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Arqueologia Social Latino Americana

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Anais do IX Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, 1997 
CD-ROOM Rio de Janeiro – 2000 
 
 
 
ARQUEOLOGIA SOCIAL LATINO AMERICANA E ARQUEOLOGIA 
CRÍTICA: A POSSIBILIDADE DE UM DIÁLOGO 
 
 
Camilla Agostini 
Bolsista de Iniciação Científica - MN / UFRJ 
Lilian Valle Thomaz 
Arqueóloga - estagiária do MN / UFRJ 
Christiane Chagas Martins 
Arqueóloga - estagiária do MN / UFRJ 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 No auditório da Universidade Estácio de Sá, em abril de 1997, Luís Guillermo 
Lumbreras apresentou a palestra intitulada "Arqueologia como Ciência Social ", a fim 
de explanar alguns questionamentos levantados em uma de suas principais obras1, que 
entendemos estar inserida em um contexto mais amplo: o da chamada Arqueologia 
Social Latino Americana (ASLA). Durante a palestra, Lumbreras demonstrou um forte 
interesse em integrar a arqueologia ao contexto social presente. Contando sua trajetória 
acadêmica, mencionou a preocupação com os problemas que seu país passava e as 
dificuldades que alguns grupos dentro da sociedade peruana enfrentavam. Questionava-
se então sobre o papel do arqueólogo, tendo à sua frente uma mesa cheia de cacos e ao 
seu lado tantos problemas sociais e políticos. Parece que foi em decorrência de 
angústias dessa natureza que Lumbreras e outros arqueólogos latino-americanos 
introduziram, na década de 70, questionamentos sociais e políticos a serem 
desenvolvidos como pontos centrais na pesquisa arqueológica. 
 Ao mesmo tempo, em que tais questões eram expostas, Lumbreras fazia duras críticas 
ao pós-processualismo, chegando a esquecer, em um tom de brincadeira, o nome de Ian 
Hodder, um dos principais arqueólogos ingleses representante dessa corrente. McGuire 
(1993) lembra que arqueólogos latino-americanos com tendências marxistas criticam 
arqueólogos pós-processualistas principalmente por terem abordagens superficiais e 
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estarem primariamente ligados a lutas políticas dentro da academia, e ainda, por serem 
muito subjetivos e relativistas, além de terem um corpo teórico muito eclético. 
 Lembrando questões levantadas pelo próprio Hodder no polêmico World 
Archaeological Congress de 19862, e sobre a produção da arqueologia crítica de uma 
maneira geral, percebemos que alguns objetivos e princípios pareciam ter profunda 
relação com as ideias de Lumbreras. Nosso objetivo, então, é fazer algumas reflexões, 
na medida em que acreditamos ser importante estar sempre repensando a história da 
disciplina, para fugir da visão acumulativa e linear em que o último tem sempre razão 
(Hodder 1991b: 32). Nesse sentido, nos propomos a repensar posições sectárias, como a 
assumida por Lumbreras na palestra, sem a intenção de fazer uma análise detalhada das 
vertentes teóricas em questão, mas uma breve reflexão sobre a possibilidade de um 
diálogo. 
 Antes de desenvolvermos a proposta deste trabalho, vale citar um debate acerca do 
uso do termo "Arqueologia Social Latino Americana", no qual Patterson (1994) a 
considerou como uma escola de pensamento3, e, por outro lado, McGuire (1993) e 
Oyuela-Caycedo et al. (1996) mostraram como a chamada ASLA foi na verdade muito 
restrita a focos de interesse em alguns países da América Latina, como Peru, Venezuela, 
México e Cuba, num período específico, e, principalmente, como foram interesses 
motivados fundamentalmente pelo momento político e histórico dos países em questão, 
não tendo, assim, constituído um novo corpo teórico-metodológico no sentido estrito da 
palavra. Isto é, pela falta de relação entre a teoria e prática propostas. 
 Com esse esclarecimento, o título do trabalho pode parecer um tanto estranho: ora, 
como estabelecer um diálogo com algo que não existiu realmente? No entanto, 
acreditamos que tais focos de interesse são de suma importância para a arqueologia sul-
americana, mesmo que não tenha sido formada uma escola de pensamento como 
afirmou Patterson. Levantar esta possibilidade de diálogo é exatamente chamar a 
atenção para pessoas e grupos que talvez não tenham tido o devido reconhecimento na 
história do pensamento arqueológico. 
 Para analisar essas duas linhas de pensamento que tiveram momentos históricos bem 
distintos convém esclarecer suas bases teóricas e principais autores, e, no que diz 
respeito às supostas semelhanças, ilustrar dois quadros: a perspectiva social e a 
marxista. No entanto, sabemos como são diferentes as suas práticas analíticas, o que 
talvez explique (mas não justifique) o conflito. Uma breve apreciação dessas práticas 
talvez possa servir de guia para o diálogo proposto, que pode ser direcionado para uma 
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busca de procedimentos mais adequados, que façam com que a relação do arqueólogo 
com a sociedade seja intensificada. 
 
 
PERSPECTIVA SOCIAL 
 
 Para caracterizar as perspectivas sociais e políticas da ASLA e da Arqueologia Crítica 
tomaremos como quadro analítico os questionamentos levantados, por um lado, no 
Congresso Internacional de Americanistas, em 1970, quando a ASLA foi formalmente 
definida ( Patterson, 1994: 533 ), exemplificando-o com posicionamentos particulares 
de alguns autores, especialmente o de L.G.Lumbreras (1974). E, por outro lado, a 
polêmica do World Archaeological Congress, de 1986, como foi descrita por Hodder 
(1995) nos servirá de base. Complementaremos este segundo quadro com outras 
questões levantadas por autores fundamentados explicitamente na teoria crítica como 
Shanks & Tilley ( 1987 ). 
 Embora concordemos com Oyuela-Caycedo et al. (1996) sobre o ‘exagero’ de 
Patterson (1994) ao definir a ASLA, admitiremos alguns pontos levantados pelo autor, a 
fim de caracterizar princípios gerais seguidos por autores latino americanos que tem 
como objetivo desenvolver uma arqueologia social. 
 Os principais pontos levantados no Congresso Internacional de Americanistas (CIA)4 
foram: (1) o estabelecimento de uma definição da arqueologia como ciência, com o 
objetivo de ressaltar o aspecto social da disciplina. Lumbreras mostra como a "história 
da ciência está intimamente ligada à história da luta de classes (...), [e como os] 
‘cientistas puros’ preferem sentir-se à margem dessa luta" (1974:29); (2) A necessidade 
de um exame crítico das fundamentações epistemológicas e da prática arqueológica. Um 
bom exemplo desse tipo de questionamento são as reflexões do próprio Lumbreras a 
respeito do conceito de cultura: o autor questiona, justifica e recria o conceito, que no 
caso seria o de conduta social (1974: 16-24); (3) Rejeitam as formas positivistas e "(...) 
mecânicas, ou científico-materialistas de evolucionismo cultural" (Patterson, 1994: 
533). A crítica, na verdade, tem a sua maior ênfase voltada para o que tais perspectivas 
deixam de abordar, como o exemplo da visão do objeto arqueológico em si, não 
encarando-o como a própria cultura5 (Lumbreras, 1974, 19976); (4) "Rejeitam as 
perspectivas que viam os sistemas sociais complexos como máquinas compostas de 
partes separadas (...)" e a mudança como resultante de fatores externos do todo social 
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(Patterson 1994: 533). Podemos dizer que esta é uma crítica à perspectiva sistêmica, 
assumida principalmente pelos processualistas, em favor da visão do todo social. Isto é, 
são contra a idéia que entende as sociedades através de uma análise funcional das suas 
partes separadamente (Ibid.); (5) Assumem a perspectiva analítica adotada por Marx em 
1857 para as sociedades pré-capitalistas. Não fizeram uma " (...) apropriação e aplicação 
acrítica das ideias de Marx. [ Mas, ao contrário, propuseram] (...) um exame crítico das 
fundamentações epistemológicas da prática arqueológica, assim como dos contextos 
histórico e social aosquais elas são aplicadas" (Ibid.); (6) Adotam o materialismo 
dialético como crítica ao determinismo econômico. A perspectiva dialética tenderia a 
ver o todo social como mais do que a soma dos seus elementos constituintes, ou seja, a 
interrelação entre as partes é mais importante do que as partes em si. E é graças a essas 
interrelações, entre elementos que são por natureza contraditórios, que as sociedades 
estão em constante processo de mudança (Ibid.); ( 7 ) Preocupação com a periodização 
das sociedades pré-colombianas (que teriam sido reduzidas a uma só etapa pela visão do 
colonizador - visão dominante), com o objetivo de integrar o passado ao presente7; (8) 
Consideram que a separação pré-história - história como categorias analíticas distintas é 
mais uma questão ideológica do que de legitimação de questões teórico-metodológicas 
(Ibid.). E neste sentido deixam clara a preocupação com a influência ideológica do 
pesquisador na prática científica; (9) Levantam a necessidade de relacionar as 
interpretações dos arqueólogos às " (...) atividades e perspectivas que estão sendo 
produzidas e reproduzidas no presente, (...) considerando cuidadosamente a que 
interesses elas atendem " (Ibid.). Neste ponto, mais uma vez é levantada a importância 
da relação passado-presente e a posição político-ideológica assumida pelos 
pesquisadores, tendo em vista, ainda, a repercussão social da prática científica. 
 Durante o World Archaeological Congress (WAC), em 1986, Hodder, entre outros 
autores, assumiu um posicionamento muito claro com relação ao banimento da África 
do Sul do congresso e a suposta idéia de liberdade acadêmica. Acreditamos que muitas 
das reflexões que Hodder levantou têm profunda semelhança, se não são idênticas, às 
propostas levantadas 16 anos antes no CIA8. Entre as que acreditamos ser importantes 
para este estudo, estão: (1) Questionamento sobre a neutralidade científica. Hodder 
mostra como essa idéia "(...) tem raízes profundas no mundo ocidental, (...) [e lembra 
que] (...) a crítica da ciência ocidental como ideologia foi bem desenvolvida dentro da 
teoria crítica" (1992: 136). Mostra como o discurso de neutralidade política da ciência, 
no cenário capitalista, é uma forma de garantir status ao cientista e à própria ciência de 
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uma maneira geral. Neste sentido deixa claro que "dentro do capitalismo, e 
particularmente num capitalismo de alta tecnologia, a ciência é a base do sucesso 
industrial", sendo assim, uma forma de prestígio e status social (Ibid.). 
Complementando esta crítica, Shanks & Tilley (1987) mostraram como "(...) o 
conhecimento do passado é ao mesmo tempo uma forma de dominação e controle (...)" 
(Ibid., p. 207), e como "(...) uma arqueologia supostamente neutra serve para sustentar a 
ordem social existente (...)" (Ibid., p. 199). Foram muitos os autores que se 
manifestaram nesta direção, esclarecendo como o passado serve de fonte para gerar 
conhecimentos que guiam a ação social (Durrans, 1989: 67)9, e que isso implica, na 
verdade, uma forma de criação da consciência social (Leone et al., 1987), o que nos leva 
ao próximo ponto; (2) A relação passado-presente e a prática social da arqueologia, e 
ainda, a questão de que a ideologia dominante deve ser criticada e modificada através da 
ação social, e isso inclui o debate social; (3) Reclamam a falta de pesquisas sobre (e 
para) as categorias menos favorecidas da sociedade, o que demonstra que a condução da 
ciência é ideológica e guiada pelos interesses dominantes; (4) Hodder examina as visões 
de ideologia na literatura arqueológica atualmente, distinguindo, uma mais pessimista, 
em que a ideologia representa os interesses dos grupos dominantes na sociedade; isto é, 
a perspectiva dominante é sempre absorvida e não é modificável, podendo-se 
argumentar que debater sobre o passado as reforça simplesmente. E uma outra, mais 
otimista; nesta, a sociedade é vista como sendo formada por grupos com diferentes 
interesses, com ideologias particulares, e que mudança social surge da prática do debate 
social, e, neste sentido, a ideologia pode ser socialmente ativa, " revelando mais que 
mascarando" (1995: 140); (5) Levantam questionamentos sobre o conceito de liberdade 
acadêmica, considerando a ideologia e os interesses sociais do pesquisador. Essa foi 
uma discussão chave no congresso, devido ao constrangimento com relação ao 
banimento da África do Sul, que fez com que alguns se colocassem à parte de 
questionamentos políticos desta natureza, por não considerarem esta uma preocupação 
tipicamente científica. Criticando este tipo de posicionamento, Hodder afirma que "(...) 
do mesmo modo que todas as análises da teoria crítica são ideológicas e políticas, assim 
são todos os pontos de vista em arqueologia, incluindo a ideia de que a ciência 
arqueológica não é política" (1995: 139). 
 O posicionamento do arqueólogo perante o seu objeto de pesquisa, como vimos, tem 
extrema importância, na medida em que o conhecimento do passado é criado dentro de 
um contexto social e político, e este conhecimento nunca será um reflexo da realidade 
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passada; ou seja, o enfoque dado pelo pesquisador nunca é politicamente neutro. Nesse 
sentido são produzidas uma série de críticas a estudos que não desenvolvem este tipo de 
preocupação. Estas reflexões vêm fazendo com que arqueólogos ressaltem a 
necessidade do desenvolvimento de pesquisas que visam categorias menos favorecidas 
da sociedade, assim como a importância da consciência e ação social do pesquisador. 
 A definição de Shanks & Tilley (1987: 198) da arqueologia crítica como um convite 
para que arqueólogos se concentrem em uma prática transformadora, além de seus 
questionamentos sobre os objetivos educacionais com o intuito de desafiar a relação do 
arqueólogo com a sociedade, foram questões que deram continuidade à produção e 
organização da arqueologia no final da década de 80, e durante a década de 90, que têm 
repercussão, atualmente, no trabalho de profissionais que vêm se dedicando 
especialmente à chamada arqueologia pública. 
 
 
PERSPECTIVA MARXISTA 
 
 Não seria necessário dizer que a teoria marxista foi absorvida por diferentes linhas de 
pensamento, em épocas distintas e sofreu adaptações e/ou deturpações as mais variadas. 
Não nos interessa aqui dar um panorama destas diferenças, menos ainda tentar fazer 
uma síntese do que seria o marxismo e sua aplicação na arqueologia. Mais uma vez, 
vamos nos restringir a alguns princípios básicos, observando como esses aparecem nas 
fundamentações da Arqueologia Social e Crítica. 
 Patterson (1994: 532) dá exemplos de diferentes adaptações da teoria marxista em 
arqueologia. Por um lado, mostra como alguns autores acreditavam que "(...) a teoria 
social Marxista poderia ser enriquecida pelo diálogo e apropriação de perspectivas neo-
Kantianas, científico materialistas, de darwinismo social, e/ou positivistas". E numa 
outra direção, autores defendiam que "(...) o realismo ontológico de Marx, a dialética 
materialista, e procedimentos dialéticos e críticos distinguiram a sua teoria social de 
outros pontos de vista" (1994: 532). Com esses exemplos, dentre outros, o autor mostra 
como a relação entre o marxismo e a arqueologia é bastante complexa e produzida em 
vários níveis de sofisticação. 
 Trigger (1993) lista princípios gerais compartilhados por várias linhas anglo-
americanas de pensamento marxista, que complementamos com alguns outros pontos 
anteriormente citados, de maneira que podemos ver, de forma sucinta, que são 
7 
 
princípios tanto de arqueólogos latino-americanos, quanto daqueles fundamentados na 
teoria crítica. 
 Entre eles, podemos citar a preocupação com o todo social, como crítica ao 
entendimento das sociedades por partes, explicando-as independentemente.Assim, 
consideram as contradições e conflitos como características vitais das sociedades e 
fontes internas de mudança. Neste sentido, a visão da mudança sócio-cultural passa a 
ser fundamental, em contraposição a uma visão funcionalista e a-histórica. O enfoque 
nas relações contraditórias e conflituosas leva, por sua vez, ao estudo das relações de 
poder entre grupos e indivíduos de uma sociedade. Como pano de fundo, a visão da 
história centrada no homem rejeita qualquer forma de determinismo, seja ambiental, ou 
econômico, buscando, por outro lado, uma perspectiva dialética. Neste sentido, Hodder 
chega a afirmar que na arqueologia marxista "(...) todas as práticas sociais envolvem 
relações dialéticas: o desenvolvimento da sociedade ocorre através da unidade de 
opostos" (1991a: 59). 
 Caracterizando a arqueologia marxista, Hodder dá um panorama da relação entre 
infra e superestruturas, e como os indivíduos se inserem neste contexto. Menciona que 
"arqueólogos frequentemente fazem uso da afirmação de Marx, feita em 1859, de que a 
superestrutura, incorporando a ideologia, está fundamentada e surge da infraestrutura. A 
ideologia então funciona mascarando as contradições de conflito dentro e entre as forças 
e relações de produção" (1991a: 63). Shanks e Tilley consideram "esta tradição crítica 
do marxismo como uma das mais importantes e uma das fontes essenciais para a 
reconstrução da teoria e prática arqueológicas" (1987: 194). 
 Alguns pressupostos teóricos, como por exemplo, aqueles desenvolvidos por 
Lumbreras, parecem partir do materialismo histórico de Childe. Pode-se verificar isto 
quando o autor indica que a preocupação do arqueólogo deve ser com o "(...) 
ordenamento dos materiais, [devendo] estabelecer o nível de desenvolvimento das 
forças produtivas, para, em conjunto, poder expor isto à comparação com outros grupos 
homotaxiais". E ainda, "(...) reconstruir as relações sociais de produção (...)", 
permitindo assim o estabelecimento de modos de produção característicos ( Lumbreras, 
1974: 46 ), sendo o objeto material uma expressão das "(...) chamadas forças produtivas 
determinadas pelos meios de produção e a força de trabalho" (Ibid.), não admitindo que 
pela própria metodologia arqueológica fosse possível "(...) entender a ‘superestrutura’ se 
não se tem uma boa ideia da ‘base’ (1974: 128). Podemos comparar esta última 
colocação de Lumbreras com algumas conclusões de Childe ( In Trigger, 1989 ), entre 
8 
 
as quais a de "(...) que o estudo arqueológico do conhecimento deve ser restrito às 
questões tecnológicas e em termos de resultados práticos (...)" (1989: 262). 
 Trigger (1989) ilustra a arqueologia marxista de Gordon Childe a partir de suas 
visitas à URSS na década de 1930, quando então teria iniciado seu estudo sobre as bases 
filosóficas do marxismo, relacionando-as com a arqueologia. Tais reflexões fizeram 
com que Trigger se remetesse a considerações do autor, como a "(...) significância de 
qualquer generalização só podendo ser estabelecida em relação a contextos históricos 
específicos, (...) [permitindo assim,] o entendimento da evolução e o funcionamento da 
tecnologia operante. [Defendia uma evolução multilinear, mas] (...) argumentava que de 
acordo com os princípios marxistas, ao longo do tempo as culturas partilham o mesmo 
modo de produção e tendem a expandir a semelhança social, política e de formação de 
instituições culturais (...)" (1989: 260-261). 
 No entanto, Childe parece não ter aceitado "(...) inteiramente o programa soviético 
(...), [recusando-se] (...) a adotar o seu esquema detalhado de formações 
socioeconômicas ou qualquer outra formulação unilinear da evolução social" (1989: 
255). Manteve a sua visão de difusão como o fator mais importante para o 
desenvolvimento cultural, e, em nível analítico, a ênfase nas tipologias. Adotando 
assim, uma perspectiva que entende a mudança social como tendo as suas principais 
causas nos fatores econômicos. 
 A arqueologia marxista de Childe também serviu como fundamentação básica do 
pós-processualismo. Mark Leone chama a atenção para o interesse do autor na relação 
passado-presente que "(...) é criada pela análise das contradições expressas através do 
surgimento de classes e seus conflitos" (1982: 181). Esta relação envolveria questões 
ideológicas, criadas e sustentadas pelo próprio pesquisador, e teria importância 
fundamental para a criação da consciência (1982: 182). E ainda, buscou trabalhar 
eventos particulares, assumindo que estes seriam determinados historicamente, como 
iriam fazer os arqueólogos pós-processualistas a partir do início da década de 1980. 
 Procuramos mostrar alguns pressupostos marxistas de ambas as correntes discutidas, 
que tem a sua intercessão em Gordon Childe. Bem se sabe que as preocupações com os 
contextos históricos, relações de conflito, relativismo e particularismo históricos, 
relação passado-presente foram observadas de formas diferentes por autores como 
Lumbreras e Arenas e aqueles com preocupações como as apresentadas por Hodder, 
Shanks e Tilley. Podemos observar estas diferenças nas suas práticas analíticas e 
interpretativas. 
9 
 
 
 
PERSPECTIVAS PRÁTICAS 
 
 As perspectivas práticas assumidas por arqueólogos latino-americanos e anglo-
americanos são bem distintas, o que demonstra, como vimos, que apesar de 
compartilharem princípios políticos e sociais e fundamentarem-se em princípios 
marxistas identificados nas perspectivas de Gordon Childe, têm a sua adaptação e 
entendimento de formas diferentes. 
 No entanto, tais distinções não deveriam propiciar um conflito, que expressa um 
preconceito extremo de ambas as partes, e sim, incitar ao debate. Neste sentido, 
levantamos uma questão que talvez possa servir de ponto de partida: que procedimentos 
seriam adequados para fazer com que a aplicação dos objetivos políticos e sociais seja 
bem sucedida, tendo em vista alguns resultados extremamente criticados (e.g. Leone, 
1987) ? 
 Na análise das totalidades historicamente constituídas, foram identificadas pelos 
arqueólogos latino-americanos: a formação socioeconômica, o modo de produção, a 
cultura e o modo de vida. Estudos realizados por Lumbreras (1972), sobre o surgimento 
da agricultura no arcaico inferior do Peru, descreve com detalhes os primeiros vegetais e 
animais domesticados na região e sua distribuição por ecossistemas distintos. O 
aparecimento de animais e plantas em regiões às quais não pertenciam estava 
relacionado aos movimentos de sazonalidade e transumância. Questões como o 
tratamento dos mortos e seus acompanhamentos funerários ficaram muito restritas à 
descrição do material. 
 Ao analisar culturas mais complexas, como os Inca-Chincha, Lumbreras (ibid.) 
continua abordando estas sociedades como uma síntese histórica, descrevendo fatos e 
dados que não demonstram a riqueza e complexidade do todo social. As relações de 
dominação e resistência são apresentadas factualmente. Os grandes monumentos, como 
as pirâmides, foram identificados e descritos como um importante centro 
administrativo, estando a sua complexidade demonstrada pela pluralidade de materiais 
empregados na sua construção. Identifica as diferentes direções das ruas como evidência 
de uma administração centralizada durante parte do período pré-incaico. 
 A visão que poderíamos denominar " histórico-cultural " persiste ainda em outros 
casos estudados por Lumbreras (1979), porém fatores como poder social e prestígio 
10 
 
começam a ser evidenciados. Chegou a identificar, no processo de formação da 
teocracia de Chavín, as relações de poder envolvidas, sobretudo a aliança de sacerdotes 
com artesãos para a ‘criação’ de ‘deuses severos e detentores do poder’, que por sua vez 
serviriam como principal elemento de dominação da classe camponesa. Chama a 
atenção para a formação de uma teocracia, o estabelecimento de classes e dopróprio 
Estado como um processo que não se desenvolveu sem resistência. Afirma que como 
toda ‘revolução social’ foi decorrente principalmente do desenvolvimento econômico e 
tecnológico então atingido. No entanto, assinala aspectos ideológicos da dominação 
sacerdotal expressos nas esculturas e na arquitetura em pedra, que seriam uma 
representação de poder e grandeza, revelando a concepção de mundo de quem às impôs 
a toda a população. 
 Lumbreras (1992) assume a tese de que a tecnologia é a expressão cultural que media 
a relação entre o homem e a natureza, não admitindo, no entanto, um aspecto 
monocausal para esta identificação. Realça ainda que a tarefa do arqueólogo é procurar 
entender quais são as forças motrizes dos processos históricos e os indicadores materiais 
em que a arqueologia pode se basear para uma explicação de tais processos. 
 Entre estudos que vêm refinando esta prática, podemos nos referir aos trabalhos de 
Sanoja e Vargas, que, em sua revisão crítica da arqueologia sul-americana (1992), 
identificaram a proposta de Steward, dentre outras, que se desenvolveu na arqueologia 
latino-americana, presa aos estudos de causalidade das transformações sociais, enquanto 
que, por outro lado, arqueólogos como Lumbreras, Veloz, Bate e Lopez baseiam-se em 
um novo marco conceitual, que procura entender o processo de transformação histórica 
através das condições internas materiais da sociedade. Nesta perspectiva, as formas de 
produção e as relações sociais possibilitam o processo de transformação. 
 A análise de uma formação tribal feita pelos autores (1992) é realizada sob uma 
proposta teórica que reúne três categorias básicas que integra uma formação social em: 
um modo de produção, um modo de vida (trabalho) e a cultura. 
 Para eles o passado histórico não está dissociado dos processos históricos do presente 
e não se limitam às atividades de produção destacadas da vida social, mas se integram e 
se inter-relacionam, propiciando a dinâmica da formação social. 
 Para falar dos aspectos práticos da arqueologia crítica, devemos, antes de mais nada, 
contextualizá-los dentro do quadro maior do pós-processualismo. Schakel e Little 
(1992) ilustram bem as suas diversas abordagens e os limites tênues entre elas, 
identificando os pontos negativos e positivos deste ecletismo. No entanto, podemos 
11 
 
identificar em alguns estudos uma aplicação efetiva dos questionamentos que 
levantamos anteriormente. Entre eles, os estudos de gênero, de classes operárias, 
escravos e outras categorias que têm a sua história deturpada pela visão dominante, vêm 
demonstrando aspectos da relação resistência - dominação, até então não muito bem 
definidos. 
 Spector (1996), desenvolvendo uma arqueologia feminista, vem explicitando o 
androcentrismo das abordagens em arqueologia, definindo "(...) o significado do gênero 
como uma categoria analítica" (Ibid., p.486). Neste sentido, recusa-se a admitir a visão 
simplista e "(...) androcêntrica das atividades como caça, coleta, plantio (...)" e das 
relações de trabalhos então relacionadas (Ibid., p.487). Ehrenberg (1992), sob uma 
mesma perspectiva, demonstra como a pré-história pode ser explanada de forma 
completamente diferente de como é tradicionalmente entendida, identificando o papel 
da mulher e ressaltando os ambientes ‘domésticos’ e rituais, normalmente 
negligenciados. 
 
 
CONCLUSÃO 
 
 Sem dúvida alguma as preocupações políticas e sociais abordadas neste trabalho são 
de suma importância para a arqueologia atualmente. O Brasil, parece estar à parte destas 
discussões, a não ser por algumas colocações de Funari (1988, 1995) com relação ao 
entendimento da história da cultura afro-brasileira, e, por um outro tipo de produção, 
como esforços que têm como objetivo o crescimento da arqueologia enquanto profissão. 
Entre estes temos três direções que consideramos principais; uma com relação à 
questões patrimoniais (Kern, 1995; Lima 1997), outra com o estabelecimento de 
princípios éticos para a comunidade científica (Lima, 1997), e uma terceira, relacionada 
diretamente com a educação (Zortéa, 1995; Leite, 1995). 
 Acreditamos que embora estes trabalhos não estejam tratando da prática arqueológica 
no sentido da produção científica como é tradicionalmente entendida, têm um papel 
fundamental no amadurecimento da relação da arqueologia com a sociedade, que pode 
vir a estimular novos enfoques de análise que procurem ampliar seus objetivos nesta 
direção. 
 Vale lembrar alguns questionamentos sobre a aplicação de questões políticas na 
arqueologia, como os observados por Bernbeck e Mawr (1997) no trabalho de Kohl e 
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Fawcett que levantaram o problema da "manipulação e destruição dos ‘dados’ 
arqueológicos, diretamente ligados à construção de identidades coletivas" em casos 
extremos como nas guerras. A partir de contextos desta natureza refletimos que tipo de 
repercussão podem ter posições extremadas como as de Shanks e Tilley (1987: 204) que 
têm "(...) a noção do discurso arqueológico como parte de uma guerra de posições". 
Como alerta Bell (1991: 80), tais posicionamentos radicais se recusam a estabelecer 
qualquer critério na adoção da arqueologia crítica, sem "(...) hesitar em impor as suas 
próprias visões políticas e sociais à teoria arqueológica". 
 Assim, se por um lado, em certos contextos, posicionamentos extremados podem 
resultar em maiores problemas sociais, uma pretensa neutralidade apenas mascara 
outros resultados igualmente problemáticos. Desta maneira, concordamos com Bell 
(ibid.) de que critérios devem ser esclarecidos, sem, contudo, abandonar a consciência 
política já adquirida. De uma maneira geral, a arqueologia não deve deixar o objetivo de 
"(...) produzir textos que interroguem o passado na forma de um documento social, 
forjado no presente, estimulando uma resposta, uma reação, um outro texto" (1987: 
207). 
 Neste trabalho, tivemos o intuito de questionar até que ponto posições sectárias 
podem dificultar um diálogo, que não tem como objetivo chegar a um comum acordo, 
mas desenvolver soluções de aplicabilidade a certos questionamentos e objetivos, que, 
por vezes, perdem o seu sentido de pluralidade, isto é, não fogem da ideia de que 
existem ‘métodos ideais e absolutos para ideias únicas e originais’, característica básica 
dos provincialismos. 
 Tendo em vista que as questões levantadas em 1970, em Lima, têm objetivos 
claramente políticos e de repercussão social muito semelhantes àquelas levantadas por 
arqueólogos anglo-americanos na déc. de 80, não vemos motivos para sectarismos e 
radicalizações, mesmo sabendo como são diferentes as formas de aplicação desses 
interesses. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 Gostaríamos de agradecer à Prof a. Tania Andrade Lima que vem nos incentivando a 
entrar em debates sobre teoria em arqueologia, e seguramente sem seus ensinamentos e 
orientação não estaríamos publicando estas reflexões. Agradecemos também a todos 
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que direta ou indiretamente participaram deste trabalho, seja nas leituras prévias, seja 
com constantes incentivos, principalmente às Professoras Ana Cristina de Sousa e 
Márcia Bezerra de Almeida e aos amigos Valéria Batista Sant’Ana e Alfredo Ignácio 
Minetti Albertini. E, finalmente, agradecer ao Prof. Lumbreras por nos ter 
proporcionado estas reflexões com a sua empolgante palestra, e, principalmente por ter 
nos acolhido e incentivado durante o congresso. 
 
 
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