Prévia do material em texto
número 7 | 2013 EDITORES Aline Carvalho (LAP/NEPAM/UNICAMP) Pedro Paulo A. Funari (LAP/NEPAM/UNICAMP) COMISSÃO EDITORIAL Ana Piñon (Universidad Complutense de Madrid, Espanha) Andrés Zarankin (UFMG) Erika Marion Robrahn-González (Documento - Patrimônio Cultural, Arqueologia e Antropologia Ltda) Gilson Rambelli (LAAA / NAR / UFS) Lourdes Dominguez (Oficina del Historiador, Havana, Cuba) Lúcio Menezes Ferreira (UFPel) Nanci Vieira Oliveira (UERJ) Charles Orser (Illinois State University, EUA) CONSELHO EDITORIAL Bernd Fahmel Bayer (Universidad Nacional Autónoma de México, México) Gilson Martins (UFMS) José Luiz de Morais (MAE/USP) Laurent Olivier (Université de Paris, França) Martin Hall (Cape Town University, África do Sul) Sian Jones (University of Manchester, Inglaterra) COMISSÃO TÉCNICA Rafael Augusto Nakayama Rufino Franciely da Luz Oliveira Marcos Rogério Pereira Derivaldo Reis de Sousa ESTÁGIO – REVISÃO TEXTUAL Camila Secolin PROJETO GRÁFICO Luiza de Carvalho DIAGRAMAÇÃO Rafael Augusto Nakayama Rufino Franciely da Luz Oliveira Laboratório TERRAMÃE 5 EDITORIAL Aline Carvalho ARTIGOS 7 O REI MAIA KUKULCÁN E SEUS DISCURSOS DE PROPAGANDA POLÍTICA EM CHICHÉN ITZÁ Alexandre Guida Navarro 20 PRÁTICA ARQUEOLÓGICA E MEMÓRIA SOCIAL: REDES DE SABER E PODER NAS PESQUISAS EM ÁREAS DE EXPANSÃO DE CULTIVO NO INTERIOR PAULISTA Camila Wichers 39 ARQUEOLOGIA E PODER: A LEGITIMAÇÃO DO ESTADO Cláudio Umpierre Carlan 48 A ARQUEOLOGIA AMAZÔNICA E O CONTEÚDO IDEOLÓGICO DE SUAS INTERPRETAÇÕES Denise Maria Cavalcante Gomes 60 PROJETOS EDUCACIONAIS E POLÍTICAS INTERVENTIVAS NO CAMPO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL E ARQUEOLÓGICO NA REGIÃO DE ARARAQUARA (SP) Robson Rodrigues e Dulcelaine L. Lopes Nishikawa 75 AÇÕES DO PROJETO ARQUEOLOGIA E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA – DIÁLOGOS E SABERES: SITE E DOCUMENTÁRIO Glória Tega, Vera Regina Toledo Camargo, Maria Beatriz Rocha Ferreira, Pedro Paulo Funari e Aline Vieira de Carvalho 87 ESSAS COISAS NÃO LHES PERTENCEM: RELAÇÕES ENTRE LEGISLAÇÃO ARQUEOLÓGICA, CULTURA MATERIAL E COMUNIDADES Lúcio Menezes Ferreira 107 OS SENTIDOS CONTEMPORÂNEOS DAS COISAS DO PASSADO: REFLEXÕES A PARTIR DA AMAZÔNIA Marcia Bezerra SUMÁRI O 123 PORTOS, PORTAS E PRODUÇÃO: ARQUEOLOGIA DO PODER EM CANANÉIA (SP), SÉCULOS XIX e XX Paulo F. Bava de Camargo 138 PROJETO ARQUEOLOGIA E EDUCAÇÃO: UM OLHAR PARA O PASSADO DA REGIÃO DE POÇOS DE CALDAS Solange Schiavetto, Ana Paula Gilaverte e Diego dos Santos de Andrade RESENHA 153 NAVARRO, Alexandre Guida. Kakupacal e Kukulcán: iconografia e contexto espacial de dois reis-guerreiros maias em Chichén Itzá. São Luís: Café & Lápis; EDUFMA, 2012, 96 p. Luis Estevam de Oliveira Fernandes e Luis Guilherme Kalil ENTREVISTA 157 JOSÉ REMESAL RODRÍGUEZ (História Antiga - Universidade de Barcelona) Por: Pedro Fermín Maguire e Isabela Soraia Backx Sanabria ERRATA 164 Julho de 2 0 1 3 Caríssimos colegas, É com um imenso prazer que a equipe do Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP/NEPAM/UNICAMP) apresenta e disponibiliza a sétima edição da Revista de Arqueologia Pública. Este número têm sentidos muito especiais para nós: 1) os textos passaram a ser configurados em um novo formato, iniciando, desta forma, nossa transição para o Sistema Open Journal System (OJS); que permite o gerenciamento de periódicos gratuitos na internet. 2) Para além disso, mantivemos a publicação periódica, gratuita, acessível e com artigos de qualidade. E, por fim, 3) essa edição traz uma seleção de textos que nos remetem diretamente às discussões realizadas na “Primeira Semana de Arqueologia Pública – Arqueologia e Poder”, organizada pelo LAP nos dias 19, 20 e 21 de março deste ano. Sem dúvida alguma, a Semana de Arqueologia foi uma grande experiência para nós: contamos com um público que se deslocou de diferentes regiões do país para participar do evento; e, podemos destacar que cada uma dessas pessoas que nos prestigiaram trouxeram experiências variadas, relacionadas ao conhecimento arqueológico, que se configuraram como cruciais para pensarmos questões teóricas, metodológicas e éticas de nosso próprio campo de atuação. Junto a esse movimento, contamos com palestrantes que com suas exposições e provocações nos permitiram a construção de reflexões acerca de temas plurais, que iam desde os aspectos vinculados à própria noção de Estado, Poder e Arqueologia, chegando ao território das sensibilidades e dos limites de nossa atuação. O evento foi para nós uma conquista. Os artigos que se seguem são, portanto, uma pequena amostra destes três dias intensos e criativos da “Semana de Arqueologia”. Com a leitura das produções dos professores Alexandre Guida Navarro, Camila Wichers, Cláudio Umpierre Carlan, Denise Maria Cavalcante Gomes, Robson Rodrigues, Dulcelaine L. Lopes Nishikawa, Glória Tega, Vera Regina Toledo Camargo, Maria Beatriz Rocha Ferreira, Pedro Paulo Funari, Aline Vieira de Carvalho, Lúcio Menezes Ferreira, Marcia Bezerra, Paulo Bava, Solange EDI TORI AL Schiavetto, Ana Paula Gilaverte e Diego dos Santos de Andrade, nosso leitor poderá ter um pouco da Semana de Arqueologia em suas mãos! Completamos o leque de artigos com a publicação de uma resenha produzida pelos americanistas Luiz E. de Oliveira Fernandes e Luís Guilherme Kalil sobre o livro Kakupacal e Kukulcán: iconografia e contexto espacial de dois reis-guerreiros maias em Chichén Itzá, de Alexandre Guida Navarro, lançado na “Semana de Arqueologia”. E, uma entrevista realizada por Pedro Fermín e Isabela Backx, nossos alunos de pós-graduação, com o professor da Universidade de Barcelona e conferencista da Semana de Arqueologia José Remesal Rodríguez. Aproveito para indicar os “Anais da Primeira Semana de Arqueologia da Unicamp”, também disponibilizado na internet, como um caminho para acessar os textos completos das apresentações feitas no Evento e que não estão presentes nesta edição da Revista. Por fim, desejamos uma boa leitura dos artigos que se seguem e reforçamos os votos para que possamos reunir um número ainda maior de pessoas e debates na “Segunda Semana de Arqueologia da Unicamp”. Esforçaremo-nos para isso! Boa leitura! Aline Carvalho Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 7 O REI MAIA KUKULCÁN E SEUS DISCURSOS DE PROPAGANDA POLÍTICA EM CHICHÉN ITZÁ The Mayan King Kukulcan and his Speeches of Political Propaganda in Chichen Itza Alexandre Guida Navarro1 RESUMO Chichén Itzá foi um populoso centro urbano maia responsável por tributar centenas de cidades, organizar um exército eficaz para os empreendimentos guerreiros e realizar comércio de longa distância com outras cidades maias e de outras etnias. Durante seu auge, no século IX, a cidade foi governada por um rei chamado Kukulcán, que foi responsável pela maioria das construções arquitetônicas da cidade. Tal governo foi marcado por uma eficiente propaganda política que foi planejada segundo um processo cognitivo de representação imagética do governante, cuja principal manifestação deu-se em forma de uma serpente emplumada. Estas imagens serviram de propaganda política para perpetuar a soberania deste rei, além de ser um registro imagético de sua importância na memória coletiva desta cidade maia. Palavras-chave: civilização maia, propaganda política, cultura material ABSTRACT Chichén Itzá was a populated urban center Mayan responsible for taxing hundreds of cities, to organize an army effective for warriors and perform long-distance trade with other Mayan cities and other ethnicities. During its heyday in the ninth century, the city was ruled by a kingnamed Kukulcan, which was responsible for most of the city's architectural constructions. This ruler was marked by an efficient propaganda that was planned according to a cognitive process of his imagery representation, whose main manifestation came in the form of a feathered serpent. These images were used as propaganda to perpetuate the sovereignty of the king, besides being a record imagery of its importance in the collective memory of this Mayan city. Keywords: Mayan Civilization, Political Propaganda, Material Culture RESUMEN Chichén Itzá fue un gran centro urbano maya responsable por tributar cientos de ciudades, organizar un ejército eficaz para y realizar comercio a larga distancia con otras ciudades mayas y otros grupos étnicos. Durante su apogeo en el siglo IX, la ciudad fue gobernada por un rey llamado Kukulcán, que construyó la mayoría de los edificios arquitectónicos de la ciudad. Este gobierno fue marcado por una propaganda eficaz que fue planeada de acuerdo 1 Doutor em Arqueologia pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Professor Adjunto II da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: altardesacrificios@yahoo.com.br Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 8 con un proceso cognitivo bajo la representación de las imágenes del gobernante, cuya principal manifestación era la serpiente emplumada. Estas imágenes fueron utilizadas como propaganda para perpetuar la soberanía del rey, además de ser un registro importante de las imágenes como memoria colectiva de esta ciudad maya. Palabras clave: civilización maya, propaganda política, cultura material Introdução: As crônicas As crônicas escritas pelos missionários espanhóis no século XVI são um conjunto documental etnográfico acerca das comunidades maias que viviam na Península do Iucatã quando do período do contato. Por outro lado, por associação etnológica, muitos costumes indígenas relatados na época da Conquista foram utilizados para explicar o cotidiano maia de períodos anteriores, como o Clássico (300-900 d.C.), sobretudo os aspectos religiosos, muitos dos quais, teriam sobrevivido à época da chegada dos conquistadores. O personagem Kukulcán aparece em várias destas crônicas, como o relato do bispo Diego de Landa em sua célebre obra Relación de las cosas de Yucatán (1566). A etimologia da palavra revela que kuk é “pluma de ave geral” e can, “serpente, cobra” (Dicionário maia Cordemex, p. 420, 1980). Portanto, este personagem está associado à serpente emplumada, um importante símbolo religioso pré-hispânico, que, na versão religiosa do altiplano recebeu o nome de Quetzalcóatl. Qual o seu significado segundo as crônicas? Nestes documentos, uma das associações de Kukulcán refere-se aos assuntos governamentais, e sua relação com a cultura material apareceu pela primeira vez na importante obra do primeiro bispo de Iucatán, frei Diego de Landa, intitulada “Relaciones de las Cosas de Yucatán”, quem em 1566 escreveu que “… é opinião que entre os itzaes que povoaram Chicheniza, reinou um grande senhor chamado Cuculcan, e que mostra ser isso verdade que o edifício principal se chama Cuculcan…” (LANDA, 2003: 94). Fica evidente, deste modo, que na obra de Landa, Kukulcán é um soberano maia. Por outro lado, outros cronistas, como Diego López de Cogolludo (1688) e Bernardo de Lizana (1633) registraram a existência histórica de Kukulcán como um personagem associado à guerra na península do Iucatã. Cogolludo (1688) documenta que “...os itzás de Chichén Itzá veneravam um ídolo que havia sido grande capitão [guerreiro] entre eles, chamando-o de Kukulcan ou serpente emplumada…” (LÓPEZ DE COGOLLUDO, 1971 I: 352). Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 9 Já nas Relaciones Histórico-Geográficas de la Gobernación de Yucatán (1984a) [1560], o nome de Kukulcán aparece citado seis vezes, todas elas apontando o personagem como o introdutor da idolatria no Iucatã. A Relación de Motul (1984: 269-70) narra que: No que toca às adorações tinham conhecimentos de um Deus que criou o céu e a terra e todas as coisas… ao qual tinham edificado templo com sacerdotes, que levavam presentes e esmolas para que eles os oferecessem a Deus, e esta maneira de adoração teve até que veio de fora desta terra um grande senhor com gente chamado Kukulcan, e daqui começaram os da terra idolatrar. Chichén Itzá e Kukulcán Chichén Itzá foi centro hegemônico que conquistou militarmente grande parte da Península do Iucatã, foi produtor e distribuidor exclusivo de sal em toda Mesoamérica, controlou grande parte das rotas marítimas maias através da construção de portos, além de ter sido uma cidade responsável por tributar várias cidades maias, além de outras no altiplano mexicano. O seu principal conjunto de edifícios chama-se Grande Nivelação, uma grande área de construção arquitetônica localizada ao norte da cidade (PIÑA CHÁN, 1980; RINGLE et al. 1998; LÓPEZ AUSTIN e LÓPEZ LUJÁN, 1999; COBOS, 2003; SHARER, 2003; BAUDEZ, 2004; RINGLE, 2004; NAVARRO, 2007). Embora a escrita de Chichén Itzá não faça alusão direta ao personagem Kukulcán, por analogia etnológica e iconográfica, é possível perceber que este indivíduo foi representado em alguns edifícios da Grande Nivelação (KROCHOCK, 1988, 1989). Levando em consideração a iconografia com temas associados ao poder real na área maia, além de sua associação com a serpente emplumada, o principal componente simbólico de Kukulcán, alguns pesquisadores têm postulado que este personagem foi plasmado na memória coletiva de Chichén Itzá (COBOS, 2003; NAVARRO, 2007; NAVARRO e FUNARI, 2009). Já que a serpente emplumada é o principal componente iconográfico do personagem, realizamos, através de pesquisa doutoral, um catálogo com a representação destas imagens. Observamos uma considerável variação nos tipos plumários. Em princípio, pensamos que se isso devia ao estilo aplicado pelo pintor, no entanto, essas plumas parecem ser um signo que identifica diferentes conjuntos arquitetônicos dentro da Grande Nivelação. Os exemplares podem ser classificados em: sem plumas, com plumas em forma de gancho, com plumas longas, plumas em forma de espinho e plumas com forma de triângulo isósceles (figuras 1a, 1b, 1c, 1d e 1e; todas desenhadas pelo autor). Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 10 Figura 1a. Serpente sem plumas na serpe Figura 1b. Serpente com plumas longas. Figura 1c. Serpente com pluma em forma de gancho. Figura 1d. Serpente com plumas em forma de espinho. Figura 1e. Serpente com plumas em forma de triângulo isósceles. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 11 Catalogado um total de 147 imagens de serpentes com e sem plumas, apenas 10 não estão na Grande Nivelação. Isso significa que 93,19% das imagens de serpente catalogadas aparece nesta esplanada (figura 2). Figura 2. Distribuição espacial de serpentes emplumadas em Chichén Itzá. Podemos observar que a Grande Nivelação divide-se em dois setores: a Plaza do Castillo é mais aberto, caracterizado principalmente pela presença de estruturas piramidais. Já o Conjunto das Mil Colunas é um espaço caracterizado pela presença de pórticos e colunatas, inexistentes na Plaza anterior. As serpentes emplumadas também são diferentes em cada uma dessas áreas. Na Plaza do Castillo são serpentes com plumas longas, e em forma de gancho penas que estão associadas com o poder do governante, pois aparecem em cenas de nitronização (ver figuras 1b e 1c). Esta imagética está associada ao prestígio de personagensindividuais e imbuídas de cenas de propaganda política. Neste sentido, acompanham sempre a imagem de um personagem conhecido como Capitão Serpente, que consideramos ser Kukulcán (MILLER, 1978; NAVARRO e FUNARI 2009). Como salientamos anteriormente, estas cenas são caracterizadas por uma parafernália de objetos usados em cerimônias de entronização do governante. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 12 Kukulcán aparece com traços guerreiros na Pirâmide El Castillo, sendo que atrás dele aparece uma serpente com plumas longas e barba (figuras 3 e 4). Esta representação possui algumas peculiaridades que nos fazem inferir a importância deste personagem: está registrada no espaço mais exclusivo da pirâmide perto de duas colunas em forma de serpente emplumada que sustentam esta câmara. Além disso, as escadarias norte do edifício foram edificadas à maneira de grandes serpentes emplumadas, cujo efeito ótico que se dá nos equinócios de primavera e outono faz o espectador contemplar uma sombra em forma de corpo de serpente que se projeta em um dos costados do edifício. Figura 3. El Castillo. Fotografia tirada pelo autor. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 13 Figura 4. Kukulcán (à esquerda) aparece de frente para outro governante de Chichén Itzá. Em Taube 1992. Já no Templo Norte, há três representações de um personagem associado à serpente emplumada (figura 4). As imagens dão conta de cenas que retratam um personagem que está sofrendo o processo de entronização. Este indivíduo leva uma serpente emplumada atrás de si. É provável que se trate, portanto, de Kukulcán sendo entronizado; o Templo Norte pôde ter isso o local deste processo ritualístico. Figura 5. Templo do Norte. Fotografia tirada pelo autor. No Templo Superior dos Jaguares, Kukulcán possivelmente é o destaque na iconografia. Os murais do edifício estão profusamente decorados e existem várias imagens de serpentes emplumadas. O destaque das cenas são as aparições de Kukulcán junto com um personagem associado a um Disco Solar, que, na literatura é conhecido como Kakupacal, outro governante da cidade de Chichén Itzá. Parece que estes dois indivíduos estão fazendo negociações de poder ou estão em rituais que passagem de poder de um soberano para o sucessor (NAVARRO e FUNARI, 2009). Além disso, há que ressaltar que colunas em forma de serpente emplumada também aparecem no vestíbulo do edifício (figuras 6). Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 14 Figura 6. Kukulcán, à esquerda da imagem. Coggins, 1989: 162 Já no Grande Jogo de Pelota de Chichén, o maior da Mesoamérica, com 168 metrps de comprimento por 70 de largura, as serpentes têm plumas longas e são recorrentes na escultura, onde aparecem rematando todo o edifício. No Tzompantli e na Plataforma das Águias e Jaguares as serpentes com plumas longas aparecem nas molduras superiores e alfardas dos edifícios. No primeiro, a iconografia aparece assocaida à cenas de prisioneiros decapitados e cabeças troféu. Além da iconografia, existem algumas evidências arqueológicas que nos levam a inferir que estes personagens que aparecem associados com as serpentes emplumadas fazem alusão direta a Kukulcán. Há que considerar a distribuição espacial dos edifícios onde a imagem está representada: são espaços destinados à elite, são fechados, com acesso exclusivo, e têm alto status social já que são profusamente decorados. Além disso, estão associados a espaços sagrados, como é a quadra do jogo de bola que se localiza em suas proximidades. Ou seja, são espaços destinados à atividade administrativa e rituais em Chichén Itzá. Outro aspecto que deve ser explorado é a natureza destas construções piramidais. Considerando que a iconografia destes edifícios exploram a entronização dos governantes, e, neste caso específico, a de Kukulcán, isso poderia explicar a alta proporção de serpentes de plumas longas e de gancho representadas nestas estruturas. Agora nos reportemos ao outro espaço adjacente, o Grupo das Mil Colunas. Este espaço também foi construído durante a época da Plaza do Castillo, mas se distingue daquela por ser espacial e arquitetonicamnete organizada de forma diferente. Este espaço é Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 15 caracterizado pela construção de conjuntos de colunas, que não existem na Plaza del Castillo, e as imagens da serpente possuem forma de espinho, associados a uma procissão de guerreiros que caminham em fila indiana em direção a uma oferenda no centro da imagem. No Templo dos Guerreiros, por exemplo, a imagem de serpente com plumas em forma de espinho é caracterizada por cenas de guerreiros que navegam no mar e capturam prisioneiros. Estas serpentes aparecem associadas à cenas de sacrifício, onde o sacrificador retira o coração da vítima que está sobre uma pedra sacrificial. A Serpente Emplumada da Subestrutura do Templo dos Guerreiros é notável por duas razões (Figura 1e). Primeiro, por causa do seu tamanho: tinha oito metros de comprimento e foi pintada de amarelo sobre um fundo vermelho na parede leste do edifício. Segundo, a imagem possui uma pata com garras de aves. Estas serpentes também podem ser encontrados nas páginas 3 e 10 do Códice mixteco Nuttall (Figura 7). Segundo Fähmel Beyer (2001: 191), estas serpentes estão relacionadas com o aparecimento de um cometa e estão associadas a maus presságios. Figura 7. A Serpente Emplumada no Códice Nuttal Em Fähmel Beyer 2001, p. 206. Segundo Fähmel Beyer (2001: 192-193), para muitos povos mesoamericanos a visão de um cometa foi vista como uma previsão da morte de um príncipe ou rei. De acordo com este investigador, no túmulo 2 de Mitla foi enterrada uma pessoa importante, em cuja antecâmara havia a imagem de um cometa. Embora na Subestrutura do Templo dos Guerrerios não haver nenhuma sepultura, a imagem da serpente com pluma em forma de triângulo isósceles pode estar indicando que a construção original do prédio foi relacionada a Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 16 qualquer evento ou ocorrência relacionada com o presságio de um cometa. Contudo, não há nenhum estudo publicado sobre este tema em Chichén Itzá. De acordo com os estudos de Fähmel Beyer (2001), a representação do Códice Nuttal refere-se à passagem do cometa Halley, no ano de 912 d.C. Se esse fenômeno foi visto por vários grupos na Mesoamérica nesta data e relacionado a maus presságios, faz sentido que a serpente emplumada retratada na parede leste da Subestrutura do Templo dos Guerreiros poderia, também, estar associada a tais eventos. Dado a cronologia da construção da Grande Nivelação, é mais provável que tal evento estivesse assoaciado a uma passagem anterior do cometa, ou seja, 76 anos antes, em 836 AD. Assim, o início da construção desta Subestrutura pode ser datada para esta época, provavelmente. Ainda com relação ao complexo do Templo dos Guerreiros há que se pontuar algo importante. É uma representação de uma serpente emplumada com cornos ou chifres, dando a forma a duas colunas que davam sustentação ao teto do edifício (figura 8). Embora associada a seres míticos, a observação biológica da espécime, faz considerar que é uma cascavel da espécie Crotalus Cerastes, que não existe na península do Iucatã. Esta espécie habita os atuais Estados da Baja Califórnia e Sonora, no México e no sudoeste dos Estados Unidos, nos Estados da Califórnia, Arizona e Nevada (CAMPBELL e LAMAR, 2004 e comunicação pessoal com o Dr. Oscar Flores Villela) (Figura 9). É uma cascavel bastante venenosa. Pode ser que Kukulcántenha utilizado toda essa variedade de cascavéis como metáfora de poder. Aqui vale ressaltar que a espécie Crotalus Cerastes procede do mesmo lugar onde se obtinha a turquesa, encontrada em oferendas em forma de disco no interior dos Templos dos Guerreiros. Sabemos, por exemplo, que várias cidades da Mesoamérica importaram diversos materiais para fins rituais, como as conchas importadas encontradas no Templo de Quetzalcoatl em Teotihuacan, associadas às atividades rituais (SUGIYAMA et al., 1991). Teria que se investigar a possível relação destes produtos importados, bem como o seu significado, com a obtenção de espécies como Crotalus Cerastes, ou outros animais, em Chichén Itzá. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 17 Figura 8. Serpente emplumada com chifres. Templos dos Guerreiros. Fotografia autor. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 18 Figura 9. As Crotalus Cerastes Espécies. Foto tirada www.ontdekkingsreis.org.jpg Considerações Finais Uma das conclusões da nossa tese é que o nivelamento Grande não é um espaço "monolítico", como geralmente interpretado na literatura. A esplanada é dividida em dois setores principais, com uma diferença óbvia na organização do espaço e também vários elementos arquitetônicos que caracterizam cada um desses setores, que deverá corresponder a diferentes atividades sociais (NAVARRO, 2007). A existência de uma grande quantidade de serpentes emplumadas na Grande Nivelação e sua quase ausência em outros grupos arquitetônicos, como o Complexo das Monjas e Série Inicial, indica que as imagens de serpente emplumada eram um elemento simbólico na construção da Plaza do Castillo e Grupo das Mil Colunas. São a maneira como Kukulcán metaforiza seu poder, o seno da casa real. Referências bibliográficas BAUDEZ, C. Una historia de la religión de los antiguos mayas, UNAM, México, 2004. COBOS, R. The Settlement Patterns of Chichen Itza, Yucatan, Mexico. Ph.D. disertación. Department of Anthropology, Tulane University, 2003. DE LA GARZA, M. Relaciones histórico-geográficas de la Gobernación de Yucatán. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1984a. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 19 DE LA GARZA, M. El universo sagrado de la serpiente entre los mayas. México: UNAM, 1984b. DICCIONARIO MAYA CORDEMEX. A. Barrera Vázquez (director). Mérida: Ediciones Cordemex, 1980. KROCHOCK, R. The Hieroglyphic Inscriptions and Iconography of Temple of the Four Lintels and Related Monuments, Chichén Itzá, Yucatán, México. Austin: Texas University, 1988. KROCHOCK, R. Hieroglyphic Inscriptions at Chichen Itza, Yucatán, Mexico: The Temples of the Inicial Series, the One Lintel, the Three Lintels, and the Tour Lintels. Research Reports on Ancient Maya Writing 23. Center for Maya Research, Washington D.C., 1989. LANDA, D. de. Relación de las Cosas de Yucatán. México: CONACULTA, 2003 [1566]. LÓPEZ AUSTIN, A.; LÓPEZ LUJÁN, L. Mito y realidad de Zuyuá. Serpiente emplumada y las transformaciones mesoamericanas del Clásico al Posclásico. México: FCE, 1999. LÓPEZ COGOLLUDO, D. Los tres siglos de la dominación española en Yucatán, o sea Historia de esta provincia, 2 vols. Austria: Akademishe Druck u. Verlagsanstalt, Graz, 1971 [1688]. NAVARRO, A. G. Las serpientes emplumadas de Chichén Itza: distribución en los espacios arquitectónicos e imaginería. Tesis de Doctorado. UNAM, México, 2007. NAVARRO, A. G.; FUNARI, P. P. Un estudio de caso de la Arqueología Histórica: organización espacial y memoria colectiva en Chichén Itzá, pp. 163-186. Arqueología Colonial Latinoamericana. Modelos de estudio (Juan G. Targa e Patricia Fournier orgs.). Oxford: BAR, 2009. Página de internet www.ontdekkingsreis.org.jpg PIÑA CHÁN, R. Chichén Itzá. La ciudad de los brujos del agua. México: FCE, 1980. RINGLE, W. M. On the Political Organization of Chichen Itza. Ancient Mesoamerica 15, pp. 167-218. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. RINGLE, W.; GALLARETA NEGRÓN, T.; BEY III, G. The Return of Quetzalcoatl. Evidence for the Spread of a World Religion during the Epiclassic Period. Ancient Mesoamérica 9, pp. 183-232. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. SHARER, R. La civilización maya. México: FCE, 2003. TAUBE, K. The Major Gods of Ancient Yucatan. Washington D.C.: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 1992. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 20 PRÁTICA ARQUEOLÓGICA E MEMÓRIA SOCIAL: REDES DE SABER E PODER NAS PESQUISAS EM ÁREAS DE EXPANSÃO DE CULTIVO NO INTERIOR PAULISTA Archaeological Practice and Social Memory: networks of knowledge and power in the research of cultivation expansion areas in interior of São Paulo state Camila A. de Moraes Wichers1 RESUMO Nesse artigo apresento algumas reflexões acerca do cenário atual das pesquisas arqueológicas em áreas de expansão de cultivo de cana de açúcar no Estado de São Paulo. Destaco o número reduzido de pesquisas nessas áreas, sobretudo, aquelas que envolvem etapas de resgate arqueológico e processos de socialização. Como contraponto, apresento o Programa Guarani de Gestão dos Recursos Arqueológicos, que já cadastrou 62 sítios arqueológicos, alguns datados entre os séculos XV e XVII, os quais remetem a discussões sobre a colonização europeia da região e o extermínio dos grupos indígenas, a partir da problematização dos conceitos de memória coletiva, memórias exiladas e passados excluídos. Nesse sentido, a escolha de determinadas posturas teóricas e práticas metodológicas tem possibilitado o questionamento acerca da história “oficial” que excluiu as populações indígenas das memórias locais. Palavras-chave: Arqueologia Preventiva, Musealização da Arqueologia, Memória Social ABSTRACT In this article I present some reflections on the current scenario of archaeological research in sugarcane expansion areas in São Paulo state. I highlight the small number of research in these areas, especially those that involve rescue and socialization processes. As a counterpoint, I present the Guarani Program of Archaeological Resources Management, which has registered 62 archaeological sites, some dating between the fifteenth and seventeenth centuries, referring to discussions about the colonization of the region and the extermination of indigenous groups, problematizating concepts of collective memory, exiled memories and excluded pasts. The choice of certain theoretical positions and methodological practices has made it possible to question the “official” history, which excluded indigenous peoples from local memories. Keywords: Preventive Archaeology, Archaeological Musealization, Social Memory 1 Doutora em Museologia pela ULHT/Lisboa e em Arqueologia pelo MAE/USP. Diretoria Técnica da Zanettini Arqueologia. Contato: camila@zanettiniarqueologia.com.br Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 21 RESUMEN En este artículo presento algunas reflexiones sobre la situación actual de la investigación arqueológica en las áreas de expansión del cultivo de la caña en São Paulo. Hago hincapié en el pequeño número de estudios en este ámbito, especialmente los que implican las excavaciones y la socialización de los bienes patrimoniales. Como contrapunto, presento el programa de Gestión de Recursos Arqueológicos Guaraní, que cuenta con 62 sitios arqueológicos registrados, algunos que datan entre los siglos XV y XVII, que se refieren a las discusiones sobre la colonización europea de la región y el exterminio de los grupos indígenas. Presento desde la problematizaciónlos conceptos de la memoria colectiva, memorias exiladas y pasados excluidos. En este sentido, la elección de ciertas posiciones teóricas y prácticas metodológicas han permitido cuestionar sobre la historia "oficial" que excluía a los pueblos indígenas de las memorias locales. Palabras clave: Arqueología Preventiva, Musealización de la Arqueología, Memoria Social Introdução A pesquisa arqueológica é um processo seletivo, orientado a partir de posturas teóricas e colocado em prática a partir de metodologias, configurando práticas de colecionamento (MORAES WICHERS, 2010). Tais práticas, além de gerar coleções, também produzem narrativas, colocando os arqueólogos como construtores e intérpretes do passado (SHANKS & TILLEY, 1988; 1987/1992). Assim, ao trabalhar com questões relacionadas às identidades, memórias, sistemas de dominação (ou ocultamento) de relações sociais e políticas, entre outros, a Arqueologia está inscrita em uma rede de saberes e poderes (BARROS, 2011). Nesse artigo, proponho algumas reflexões acerca das pesquisas em curso no âmbito das áreas de expansão de cultivo de cana de açúcar no Estado de São Paulo, enfatizando a relação entre prática arqueológica e memória social. Mais de 96% da Arqueologia Paulista é desenvolvida no âmbito do licenciamento de empreendimentos e o setor sucroalcooleiro desponta como uma das atividades produtivas que mais crescem no Estado. Contudo, um número reduzido de pesquisas tem sido realizado nessas áreas, sobretudo, no que tange às pesquisas que abrangem etapas de resgate arqueológico e correspondentes processos de socialização. Trago, como exemplo, o Programa Guarani de Gestão dos Recursos Arqueológicos, desenvolvido desde 2007, pela equipe da Zanettini Arqueologia, no norte do Estado. Como contraponto, esse programa já cadastrou 62 sítios arqueológicos, destacando-se a construção de histórias indígenas para essa porção do território paulista. Os processos de musealização Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 22 dessas coleções e narrativas têm possibilitado o questionamento acerca da história “oficial” que excluiu as ocupações indígenas das memórias locais, tendo como embasamento a realidade arqueológica. Nesse sentido, tem sido enfatizado, tanto na pesquisa arqueológica, como nos processos educativos, o conceito de diversidade cultural. Arqueologia Paulista no século XXI: o lugar das pesquisas em áreas de expansão de cultivo de cana de açúcar Os processos de seleção, estudo e preservação do patrimônio arqueológico no Estado de São Paulo têm sido marcados por continuidades e rupturas, avanços e retrocessos. Esses binômios não estão, obviamente, presentes apenas nesse Estado. Contudo, ao retomar a trajetória das pesquisas arqueológicas realizadas em São Paulo, assim como seus respectivos processos de musealização, foi possível identificar uma tensão constante entre os conceitos de desenvolvimento e preservação (MORAES WICHERS, 2011). Esses conceitos entraram, muitas vezes, em rotas irreconciliáveis, marcando a realidade paulista até os dias atuais. Ainda na transição entre os séculos XIX e XX, esse Estado se afirmou como “locomotiva do país”, engendrando um novo modelo de desenvolvimento, pautado tanto na economia cafeeira quanto na industrialização (movimento que também imprimiu marcas nas mentalidades paulistas). No momento atual, o modelo desenvolvimentista adotado no país seguiu fortalecido no Estado de São Paulo. Cabe indagarmos como a prática arqueológica tem lidado com esse contexto. Entre 2003 e 2012, 6.543 portarias de pesquisa arqueológica foram publicadas no Diário Oficial da União2. Destas 1.029 estavam inseridas no Estado de São Paulo, ou seja, cerca de 16% das pesquisas realizadas no Brasil no período abordado. Contudo, entre as portarias emitidas para o referido Estado, apenas 17% mencionam o resgate arqueológico. Embora outras abordagens venham assumindo uma importância crescente nas práticas arqueológicas, visto que fornecem indicadores de observação para conjunto de paisagens e seus elementos, no âmbito do licenciamento ambiental a escavação sistemática, inserida na etapa de resgate arqueológico, ocupa papel de destaque por ser, muitas vezes, a última intervenção possível em um bem arqueológico inserido em uma área a ser diretamente afetada por um empreendimento. Ou seja, no escopo da Arqueologia Preventiva o denominado resgate arqueológico é imperativo. O baixo percentual de portarias que mencionam essa atividade pode estar relacionado a dois fatores: 1) Não estão sendo 2 Excetuando-se as portarias de renovação ou prorrogação de pesquisa. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 23 detectados sítios arqueológicos; 2) Os sítios detectados não estão sendo resgatados em compasso com o licenciamento. Se esse cenário é preocupante, quando analisada a totalidade de pesquisas no recorte cronológico adotado, o quadro trazido pelas áreas de expansão de cultivo de cana de açúcar é ainda mais desolador. Em 2011, a indústria sucroalcooleira paulista produziu 21 milhões de toneladas de açúcar e 11 milhões de metros cúbicos de etanol, que representam, respectivamente, 58% e 51% do total produzido no Brasil. Entre 2001 e 2011, a produção paulista de açúcar cresceu 121% e a de álcool 82%, impulsionada pelo mercado de biocombustíveis3. Algumas questões se colocam: se cresceu a produção, tivemos um aumento no número de pesquisas relacionadas aos licenciamentos no setor? Como a prática arqueológica tem se dado nessas áreas? Gráfico 01. Produção de cana de açúcar e pesquisas arqueológicas associadas ao licenciamento de áreas de expansão de cultivo em São Paulo (Fonte: Diário Oficial da União e Unicadata4) No período analisado, foram emitidas 82 portarias de pesquisa arqueológica para as áreas de expansão de plantio de cana de açúcar no Estado de São Paulo (cerca de 8% das portarias emitidas para o Estado entre 2003 e 2012), sendo que destas, apenas 10 envolviam resgate arqueológico (Gráfico 01). Essas 82 portarias de pesquisa foram emitidas para apenas nove pesquisadores coordenadores, sendo que o primeiro e o segundo lugar no ranking detém 42% e 21% das portarias, respectivamente, evidenciando uma concentração em alguns arqueólogos/equipes, o que também pode significar o predomínio de determinadas posturas teóricas. 3 Dados presentes em http://www.investe.sp.gov.br/setores/cana. Acessado em 18 de Março de 2013. 4 Dados presentes em http://www.unicadata.com.br/historico-de-producao-e- moagem.php?idMn=31&tipoHistorico=2. Acessado em 18 de Março de 2013. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 24 Os contextos arqueológicos inseridos em áreas de expansão de cana de açúcar apresentam configurações específicas, demandando metodologias adequadas de detecção e resgate das evidências. Isso porque, na maior parte das vezes, estamos diante de terrenos que vêm sendo utilizados para o plantio há décadas, resultando em um registro arqueológico de baixa visibilidade. Para Araújo (2001), a definição de sítios alterados ou destruídos passa pelo fato dos mesmos estarem próximos à superfície, partindo de uma ideia errônea de que apenas sítios enterrados apresentam potencial interpretativo. No entanto, todo sítio enterrado já esteve exposto em superfície e sabe-se que “o princípio de funcionamento do arado e implementos agrícolas consiste basicamente em revolver a terra, não em transportá-la” (ARAÚJO, 2001:118). Obviamente, o avanço da mecanização desses processos, no contexto atual, traz sérios riscos ao patrimônio arqueológico. Mas, no que concerne aosmétodos anteriormente empregados, os processos de plantio dificultaram, mas não impossibilitaram a prática arqueológica nas extensas áreas atualmente utilizadas para o plantio de cana de açúcar, conforme exemplo a seguir. Programa Guarani de Gestão dos Recursos Arqueológicos: alguns resultados Bruno (1995, 2005) aponta que, no cenário brasileiro, o abandono das fontes arqueológicas resultou em uma estratigrafia do abandono e na circunscrição de tais vestígios no âmbito das memórias exiladas. Nesse sentido a autora reflete que: Sobre esses vestígios pré-coloniais acumulam-se várias camadas de interpretações sobre mais de 500 anos de ocupação estrangeira deste território e, apesar de mais de um século de institucionalização da pesquisa e dos acervos, ainda são raras as abordagens que vinculam esses vestígios às nossas tradições e rupturas. Consolidou- se uma estratigrafia do abandono que isolou as fontes arqueológicas e as circunscreveu ao terreno das memórias exiladas (BRUNO, 2005: 237-238). Parto da hipótese de que no norte de São Paulo, mais que esquecidas ou abandonadas, as fontes arqueológicas foram reiteradamente desprezadas, resultando em um cenário onde a reflexão elaborada por Bruno (1995, 2005) torna-se crucial. No cenário contemporâneo, o número reduzido de pesquisas, a despeito da expansão das áreas de cultivo, e o número ainda menor de resgates, mascarados por uma visão pretensamente científica de que essas áreas são de baixo potencial arqueológico e com sítios “destruídos”, reforçam visões estereotipadas das histórias desse território. O Programa Guarani de Gestão dos Recursos Arqueológicos (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2007, 2008, 2009, 2011), está associado ao licenciamento de áreas de Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 25 expansão de cultivo de cana de açúcar, no norte do Estado de São Paulo, envolvendo os municípios indicados na Figura 1. Quando começamos a desenvolver o Programa 5 nos pautamos na hipótese de que essas extensas áreas poderiam trazer informações inéditas para a realidade arqueológica paulista, desde que aplicadas metodologias adequadas, tanto no que concerne à identificação dos sítios quanto ao seu resgate. Ademais, essas áreas estavam inseridas em porções do Estado pouquíssimo conhecidas do ponto de vista da Arqueologia, o que só aumentava a relevância científica e social do programa. Por outro lado, da minha parte, esse programa surgia como oportunidade para a construção de um trabalho que, associado às estratégias de musealização, colaborasse para a reversibilidade dos olhares acerca dos passados excluídos da região, tomando o conceito de Mackenzie & Stone (1990), já aplicado ao interior paulista por Rodrigues & Schiavetto (1999). Para tanto, os contextos arqueológicos tinham que ser identificados, analisados, interpretados e socializados com as comunidades envolvidas. Figura 1. Mapa dos sítios arqueológicos cadastrados no Estado de São Paulo (MORAES WICHERS, 2011). As cores mais fortes significam um maior número de sítios registrados. Os municípios do programa Guarani estão indicados pelos círculos vermelhos. A partir da integração de abordagens oportunísticas e probabilísticas nas consecutivas etapas de campo, efetuadas entre os anos de 2007 e 2010, foram identificados 62 sítios arqueológicos.6 Esses sítios estão inseridos em 12 municípios do norte paulista, sendo 5 Uso a terceira pessoa do plural, enfatizando o trabalho em equipe realizado no âmbito desse Programa. 6 Dentre os 62 sítios arqueológicos, temos: 14 sítios líticos, quiçá, relacionados aos contextos cronológicos mais recuados; 43 sítios lito-cerâmicos, dentre os quais, àqueles datados revelam o predomínio de sítios situados entre os séculos XV e XVII; 01 sítio arqueológico histórico associado ao século XX e 04 sítios onde temos contextos líticos e cerâmicos indígenas e vestígios posteriores, relacionados ao século XX. No Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 26 que, dentre esses, apenas dois municípios possuíam um patrimônio arqueológico detectado anteriormente: Olímpia e Guaíra, com dois e seis sítios cadastrados, respectivamente. Dessa forma, esse programa representou um incremento de 700% no patrimônio arqueológico reconhecido para a região. Convém explicitar que, dentre os 62 sítios, 35 foram resgatados até o momento 7 . A detecção de uma estrutura funerária 8 no sítio Olímpia IV apontou, efetivamente, o potencial das pesquisas em áreas de cana. No que concerne à interpretação desses contextos, essa imensa região, delimitada ao norte pelo rio Grande, ao sul pelo rio Tietê, a oeste pelo rio Paraná e a leste pelo rio Pardo, é compreendida como um extenso corredor de influências de grupos indígenas diversificados, Tupis do Interior, Guaranis vindos do Sul, Jês Centrais e Meridionais, segundo dados etnográficos apresentados por Marcel Mano (2006). Gráfico 02. Cronologia dos sítios arqueológicos pesquisados no programa (Marinheiro, Olímpia IV, Olímpia VII, Colina I, Ribeirão das Pitangueiras, Rio Grande, Guaraci, Rio Cachoeirinha II, Fazenda da Mata), comparados aos sítios datados no norte paulista (Organização: Marcel Lopes). As reflexões aqui pontuadas estão baseadas, sobretudo, na análise dos sítios arqueológicos resgatados até o momento, sobretudo, aqueles associados aos grupos presente texto são enfatizados os resultados associados às ocupações situadas cronologicamente entre os séculos XV e XVII. 7 As etapas de resgate arqueológico foram desenvolvidas entre os anos de 2008 e 2012 e deverão ter continuidade no ano de 2013. 8 O tipo de enterramento não foi identificado, embora o crânio articulado à mandíbula e a clavícula em posição anatômica indiquem a presença de conexão e de uma possível deposição funerária primária. O NMI (número mínimo de indivíduos) é 1 (um), tratando-se de enterramento possivelmente simples. A face estava voltada para o norte e a orientação do eixo crânio-bacia não foi determinada. A estrutura funerária como um todo – materiais ósseos e dentários, recipiente cerâmico e tembetá – encontrava-se inserida na Unidade de Escavação 7. Os remanescentes ósseos e dentários, com adorno associado, encontravam-se distribuídos numa área de 60x10cm, com cota crânio de 53cm. Foi enviado para datação por AMS, no Laboratório Beta Analytic (Flórida, USA), 1 molar desarticulado do maxilar superior, coletado em campo, junto ao crânio. O resultado da datação foi de 390 +/- 40 BP (Beta – 241017/ A.M.S.), apontando para uma ocupação Tupi recente da região em estudo (PIEDADE & SILVA, 2008 Apud ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2008: 151). Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 27 indígenas que ocuparam essa região entre os séculos XV e XVII. As pesquisas realizadas evidenciaram contextos extremamente híbridos que podem ser agrupados, de forma geral, em três conjuntos: 1) Contextos Tupi que podem de forma genérica ser associados à tradição arqueológica Tupiguarani, mas que revelam características diferenciadas que não os enquadram nas subtradições apontadas por Brochado (1984), apontando para estilos regionais específicos de grupos Tupi do interior (MORAES, 2007: 2) Contextos Jê que se assemelham a sítios da tradição Aratu, mas que não se enquadram nas características apontadas pela literatura (ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1996; FERNANDES, 2001) e ainda 3) Contextos Jê que mesclam características das Tradições Aratu/Uru. A compreensão dessas ocupações, demanda a caracterização da variabilidadeartefatual em tela, dos estilos tecnológicos e das redes de interação cultural subjacentes. Defendo que a classificação desses contextos a partir de uma visão normativa de cultura acaba perpetuando uma visão estática e empobrecedora das populações indígenas, com resultados diretos nos processos de comunicação museológica. Como apresento a seguir, essa tarefa é árdua, mas extremamente significativa para uma descolonização da Arqueologia Paulista. Pesquisa arqueológica e memória social: o Programa de Educação Patrimonial A concepção do programa partiu de uma articulação constante entre pesquisa arqueológica e musealização, integrando a dupla antropofagia do patrimônio arqueológico e assumindo as seguintes premissas: Primeira premissa: acredito que os processos de socialização do patrimônio arqueológico devem articulá-lo a outros segmentos patrimoniais. Lembro que o patrimônio cultural é uma seleção de bens e valores de uma cultura, que formam parte da propriedade simbólica de determinados grupos (MERILLAS, 2003: 20). Ao ampliarmos o leque de referências patrimoniais estamos objetivando a construção de um diálogo efetivo com a sociedade, favorecendo processos de apropriação/construção/desconstrução do conhecimento gerado pela pesquisa arqueológica. Segunda premissa: tomo a disciplina Museológica (BRUNO, 2000), em particular os princípios da Sociomuseologia (MORAES WICHERS, 2010), como aporte teórico e metodológico no desenvolvimento das ações, dialogando também com a metodologia da Educação Patrimonial. Ao abordar a metodologia da Educação Patrimonial busquei, em trabalho anterior (MORAES WICHERS, 2011), compreender a estratigrafia da relação entre Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 28 patrimônio, educação e museus retrocedendo à primeira metade do século XX. Entendo essa abordagem histórica como fundamental para compreensão de como essa metodologia foi antropofagizada (CHAGAS, 2004), transformando-se em um campo autônomo, repleto de possibilidades no cenário contemporâneo. A concepção do programa partiu da compreensão de que processos museológicos potencializam a relação entre homem (sociedade) e objeto (patrimônio) para além dos cenários museológicos institucionalizados. Ainda que o programa não esteja sendo desenvolvido no seio de uma instituição museológica, a ação educativa centrada no patrimônio é um processo de natureza museológica. Ademais, me situo no âmbito da teoria construtivista que associa uma visão idealista do conhecimento ao papel ativo do indivíduo na aprendizagem, afirmando ainda a educação como prática política, aspecto particular ao pensamento freireano (FREIRE, 1987). O programa foi organizado em três etapas: levantamento das realidades locais, multiplicação do conhecimento e avaliação do processo, inseridas em uma engrenagem metodológica na qual os processos de avaliação ocupam lugar de destaque, posto que esses processos possibilitam a retroalimentação do programa, de caráter continuado.9 O levantamento das realidades locais foi realizado sempre de forma concomitante ao próprio trabalho de Arqueologia. Nesse sentido, a coordenação integrada do programa de gestão e de educação patrimonial possibilitou uma visão integral do processo, permitindo uma reflexão profunda acerca da interface Arqueologia - Museologia. O programa foi direcionado, prioritariamente à educação formal, 10 por meio do trabalho com educadores, compreendidos como “agentes da educação da memória” (BRUNO, 2006) e multiplicadores por excelência do programa. Najjar (2011), a respeito das críticas dirigidas aos programas de Educação Patrimonial que atuam apenas com a educação formal, salienta que dialogar somente com a 9 As ações aqui descritas foram desenvolvidas entre 2008 e 2010. A partir de então, ocorreram apenas ações pontuais na região, sendo que o programa deverá ser retomado, em maior profundidade, ao longo de 2013. 10 Além das ações voltadas para o público escolar aqui abordado, foram realizadas: palestras em cursos técnicos, sinalização de sítios arqueológicos, participações na Feira do Folclore de Olímpia e ações preliminares com trabalhadores do corte de cana. No que concerne ao último público mencionado, entendo que um espaço próprio de diálogo deve ser criado com esses sujeitos, para além, por exemplo, de palestras inseridas nos diálogos de saúde e segurança, ou ainda, conversas realizadas nos ônibus que fazem o transporte desses trabalhadores – caminhos que nos recusamos a percorrer. O que vemos é a inserção da Arqueologia nas ‘brechas’ de um dia já bastante cansativo. Outra questão de suma importância é como estabelecer uma ponte com o cotidiano desses sujeitos. Nesse sentido, partir do cotidiano de trabalho é um caminho. Do contrário: qual o significado de despejarmos “nosso conhecimento” sobre essas pessoas? Temos esse direito? Um programa de levantamento de histórias de vida, pautado nas memórias individuais, foi concebido para o trabalho com esse público, tendo sido realizadas as primeiras oficinas no ano de 2011, as quais foram conduzidas por Louise Prado Alfonso. Pretendemos dar continuidade a essa proposta ao longo desse ano. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 29 escola é uma perspectiva estreita, mas não dialogar é mais estreito ainda. O educador aponta a relação Arqueologia, Cidadania e Escola como uma “trama a ser tecida”, onde a Educação Patrimonial pode alargar os processos de cidadania social. Ainda na etapa de levantamento, foi realizada a concepção do material didático de apoio, composto por caderno de apoio ao multiplicador, caderno para público infanto juvenil e kit de réplicas arqueológicas. Por sua vez, a etapa de multiplicação envolveu a realização de oficinas organizadas em dois eixos estruturantes: 1) O método científico da Arqueologia possibilita o entendimento de como se dá a construção do conhecimento científico, tornando-se uma poderosa ferramenta pedagógica; 2) O conhecimento que a Arqueologia constrói pode possibilitar uma melhor compreensão do passado regional, enfatizando a diversidade cultural do território. Durantes as etapas de 2009 e 2010, aqui analisadas, foram envolvidos 324 educadores nas oficinas realizadas, conforme demonstra a Tabela 1. Tabela 1. Educadores envolvidos no programa Município Ano Nº de Oficinas Total de educadores Olímpia 2009 2 77 Colina 2010 2 47 Tanabi 2010 4 63 Pedranópolis 2010 1 20 Barretos 2010 4 127 Nas oficinas foi recorrente a negação das diversas ocupações indígenas desse território, e o desconhecimento do fato do Estado de São Paulo apresentar diversas terras indígenas, prevalecendo uma visão de um “índio homogêneo que pertence ao passado”. Uma simples consulta aos sites de prefeituras dos municípios abordados deixa clara essa visão: Em meados do século passado, entre os aventureiros da exploração e conquista das terras virgens e incultas, estava o mineiro Antônio Joaquim Miguel dos Santos, que perpetrou o devassamento pioneiro da terra que hoje habitamos[...] 11 Os intrépidos exploradores deste sertão até então desconhecido foram, dentre outros, os companheiros do célebre Anhanguera e alguns outros aventureiros [...], à procura das terras devolutas, vieram os criadores de gado buscando melhores condições para a criação e desenvolvimento de seus rebanhos 12 . 11 Dados presentes em http://www.olimpia.sp.gov.br/index.php?abre=olimpia=sp=historia=de=olimpia Acessado em 18 de Março de 2013. 12 Dados presentes em http://www.barretos.sp.gov.br/site-migracaodafamiliabarreto Acessado em 18 de Março de 2013. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP.ISSN: 2237‐8294 30 A figura do colonizador é correntemente destacada como alguém que imbuído de coragem chega a uma região com “terras devolutas”, sem menção aos grupos indígenas que ocupavam essas terras, resultando em uma idealização de um passado sem conflitos. Não estou advogando aqui a existência de uma memória coletiva homogênea, uma vez que a substância da memória é tanto individual quanto social, como adverte Marilena Chauí: “o grupo retém e reforça as lembranças, mas o recordador, ao trabalhá-las, vai paulatinamente individualizando a memória comunitária” (CHAUÍ, 1987: XXX). A mesma autora, dialogando ainda com a obra seminal de Ecléa Bosi (1987), fala da opressão da memória, cuja ação mais sinistra seria a da “história oficial celebrativa cujo triunfalismo é a vitória do vencedor a pisotear a tradição dos vencidos” (CHAUÍ, 1987: XIX). Ora, a história do interior paulista tem sido contada a partir da apologia dos bandeirantes e cafeicultores, revelando a permanência secular do discurso da exclusão (FUNARI, 2006). Marly Rodrigues, ao analisar a instituição do patrimônio em São Paulo, aponta: Do conjunto de bens tombados no Estado de São Paulo, fazem parte poucas memórias de negros, de imigrantes e de trabalhadores. Os remanescentes de sedes de fazenda e ricas mansões urbanas sombreiam os de senzala, dos cortiços e dos bairros operários. Desse modo o patrimônio paulista se apresenta não apenas como perpetuador da memória, mas também do esquecimento oficial. A exclusão atinge não apenas os excluídos, mas remete toda a sociedade à idealização do passado como um tempo desprovido de contradições e diferenças. Além disso, não permite a reflexão sobre as relações hoje vigentes na sociedade, dessa forma reafirmando igualdades idealizadas e camuflando conflitos [...] (RODRIGUES, 1999: 151). Incluímos ainda a essa assertiva, as memórias relativas aos grupos indígenas. Funari (2006), ao analisar a obra de Marly Rodrigues (1999), aponta que neste modelo normativo, a diferença aparece como desvio de norma, uma idealização do passado, cujos trechos apresentados das prefeituras de Olímpia e Barretos continuam a perpetuar. Para Santos (2003/2012), as representações coletivas podem ser responsáveis por processos de inclusão ou exclusão social. Assim, “a memória também é responsável pela imposição de coerções, exclusões e toda a sorte de controle social” (SANTOS, 2003/2012: 35). A mesma autora evidencia que é necessário aceitarmos que existem diversas formas de lidar com o passado e que todas elas envolvem interesses, poder e exclusões. Essa breve digressão sobre a questão da memória social teve como objetivo pontuar um momento importante do Programa de Educação Patrimonial, quando optamos por problematizar as memórias em tela, enfatizando alguns dentre os resultados das pesquisas. Assim, os sítios arqueológicos estudados, datados entre os séculos XV e XVII, foram utilizados como mote para discussões acerca da colonização da região e extermínio dos Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 31 grupos indígenas, a partir da problematização dos conceitos de memória coletiva, memórias subterrâneas, memórias exiladas e passados excluídos (HALBWACHS, 1968/2006; POLLACK, 1989, 1992; BRUNO, 1995, 2000; SCHIAVETTO & RODRIGUES, 1999; SANTOS, 2003/2012). Essa discussão só se tornou possível devido à prática arqueológica que, desde o início das pesquisas, se pautou na construção de um discurso a privilegiar o conceito de diversidade cultural, no qual o passado é projetado como diferença, conflito e resistência. Postura diametralmente oposta àquela que classifica as áreas em questão como destituídas de interesse arqueológico, ou ainda, àquela que classifica a cultura material sob o manto de tradições arqueológicas homogêneas. Não detalharei aqui cada uma das oficinas realizadas13, me atendo a um aspecto de importância fulcral, pouco abordado nos programas de educação patrimonial: a avaliação. O que significou o envolvimento dos educadores? Quais os efetivos resultados quando falamos de memória e esquecimento? A avaliação constitui-se em atividade essencial a qualquer ação educativa, contudo, ainda é pouco praticada em programas de educação patrimonial. Para Almeida (2006) a meta principal da avaliação é produzir informações de qualidade para a tomada de decisões, seja em um museu ou em outras instituições culturais e educacionais. Acredito que a avaliação da ação educativa em epígrafe poderá ser inspiradora de mudanças nas próximas etapas do programa, assim como a retroalimentação da prática arqueológica e museológica da equipe envolvida. O programa envolveu três eixos de avaliação: 1) Avaliação durante as oficinas - as primeiras impressões dos agentes multiplicadores: ao final das oficinas foi apresentada para os professores uma “Ficha de Avaliação da Oficina”, formada por quatro indicadores quantitativos e quatro qualitativos; 2) Depois da multiplicação - encontro de avaliação do processo educativo: a “Oficina de Formação de Multiplicadores” foi seguida do desenvolvimento de projetos pedagógicos em sala de aula e de um último encontro, com o objetivo de trocar experiências a respeito do processo. Nesse encontro, os professores apresentaram os projetos desenvolvidos, discutiram as potencialidades e fragilidades do programa e entregaram um relatório com o projeto realizado. Os projetos pedagógicos foram desenvolvidos de forma individual, em grupo ou por escola, totalizando 98 projetos. Nesse sentido optamos por deixar que cada educador escolhesse se desenvolveria sozinho ou em grupo a proposta. Da mesma forma, não houve 13 Cf. MORAES WICHERS, 2011; ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2011. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 32 uma especificação sobre a forma de entrega do relatório mencionado, uma vez que optamos por conduzir o processo de forma mais aberta, plural e democrática. Em Olímpia, merece destaque o fato de que uma exposição dos trabalhos realizados foi montada na Secretaria de Educação, sendo uma ação desenvolvida a partir dos cartazes, réplicas de objetos arqueológicos, maquetes, enfim, produtos das atividades realizadas em sala de aula. Por meio dos relatórios entregues pudemos analisar as metodologias empregadas14 e as temáticas mais frequentes nos projetos desenvolvidos, expressas no gráfico a seguir: Gráfico 03. Porcentagem das temáticas abordadas pelos educadores nos projetos pedagógicos 3) Para além dos agentes multiplicadores - os trabalhos produzidos pelos alunos: uma terceira análise efetuada refere-se aos trabalhos realizados pelos alunos, os quais foram anexados aos relatórios encaminhados pelos educadores. Foi possível ter acesso a mais de 400 trabalhos, envolvendo linguagem visual e escrita. Essa análise possibilitou o acesso aos conteúdos e mensagens que chegaram do outro lado do eixo de comunicação, uma vez que tivemos contato direto apenas com os educadores e não com os alunos. Diante da lacuna observada na bibliografia pertinente, o método apresentado pelo projeto do Conselho de Museus, Arquivos e Bibliotecas da Grã-Bretanha, denominado Learning Impact Research Project foi utilizado, a partir de cinco resultados: conhecimento e compreensão; habilidades; atitudes e valores; prazer, inspiração, criatividade; ação, comportamento, progresso (ver Figura 2). 14 Leitura do material com os alunos, realização das atividades propostas no material, produção de textos, produção de cartazes, atividades com artes plásticas, atividades com música, atividades com materiais audiovisuais, pesquisas na Internet, entrevistas com familiares e membros da comunidade, visitaa bens patrimoniais, visita a museus, confecção de maquetes, oficinas de produção cerâmica, sítio arqueológico simulado, montagem de exposições e teatralização. Destacamos que grande parte das abordagens mencionadas não estava presentes no material de apoio didático, tendo sido concebidas pelos próprios educadores. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 33 Figura 2. Produção de aluno, imagem da atividade desenvolvida (visita ao Museu do Folclore de Olímpia) e Ficha de análise correspondente aos GLO - Resultados Genéricos de Aprendizagem. Considerações finais O Estado de São Paulo ocupa lugar de destaque no mercado sucroalcooleiro, sendo responsável por metade da produção nacional. Contudo, as pesquisas arqueológicas não têm “acompanhado” o avanço das safras. Dentre as pesquisas realizadas, pouquíssimas têm envolvido a escavação sistemática desses contextos (resgate), sendo necessário averiguar essa situação. Vemos que tais contextos continuam sendo pontuados como áreas de baixo potencial arqueológico e/ou como sítios arqueológicos destruídos. Amarras teórico- metodológicas e ideológicas, via de regra, tem empobrecido o potencial dessas áreas para a pesquisa, bem como a função política e social do discurso arqueológico nesses contextos. Conforme mencionado, os contextos sociais em tela são marcados pela negação das ocupações indígenas desse território e/ou por sua homogeneização em visões estereotipadas. Trazer à tona discussões arqueológicas contemporâneas, como por exemplo, o questionamento da ideia de que as tradições arqueológicas encerram culturas homogêneas, torna-se extremamente difícil em contextos onde essas populações foram desprezadas, excluídas e apagadas da memória social. Mas, esse é um esforço urgente. Os resultados do programa de pesquisa trouxeram à tona dados bastante concretos com relação à ocupação indígena desse território, sobretudo, entre os séculos XV e XVII. Esse foi o principal dado arqueológico utilizado no processo de musealização e nesse sentido a Arqueologia foi utilizada como uma ferramenta política poderosa. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 34 O principal elemento para o efetivo desenvolvimento do Programa de Educação Patrimonial, aqui entendido como processo de musealização, tem sido o protagonismo dos educadores, aqui entendidos como multiplicadores e agentes da educação da memória. Foram envolvidos 334 educadores, os quais possibilitaram o desenvolvimento do programa para um público escolar de mais de 6000 alunos. A efetiva parceria estabelecida na Oficina foi à mola propulsora para que os projetos pedagógicos fossem desenvolvidos, tendo como pano de fundo os conteúdos debatidos, mas indo além. As estratégias metodológicas foram bastante ampliadas em relação às sugestões e propostas do programa. Foram esses protagonistas que potencializaram o uso do patrimônio arqueológico de forma que o ‘trabalho morto’ que nele foi investido fosse transformado em suporte de novos investimentos simbólicos (DURHAM, 1984: 34) Como afirma Grazzi (2009), a escola ainda apresenta conteúdos estagnados e estereotipados referentes à imagem-identidade do indígena brasileiro. Defendo que a temática indígena, trabalhada pelo viés da Arqueologia coloca-se como ponto fundamental para a formação de cidadãos e para a inclusão social. Acredito que o programa colaborou para um primeiro movimento de mudança em relação a esses passados excluídos, atuando para a reversibilidade dos olhares acerca dessas populações. Não obstante, foram apenas os primeiros passos de uma longa caminhada, dados os desafios evidenciados. É importante salientar que todo o tempo atuamos como mediadores e tivemos que certamente negociar com nossos interlocutores. Por um lado, objetivávamos trabalhar com as memórias exiladas e com os passados indígenas excluídos. Por outro lado, a premissa de que temos que inserir nos discursos patrimoniais as diferentes visões dos sujeitos envolvidos trazia desafios constantes. O exemplo da Festa do Peão de Barretos, trabalhado de forma notável nos projetos pedagógicos mostra essa negociação. Há que se incluir as diferentes visões acerca do patrimônio, mas sem esquecer que essas visões por vezes excluíram importantes partes da história, como o extermínio das sociedades indígenas. No programa trazido à baila, o fazer museológico esteve organicamente integrado ao fazer arqueológico, partindo dos mesmos posicionamentos teóricos, políticos e éticos. Tais proposições englobam as construções de histórias indígenas para o interior paulista, problematizando os passados excluídos e inserindo na agenda da Arqueologia Paulista questões concernentes à memória social. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 35 Agradecimentos À equipe da Zanettini Arqueologia que atua nesse projeto, em especial: Paulo Zanettini, pelas observações ao trabalho; Luana Antoneto Alberto pelas pesquisas de campo; Marcel Lopes pelas análises e discussões acerca dos artefatos; Louise Prado Alfonso, pela atuação no programa de Educação Patrimonial. À equipe do Grupo de Estudos Arqueológicos (GEA)/ Museu de Arqueologia e Paleontologia de Araraquara (MAPA) que tem realizado os procedimentos curatoriais e analíticos dos acervos. Por fim, às comunidades de Olímpia, Barretos, Colina, Tanabi e Pedranópolis por terem recebido o Programa de Educação Patrimonial e me possibilitado uma leitura crítica do mesmo. Referências bibliográficas ALMEIDA, Adriana Mortara. “Avaliação de Ações Educativas em Museus – 14/08/2006”. In: 1º Encontro das Ações Educativas em Museus da cidade de São Paulo. 2006. Disponível em http://www.forumpermanente.org/.event_pres/encontros/dim-educ/doc/mesa2/a-mortara- apres. Acessado em 10 de Abril de 2011. ARAUJO, Astolfo Gomes de Mello. Teoria e método em arqueologia regional: um estudo de caso no Alto Paranapanema, Estado de São Paulo. Tese de Doutorado. 2001. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. BARROS, José D'Assunção. Teoria da história - Princípios e conceitos fundamentais. Petrópolis, Vozes, 2011. Vol. I. BOSI, E. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987. BROCHADO, J. P. An ecological model of spread of pottery and agriculture into eastern South América. Tese de Doutoramento, University of Illinois at Urbana-Champaign. 1984. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Musealização da Arqueologia: um estudo de modelos para o Projeto Paranapanema. Tese de Doutorado. 1995. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. A luta pela Perseguição ao Abandono. Tese de Livre- Docência. 2000. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Principais Campos da Ação Museológica. In: Seminário CCBB: Museus e Exposições no Século XXI: Vetores e Desafios Contemporâneos, Julho de 2004. (Comunicação) Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 36 BRUNO, Maria Cristina Oliveira. “Arqueologia e Antropofagia: A musealização de sítios arqueológicos”. Revista do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, n.31. p. 234-247. 2005. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. “Museus e pedagogia museológica: os caminhos para a administração dos indicadores da memória”. In: Saul Milder. As várias faces do patrimônio. Santa Maria, Pallotti, 2006. p. 119-140. CHAGAS, Mário. “Diabruras do saci: museu, memória, educação e patrimônio”. MUSAS– Revista Brasileira de Museus e Museologia. v.1, n.1. 2004. CHAUÍ, Marilena. “Os trabalhos da memória”. In: Eclea Bosi. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1987. DURHAM, Eunice Ribeiro. “Texto II”. In: ARANTES, Antônio Augusto Arantes. (org). Produzindo o passado. Estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo, Brasiliense. 1984. pp.23-58. FERNANDES, Suzana Cesar Gouveia. Estudo tecnotipológico da cultura material das populações pré-históricas do Vale do Rio Turvo, Monte Alto, São Paulo e a tradição Aratu- Sapucaí. Dissertação de Mestrado. 2001. Programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. FUNARI, Pedro P. A. (2006). “Contradições e esquecimentos nas imagens do passado”. In: FUNARI, Pedro P. A.; DOMÍNGUEZ, Lourdes.; FERREIRA, Lucio M. Patrimônio e cultura material. Textos Didáticos, n.59, IFCH/ UNICAMP, 2006. GRAZZI, Leila G. I. Imagem-Identidade Indígena: construção e transmissão em escolas não indígenas. 2009. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Gradua em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Centauro, 2006. MACKENZIE, R. & STONE, P. Introduction: the concept of excluded past. In: The excluded past: Archaeology in education. London, Unwin Hyman, 1990. MACKENZIE, R. & STONE, P. Introduction: the concept of excluded past. In: The excluded past: Archaeology in education. London, Unwin Hyman, 1990. MANO, Marcel. Os campos de Araraquara: um estudo de história indígena no interior paulista. 2006. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. MERILLAS, Olaia Fontal. La educación patrimonial. Teoria y práctica para el aula, el museo e Internet. Gijón/ Astúrias, Ediciones Trea, 2003. Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 37 MORAES WICHERS, Camila Azevedo. Museus e Antropofagia do Patrimônio Arqueológico: (des) caminhos da prática brasileira. 2010. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociomuseologia, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2010. MORAES WICHERS, Camila Azevedo. Patrimônio Arqueológico Paulista: proposições e provocações museológicas. 2011. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. MORAES, Camila Azevedo de. Arqueologia Tupi no nordeste de São Paulo: um estudo de variabilidade artefatual. 2007. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. NAJJAR, Jorge. “Arqueologia, cidadania e escola: uma teia a ser tecida”. In: XVI Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira/ XVI Word Congress UISPP. Florianópolis, 2011. Comunicação. POLLACK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, n.3. 1989. p. 3-15. POLLACK, Michael. “Memória e identidade social”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n.10. 1992. p.200-212. ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika M. Os grupos ceramistas pré-coloniais do Brasil Central: Origens e Desenvolvimento. Tese de Doutorado. 1996. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. RODRIGUES, Marly. Imagens do Passado: a instituição do patrimônio em São Paulo 1969- 1987. São Paulo, UNESP. 1999. SANTOS, M. S. Memória Coletiva e Teoria Social. São Paulo, Annablume, 2012. SCHIAVETTO, S. N. O. & RODRIGUES, R. A. “Arqueologia e Educação: o passado excluído do Brasil”. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, v. 09. p.312-313. 1999. (Nota). SHANKS, M. & TILLEY, C. Social Theory and Archaeology. Albuquerque, University of New Mexico Press. 1988. SHANKS, M. & TILLEY, C. Re-Constructing Archaeology. London/New York, Routledge, 1992. ZANETTINI ARQUEOLOGIA. Programa de Prospecções e Resgate Arqueológico. Área destinada à instalação de planta industrial, Usina Guarani S/A - Unidade Pedranópolis. Município de Pedranópolis, São Paulo, 2007. (Relatório Final). ZANETTINI ARQUEOLOGIA. Programa de resgate e monitoramento arqueológico. Usina Guarani S/A – Açúcar e Álcool (Usina Cruz Alta – Unidade III), Município de Olímpia, São Paulo, 2008. (Relatório Final) Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 38 ZANETTINI ARQUEOLOGIA. Programa Guarani de Gestão dos Recursos Arqueológicos. Programa de Resgate - Área de expansão de cultivo da Usina São José, São Paulo, 2009. (Relatório Final) ZANETTINI ARQUEOLOGIA. Programa Guarani de Gestão dos Recursos Arqueológicos. Programa de Educação Patrimonial e Inclusão Social. (Ações 2008-2010). Municípios de Olímpia, Barretos, Tanabi, Colina e Pedranópolis, São Paulo, 2011. (Relatório Final) Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 39 ARQUEOLOGIA E PODER: A LEGITIMAÇÃO DO ESTADO Archaeology and Power: the state legitimation Cláudio Umpierre Carlan1 RESUMO O artigo começa por discutir questões políticas relacionadas com o mundo romano nos séculos III e IV d.C. O trabalho enfatiza a importância de usar uma variedade de fontes históricas, como iconográfica, arqueológica e artística. Palavras-chave: Arqueologia, Moeda, Roma ABSTRACT The paper begins by discussing political issues relating to the Roman world in the 3rd. c. AD and in the beginning of the 4th c. The paper emphasizes the importance of using a variety of historical sources, such as iconographic, archaeological, and art historical. Keywords: Archaeology, Coin, Rome RESUMEN El artículo comienza por discutir cuestiones de política relacionadas con el mundo romano en los siglos III y IV d.C. El trabajo hace hincapié en la importancia del uso de una variedad de fuentes históricas, como iconográfica, arqueológica, histórica y artística. Palabras clave: Arqueología, Moneda, Roma Introdução Em Roma, a propaganda estava intimamente ligada às cunhagens monetárias. As moedas não apenas são instrumentos importantes para estabelecer a datação dos documentos que chegaram até nós sem seu contexto original, como são de grande valia na compreensão dessas mensagens simbólicas descritas no corpo monetário. O reverso monetário dessas peças, conhecido vulgarmente como coroa, mostra determinada imagem, representando uma divindade (Virtude, Júpiter, Hércules, a própria 1 Pós Doutorando em Arqueologia do NEPAM/UNICAMP, professor adjunto 3 de História Antiga da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), pesquisador associado ao grupo de pesquisa Arqueologia Histórica da UNICAMP. E-mail: claudiocarlan@yahoo.com.br Revista de Arqueologia Pública, n.7, julho 2013. Campinas: LAP/NEPAM/UNICAMP. ISSN: 2237‐8294 40 cidade de Roma, a VRBS...), uma construção (campo militar, portões de uma fortaleza), o exército (dois legionários montando guarda), cenas de batalha (imperador derrotando seus inimigos), casamentos, uniões dinásticas, tentativa de legitimar um determinado poder. Podendo vir acompanhado de legendas que podem identificar, ou não, a imagem. Já nos anversos monetários (cara), temos em destaque o busto do imperador diademado (com diadema imperial), laureado (coroa de louros) ou encouraçado (com armadura, couraça, uniformes militares). A perfeição dos detalhes nos mostra a importância e o cuidado do artesão em confeccionar essas imagens. Pois, num mundo no qual não existiam meios de informação comparáveis aos nossos, o analfabetismo se