas, teoria da Terra Plana, e por aí vai. Algumas 
dessas atividades se apresentam como tendo embasamento científico (às 
vezes até utilizam alguns jargões da ciência), mas na verdade não passam 
de charlatanismo – a famosa pseudociência11. 
Não pretendemos, neste curto espaço, exaurir todos os aspectos 
da discussão. Ciência é um empreendimento fascinante, que nos permite 
conhecer cada vez mais e melhor o mundo em que vivemos e cujos 
produtos melhoram nossa qualidade de vida. Por isso, é importante que 
tenhamos em mãos materiais como este livro. Proporcionar uma 
educação científica para a população, traduzindo conceitos difíceis da 
 
10 Se você quer se aprofundar um pouco mais no assunto sobre o que é a ciência, 
recomendamos a leitura do livro de Alan F. Chalmers, que foi publicado em português 
em 1993, chamado O que é a ciência afinal?. 
11Pseudociência, ou a “falsa ciência”, diz respeitoa afirmações sobre o mundo que 
parecem utilizar o método científico, mas, na verdade, partem de premissas que não 
podem ser falseadas e, nesse sentido, se afastam das características mais importantes 
da ciência. Nas palavras de Sagan (1996), “A pseudociência difere da ciência errônea. 
A ciência prospera com seus erros, eliminando-os um a um. Conclusões falsas são 
tiradas todo o tempo, mas elas constituem tentativas. As hipóteses são formuladas de 
modo a poderem ser refutadas (…) A pseudociência é exatamente o oposto. As 
hipóteses são formuladas de modo a se tornar invulneráveis a qualquer experimento 
que ofereça uma perspectiva de refutação, para que em princípio não possam ser 
invalidadas. Os profissionais são defensivos e cautelosos. Faz-se oposição ao 
escrutínio cético. Quando a hipótese pseudocientífica não consegue entusiasmar os 
cientistas, deduz-se que há conspirações para eliminá-la" (p. 28). 
30 
 
ciência para o público leigo é essencial para que possamos nos livrar dos 
danos causados por estas atividades picaretas. Para terminar, ficamos com 
uma reflexão de Carl Sagan (1994), um dos mais importantes 
divulgadores da ciência de todos os tempos: “Não divulgar a ciência 
parece perverso para mim. Quando você está apaixonado, você quer 
contar para todo mundo”. 
 
Referências 
 Abbagnano, N. (2007). Verbete: Economia. In Dicionário de 
Filosofia (5ª ed, pp. 298-299). São Paulo:Mestre Jou. 
 Baggini, J., & Fosl, P. S. (2008). As ferramentas dos filósofos: 
Um compêndio sobre conceitos e métodos filosóficos. São Paulo: 
Loyola. 
 Chalmers, A. F. (1993). O que é ciência, afinal?. São Paulo: 
Brasiliense. 
 Dawkins, R. (2009). O maior espetáculo da Terra: As evidências 
da evolução. São Paulo: Companhia das Letras. 
 França, D. P. F. (2017). Os tentilhões-das-Galápagos. Projeto 
Filos. http://projetofilos.com.br/2017/10/os-tentilhoes-das-
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 João. In Bíblia Sagrada (2009, 2ª ed.), Barueri, SP: Sociedade 
Bíblica do Brasil. 
 Lakatos, E. M., & Marconi, M. A. (2006). Técnicas de pesquisa 
(6a ed). São Paulo: Atlas. 
 Levítico. In Bíblia Sagrada (2009, 2ª ed.). Barueri, SP: Sociedade 
Bíblica do Brasil. 
 Marconi, M. A., & Lakatos, E. M. (2004). Metodologia científica 
(4a ed). São Paulo: Atlas. 
 Myers, D. G. (1998). Introdução à psicologia geral (5ª ed.). Rio 
de Janeiro: LTC. 
 Nerdologia (2014). Como construíram as pirâmides? [Vídeo]. 
YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=q7zyyX7PK9E 
http://projetofilos.com.br/2017/10/os-tentilhoes-das-galapagos/
http://projetofilos.com.br/2017/10/os-tentilhoes-das-galapagos/
https://www.youtube.com/watch?v=q7zyyX7PK9E
31 
 
 Nolen-Hoeksema, S., Fredrickson, B. L., Loftus, G. R., & Lutz, 
C. (2018). Introdução à Psicologia: Atkinson & Hilgard (16a ed.). 
São Paulo: Cengage. 
 Ruse, M. (2021) Creationism. In E. N. Zalta (Ed.), The Stanford 
Encyclopedia of Philosophy. 
https://plato.stanford.edu/archives/spr2021/entries/creationism/ 
 Sagan, C. (1994). With science on our side. The Washington Post. 
https://www.washingtonpost.com/archive/entertainment/books/1
994/01/09/with-science-on-our-side/9e5d2141-9d53-4b4b-aa0f-
7a6a0faff845/ 
 Sagan, C. (1996). O mundo assombrado pelos demônios: A 
ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia 
das Letras. 
 Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano. São 
Paulo: Martins Fontes (Trabalho original publicado em 1953) 
 Versignassi, A. & Sanches. L. (2017). Dinos entre nós. Super 
Interessante. https://super.abril.com.br/ciencia/dinos-entre-nos/ 
 Você Sabia? Pirâmides do egito - Como elas foram construídas?? 
[Vídeo]. YouTube. 
https://www.youtube.com/watch?v=4oDAc0nubAQ 
 Wellcome Global Monitor (2019). How does the world feel about 
science and health? How does the world feel about science and 
health? https://wellcome.ac.uk/what-we-do/our-work/wellcome-
global-monitor 
 
https://plato.stanford.edu/archives/spr2021/entries/creationism/
https://www.washingtonpost.com/archive/entertainment/books/1994/01/09/with-science-on-our-side/9e5d2141-9d53-4b4b-aa0f-7a6a0faff845/
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https://super.abril.com.br/ciencia/dinos-entre-nos/
https://www.youtube.com/watch?v=4oDAc0nubAQ
https://wellcome.ac.uk/what-we-do/our-work/wellcome-global-monitor
https://wellcome.ac.uk/what-we-do/our-work/wellcome-global-monitor
32 
 
 
33 
 
Capítulo 2 
 
 
 
34 
 
As ilusões dos tratamentos pseudocientíficos 
André Demambre Bacchi1 
1Universidade Federal de Rondonópolis 
 
 É certo que a indústria farmacêutica fez por merecer seu status e 
alguma desconfiança. Ela acompanha relatórios de enfermidades mais 
diagnosticadas, medicamentos mais prescritos e características 
sociodemográficas dos pacientes. Sabemos também que patrocina 
palestras e congressos médicos, encomenda estudos e investe 
agressivamente em marketing. É indiscutível o seu nível de influência, 
articulação e capacidade em fazer lobby. Por esses e outros motivos, não 
podemos ser ingênuos a ponto de confiar cegamente em seus estudos, 
tratamentos e afirmações (Kedouk, 2016). 
 Por outro lado, praticamente todo tratamento, desde um simples 
alívio de dor e febre, até uma complexa eliminação de uma infecção 
bacteriana resistente, depende de uma das tecnologias em saúde mais 
importantes desenvolvidas pelo ser humano: o medicamento. E o 
processo pelo qual os medicamentos são descobertos, desenvolvidos e 
testados estão em consonância com o método científico. Isso não faz com 
que possamos confiar de “olhos fechados” nesses tratamentos, mas nos 
permite analisá-los, questioná-los e aplicá-los da maneira mais racional 
possível. 
 Tão importante quanto isso: o fato de haver necessidade em ser 
crítico com as tecnologias oriundas da indústria farmacêutica não nos 
isenta da necessidade em sermos igualmente críticos com uma outra 
indústria: a dos tratamentos ditos integrativos e complementares (antes 
chamados de alternativos). Disfarçados de técnicas inócuas, 
humanizadas, holísticas e herdeiras de “conhecimentos milenares”, as 
terapias integrativas ganharam facilmente a simpatia das pessoas, em 
especial quando comparadas lado a lado ao tratamento convencional (que 
35 
 
tem a fama de agressivo, lucrativo e exploratório, pelos motivos 
elencados no início deste capítulo). 
 O que deixamos de perceber nesse processo é que as terapias 
integrativas também constituem uma indústria que movimenta bilhões, 
na forma de seus produtos, cursos de formação/capacitação e 
atendimentos profissionais (Fox, 2016). As vendas anuais de produtos 
homeopáticos nos EUA, por exemplo, aumentaram cinco vezes no 
período de 1987 a 2000. Um salto de 300 milhões de dólares para 1,5 
bilhão (Singh & Ernst, 2013). E esse marketing “holístico” e “natural”, 
em harmonia com a busca da sociedade contemporânea por um estilo de 
vida mais saudável e good vibes, faz parte do seu lobby. Nesse sentido, 
parece incoerente sermos tão críticos a respeito da indústria farmacêutica 
e ao mesmo tempo permissivos em excesso com as terapias integrativas. 
O ceticismo científico deve se fazer presente ao avaliar qualquer 
intervenção terapêutica, e este capítulo tem como objetivo demonstrar 
algumas das vezes em que nos afastamos disso e compramos discursos 
como “Esse tratamento é milagroso, mas a indústria farmacêutica não 
quer que você saiba disso”. 
 Geralmente incorporamos esse tipo de pensamento ao ignorarmos 
a ciência. Mesmo com toda a nossa obsessão por assuntos relacionados à 
saúde, somos tão bombardeados com notícias, mensagens e áudios de 
WhatsApp contendo afirmações e histórias que soam de alguma forma 
científicas, que temos dificuldade em separar “ojoio do trigo”. Por esse 
motivo, o capítulo que segue será discutido à luz da Medicina Baseada 
em Evidências (MBE), que consiste em aliar a prática clínica profissional 
e as evidências científicas externas de qualidade, valorizando as escolhas 
e preferências do paciente sempre que possível (Sackett, Rosenberg, 
Gray, Haynes, & Richardson, 1996). Ainda que você não seja tão familiar 
com essa denominação, a MBE tem sido um dos mais bem-sucedidos 
modelos de ciência aplicada ao longo das últimas décadas, responsável 
36 
 
por ideias brilhantes que já salvaram (e salvarão) milhares de vidas 
(Goldacre, 2013). 
 
Eu usei e me “curou”, então esse tratamento funciona. 
Ninguém duvida de que a percepção subjetiva do paciente seja 
algo importante. Afinal, o objetivo final de qualquer terapia é melhorar a 
nossa qualidade de vida quando estamos enfrentando algum transtorno ou 
doença. Porém, algo importante de se entender é que um determinado 
tratamento ou intervenção pode “provocar” melhora nos sintomas, 
independentemente de possuir uma eficácia intrínseca. Ou seja, estamos 
sujeitos a diversos fatores que podem confundir a avaliação de um 
tratamento, que dificultam uma análise crítica. Enviesados por tanta 
subjetividade, não somos a melhor ferramenta para mensurar esse efeito 
terapêutico com acurácia em nós mesmos ou em um amigo, familiar ou 
paciente. 
Então como sabemos se um medicamento funciona? 
Existem diversas formas de tentar observar se um medicamento 
faz efeito ou não, mas nem todas elas são formas confiáveis. Podemos, 
por exemplo, usar o medicamento quando estamos doentes e observar se 
melhoramos. Ou ver um paciente utilizando e depois relatar o seu caso. 
Esse tipo de evidência é chamado de “evidência anedótica”. Evidências 
anedóticas não nos dizem muita coisa e, certamente, não servem como 
ferramenta para tomada de decisão clínica. Da mesma forma, efeitos 
observados em células de laboratório (in vitro) ou em (outros) animais, 
também não podem gerar condutas clínicas ou garantir eficácia. 
Há ainda o caso do profissional ou especialista da área que, por 
conhecer como o organismo, as doenças e determinados medicamentos 
funcionam, começa a fazer um raciocínio teórico (e, muitas vezes, 
plausível) sobre a eficácia de um fármaco em um contexto específico. 
Contudo, plausibilidade é apenas uma suposição teórica que pode ser útil 
37 
 
para gerar hipóteses e experimentos, mas não é adequada para gerar uma 
prescrição médica. 
Na maioria dos casos, podemos cometer o erro de achar que um 
medicamento funciona, mas na verdade ele não ter efeito algum. Isso 
pode trazer prejuízo financeiro e também de saúde, ao deixar de usar ou 
investir em algo que realmente tenha efeito. Mas, em alguns casos, o 
resultado desse tipo de pensamento, que ignora os experimentos 
adequados, pode ser catastrófico. Por exemplo, após sofrer um ataque 
cardíaco, alguns indivíduos desenvolvem arritmias, um tipo de anomalia 
no ritmo do coração. Por esse motivo, ficam sujeitos a um risco maior de 
morte do que aqueles que tiveram infarto, mas não desenvolveram 
arritmia posterior. De maneira teórica, sabemos que existem 
medicamentos que suprimem essas arritmias e, por isso, parecia plausível 
supor que esses medicamentos seriam capazes de reduzir o risco de morte 
após infarto. Infelizmente, ao fazer uso desses medicamentos sem os 
estudos adequados para essa condição, ocorreu o contrário e estima-se 
que dezenas de milhares de mortes tenham acontecido por esse uso 
baseado em plausibilidade, antes dos estudos adequados serem 
conduzidos e mostrarem a ausência de benefício e aumento de 
mortalidade nesses pacientes (Evans, Thornton, Chalmers, & Glasziou, 
2016). 
Portanto, quando queremos de fato observar cientificamente a 
eficácia de um tratamento, precisamos fazer um Estudo Controlado 
Randomizado (ECR). Para isso, é fundamental compararmos o efeito que 
estamos observando no “grupo teste” (aquele que recebe o medicamento) 
ao “grupo controle” (que recebe um placebo ou um medicamento mais 
antigo). 
Imagine que queremos lançar no mercado um novo medicamento, 
para o tratamento de dor de cabeça. Testamos o efeito desse medicamento 
em apenas um grupo de pacientes sentindo dor de cabeça e 70% desses 
pacientes relatam melhora. Será que podemos afirmar, com esse 
38 
 
resultado, que esse medicamento novo é eficaz? Que, por si só, possui um 
efeito terapêutico? Muitas pessoas (e, assustadoramente, muitos 
profissionais de saúde também) diriam que sim. Mas, por maior que seja 
nosso desejo em afirmar que estamos diante de um medicamento eficaz, 
ainda não podemos fazer essa alegação. E o motivo é que pessoas podem 
melhorar com uma intervenção, mesmo sem a presença de um princípio 
ativo. Isso mesmo que você leu: até mesmo um tratamento que não possui 
eficácia intrínseca pode provocar a sensação de melhora na dor do 
paciente e alguns fenômenos nos ajudam a entender o porquê disso. 
Vamos chamá-los aqui de “Variáveis de Confundimento” ou vieses 
(Fuchs & Wannmacher, 2017): 
 
1) História natural da doença: São raras as doenças de curso clínico 
inexoravelmente negativo (que evoluem mal, sem possibilidade de 
reação). Ou seja, na prática, nosso corpo tem capacidade de se defender 
e se adaptar às adversidades e, muitas vezes, melhoramos sozinhos, como 
no caso da evolução natural de um resfriado. Ou períodos e dias em que 
há naturalmente alívio de dor, de febre ou ansiedade. Até mesmo algumas 
situações mais críticas, como alguns tipos de hepatite, casos de 
gastrite/úlcera ou quadros de asma, podem evoluir de forma benigna para 
cura espontânea ou remissão prolongada, independentemente do uso de 
medicamentos. 
Vale ressaltar que temos maior probabilidade de buscar 
medicamentos e tratamentos durante a intensidade máxima dos sintomas. 
Ou seja, a partir desse pico máximo de dor, por exemplo, é difícil ficar 
pior. Desse ponto, continuará igual ou, em muitos casos, haverá redução. 
Essa coincidência entre a melhora espontânea da dor após um período 
mais intenso com o momento em que inserimos uma determinada terapia, 
pode levar à falsa interpretação que a melhora do quadro se deu pela 
intervenção e não porque esta é a história natural daquela doença. 
 
39 
 
2) A figura de autoridade do terapeuta: A própria presença de um 
profissional de saúde ou de alguém que é visto como um terapeuta 
(mesmo sem ter a formação adequada para isso), já pode gerar alívio de 
sofrimento por si só. A satisfação do paciente em uma consulta ou sessão 
na qual se sentiu acolhido, ouvido e cuidado pode ser suficiente para gerar 
bem-estar, independentemente de o medicamento prescrito ter eficácia ou 
não. 
 
3) Efeito Hawthorne: pessoas mudam comportamento quando sabem que 
estão sendo observadas. Isso quer dizer que só de participar de um estudo 
ou de saber que está sendo acompanhado de perto por um profissional de 
saúde, pacientes podem melhorar hábitos de vida, ainda que 
temporariamente, gerando alívio de sintomas. E isso não estará ligado à 
eficácia intrínseca de um medicamento ou intervenção. Por exemplo, um 
paciente que sabe que está tendo a sua glicemia monitorada para o teste 
de um medicamento hipoglicêmico, pode reduzir o consumo de 
carboidratos e adotar uma alimentação mais saudável, melhorando seu 
desempenho nos testes de glicemia, independentemente do efeito do 
medicamento. Além disso, o paciente pode dizer ao médico que se sente 
um pouco melhor (mesmo não tendo melhorado efetivamente) para tentar 
valorizar seu trabalho, em oposição ao constrangimento no caso de ser 
sincero. 
 
4) Efeito do Acaso e Regressão à Média: parâmetros biológicos 
costumam se distribuir em ampla margem de valores. De modo geral, 
estes valores se agrupam ao redor da média e tendem a reduzir sua 
frequência conforme se afastam dela. Na aferição repetida de parâmetros 
biológicos,pode ocorrer o fenômeno de regressão à média. Na prática, 
isso significa que as pessoas que foram selecionadas por apresentarem 
valores de parâmetros mais extremos (muita dor, glicemia muito alta, 
pressão muito alta), possuem maior probabilidade de terem seus valores 
40 
 
sendo aproximados da média em medidas subsequentes. Se houver 
qualquer intervenção entre essas aferições, podemos associar, de maneira 
incorreta, que a mudança de valores observada foi devido à intervenção, 
ainda que sem eficácia intrínseca. 
 
5) Viés de memória: Temos maior facilidade em nos lembrarmos de 
eventos marcantes, como aquele paciente que se curou graças ao 
tratamento que indicamos ou aquele caso que demorou para ser resolvido 
e, somente após usar um determinado medicamento, pareceu ser 
solucionado. Dessa forma, temos grande propensão em arquivar grandes 
vitórias, enquanto as situações do dia a dia, nas quais tratamentos foram 
inúteis ou tiveram efeitos abaixo do esperado, acabam sendo esquecidos. 
6) Efeito Placebo: O efeito placebo se refere ao efeito terapêutico do 
fármaco ou intervenção, independentemente de atividade intrínseca. Parte 
dos pacientes pode, portanto, referir melhora da dor pelo simples fato de 
acreditar na intervenção e esperar melhorar com ela. Frequentemente, 
quando afirmamos “Efeito placebo”, estamos de modo impreciso nos 
referindo aos demais itens citados anteriormente, somados com a 
expectativa do paciente em melhorar com aquele tratamento. 
O fato é que todos os vieses elencados contribuem para a melhora 
ou diferença de efeito de um determinado grupo que receba o nosso novo 
medicamento e independem do efeito terapêutico intrínseco do princípio 
ativo. Por isso, para dizer que um medicamento funciona, não basta 
observarmos se uma pessoa que usou, melhorou. Precisamos de um grupo 
controle: um grupo que faz uso de um medicamento “de farinha” (sem 
princípio ativo), pra compararmos com o grupo que está recebendo o 
medicamento “de verdade”. 
Além disso, precisamos tomar cuidados para evitar problemas na 
separação entre o “grupo tratado” e o “grupo controle”. Por exemplo, se 
no grupo que recebe o tratamento só tivermos doentes terminais, 
enquanto no grupo controle forem agrupadas apenas pessoas com quadros 
41 
 
leves, é provável que o grupo que receber o tratamento vá expressar, ao 
final do experimento, maior mortalidade. Mas isso não significa que a 
causa desse desfecho ruim foi o uso do medicamento, mas sim a forma 
com que separamos os grupos. É daí que vem o termo “Randomizado” do 
ECR. Randomizar (ou aleatorizar) a amostra significa sortear as pessoas 
que vão para cada grupo, de modo a evitar uma seleção desigual de 
participantes. 
Por fim, é necessário frisar que os profissionais de saúde também 
podem ser influenciados em sua observação se souberem qual grupo está 
usando o tratamento e qual grupo está usando o placebo. Haverá diferença 
na forma de registrar, avaliar e interpretar os dados por uma tendência 
natural em considerar o tratamento superior ao placebo. Sendo assim, 
para reduzir ainda mais os fatores de confusão do estudo, o ideal é que o 
mesmo seja “duplo cego”, ou seja, que nem os pacientes saibam em qual 
grupo estão inseridos, e nem os pesquisadores que trabalham diretamente 
com eles. 
Assim, nesse tipo de ensaio clínico, conseguimos "limpar" esses 
interferentes e deixar em evidência apenas o potencial terapêutico 
intrínseco da substância. Essa é a maneira mais justa e imparcial de se 
conduzir um estudo para demonstrar eficácia de tratamentos. 
Em resumo: não basta afirmar "usei e melhorei" ou "meu paciente 
usou e melhorou". Apenas se o grupo tratado com o medicamento tiver 
melhora significativa em relação ao grupo controle (chamado também de 
grupo placebo), teremos uma evidência mais robusta de eficácia (Fuchs, 
Klag, & Whelton, 2000; Redberg, 2014). 
Efeito placebo, vieses e a “magia da realidade”. 
“Existe poesia de verdade no mundo real: a Ciência é a poesia da 
Realidade”. Essa frase do biólogo Richard Dawkins representa o lado 
poético (mas não místico ou pseudocientífico) da palavra magia. “Magia 
real” é no sentido de que uma música pode ser capaz de nos comover, 
observar estrelas pode nos fazer refletir sobre a vida e um arco-íris pode 
42 
 
enfeitar uma paisagem. Nesse sentido, ser capaz de compreender o 
mundo real e seus aparentes mistérios à luz do método científico nos 
mostra que, de certa forma, é “mágico” estar vivo e que a palavra 
“mundano” jamais deveria ter a conotação pejorativa que possui hoje, 
uma vez que entender o mundo real possui beleza ímpar. 
Nesse sentido, explicações sobrenaturais, na verdade, não nos 
explicam nada e, ainda pior, excluem ou reduzem a possibilidade de que 
algo seja explicado no futuro. Se algo é tido como sobrenatural, então está 
fora do alcance de uma explicação natural e testável e, para nós, 
cientistas, paradoxalmente perde seu caráter mágico (Dawkins, 2012). 
Nesse cenário, o efeito placebo e os vieses comentados no item 
anterior deste capítulo chegam a ser tão poéticos quanto reais, e 
certamente são mais “mágicos” do que as explicações mirabolantes e 
fantasiosas que algumas terapias integrativas oferecem para justificar 
suas supostas eficácias. A história que a Ciência nos apresenta sobre o 
mundo real e o funcionamento do nosso corpo é seguramente mais 
interessante do que qualquer mitologia sobre pílulas, gotas ou agulhas 
mágicas. 
Você provavelmente já cansou de ouvir a expressão: "Isso foi 
efeito placebo". Na área de medicamentos, uma “substância placebo” 
consiste em uma substância inerte, sem efeito terapêutico intrínseco, mas 
que. mesmo assim. provoca efeitos terapêuticos no usuário. Existem 
centenas de casos anedóticos documentados na história que mostram 
efeitos surpreendentes, como o uso de água salgada no lugar de morfina 
como substância analgésica durante a Segunda Guerra, ou cirurgias que 
conseguiram ser bem executadas e com pouca dor na era pré-anestésica 
(Beecher, 1955). 
Hoje em dia, nem sempre temos experimentos com o uso de 
placebo, pois, nos casos em que já existe um tratamento aprovado e eficaz 
para determinada doença, não seria ético usar um placebo em um grupo 
de pessoas doentes. Por esse motivo, muitas vezes compara-se a nova 
43 
 
intervenção com um grupo recebendo a intervenção mais antiga. Assim, 
quantificar cientificamente a magnitude do efeito placebo nem sempre é 
fácil. 
Em uma tentativa mais científica, há o estudo de Daniel Moerman, 
que avaliou o uso de placebo na úlcera gástrica. A vantagem de avaliar 
úlcera, ao invés de dor, é que a úlcera é possível de ser quantificada e 
registrada de modo objetivo, por meio de uma endoscopia. A ideia do 
pesquisador foi inteligente porque ele reuniu dados de diversos estudos e 
comparou os “grupos placebos” desses estudos. Dessa forma, ele fez uma 
comparação entre a taxa de sucesso de cura da úlcera entre pacientes que 
recebiam 2 comprimidos de açúcar por dia e pacientes que recebiam 4 
comprimidos de açúcar por dia. Ao comparar os resultados, notou que 
pacientes que receberam 4 comprimidos placebo tiveram maior taxa de 
sucesso do que os que receberam apenas 2 comprimidos (De Craen et al., 
1999; Moerman, 1983) 
Outros experimentos mostraram que injeções placebo provocam 
efeitos terapêuticos maiores que comprimidos (Grenfell, Briggs, & 
Holland, 1961). Cirurgias placebo (fazer um corte na pele e fechar sem 
de fato fazer nenhum procedimento), efeitos maiores que injeções. Ou 
seja, parece existir um significado cultural do tratamento medicamentoso, 
baseado na nossa percepção popular de que quanto mais dramática uma 
intervenção terapêutica, mais eficaz é a terapia. E olha que interessante: 
placebos com rótulos comerciais fazem mais efeito que placebos "sem 
marca" e placebos mais caros, mais efeito que placebos mais baratos. Isso 
pode inclusivenos ajudar a entender o porquê da menor percepção de 
eficácia de medicamentos genéricos (que em geral são mais baratos e não 
possuem nome comercial) por algumas pessoas (Branthwaite & Cooper, 
1981; Waber, Shiv, Carmon, & Ariely, 2008). 
Contudo, muitos indivíduos e profissionais de saúde se apoiam no 
“mágico efeito placebo” como justificativa para utilizar ou prescrever 
medicamentos sem demonstração de eficácia. Essa prática questionável 
44 
 
se traduz no seguinte pensamento de senso comum: “Se não faz mal, pelo 
menos faz efeito placebo”. 
Aqui é necessário fazermos uma ressalva racional: o que leva 
profissionais e pesquisadores a, muitas vezes, supervalorizarem o efeito 
placebo, é a observação da melhora dos pacientes que fazem parte do 
grupo placebo (controle) de um experimento. Mas você já sabe que a 
melhora dos pacientes de um grupo controle não se dá apenas pelo efeito 
placebo, mas pela combinação dele com diversos outros vieses, como a 
história natural da doença, a regressão à média, o efeito Hawthorne etc. 
Sob essa nova ótica, o efeito placebo, isoladamente, perde grande parte 
de sua magnitude. 
Assim, para mensurarmos o impacto apenas do efeito placebo, de 
fato, precisaríamos ter um grupo que recebesse uma “pílula placebo” 
comparado a um grupo controle que não recebesse nada. Nem sequer uma 
pílula “de mentira”. Contudo, o grupo que não recebesse nada sofreria 
outros vieses pelo fato de o estudo não estar “cego”. Ou seja, estaríamos 
sempre enviesados em nossas conclusões. Dessa forma, não existe 
justificativa plausível e racional para a prescrição deliberada de placebos 
(Kienle & Kiene, 1997). 
Mesmo sem prescrever nada ao paciente, esses vieses podem estar 
presentes. Parece ainda mais estranho não é mesmo? Um simples 
diagnóstico (até mesmo um diagnóstico placebo/falso) pode “melhorar” 
os resultados apresentados pelo paciente (Thomas, 1987). Isso se 
relaciona diretamente com o efeito de muitas terapias integrativas. Em 
diversas dessas práticas, o terapeuta não apenas prescreve uma 
intervenção, mas frequentemente oferece explicações e faz diagnósticos, 
de modo menos ortodoxo e pragmático, podendo chegar a empregar 
palavras de grande impacto psicológico, mas de pouco significado clínico 
e com nenhuma evidência sólida na área da saúde, tais como 
“ortomolecular” ou “quântico”. Isso significa que mesmo uma 
“explicação placebo” (fantasiosa) pode gerar resultados aparentemente 
45 
 
benéficos ao paciente, ainda que na ausência de uma intervenção com 
eficácia intrínseca ou mesmo na ausência de qualquer intervenção. 
Sofrer influência destes vieses não é demérito, todos nós estamos 
sujeitos a isso. Quando alguém sente melhora no quadro de dor após usar 
um placebo, não significa que a dor era “psicológica” ou uma “frescura”. 
O que estamos discutindo neste tópico é que, para uma dada intervenção 
ser considerada eficaz, ela deve provar que possui eficácia superior à 
observada no grupo placebo. Afinal, se ela for tão eficaz quanto um 
placebo, significa que não possui eficácia intrínseca. 
A essa altura da leitura do texto, é comum surgir o seguinte 
questionamento: “Você está afirmando que muitas das terapias 
integrativas são, na verdade, como se fossem placebos elaborados. Então 
como você explica o efeito ‘placebo’ em crianças, ou mesmo em animais, 
que usam essas terapias?” 
Ora, parte dos vieses que estudamos até aqui também acontecerão 
em indivíduos mais jovens ou de outras espécies. A história natural da 
doença e a regressão à média, por exemplo, são universais. Essa pergunta 
vem da ideia equivocada de que placebo é equivalente a sugestionamento. 
E, sendo assim, animais e crianças pequenas que não sabem que estão 
sendo medicados, não poderiam ser sugestionados. Porém, você deve ter 
percebido ao longo deste capítulo, que quando o “efeito placebo” é citado, 
não estamos nos referindo a um único efeito. É, na verdade, fruto de uma 
série de vieses. 
O primeiro ponto a se levantar é que, embora um bebê ou um 
animal não possam falar, os pais de crianças e os tutores de animais não 
apenas sabem falar, mas também sofrem influência de muitos vieses ao 
observar seus filhos ou animais de estimação. Sendo assim, a criança ou 
o cachorro podem não ser tão sugestionáveis, mas o pai ou tutor 
certamente são. Esse “efeito placebo indireto” tem sido descrito na 
literatura como “placebo by proxy”, algo como “placebo por procuração”, 
em uma tradução literal. Eu gosto de chamá-lo de “placebo por tabela”. 
46 
 
Suponha que uma criança está doente, com tosse e febre. Os pais 
estão muito preocupados. Fazem expressões faciais sérias ao 
conversarem com o filho e usam frases como: “você está péssimo, 
precisamos ir para um médico”, “estou muito preocupado com você, você 
está muito abatido”. Independentemente da medicação ou intervenção 
prescrita pelo médico/terapeuta, apenas o fato de serem acolhidos por um 
profissional já é algo tranquilizador. Quando a criança começa a usar o 
medicamento prescrito, os pais ficam mais aliviados, começam a sorrir 
mais e a dizer: “logo você vai ficar bem”! Essa mudança drástica nas 
expectativas dos pais e no ambiente da criança podem promover 
mudanças positivas no desfecho (ou na percepção do desfecho), 
independentemente de efeito intrínseco da intervenção (Grelotti & 
Kaptchuk, 2011). 
E no caso de animais? No caso de animais, temos também o 
placebo por tabela somado ao condicionamento. Desde os experimentos 
de Pavlov, sabemos que uma resposta fisiológica (salivação) pode ser 
condicionada a uma “substância inerte” (como tocar um sino). 
Experimentos similares para outras respostas, comparando 
medicamentos e placebos também foram observadas em animais e estão 
bem documentados na literatura (Meissner et al., 2011). 
Estudos mal conduzidos geram mais resultados positivos. 
Mesmo sabendo de todas essas variáveis de confundimento, 
muitos experimentos acabam sendo executados sem os devidos cuidados, 
e isso não impede que sejam publicados. Isso é perigoso, pois muitos 
defensores de terapias duvidosas se apoiam em tais estudos para afirmar 
que a terapia que utilizam ou praticam é eficaz. A prática do “cherry 
picking” de artigos, que em português poderíamos chamar de “catação de 
piolho”, é um dos pilares da negação da ciência (Dunning, 2019). Ao 
escolhermos apenas artigos científicos com resultados positivos (mesmo 
que sejam de baixa qualidade) para justificar nossa prática, ignorando 
47 
 
todo o ecossistema científico de resultados negativos, estamos inclinados 
a praticar uma terapia pseudocientífica. 
Quando criticamos um estudo ou dizemos que não podemos levá-
lo em consideração porque o mesmo é "pouco confiável", não fazemos 
isso por preconceito ou por um viés pessoal ou moral (ou 
político/ideológico). É pelo fato óbvio de que se um estudo não for bem 
feito, seus resultados devem ser observados com muito cuidado e 
possivelmente serão pouco confiáveis. 
Fazer pesquisa de um modo sólido nem sempre custa mais caro 
ou é mais difícil. É mais uma questão de não ter virado as costas para o 
método científico. Uns ignoram a ciência propositalmente, enquanto 
outros demonstram claramente falta de treinamento e compreensão da 
área. Mas, o mais interessante disso tudo, é que os estudos "falhos" são 
justamente aqueles que favorecem os resultados positivos de terapias 
duvidosas. Algo que podemos chamar de “falso-positivo”. Já os estudos 
bem realizados e preocupados em eliminar todos aqueles fatores de 
confusão comentados no tópico anterior deste capítulo, costumam 
mostrar que boa parte dos tratamentos não são melhores que o placebo. 
Esse rigor garante que um resultado positivo signifique que um 
medicamento de fato funciona (de maneira superior ao placebo) e 
compensa o custo de ser utilizado. 
Há algum tempo observamos esse fenômeno, e é possível afirmar 
que existe uma relaçãopraticamente linear entre a qualidade 
metodológica de um experimento sobre um tratamento e o resultado 
obtido. Quanto pior o estudo, maior a chance de o resultado ser 
(falsamente) positivo. Uma ferramenta para medir e tornar essa análise 
mais objetiva é o "score de Jadad", uma checklist com 7 itens que avaliam 
se o estudo foi randomizado, se houve mascaramento (cegamento) 
adequado, controle com placebo, entre outros fatores, que asseguram o 
rigor experimental. Assim, a nota de um estudo varia entre 0 (estudo 
muito pobre) e 5 (estudo rigoroso e adequado) (Jadad et al., 1996). O 
48 
 
pesquisador Edzard Ernst avaliou estudos clínicos sobre a homeopatia e 
ilustrou perfeitamente esse efeito ao correlacionar esses dados em um 
gráfico: quanto mais baixa a nota do estudo no eixo x, maior a 
probabilidade de o resultado ser positivo no eixo y. Conforme o estudo 
fica mais rigoroso, os resultados são menos animadores (E. Ernst & 
Pittler, 2000). Em outras palavras: quer que, a qualquer custo, sua terapia 
pareça efetiva (mesmo não sendo)? Faça um estudo mal feito. 
Por tudo que foi apresentado nesta seção é que não podemos 
confiar na eficácia de um medicamento ou tratamento apenas pela 
experiência subjetiva, representada pela frase clássica: "eu usei e 
funcionou". E é por este mesmo motivo que, para atestar a eficácia de um 
tratamento inovador, precisamos compará-lo com um placebo ou a um 
tratamento preexistente em estudos científicos de qualidade. 
 
Fitoterapia, Homeopatia e Florais: o que é natural não faz mal 
 Em uma roda de conversa alguém fala: “Homeopatia é só água, 
puro efeito placebo”. Alguém se incomoda e exclama: “Eu discordo! 
Estou usando um fitoterápico ótimo que me ajuda a dormir”. Outro 
complementa: “Eu acho bem melhor usar esses tratamentos naturais, eu 
uso Florais pra ansiedade porque não faz mal igual a esses remédios 
industrializados”. Pronto, a confusão está feita. Misturamos tratamentos 
com princípios totalmente diferentes, colocamos tudo na sacola do 
“natural” e ainda entendemos que isso é completamente inócuo para a 
saúde. 
 Antes de tudo, precisamos aqui definir mais claramente algumas 
questões. A primeira delas é separar Fitoterapia de Homeopatia e Florais 
de Bach. A Fitoterapia consiste na utilização de plantas para o tratamento 
ou prevenção de doenças. Utilizam-se determinadas plantas de caráter 
medicinal/terapêutico, em diversas formas farmacêuticas (como cápsulas, 
xaropes, soluções orais etc.) sem necessariamente isolar um princípio 
ativo específico. O uso de plantas com finalidades terapêuticas 
49 
 
acompanha a história do homem desde seus primeiros registros (Ferreira 
et al., 2014). O uso do ópio para alívio de dores, a mastigação de folhas 
de coca em regiões de grande altitude, consumo de boldo para problemas 
digestórios, entre inúmeros outros exemplos, antigos ou recentes, nos 
mostram a amplitude dessa prática. 
O primeiro item a se saber sobre os fitoterápicos é que o extrato 
de uma planta não é um princípio ativo isolado. É um conjunto de 
substâncias químicas, algumas com atividade biológica relevante 
(flavonoides, alcaloides, terpenos, taninos, fitormônios etc.), que podem 
promover alterações no organismo humano. Essas alterações podem levar 
a um efeito terapêutico e, frequentemente, também podem conduzir a 
efeitos adversos, intoxicações e interações medicamentosas importantes 
(Ferreira et al., 2014). Com isso, a alegação de “o que é natural não faz 
mal” não faz sentido lógico e é perigosa, pois proporciona uma falsa 
sensação de segurança ao usuário. Esse “apelo natural” acaba tornando 
esse tipo de tratamento mais atrativo a populações mais vulneráveis 
(como gestantes, crianças e idosos), expondo-os ao risco de seu uso 
indiscriminado (Bacchi et al., 2013). Se você ainda não estiver 
convencido, basta lembrar que nicotina e estricnina são alcaloides e o 
ópio é uma mistura de alcaloides de plantas. São, portanto, “substâncias 
naturais” de origem vegetal, mas com grande potencial tóxico. 
De modo geral, fitoterápicos agem no organismo de maneira 
semelhante a alguns medicamentos convencionais, podendo promover 
tanto efeitos terapêuticos quanto efeitos adversos e tóxicos. A maior 
diferença está na dificuldade de padronização dessas substâncias e na 
menor compreensão sobre sua ação farmacológica precisa, doses e 
mecanismo de ação, pois uma planta é um conjunto de fitoelementos que 
podem sofrer variações de acordo com a espécie, forma de cultivo, época 
de colheita, local de produção etc. Além disso, muitas das indicações são 
de origem popular e com pouca base em evidências científicas (Pray, 
2006). 
50 
 
Assim, o uso e prescrição de medicamentos fitoterápicos deve 
seguir a mesma lógica e rigor de medicamentos convencionais: observar 
se ensaios clínicos adequados demonstram eficácia intrínseca em relação 
à determinada doença e avaliar os benefícios da terapia frente aos riscos 
de efeitos adversos e interações medicamentosas que o fitoterápico pode 
provocar. 
Ainda dentro deste tema, algumas pessoas costumam utilizar chás 
ou preparações caseiras de plantas, com finalidade terapêutica. Deve-se 
notar que, embora possa haver algum efeito benéfico (em boa parte dos 
casos, questionável), a forma de preparo em cada local é variável e a 
quantidade (ou parte) da planta utilizada pode diferir bastante, sendo 
muito difícil estimar efeitos terapêuticos intrínsecos e em qual dose 
ocorreriam. Da mesma forma, há possibilidade de efeitos adversos e 
interações não intencionais com medicamentos que o paciente já faz uso 
(Manteiga, Park, & Ali, 1997). 
Uma vez definido o que é fitoterapia, cabe afirmar que 
homeopatia e a terapia floral não se enquadram nessa mesma categoria. 
A homeopatia segue a filosofia da “lei do semelhante”, que estabelece 
que uma doença pode ser curada por uma substância capaz de reproduzir 
os mesmos sintomas dessa doença, desde que diluída em doses 
“infinitesimais” (um jeito diferente de falar que é tão diluído que é 
impossível detectar a presença da substância na solução) e “dinamizadas” 
(outro jeito de dizer que o frasco foi agitado muitas vezes). Já a terapia 
floral trabalha com o conceito de que, na presença de calor, as flores 
transferem sua “energia” para a água, formando soluções orais que, de 
alguma forma, se relacionam com as emoções humanas. Note que, 
diferentemente da fitoterapia (e dos medicamentos convencionais), tanto 
homeopatia quanto terapia floral trabalham baseadas em conceitos 
filosóficos bem diferentes daqueles que norteiam a medicina. 
Isso faz com que possamos abrir mão do rigor científico e da 
necessidade de evidências? Como vimos nos tópicos iniciais deste 
51 
 
capítulo, pode ser um caminho perigoso e obscuro confiar apenas na 
nossa percepção subjetiva de eficácia de tratamentos. Por isso, os 
próximos tópicos buscam se aprofundar em duas das mais difundidas 
terapias complementares e integrativas no Brasil. 
 
Homeopatia: a cura do semelhante pelo semelhante com ajuda da 
memória da água 
A homeopatia constitui um bom exemplo que pode funcionar 
como um estereótipo didático sobre as terapias integrativas. Vários dos 
elementos que estão presentes no lobby dos tratamentos alternativos, se 
fazem presentes aqui: o argumento de autoridade apoiado no fato de ser 
uma “prática histórica”; explicações que soam científicas e explicam seu 
funcionamento, ainda que na contramão daquilo que conhecemos sobre 
fisiopatologia e mecanismos de ação de medicamentos; uma grande 
ênfase em inúmeros benefícios da prática, na ausência de malefícios, e 
assim por diante. Ao estudá-la, portanto, podemos entender melhor os 
efeitos e vieses explicados no início desse capítulo. 
A criação da homeopatia é atribuída ao médico alemão Samuel 
Hahnemann no fim do século XVIII. Por esse motivo, é especialmente 
importante entender os tratamentos

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