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1 G o iâ n ia , v . 1 6 , n .1 , p . 1 -4 , j a n ./ ju n . 2 0 1 8 . D O I 1 0 .1 8 2 2 4 /h a b .v 1 6 i1 .6 5 2 9 E D IT O R IA L É com satisfação que lançamos mais uma edição da revista Habitus, que neste ano de 2018 completa 15 anos de divulgação de produções científicas, em diferentes insti- tuições nacionais e estrangeiras, nas áreas de arqueologia, antropologia, patrimônio, meio-ambiente, história e turismo, tendo como eixo central a difusão da investigação e das produções culturais das sociedades humanas. Este volume da Habitus está editado na forma de dossiê, cujo tema versa sobre o estudo de gênero nas áreas de Arqueologia e Antropologia, considerado um campo profícuo de análises e discussões de relevância e atualidade para os estudos das ciências humanas. O conceito de gênero estudado inicialmente, a partir de três eixos distintos, gênero como construção social, gênero como relação de poder e gênero como conceito relacional, é um instrumento relevante no aprofundamento de análises teóricas e no estabelecimento novos olhares sobre os papeis sociais de mulheres, homens, crianças, idosos, queer, entre outros, sempre numa perspectiva plural. Do ponto de vista da arqueologia, ressaltamos o papel fundamental da mate- rialidade para a construção das narrativas de gênero no passado. Incorporado discretamente neste campo desde os anos 1970 na Europa, ad- quire densidade teórica na década de 1980, nos EUA, mas suas reflexões só começam a penetrar a arqueologia brasileira na metade dos anos de 1990. Entretanto, só recen- temente uma nova onda de reflexões teóricas e consistentes começaram efetivamente a fazer a diferença, despertando a atenção de pesquisadores de diferentes instituições nacionais. Os estudos de gênero na antropologia desponta, de forma incipiente, com al- guns trabalhos inspirados na obra de Margaret Mead intitulada “Sexo e temperamento EDITORIAL G o iâ n ia , 1 6 , n .1 , p . 1 -4 , j a n ./ ju n . 2 0 1 8 . 2 em três sociedades primitivas”, publicada em 1935. Esta autora relativiza as categorias “mulher” e “homem” através dos tempos e das culturas, afirmando que elas são produ- tos histórico-culturais e não fatos da natureza. Seu trabalho terá continuidade, no Bra- sil, nas pesquisas antropológicas sobre a “construção cultural” dos gêneros. Na década de 1970, os estudos sobre família vão estimular os estudos de gênero impulsionados também pela ação do movimento feminista que despontava no Brasil. Na década de 1980 o foco de gênero será verticalizado para os estudos sobre a mulher. É dessa época o famoso livro de Mariza Correia, que tem como título “Morte em família: representa- ções jurídicas de papéis sexuais”. Para esta autora a noção de gênero surge com a busca de um conceito mais amplo para tratar das desigualdades entre homens e mulheres e que a existência dessas desigualdades não é “natural”. Este dossiê tem por objetivo, reunir trabalhos que apresentem a aplicação dos pressupostos de Gênero embasados em robusta base teórica. A obra está composta por oito artigos, uma entrevista, uma resenha e dois resumos de dissertação de mestrado. Esses artigos, com especial enfoque na cultura material, demonstram o fortalecimento dos estudos em Gênero em Arqueologia no Brasil, aos quais se soma um estudo de caso em Antropologia. A revista inicia com o artigo ‘Bravas Mulheres’ – discutindo gênero através da expografia, elaborado por Loredana Ribeiro; Daniele B. Bezerra; Joziléia D. J. Kain- gang; Priscila C. Oliveira e Rosemar G. Lemos, trata da experiência, vivenciada pelas autoras, acerca da concepção e execução de uma expografia sobre a questão de gênero que explora, a partir da narrativa escrita e audiovisual, o potencial de acervos arqueoló- gicos e etnográficos para promover a reflexão e o debate sobre gênero, racismo, homo- fobia, sexualidade e outras práticas de violência cotidiana. Segue com o artigo de Lílian Panachuk intitulado, As Ceramistas e a Arqueó- loga: a argila na construção de corpos distintos. A autora apresenta sua experiência junto à professoras mulheres ceramistas das cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires. Ao ‘pensar com as mãos’ a autora experiência uma nova percep- ção com os artefatos, onde os gestos “ao construir a materialidade desenvolve, ao mesmo tempo, a identidade” da ceramista. Enfatiza também o empoderamento econômico, político e social das ceramistas construído a partir as relações do trabalho com a argila. O trabalho de Glaucia M. Sene, intitulado A Infância do Gênero: a visibilidade das crianças na pré-história do norte de Minas Gerais apresenta a relação entre gênero, idade e socialização, a partir de pesquisas realizadas em contextos funerários e das ma- terialidades envolvidas nos sepultamentos de crianças da Gruta do Gentio II, em Minas Gerais, Brasil. A infância na perspectiva de gênero é considerada uma categoria social e foi escolhida como eixo condutor do artigo, demonstrando que os papeis sociais e os status que as crianças adquirem varia no contexto social em que estão envolvidas. Camila A. de M. Wichers, Luiz A. P. de Queiroz, Juliana Freitas e Luciana B. Alves, no artigo denominado Um Olhar para as Relações de Gênero na Produção das Coisas de Barro, discorrem sobre as relações de gênero a partir da produção das ‘coisas’ de barro, utilizando como estudo de caso as cadeias operatórias de produção de arte- fatos cerâmicos presente no distrito de Santa Rita, município de Ouricuri, Pernam- buco. Numa perspectiva contextual e relacional, foram também construídas reflexões comparativas a partir dos resultados obtidos com dados de outras pesquisas regionais de mesma natureza, com o intuito de destacar a inexistência de uma normalização fun- damentada na perspectiva binária homem/mulher no que se refere às funções sociais G o iâ n ia , 1 6 , n .1 , p . 1 -4 , j a n ./ ju n . 2 0 1 8 . 3 desempenhadas pelas pessoas nas atividades de produção dos objetos cerâmicos nos contextos envolvidos. Na sequência, temos o artigo Corpos, Oferendas, Rituais e Gênero no Sítio Jus- tino, Baixo São Francisco, elaborado por Lucas Oliveira e Daniela Klokler. Os autores apresentam resultados parciais sobre os sepultamentos e as materialidades relacionadas aos contextos funerários presentes no sítio arqueológico Justino, cujas datações vão de 1.770±60 a 8.980±70, para construir considerações sobre gênero em Arqueologia. Destacam-se no texto, a partir dos objetos analisados, a existência de relações de gênero não-binárias, assim como a possibilidade de indivíduos com funções sociais que se di- vergem daquelas comumente consideradas para determinados sexos. O artigo de Denise Schaan, intitulado Há uma necessidade de atribuir gênero ao passado, foi publicado pela primeira vez em 2006, apresenta importantes discussões em torno das abordagens de gênero e feminista em arqueologia. Considerando a cate- goria gênero como uma construção social e a abordagem feminista como uma postura crítica de não somente praticar ciência, mas também de incitar “explicações novas e convincentes” sobre o papel social das mulheres nas sociedades humanas, o artigo se apresenta atualizado no que diz respeito às discussões contemporâneas. O artigo Corpo, Sexo e Gênero na Arqueologia: revisitando alguns aspectos mul- tidisciplinares, elaborado por Sergio Francisco S. M. da Silva e Viviane M. C. de Castro, apresenta reflexões conceituais sobre o corpo e sua relação com sexo, sexualidade ex- pressos a partir da materialidade. O texto traz robustas reflexões baseadas em diferentes contextos arqueológicos, como Peru antigo, e culturas greco-romana e egípcia. Por fim, temos o artigo “Eu já tenho Nome” – itinerários de homens trans em busca de respeito, elaborado por Camilo Braz, o texto, seguindo uma perspectiva an- tropológica, apresenta a partir de narrativas de homens trans da cidade de Goiânia e região metropolitana,entre eles profissionais que atuam na área e estudantes, reflexões originais e contemporâneas acerca das experiências dessas pessoas pelo reconhecimento de suas identidades de gênero. Por meio da narrativa etnográfica o autor problematiza o processo de transição de gênero e das relações advindas deste processo, destacando que não se trata de um processo individual, mas constituído também pelas pessoas envol- vidas nas relações de família, de amizade, assim como aquelas em torno de instituições educacionais e espaços de ‘atenção médica’. A revista ainda é composta por uma entrevista, generosamente concedida pela Dra. Barbara Voss, professora de Antropologia da Universidade de Stanford e reconhecida mundialmente pelos seus impactantes estudos sobre gênero, sexualidade e etnicidade em arqueologia colonial e pós-colonial. Participaram da entrevista as edi- toras deste volume da Habitus, juntamente com Denise Schaan (UFPA) e Camila M. Wichers (UFG). Como desdobramento dessa entrevista, Barbara Voss, em um gesto de “cor- dialidade científica”, encaminhou-nos um conjunto de cinco perguntas sobre arqueo- logia brasileira e estudos de gênero desenvolvidos no Brasil, declarando-se não só ser pouco conhecedora das pesquisas no Brasil, mas também confessando que as questões a priori apresentadas lhe incitaram o desejo de compartilhar conhecimentos. Neste sen- tido, com o intuito de fomentar o debate científico, as editoras da Habitus escolheram cinco especialistas para responderem as questões lançadas por Voss: Tania Andrade Lima (MN/UFRJ), Loredana Ribeiro (UFPel), Camila Wichers (UFG), Glaucia Sene (UERJ) e Luís Claudio Symanski (UFMG) . G o iâ n ia , 1 6 , n .1 , p . 1 -4 , j a n ./ ju n . 2 0 1 8 . 4 Finalmente, com o propósito de colaborar com a difusão deste relevante tema que progressivamente cresce no Brasil, disponibilizamos a publicação bilíngue (inglês/ português) da entrevista e de seu desdobramento. O volume finaliza com uma resenha redigida por Glaucia M. Sene e Nayara Amado, sobre o livro Children, spaces and identity, publicada no Reino Unido, em 2015, organizado por Margarita S. Romero, Eva Alarcón Garcia e Gonzalo Aranda Ji- ménez. Apresenta ainda, o resumo de duas dissertações de mestrado de Renata Verdun da Silva Carmo e de Nádia Carrasco Pagnossi. Por último, a revista Habitus, por meio das editoras deste volume, homenageia a Dra Denise Schaan, da Universidade Federal do Pará, falecida em 03 de março de 2018, autora de um dos artigos e uma das entrevistadoras de Barbara Voss, presente neste volume da revista. Essa pesquisadora é considerada uma das mais importantes precursoras dos estudos de Gênero no Brasil. Suas pesquisas acerca da cultura arqueo- lógica Marajoara, localizada na região Amazônica, constitui-se uma referência para a arqueologia brasileira. Encerrando o presente Editorial, entendemos que a Habitus, com mais este volume, reafirma sua trajetória bem-sucedida nesses 15 anos de jornada e convida os leitores à instigante leitura dos trabalhos aqui publicados. Glaucia Malerba Sene (Editora convidada) Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Departamento de Arqueologia Sibeli A. Viana Pontifícia Universidade Católica de Goiás Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia Programa de Pós-Graduação em História Marlene C. Ossami de Moura Pontifícia Universidade Católica de Goiás Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia Programa de Pós-Graduação em História
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