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Ética, direitos humanos e direitos não humanos

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Ética, direitos humanos e direitos não humanos
Prof. Ronaldo Pelli Junior
Descrição
Os limites da liberdade, a liberdade de expressão e a busca por direitos
que sejam universais: para humanos e não humanos.
Propósito
A discussão sobre ética, uma das mais antigas da filosofia, é essencial
na tentativa de formular direitos humanos e estabelecer uma igualdade
entre os homens, o que nos leva a olhar para outros seres, como
animais e máquinas, a possuírem direitos similares aos dos homens.
Objetivos
Módulo 1
Ética e liberdade de expressão
Listar as diferentes formas de se pensar a ética e os limites impostos
pela liberdade de expressão.
Módulo 2
A trajetória dos direitos humanos
Reconhecer a trajetória — com percalços — dos direitos humanos
desde a Grécia Antiga até os dias atuais.
Módulo 3
Os direitos dos seres não humanos
Identificar a luta de outros seres, como os animais não humanos,
para conseguir direitos e a preocupação de uma ética para máquinas
inteligentes.
Mesmo que seja um assunto discutido há séculos, raramente se
chega a uma conclusão sobre como algo poderia ser considerado
ético. A começar porque a própria noção de ética é controversa por
si só: tanto pode ser vista como algo bom, certo e justo para um
grupo; como pode ser considerada uma prescrição, como os
códigos para categorias profissionais ou os mandamentos
religiosos. Ainda, pode ser classificada como uma disciplina da
própria filosofia que analisa os limites da ética.
Ao longo da história, pensadores lutaram com força para ampliar
suas vozes e fazer circular suas ideias, por vezes consideradas
éticas; outras vezes, não. Recentemente, a luta por liberdade de
expressão tem se convertido em argumento para o
compartilhamento de notícias falsas (fake news) e discursos de
ódio.
Uma primeira tentativa de compreender a questão ética está na
busca por criar um solo comum para todos os homens, isto é, uma
ética universal. A Declaração dos Direitos Humanos, publicada pela
ONU na metade do século XX — mas com raízes nos movimentos
revolucionários do século XVIII ou mesmo na Grécia da Antiguidade
Introdução
1 - Ética e liberdade de expressão
Ao �nal deste módulo, você será capaz de listar as diferentes formas de se pensar a ética e os
limites impostos pela liberdade de expressão.
De�nição de ética
Sem dúvida, a ética é um dos mais antigos temas da filosofia. Aparece
nas obras filosóficas desde, pelo menos, os grandes nomes do período
clássico grego: Sócrates, Platão e Aristóteles (todos nascidos entre os
séculos V e o III AEC).
Platão escreveu inúmeros diálogos e, na maioria deles, o seu já falecido
mestre Sócrates — que nunca escreveu ele mesmo uma única linha e
—, pode ser considerada uma tentativa ou o resultado da trajetória
da discussão dos direitos humanos ao longo dos anos.
Contemporaneamente, mas no mesmo sentido, chegam críticas de
movimentos que veem um tipo de soberba no hábito de colocar o
homem no centro da discussão político-social-legal em detrimento
de outros seres. É necessário que haja debates éticos sobre
inteligência artificial e como é possível, e até mesmo aconselhável,
criar figuras jurídicas equivalentes aos direitos humanos para
outros seres, como animais não humanos, máquinas e até a própria
Terra.
teve sua obra inteiramente registrada por seus alunos — era o
protagonista. No mais famoso de todos os seus livros e também uma
das obras mais importantes da história da filosofia, A república, o tema
principal é a construção de uma cidade ideal, governada por cidadãos
superespecializados que orientam suas ações através da ética.
Monumentos na fachada da Academia de Atenas de Platão e Sócrates. Acima deles, estão os
monumentos de Atenas, a deusa da sabedoria e Apolo, o deus da verdade, que representavam os
propósitos da Academia, fundada por Platão por volta de 387 a.C.
O método socrático-platônico das definições universais, que parte do
princípio que sempre há uma caráter comum-universal que abrange toda
multiplicidade das particularidades. Por exemplo, a noção comum-
universal de árvore abrange toda e qualquer árvore no mundo. Tal
projeto encontrou muitos críticos — a começar por Aristóteles, seu aluno
mais notável da Academia —, não por Platão defender a ética, mas por,
especialmente, defender a possibilidade uma ética comum-universal.
Platão e Aristóteles são retratados no centro da obra Escola de Atenas (1509-1511), uma das mais
famosas pinturas do renascentista italiano Rafael, e representa a Academia fundada por Platão
por volta de 387 a.C.
Por outro lado, de um ponto de vista bem específico, ninguém é aético:
todo mundo obedece a uma ética própria e, se ninguém é aético, o que
quer dizer, então, ética? Por que ela é tão importante assim?
A palavra vem do grego antigo ethos, que significa algo como conjunto
de hábitos, costumes e valores de um grupo social ou cultura. Os
romanos traduziram tal expressão para os termos mos ou moris, que
originaram o nosso termo moral. Dessa forma, ética seria os códigos
visíveis ou invisíveis que determinam o que é o certo e o errado, o bom e
o ruim, o verdadeiro e o falso para determinada sociedade. O problema é
que, mudando de geografia, de grupo, de tempo, a ética, então, mudaria.
Para ficar num exemplo banal, basta pensar nos talheres utilizados para
se alimentar ao redor do planeta. Qual seria o instrumento “certo”:
garfos, facas e colheres? Hashi (ou palitinhos)? As próprias mãos?
Pode-se imaginar o quanto um japonês tradicional ficaria chocado com
alguém cortando com garfo e faca um sashimi.
Alguns indianos dizem que os talheres de metal dão gosto ruim para a
comida — daí a escolha pelas mãos. E, seguindo ainda no tema
culinária, há diversos vídeos na internet mostrando italianos agoniados
porque alguém decidiu quebrar o espaguete para fazer caber em uma
panela pequena.
Se quisermos elevar um pouco a dificuldade do debate, basta lembrar a
diferença de tratamento para grupos geralmente excluídos entre as
diversas sociedades ou ao longo da história. Até cerca de 150 anos
atrás, no Brasil, homens, mulheres e crianças de pele mais escura,
africanos ou descendentes, poderiam ser considerados, por lei,
propriedade de outras pessoas e eram escravizados.
Em certos países, como a Arábia Saudita, as mulheres não
compartilham dos mesmos direitos que os homens: até muito
recentemente elas não podiam votar nem dirigir veículos. Atualmente,
sob o controle dos talibãs, as mulheres afegãs sequer podem sair de
casa sem a companhia de algum membro homem de sua família.
Certos grupos religiosos, doutrinas ideológicas, ou mesmo países que
abertamente consideram uma aberração qualquer tipo de
comportamento sexual diferente do estritamente heterossexual,
passível de punição ou, ao menos, de um processo de reeducação
forçada. Os exemplos poderiam prosseguir.
O argumento aqui é mostrar que as pessoas que defendem esses tipos
de ações não se consideram “más” ou agindo contra a própria “ética”.
Sempre houve e sempre haverá uma autojustificativa, mesmo para os
mais atrozes comportamentos ou para muitos deles, ao menos.
Dessa primeira forma de entender a ética, pode-se tirar uma segunda:
ética pode ser vista também como um conjunto de regras prescritivas,
que vão criar o fundamento para sabermos o que é certo ou errado
antes de agirmos.
Exemplo
É o que acontece com a ética cristã ou estoica, ou, mais
especificamente, com os códigos de ética de determinadas categorias
profissionais, como advogados, médicos, psicólogos, enfermeiros e por
aí vai.
Entretanto, mesmo quando o código de ética está registrado em letra
fria, há controvérsias e debates para se estabelecer a “verdadeira”
interpretação do texto. Lembremo-nos das guerras ao longo da história
entre diferentes grupos cristãos que leem a mesma Bíblia; ou os
grandes debates entre advogados sobre determinadas passagens de
códigos legislativos. Isso sem falar nas discussões eternas dentro da
filosofia sobre o queum autor quis “verdadeiramente” dizer.
Um caso ligeiramente diferente é o da autonomia médica, presente no
código do Conselho Federal de Medicina. Que declara que o médico,
entre diversos outros direitos e deveres, deve indicar o procedimento
adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente
reconhecidas e respeitada a legislação vigente.
O problema pode aparecer quando há casos de doenças desconhecidas,
sem tratamento farmacológico reconhecido.
Por fim, há ainda uma terceira forma de pensar a ética: as teorias e
concepções da filosofia que tentam estabelecer os limites da própria
ética, que buscam dentro da ética suas fronteiras e consequências.
É uma espécie de ética da ética, ou metaética, como se diz em
“filosofês”. É esse o principal foco filosófico: investigar se há uma
“verdade” intrínseca nos valores, de caráter universal, aplicada a todas
as situações. Algo que não mudaria tanto de um lugar para outro, nem
de um tempo para outro.
Ética e moral
Muita gente faz um esforço conceitual para diferenciar a ética da moral.
A primeira teria uma ligação mais forte com um comportamento
individual, “natural”, que estaria presente em todas as pessoas,
independentemente do grupo social, da classe, das crenças e dos
desejos que possuímos, e daria certa autonomia em relação às
influências do exterior. Já a segunda funcionaria como o conjunto de
leis desse agrupamento, que respeitaria as particularidades dessa
comunidade.
Há diversos problemas em ambos os casos. De início, como isolar essa
nossa suposta “natureza”, a ponto de ela não ser persuadida pelas
forças externas?
Como dizer que há um mundo “interno”, intacto, sem influência do que
acontece “lá fora”, com as outras pessoas, com as nossas relações
cotidianas?
No máximo, daria para dizer que a ética é o filtro “interior”, individual,
para as regras exteriores, comunitárias — o âmbito da moral.
Em seguida, há uma série de outras questões, por exemplo:
Cada um teria uma ética diferente do outro?
Seria possível dizer que há uma “essência” que perpassaria por
todos, homens, mulheres e crianças do planeta inteiro?
Haveria uma questão principal, fundamental, a partir da qual todas
as outras poderiam se apoiar, se basear, para criar seus valores?
Seria ela a defesa da vida? Mas será que todos os grupos
humanos pensam a vida da mesma maneira?
Como comparar a definição da vida das tradições cristãs com a de
povos tradicionais, autóctones?
Responder a essas questões não é fácil! E você não encontra uma
resposta unânime para elas. O importante é que você, a partir de nosso
conteúdo estudado — e do aprofundamento esperado — possa tomar
posição frente a elas, com certa fundamentação teórica.
O pensador alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um dos maiores
críticos do que chamou de moral. Ele associava essa moral a um
conjunto de valores criados a partir do pensamento socrático-platônico,
que se manteve vigente ao ser, posteriormente, adaptado pelo
cristianismo .
Nietzsche propôs filosofar com o martelo, como dizia, para explicitar
sua intenção de destruir esses valores que, segundo ele, nos
enfraqueciam, nos tornavam menos capazes de lidar com a própria vida
e toda a sua variedade de possibilidades e surpresas.
Friedrich Nietzsche.
>
Adaptado pelo cristianismo
No prefácio de Além do bem e do mal, Nietzsche acusa o cristianismo de
ser uma mera adaptação simplificada e, consequentemente, mais acessível
do dogmatismo platônico para o povo comum; ou seja, um “platonismo
para as massas”.
Contudo, assim que “quebrou” a moral platônico-cristã, esse pensador,
com ou sem intenção, logo colocou um outro tipo de proposta de
valores, mais “fortes”, em que se encarava com coragem a aleatoriedade
da vida, em que não haveria uma separação tão óbvia entre razão e
emoção, entre bem e mal, entre verdadeiro e falso. Ou seja, Nietzsche
percebeu que não há vácuo moral: sempre outros valores assumem o
posto deixado vazio.
Mesmo que a moral seja associada a determinado
grupo social, portanto perdendo a capacidade de
universalização, percebe-se, de forma concomitante,
que é impossível viver sem uma moral, mesmo que
implícita.
Isso porque precisamos recorrer à moral (ou à ética, dependendo de
quem fala) quando estamos diante de um impasse, quando precisamos
tomar uma grande decisão e não temos recursos próprios, imediatos, ou
para saber qual é a melhor estrada para se pegar na hora da
encruzilhada.
Immanuel Kant.
Immanuel Kant (1724-1804) foi outro filósofo que muito se debruçou
sobre questões ético-morais, exatamente porque sabia que havia um
limite para o racional e que não era possível saber qual é a regra na qual
o outro sujeito está se baseando para agir.
Tentando responder a essa demanda, ele formulou o chamado
imperativo categórico, que pode ser sintetizado na seguinte frase: “Aja
de tal forma que sua ação possa ser considerada lei universal”. Em
outras palavras, aja do jeito que gostaria que agissem com você. Ainda:
considere ética toda ação sua, desde que você aceite que façam a
mesmíssima coisa consigo.
A proposta de Kant não passou ilesa, entretanto. Entre outros
apontamentos, seus críticos defendem que, às vezes, ser justo é tratar
de maneira desigual os desiguais. Dito de outra forma: nem todas as
pessoas têm as mesmas necessidades, desejos similares ou uma tábua
de códigos que se equivalha. Por isso, achar que a “minha” percepção é
a melhor para todos parece uma falta de conhecimento das
subjetividades dos outros indivíduos — e no fundo até egoísmo.
Uma das principais críticas à ética kantiana afirma que
ele apenas atualizou o que foi o padrão ouro da moral
durante quase todos os últimos 2 mil anos: o
cristianismo.
Desde os Dez Mandamentos até a categorização dos pecados, todo o
sistema cristão funcionou para dar parâmetros que guiassem seus
adeptos a saber o que era o certo e o errado, o que era verdade e o que
era mentira, e como se poderia garantir uma vida boa no paraíso, após a
morte.
Com o passar do tempo, porém, o cristianismo perdeu a relevância que
possuía há séculos. Mesmo que ainda haja muitos cristãos no mundo,
outras forças (como a ciência) surgiram para colocar em dúvida as
propostas sacerdotais. Antes mesmo da subida em definitivo da ciência
ao altar dos valores morais, outros encontros já tinham afetado o
monopólio cristão da lei prescritiva. Um caso exemplar foi a chegada
dos europeus, nos séculos XV e XVI, nas terras que depois receberam o
nome de América.
A Primeira Missa no Brasil, quadro de Victor Meirelles que retrata o contato entre as populações
nativas e os colonizadores europeus.
Assim que encontraram populções nativas tão diferentes em seus
comportamentos e valores, uma série de perguntas atravessou a cabeça
dos europeus:
Como tratar os nativos americanos, que seguiam
outras éticas que permitiam relacionamentos menos
monogâmicos, que não tinham pudores excessivos
com o corpo, que não veneravam o mesmo Deus, que
queriam trabalhar apenas o necessário, sem conseguir
compreender a pretensão europeia de acumular
riquezas?
Parecia claro que não era apenas o cristianismo que sabia lidar com o
mundo. Outros modos de viver funcionavam tão ou melhor que o
europeu e isso precisava ser levado em conta. Ou deveria ser.
Ética e liberdade
Em vários momentos da história, a ética (ou a moral) foi vista como
aquilo que tentou controlar o que se pode ou não fazer. Há uma frase
muito citada, mas que não aparece exatamente assim, de Os irmãos
Karamazov, obra literária do russo Fiódor Dostoiévski, que resume bem a
intenção: “Se Deus não existe, tudo é permitido”.
Isto é, Deus (ou um ente que tivesse uma importância ética parecida)
seria o tampão moral que nos impediria de cair no caos completo, na
desordem total, no vale-tudo. Como se apenas uma mão pesada nos
impedisse de nos destruir por completo.
Se não houvesse uma lei repressora, nós tenderíamos ao aniquilamento
ou, no mínimo, à perda de certos traços que nos tornamdiferentes de
outros seres, a começar pelos outros animais.
Fiódor Dostoiévski.
Nessa passagem do livro, o personagem de Dostoiévski dá alguns
exemplos do que, para ele, seria o mais baixo que o homem poderia
chegar: se não acreditarmos na imortalidade da alma, então não haverá
mais nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia.
Considerando que este era um costume de certos grupos indígenas das
Américas na época da invasão europeia, há mais de 500 anos, o
contraste moral fica ainda mais gritante.
Antropofagia
Ato ritual religioso de comer uma ou várias partes do corpo de um ser
humano como uma forma de se vingar por mortes ocorridas em conflitos
anteriores e para adquirir as características de seus inimigos.
Desenho datado de 1557 de uma cena antropofágica ocorrida no Brasil.
Para um intelectual urbano russo do século XIX, talvez o ato de comer
outros seres humanos fosse um dos pontos mais baixos que o homem
chegaria. Mas, para um tupi da costa de Pindorama (nome que os
indígenas dessa etnia davam para a terra que se chamou depois de
Brasil), o ato tinha diversas conotações: espirituais, existenciais e até
éticas. Como equiparar tais noções tão distantes?
O dilema ético aqui está exatamente em poder analisar a questão
proposta da forma mais ampla possível. Aqui essas perguntas podem
nos ajudar a refletir, mas não nos darão uma resposta pronta: a moral
cristã, que eliminou o antropofagismo no Brasil, não deveria acontecer?
Todos os aspectos culturais de um povo devem permanecer sempre
intactos?
É bastante provável que não sejamos assim tão
dependentes de uma lei forte para nos organizar e
reprimir nossas vontades mais egoístas, mas é notável
como os limites impostos pela ética aparecem em
todos os agrupamentos humanos — e são essenciais
para a construção de uma sociedade. É preciso
estabelecer o que se pode ou não fazer, para criar uma
coesão e, assim, nos liberar para sermos livres no
restante das ações.
É preciso estabelecer o que se pode ou não fazer, para criar uma coesão
e, assim, nos liberar para sermos livres no restante das ações.
Jean-Jacques Rousseau.
Muitos pensadores ao longo da história da filosofia, como o suíço Jean-
Jacques Rousseau (1712-1778), consideravam que o homem nasce
livre, mas precisa se aclimatar à sociedade, diminuir seu ímpeto, se
adaptar aos códigos impostos pela tradição.
Esses pensadores foram empurrando a fronteira do que se podia fazer
ou não — ou seja, da moral — a cada vez que um impedimento
dogmático aparecia.
Uma das questões primordiais do Iluminismo, por exemplo, foi a
liberdade de expressão.
Até o movimento europeu que teve como expoentes Kant, os franceses
Voltaire, Diderot e Rousseau, e os ingleses Hume e Adam Smith, falar o
que se pensava podia dar em prisão ou até em morte. Por isso, eles
lutaram, escreveram, correram riscos para que todos pudessem
expressar aquilo que tinham em mente, sem medo de serem
exterminados por isso.
A título de comparação do tamanho do risco do simples ato de opinar
publicamente — algo banalizado em tempos de redes sociais —, lembre-
se de como a imprensa foi perseguida na colônia portuguesa das
Américas. Só se foi permitido ter jornais impressos com a vinda de D.
João VI para o Brasil, em 1808. E, ainda assim, não era exatamente uma
imprensa livre, mas profundamente censurada.
Liberdade de expressão
No Brasil, na segunda metade do século XX, estudantes, artistas,
militantes, músicos, operários, escritores, em suma, críticos ao regime
foram presos, torturados, condenados ao exílio e até mortos por
discordarem com veemência dos ditadores.
O assassinato do jornalista Vladimir Herzog é um dos casos mais
famosos que representa quão violenta foi a repressão dos militares.
Em 1975, Vlado, como era apelidado, se apresentou espontaneamente
para prestar depoimentos ao DOI-CODI, órgão militar famoso por atacar
dissidentes do regime. O jornalista foi preso na mesma hora e apareceu
enforcado, em sua cela, apenas um dia depois.
Segundo as informações declaradas pelos oficiais, ele teria se matado
com um cinto de pano que prendia sua roupa. Havia, contudo, uma
grosseira inconsistência na versão apresentada pelos militares: na foto
divulgada, os joelhos do jornalista apareciam encostados no chão, o que
impossibilitaria o suicídio.
Vladimir Herzog morto no DOI-CODI de São Paulo.
Desde o Iluminismo, portanto, a liberdade de expressão se tornou um
dos pilares dos regimes que se propunham democráticos. Só é possível
ter uma democracia se tal direito for respeitado. Recentemente,
entretanto, o processo se inverteu: utilizando-se desse arcabouço legal,
vários atores políticos começaram a propagar informações que não
condizem com os fatos. Em termos atuais, passaram a divulgar fake
news.
A liberdade de expressão é tratada por quem divulga esses “fatos
alternativos” de forma distorcida. Primeiro como um valor superior aos
demais: nenhum outro direito poderia ser mais importante que este.
Segundo: como uma desculpa para falar qualquer coisa, não importando
se é verdade ou não.
Sobreviventes do campo de concentração nazista Buchenwald, no leste da Alemanha, quando
foram resgatados.
Na Alemanha, por exemplo, é previsto como crime a negação do Shoá,
também conhecido como Holocausto, o genocídio nazista que matou
cerca de 6 milhões de pessoas, entre judeus, Testemunhas de Jeová,
pessoas com deficiências, ciganos, comunistas, homossexuais e outros
grupos discriminados pelos nazistas.
Na Ucrânia, não só é proibido ocultar o Holodomor — o genocídio
soviético da população ucraniana, com cerca de 12 milhões de mortos
pela fome —, como também foi proibida a existência de partidos
políticos comunistas e qualquer símbolo que remeta ao regime
socialista soviético.
Não importa que a liberdade de imprensa, análoga à de expressão nesse
caso, esteja registrada na Constituição daquele país. Há valores maiores
do que a possibilidade de opinar publicamente. Na realidade, mesmo em
democracias bem mais consolidadas que a brasileira, a liberdade não é
infinita e precisa ser tolhida quando há riscos reais. Mesmo nos EUA,
cuja Primeira Emenda à Constituição, datada ainda de 1791, já defendia
a expressão livre, não é um vale-tudo.
Precisa ser tolhida
Essa é outra questão pouco reconhecida como unânime. Nesse sentido,
vale conferir os artigos e reportagens indicados no Explore +.
Nenhum direito é absoluto e a liberdade de expressão não
é soberana em relação aos demais direitos.
O Estado não interfere em relação a toda e qualquer informação
veiculada, mas caso haja um exemplar considerado perigoso
(planejamento de ataques terroristas, por exemplo), pode haver
interferências.
Além disso, no momento histórico em que pouquíssimas empresas
privadas controlam o tráfego de informação pelo mundo, a relação entre
liberdade de expressão, democracia e censura mudou drasticamente.
Exemplo
Facebook, Twitter e Google são capazes de desviar o fluxo para certas
postagens a partir do quanto se investe. Ou seja, não é exatamente um
procedimento democrático, mas plutocrata, isto é, com prioridade para
quem tem mais dinheiro.
Por outro lado, tais empresas bilionárias também podem, de uma hora
para outra, banir certos personagens ou conteúdos, como no caso do
ex-presidente norte-americano Donald Trump, cuja conta no Twitter foi
retirada do ar no início de 2021 sob acusação de incitar a violência, é um
exemplo do poder dessas companhias. Por se tratarem de empresas
privadas, que não precisam dar satisfação das suas ações para o
público em geral, acabam por gerar desconfianças legítimas.
Para alguns, as acusações ao então presidente dos EUA foram óbvios;
para outros não! Então, sendo uma empresa privada, que não precisa
dar satisfação das suas ações para o público em geral, sempre há uma
desconfiança. E quando houver perseguição a certos personagens que
forem contrários à empresa em questão (como alegou parte da
Imprensa Americana, nesse mesmo caso)?
Ouacontece o problema inverso: certos conteúdos, apesar de serem
classificados como discurso de ódio ou como propagadores de
informações falsas, muitas vezes são mantidos porque têm audiência.
Enfretamento entre policiais e apoiadores do ex-presidente Trump durante a invasão do Capitólio
dos Estados Unidos em 2021.
É o caso de canais de propagação de notícias inverídicas no Facebook
ou no Youtube (do Google), por exemplo. Para tornar as coisas ainda
mais difíceis, mesmo que uma rede de divulgação caia no Whatsapp,
que é ligado ao Facebook, ela surge num outro aplicativo de
comunicação instantânea.
E o pior: em vários desses casos, apesar de essas grandes companhias
terem códigos de ética, eles são ignorados – ou interpretados de forma
“criativa” – em prol de outros interesses, como manter a audiência em
crescimento, engajada, com interações".
Como insistido inúmeras vezes, não há unanimidade sobre algumas
dessas temáticas. E é fundamental apresentar, quando possível, outras
versões além daquela do "senso comum midiático".
Assim, a partir desse admirável novo mundo que nos aparece, em que a
liberdade de expressão já não é a mesma que foi defendida pelos
iluministas, uma pergunta aparece com cada vez mais frequência: como
estabelecer um limite, como propor uma ética para uma rede que é
necessariamente ampla e tão multifacetada? Ou, para voltar à frase de
Dostoiévski: se não há Deus — uma lei, um Estado, uma moral, uma ética
— tudo é possível mesmo?
Quem controla as agências de
controle?
Neste vídeo, vamos falar sobre os elementos que nos ajudam a perceber
a importância e a complexidade de agências de controle das mídias
digitais. Vamos lá!

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Sabemos que definir o que é ética não é fácil, mas podemos partir
de alguns fundamentos teóricos, desenvolvidos ao longo da
história, a fim de podermos afirmar algo sobre a ética. Nesse
sentido, avalie as afirmativas abaixo, que têm por objetivo
caracterizá-la:
I. Códigos visíveis ou invisíveis que determinam o que é o certo e o
errado, o bom e o ruim, o verdadeiro e o falso para determinada
sociedade.
II. Conjunto de regras prescritivas, que vão criar o fundamento para
sabermos o que é certo ou errado antes de agirmos.
III. A lógica interna e obrigatória que força participantes de um
grupo social a se comportarem de certa maneira.
IV. Valores internos das pessoas, independentemente do tipo de
ambiente inserido e da influência recebida.
Está correto o que se afirma em
A I somente.
B III somente.
C I, II e IV.
D IV somente.
Parabéns! A alternativa C está correta.
Mesmo que a ética seja vista como uma lógica interna de
determinado grupo, ela não tem um caráter obrigatório, mas
optativo, de escolha: o homem é livre para escolher ser ético ou
não. As demais afirmativas apresentam o quanto a ética pode ter
sua concepção ampliada.
Questão 2
Houve recentemente uma mudança significativa na maneira como a
liberdade de expressão é entendida de forma geral. Entre as
alternativas abaixo, assinale a que melhor explica essa
transformação.
E II, III e IV.
A
De um período em que a liberdade de expressão não
tinha limites, hoje ela começou a ter, desrespeitando
a democracia.
B
De um tempo em que era usada como forma a
propagar qualquer informação, hoje se tornou o
último bastião contra as censuras gerais.
C
De uma relação de trocas iguais, democráticas, em
que não havia necessidade de a invocar, para um
momento ainda mais tranquilo em que tal proposta
quase é esquecida.
D
De um mecanismo iluminista contra as censuras, tal
artifício serve hoje como justificativa para se
divulgar fake news.
E
De um jeito de se expressar livremente, hoje se
transformou numa forma de comunicação social.
Parabéns! A alternativa D está correta.
Apesar de um histórico de lutas para ampliar a liberdade de
expressão, tal direito não pode ser visto como superior aos demais,
muito menos ser usado para divulgar notícias falsas.
2 - A trajetória dos direitos humanos
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a trajetória — com percalços — dos
direitos humanos desde a Grécia Antiga até os dias atuais.
De�nição de direitos humanos
Talvez a pergunta “quando foram instituídos os direitos humanos?” só
tenha uma concorrente na categoria dificuldade de responder: é a sua
prima “o que são os direitos humanos?”.
Eleanor Roosevelt, então 1ª dama do EUA, exibe a Declaração Universal dos Direitos Humanos
publicada em espanhol.
Sabe-se, com certeza, que tal expressão aparece na Declaração
Universal da Organização das Nações Unidas, um documento proferido
em 1948 — logo após o genocídio promovido por nazistas e fascistas
durante a Segunda Guerra Mundial — que delimita os direitos
fundamentais do ser humano.
Tal declaração, porém, não acabou com as controvérsias e
contradições.
Segundo o historiador e jurista norte-americano Samuel Moyn, que
defende essa onda atual de direitos humanos como uma espécie de
última utopia humana e aponta a década de 1970 como o momento em
que a Europa buscou uma identidade fora dos termos da Guerra Fria,
que separava o mundo entre países alinhados aos EUA capitalistas ou à
URSS comunista.
Além disso, depois da desastrosa saída do Vietnã, em 1975, a política
externa dos EUA mudou para padrões mais liberais, a fim de manter
relações mais igualitárias com outras nações. E, principalmente, foi a
década em que a aventura colonialista dos países europeus na África se
dissolveu, ocasionando a libertação de diversos povos que até hoje
pagam a conta dessa longa dominação.
Isso, claro, sem contar o rescaldo dos grandes movimentos populares
do fim da década de 1960, que sacudiram os paralelepípedos das ruas
de várias cidades do Norte Global, de Paris a Berkeley (EUA), passando
por Praga, capital da então república socialista tchecoslovaca. Após tais
protestos e modificações do tabuleiro mundial, não dava mais para se
crer capitalista ou comunista de forma inocente.
Grande protesto contra a guerra do Vietnã tomou as ruas de Amsterdã em 13 abril de 1968.
Com a eleição de Margareth Thatcher no Reino Unido, em 1979, e de
Ronald Reagan nos EUA, em 1981, os direitos humanos se
transformaram em uma moeda imperialista.
Exemplo
Usando como desculpa o combate às ditaduras comunistas e o perigo
do chamado avanço “vermelho”, EUA e Reino Unido intervinham
diretamente na política interna e externa de países periféricos.
Contraditoriamente, não se importavam com as violações dos mesmos
direitos nesses mesmos países periféricos, que seguiam suas cartilhas
subservientes e, na maioria dos casos, aderiam às suas políticas
econômicas neoliberais. Era o caso das ditaduras sul-americanas do
período, tais quais as implantadas no Brasil, na Argentina e no Chile.
Essa política de direitos humanos também não aconteceu de forma
igual nem ao mesmo tempo em todos os países da Europa do oeste —
basta lembrar que, paralelamente a esse período, toda a Península
Ibérica continuava sob o domínio de ditaduras nacionalistas até metade
da década de 1970: Portugal se liberta do salazarismo, iniciado em
1933, somente com a Revolução dos Cravos, em 1974. Já a Espanha se
livraria do franquismo — imposto desde o fim da Guerra Civil Espanhola,
em 1938 — apenas com a morte do “generalíssimo” Francisco Franco,
em 1975.
Demonstração franquista nas ruas de Salamanca, na Espanha, em 1 de janeiro de 1937.
Mas, afinal, como definir o que são os direitos humanos?
Para começarmos a entender esse assunto, é possível citar alguns
procedimentos dentro do escopo dos direitos humanos: o direito à
liberdade de culto e religião; o direito a um julgamento justo, quando se
é acusado de algum crime; o direito a não ser torturado; e o direito à
educação.
É nesse sentido que, atualmente, os direitos humanos:

Plurais e têm como �m acabar com a
escravização no mundo
Destacam que todos os seres humanos nascem livres e iguaisem
dignidade e direitos, com o fim de acabar com a escravização no mundo
e prevenir genocídios, através de direitos e liberdades fundamentais.

Universais e inerentes a todos os seres
humanos
Promovem o respeito e a observância aos direitos e liberdades
fundamentais do ser humano, como um ideal comum a ser atingido por
todas as nações, independentemente das práticas, morais e leis
específicas de seus países.

Prioridades e sua violação é uma grave
afronta à Justiça
Esclarecem que o pleno reconhecimento e respeito aos direitos e
liberdades fundamentais, para que toda e qualquer pessoa tenha direito
a uma vida digna, é um requisito inerente à moral, à ordem pública e ao
bem-estar de toda e qualquer nação democrática.

Equiparados a estabilidade e a segurança
nacional
Enfatizam que o direito a uma renda justa e satisfatória, que assegure
uma existência digna, está diretamente relacionado com a estabilidade,
a segurança nacional, a autonomia individual e dos povos, bem como a
prosperidade nacional e global.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, já em 1948, nos fornece
um bom parâmetro para tentar entender o que são, afinal, os direitos
humanos: são uma tentativa de criar uma moral — uma ética —
compartilhada por “todos os membros da família humana”, como
escreve a declaração das Nações Unidas publicada em 1948. Tais
direitos são aquilo no qual todos deveríamos nos basear, por serem as
condições fundamentais para uma vida digna de toda e qualquer
pessoa, sem importar quem ela é ou o que ela faz.
Direitos humanos e Iluminismo
Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São
dotados de razão e
consciência e devem agir em
relação uns aos outros com
espírito de fraternidade.
(Art. 1º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos)
Livres, iguais e com espírito fraterno. Desde o seu primeiro artigo, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos não esconde sua principal
influência: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Redigida logo no início da Revolução Francesa, em 1789, o icônico
documento — cujo lema principal era “liberdade, igualdade e
fraternidade” — não apenas ignorava o rei, como toda nobreza e a Igreja,
atribuindo a soberania do país ou nação ao seu povo. Destacando que
“os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem” são a base de
qualquer governo.
O caráter universal dos direitos humanos também já aparecia na
declaração de 1789, que se refere, ao longo de seu texto e de diversas
formas, aos homens, sem fazer distinção da sua nacionalidade, com
apenas uma menção ao povo francês. Seu artigo 1º, que ecoa no
documento da ONU, quase dois séculos depois, já assegurava que “os
homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
Era tanta liberdade, igualdade e propunha tanta fraternidade que
teóricos e políticos anglófilos como Richard Price e Edmund Burke, que
tinham apoiado a independência norte-americana, em 1776, foram
contrários à Revolução Francesa, com medo de que ela acabasse
provocando o caos.
Foi contra ela que Burke escreveu Reflexões sobre a Revolução na
França, e criou as bases para o conservadorismo moderno, que até
aceita transformações, mas acredita que as revoltas são movimentos
extremos demais.
Aliás, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América é
outro documento que historiadores, como a estadunidense Lynn Hunt,
defendem como seminais no tema dos direitos humanos. A segunda
linha do texto de 1776 já afirma: "Consideramos estas verdades
autoevidentes: que todos os homens são criados iguais, dotados pelo
seu Criador de certos Direitos inalienáveis, que entre estes estão a Vida,
a Liberdade e a busca da Felicidade".
Mesmo que haja uma menção ao Criador, o Seu trabalho termina ali. O
governo era dos homens e para os homens. Todos os homens.
Declaração de Independência dos Estados Unidos.
Há uma conexão estreita entre as duas famosas declarações do século
XVIII: Thomas Jefferson, o autor da declaração americana, estava em
Paris 13 anos depois, meses antes da queda da prisão da Bastilha, o
evento que marca o início da Revolução Francesa. Thomas Jefferson era
amigo e muito provavelmente influenciou o marquês de Lafayette, que
foi um dos redatores do documento de 1789.
Capa de O contrato social ou princípios do direito político, de 1762.
Todas essas declarações revolucionárias respiraram os ares críticos e
científicos do Iluminismo, que criou as bases estruturantes para a
proposta da formação de uma sociedade, em tese, muito menos
estratificada.
A expressão “direitos do homem”, que ficou bastante associada à
declaração francesa de 1789, já aparecia na obra O contrato social ou
princípios do direito político, de 1762, do iluminista Jean-Jacques
Rousseau.
Em geral, os direitos humanos têm três condições características,
devem ser:
Naturais
Inerentes aos seres humanos.
Iguais
Os mesmos direitos para todo mundo.
Universais
Aplicáveis por toda parte.
Dito de outra forma: todos considerados humanos — mesmo as piores
pessoas, mesmo os maiores genocidas, os bandidos mais detestáveis e
aqueles sujeitos que odiamos — devem usufruir desses direitos. Por
isso, merecem não serem torturados bem como terem um julgamento e
um tratamento justo, igualitário e digno.
A ironia do processo é que parcelas consideráveis da população tanto
dos EUA quanto da França — isso para não falar de periferias como o
Brasil — não eram incluídas nesses direitos humanos. Isso se mantém,
de certa forma, até hoje. Quando algum grupo é excluído na hora de
votar, por exemplo.
Pela lei brasileira, menores de 16 anos, os considerados loucos, presos
que têm sentença transitada em julgado, indígenas vivendo em situação
de isolamento, jovens prestando serviço militar obrigatório e
estrangeiros não são autorizados a participar das eleições. Todos são
impedidos por serem considerados dependentes, portanto, podendo ser
influenciados por outras pessoas.
Ainda no século XVIII, também eram colocados fora dos direitos
“universais” aqueles sem propriedade, os escravizados, os negros livres,
certas minorias religiosas (como os judeus) e, por último, mas não
menos importante: as mulheres. Aos poucos, por vezes de forma lenta
demais, esses segmentos da sociedade foram sendo incorporados à
ideia de “universal” e começaram a usufruir dos direitos humanos.
Manifestação pelo voto feminino em Nova York, 1912.
O primeiro país a autorizar o voto feminino foi a Nova Zelândia, em
1893. No Brasil, as mulheres conquistam o direito de votar em 1932. Na
revolucionária França, elas só foram às urnas em 1945, depois da
Segunda Guerra Mundial.
A noção de quem pode ou não receber direitos vai se alargando, vai
sendo modificada a partir das necessidades, condições e exigências da
sociedade. O que é considerado razoável há 200, 300 anos, não é mais
hoje em dia, um processo que tem bastante influência da moral.
O próprio Jefferson, redator da declaração de independência norte-
americana e terceiro presidente dos EUA, era um grande proprietário de
escravos — o que causa um enorme constrangimento hoje em dia entre
os seus compatriotas. Talvez no futuro tenhamos essa mesma
vergonha de situações que hoje toleramos e, até mesmo, de certa forma,
incentivamos, como a extrema desigualdade social.
Direitos humanos e Grécia
Essa aparente contradição para os olhos contemporâneos entre um
discurso de universalização e uma prática que excluía certos grupos
sociais é comum desde a época da democracia ateniense na Grécia
Antiga, comumente considerada o berço da democracia ocidental.
Pintura de Philipp Foltz que retrata um discurso público do célebre estadista ateniense, Péricles.
Foi lá que o primeiro experimento democrático digno desse nome
aconteceu, com a população — isto é, homens adultos livres — da
cidade-estado de Atenas participando da organização da sociedade.
Escravizados, mulheres e estrangeiros eram excluídosde todo o
processo, entretanto. Na prática, os participantes ativos desse sistema
atingiam no máximo 20% da população de Atenas.
De qualquer forma, há quem enxergue também na Grécia de séculos
antes de Cristo a origem dos direitos humanos. Sofistas e estoicos já
tinham, no mínimo implicitamente, uma ideia de igualdade entre os
homens. Os primeiros, com a sua noção de que o homem é a medida
para todas as coisas, e os segundos, colocando a razão para reger o
mundo que, por sua vez, seria pensado de forma a priorizar o bem de
todos.
Outros teóricos enxergam ainda no poeta grego Hesíodo, que teria
atuado entre 750 e 650 AEC, o passo inicial da caminhada que culminou
no direito de todas as pessoas serem tratadas como iguais.
Hesíodo.
Se Homero — outro poeta grego do século VIII AEC — ainda colocava a
vingança como fundamento da Justiça, o que, por isso, não leva em
conta o valor da vida humana como igual, Hesíodo inclui o homem na
equação.
Em Hesíodo, sai o guerreiro, personagem dos épicos homéricos, e entra
o agricultor, que quer apenas viver uma vida tranquila, uma existência
justa, que seja regida por algum tipo de direito.
O homem nos poemas de Hesíodo deveria seguir as leis que criavam a
ordem universal sob pena de receber algum castigo de Zeus. Eram
castigos ainda muito conectados com fatos da natureza, mas que
mostravam, de alguma forma, a preocupação com a vida do próprio
homem.
A despeito de não se ter uma certidão de nascimento que seja
indiscutível — e nunca haverá —, o que se pode entender é que todas as
vezes que se pensa em direitos humanos se coloca a vida humana, em
toda a sua dignidade, no centro da questão. Os direitos humanos foram
resumidos pelo jurista inglês do século XVIII William Blackstone, que os
chamou de a “liberdade natural da humanidade", isto é, os "direitos
absolutos do homem, considerado como um agente livre, dotado de
discernimento para distinguir o bem do mal".
Crítica aos direitos humanos
Embora ninguém seja, de forma aberta, contra os direitos humanos —
apesar de haver diversas deturpações do conceito que levam certos
políticos de extrema-direita a reclamar de um enviesamento na sua
prática —, a maneira como tais direitos foram estabelecidos e usados
politicamente ao longo dos séculos fez deles um alvo. A começar pelo
já mencionado uso de propaganda parcial por políticos reacionários da
década de 1980 que queriam desestabilizar países comunistas.
É fácil dizer que um país como Cuba, por exemplo, não respeita os
direitos humanos, quando eles abertamente perseguiram
homossexuais.
O mais difícil é justificar o silêncio desses mesmos políticos diante das
torturas, prisões e assassinatos dos opositores de ditadores como
Augusto Pinochet, no Chile.
O então presidente dos EUA, Jimmy Carter, sorrindo ao lado do ditador chileno Augusto
Pinochet, em 1977.
Ou o incentivo militar norte-americano ao massacre da população de El
Salvador, que se opunha ao governo de direita. Ou o apoio do mesmo
país ao grupo dos “Contra”, na Nicarágua, que tentava acabar com a
Revolução Sandinista, que tinha derrubado um ditador apoiado pelos
EUA. Isso só para ficar em exemplos que ocorreram na América Latina
na década de 1980.
Mas as críticas não param aí. Teóricos de tradição marxista enxergam
na Revolução Francesa um movimento que se utilizou da força das
classes mais baixas para destronar os chamados primeiro e segundo
Estado, isto é, a nobreza e o clero, e instalar no poder não os pobres e
necessitados, mas uma outra classe intocável: a burguesia.
A mais icônica obra sobre a Revolução francesa, do pintor iluminista Eugène Delacroix, A
Liberdade guiando o povo, de 1830.
Banqueiros, grandes industriais e comerciantes assumiram as posições
que antes eram dos nobres e dos padres. A camada mais desvalida,
embora tenha tido participação ativa no movimento revolucionário, foi
mais uma vez colocada para escanteio quando o processo se
estabilizou.
Há também quem associe os direitos humanos a apenas uma boa
intenção que nunca foi concretizada de verdade, e a demora para que
outros grupos além do segmento de sempre — os homens brancos ricos
— participassem do jogo democrático corrobora esse tipo de raciocínio.
Mesmo que hoje a grande maioria da população brasileira tenha acesso
ao voto, para continuar no caso já mencionado, em outros temas
relacionados aos direitos humanos, como a segurança, a liberdade e a
igualdade, certos grupos — os de sempre — parecem ter mais direitos
que outros.
Para comprovar isso, basta ver a diferença de expectativa de vida entre
brancos e negros no Brasil. Ou a cor de pele predominante na imensa
maioria da população carcerária. Ou a gigantesca diferença de renda
entre os muito ricos e o resto da população. Qualquer métrica social ou
de direitos humanos que for utilizada vai mostrar esse abismo.
Gráfico: Brasil: Taxa de Homicidios de Negros e de Não Negros a cada 100 mil Habitantes Dentro
destes Grupos Populacionais (2009 a 2019)
Extraído de: Diest/Ipea, FBSP e IJSN. Atlas da Violência, 2021, p. 50.
Ademais, as críticas aos direitos humanos feitas por parte de figuras de
extrema-direita, como se tal arcabouço fosse uma forma de proteger e
incentivar meliantes, apenas disfarçam a tentativa de se manter esse
tipo de distância entre quem já tem acesso a tais direitos e quem nunca
teve.
Ainda que seja uma árdua tarefa estabelecer valores éticos para um
grupo tão heterogêneo quanto a espécie humana, os direitos humanos
arriscam esse papel.
O caráter universal desses direitos serve exatamente
para criar o mínimo, aquilo que todos podem
reivindicar e recorrer. A fim de que todas as sociedades
humanas sejam mais justas e igualitárias.
Se seguirmos os direitos humanos, podemos dizer que é ético que todas
as pessoas nunca sejam torturadas na vida, mesmo que tenham
cometido o pior dos crimes. É ético que ninguém seja discriminado por
conta de sua cor de pele, sua crença, sua orientação sexual, sua
identidade de gênero. É ético que todas as pessoas tenham as mesmas
chances para prosperar na vida, sem importar o meio em que nasceu. É
ético que se procure colocar em prática a liberdade, a igualdade e a
fraternidade.
Crítica marxista aos direitos
humanoss
Os marxistas também reclamam do caráter individualista que estaria
implícito nos direitos humanos, como se tal categoria judicial não
pensasse o todo da sociedade de uma vez, mas pulverizasse cada uma
das perspectivas. Como estabelecer, por exemplo, o limite da liberdade
de cada um? As discussões sobre liberdade de expressão, no módulo
anterior, mostram como essa demarcação é complicada.
De toda forma, por um lado é justa essa crítica marxista sobre o caráter
individualista dos direitos humanos, uma vez que, ao se dividir cada um
dos cidadãos em indivíduos, se perde força para exigir mais
participação política, além de criar um problema acerca da linha que
separa os direitos de um indivíduo do seu próximo; por outro, ela ignora
o âmbito mais singular em que os direitos atuam.
Quando alguém é torturado, é a sociedade como um
todo que está sofrendo, já que precisou recorrer a um
procedimento vil que ataca a dignidade de um dos
seus cidadãos. No entanto, é um sujeito único que
sente dor. Alguém que tem uma vida pregressa, que
tem sonhos e que está recebendo na pele a carga
dessa violência. Portanto, há sempre duas alçadas
sendo entrelaçadas ao mesmo tempo: o indivíduo e a
sociedade. E ambas devem ser respeitadas.
Para sabermos o quão longe estamos dessa universalização dos
direitos humanos, podemos recorrer a um teórico socialista utópico do
fim do século XVIII e início do XIX chamado François-Marie Charles
Fourier.
Fourier, percebendo que as propostas de liberdade, igualdade e
fraternidade da Revolução Francesa não foram assimiladas pela
sociedade como um todo, propôs um medidor: “o grau de emancipação
da mulher numa sociedade é o barômetro natural pelo qual se mede a
emancipação geral”. Poderíamos atualizar essebarômetro com a
população negra e indígena, com as pessoas com deficiências, com as
pessoas LGBTQIA+ e todos os grupos historicamente excluídos.
Direitos Humanos e Regimes Político-
econômicos
Neste vídeo, Ronaldo Pelli mostra, com exemplos, que o tema dos
direitos humanos está presente nos diversos regimes político-
econômicos existentes, mantendo-se por meio de incoerências internas.
Confira!

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Dentre as opções abaixo, assinale a que apresenta a melhor
definição para direitos humanos.
Parabéns! A alternativa B está correta.
É difícil determinar com perfeição o que seriam os direitos
humanos, mas há como estabelecer uma explicação mais genérica
que fala sobre as garantias legais para a proteção dos indivíduos de
violências cometidas em sociedades liberais.
A
Órgão governamental que tem por objetivo proteger
todo cidadão de qualquer tipo de violência.
B
Normas que têm como fim proteger as pessoas de
abusos, sejam políticos, legais ou mesmo sociais.
C
Arcabouço jurídico que acompanha o homem desde
a época dos gregos na Antiguidade e que coloca o
homem acima de todos os demais seres.
D
Procedimento legal utilizado em países da chamada
Cortina de Ferro, que forneciam direitos sociais a
todos os moradores.
E
Mecanismo de exclusão que cria uma separação
entre homens e mulheres, ricos e pobres, brancos e
negros etc.
Questão 2
Sabemos que ao falar em direitos humanos estamos entrando em
um terreno perigoso. Não porque, em sã consciência, alguém seria
contrário ao fato de as pessoas deverem ter seus direitos
protegidos; mas por conta de variadas interpretações. Assim, é
importante que tenhamos claro quais são as três condições
básicas dos Direitos Humanos:
Parabéns! A alternativa A está correta.
Para serem considerados direitos humanos, eles devem ser
inerentes aos seres humanos, devem ser os mesmos para todo
mundo e aplicáveis por toda parte.
A serem naturais, iguais e universais.
B serem livres, igualitários e fraternos.
C serem franceses, norte-americanos e gregos.
D
serem uma forma de proteger apenas os bandidos
mais detestáveis.
E
serem uma exceção que premia apenas humanos
direitos.
3 - Os direitos dos seres não humanos
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car a luta de outros seres, como os animais
não humanos, para conseguir direitos e a preocupação de uma ética para máquinas
inteligentes.
Direito dos animais
Se os direitos já são um tema complicado, cheio de interpretações e
diferentes ângulos quando os contemplados são os humanos, imagine
nas situações em que o “público-alvo” é formado por outros sujeitos
além do humano?
Para começar a dificuldade, a definição de humano não é unânime entre
os diferentes grupos sociais ao redor do globo, com suas metafísicas,
valores e éticas diversas. Povos que não seguem a tradição ocidental,
como indígenas de todas as partes da Terra, podem ter formas outras
de categorizar o que seria o homem. E não é pouca gente.
Segundo a ONU, há cerca de 370 a 500 milhões de indígenas no mundo,
espalhados por 90 países, que vivem em todas as regiões geográficas e
representam 5 mil culturas diferentes. Cada um com formas diferentes
de entender sua posição no mundo, sua relação com outros seres, sua
definição de homem, seu idioma. Para ter uma noção da diversidade, só
na região onde está atualmente o estado de Rondônia, há 25 diferentes
línguas, de famílias totalmente diferentes. Como forma de comparação,
a União Europeia tem 24 línguas oficiais.
Localização geográfica das terras indígenas localizadas no estado de Rondônia.
Um exemplo sobre as diferentes visões do que é o humano: certos
grupos indígenas amazônicos acreditam que animais que compartilham
corpos semelhantes se veem como gente, enquanto os demais seres
seriam animais. Tal perspectiva cria um jogo em que o animal que
enxerga é “gente”, enquanto os demais, que são enxergados, são
sempre “animais”, podendo ser o caçador ou a caça.
Eduardo Viveiros de Castro.
Dito de outra forma: para o homem, a onça é uma ameaça, o porco, uma
presa. Para a onça, que se vê como gente, o homem é uma presa. Para o
porco, o homem é a ameaça, e por aí adiante. Isso é, de maneira muito
genérica e esquemática, o que os antropólogos brasileiros Tânia Stolze
Lima e Eduardo Viveiros de Castro conceituaram como perspectivismo
ameríndio.
Assim, fica demonstrada a dificuldade de se aplicar os direitos
“humanos” indiscriminadamente para todo e qualquer grupo que
consideramos “humanos”. No caso desses indígenas, deveríamos incluir
na categoria “humanos” outros animais?
Essa é uma questão que acompanha o pensamento filosófico há muito
tempo. Como consequência prática, já existe um movimento antigo para
criar direitos para seres outros que não os homens, a começar pelos
animais não humanos.
É possível afirmar que todos os humanos já tiveram ou terão algum
contato com os animais não humanos, mas os tipos de contato variam
enormemente. Enquanto certos animais são classificados como
domésticos, criados sob o mesmo teto, com regalias dignas de
pequenas altezas em certos casos, outros são considerados como
matáveis, para serem transformados em alimento e vestimenta ou, até
mesmo, por puro esporte.
Cria-se, assim, uma hierarquia de importância entre os animais, uma
hierarquia baseada em valores morais já solidificados que resvala, com
frequência, em preconceitos. Para grande parte dos moradores de
cidades ocidentais, é comum ver o boi e a vaca como comida, e o
cachorro como um pet.
Na Coreia, entretanto, é tradição usar cães também como alimento. E,
antes que viremos o rosto, podemos imaginar o que os indianos hindus,
que tratam vacas como sagradas, devem pensar sobre o nosso hábito
de exterminá-las em matadouros industriais.
Além do fato de que há outras formas de forçar uma relação de
dominação por parte dos homens sobre os demais animais. O homem é
chamado de animal racional, como se isso fosse um demérito para os
outros, como se a razão fosse a única forma de inteligência possível.
Um dos critérios técnicos para medir inteligência é o tamanho do
cérebro, ou a quantidade de células nervosas versus a extensão do
corpo. Por esse critério, polvos são considerados inteligentíssimos, já
que têm a mesma quantidade de neurônios que cachorros e uma fração
do tamanho deles.
Polvos podem também usar ferramentas, como, aliás, corvos, chipanzés
e outros animais — o que foi, durante um tempo, visto como
exclusividade dos homens —, e são capazes de reconhecer rostos —
procedimento comum a muitos outros animais. A lista para mostrar a
inteligência de animais poderia continuar por longas linhas.
Além disso, há também a dificuldade de definir o que seria inteligência.
Aves de rapina, por exemplo, precisam de uma visão de longa de
distância muito melhor que a do homem; primatas têm uma agilidade
própria de quem salta de galho em galho. Determinado gambá norte-
americano se finge de morto com tanta perfeição que os seus
predadores, que não são comedores de carniça, desistem de atacá-lo.
Especismo
Novamente, os exemplos são muitos. Todos demonstram que cada
animal desenvolveu o que precisou para melhor viver em determinado
hábitat e isso não o faz necessariamente “melhor” nem mais ou menos
“inteligente” que indivíduos de outra espécie.
Esse tipo de hierarquia é chamado de especismo: um conceito
desenvolvido, ainda no século XX, pelo filósofo britânico Richard Ryder,
que trata do uso dos animais não humanos. Tal conceito mostra como é
preconceituosa certa autoridade reivindicada pelos homens para poder
usar, da forma como lhe aprouver, todo e qualquer outro ser, como se
todos os demais seres existissem única e exclusivamente para servir ao
homem.
Richard D. Ryder.
Especismo também serve para mostrar que, em momentos específicos,
usamos certas espécies como o parâmetro que julgamos os demais.
Acontece com frequência com o homem,num processo
antropocêntrico, em que ele se julga superior aos outros. Por esse tipo
de argumento, todo sacrifício de outras espécies é válido para que o
homem continue a viver.
Peter Singer.
O filósofo australiano do século XX Peter Singer, famoso por suas obras
sobre a relação ética entre humanos e animais, — seu livro, Libertação
Animal é considerado como a obra fundadora dos Direitos dos animais
— diz que o especismo é um preconceito de membros de uma espécie
em detrimento dos interesses dos membros de outras espécies.
Defensores dos animais não humanos tentam, há tempos, criar
legislações para tratá-los como sujeitos de direitos, para protegê-los de
serem meros objetos para a vontade dos homens.
Peter Singer
Como já temos apresentado até aqui, essas questões são sempre muito
complexas. Por exemplo, é do filósofo australiano o pensamento: “[...]
bebês humanos não nascem com a noção de si próprios, ou capazes de
perceber sua existência; eles não são pessoas. A vida de um recém-nascido
vale menos que a de um porco, um cão ou um chipanzé; eles não têm senso
da própria existência ao longo do tempo. Então, matar um recém-nascido
nunca é equivalente a matar uma pessoa, isto é, um ser que deseja seguir
vivendo" (Editorial Gazeta do Povo, 13/12/2014). Seria esse posicionamento
fruto apenas da necessidade de defesa dos direitos dos animais não
humanos!?
O tema é forte desde o início da relação do homem com os outros
animais — ou seja, desde muito tempo. Mas ficou mais forte ainda a
partir das primeiras declarações sobre direitos humanos, no século
XVIII.
“Os sofrimentos de um animal nos parecem ruins, porque, sendo
animais como eles, protestaríamos muito se nos fizessem a mesma
coisa”, escreve o filósofo iluminista Voltaire, num de seus muitos textos
sobre o não consumo de carne e o sofrimento causado aos animais.
Recentemente, a preocupação com os animais tem crescido ainda mais.
Segundo pesquisa encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira,
14% dos brasileiros em 2018 se declaravam vegetarianos ou
parcialmente vegetarianos. Isso representava cerca de 30 milhões de
brasileiros. Em 2012, esse percentual era de 8% apenas. Isto é, a
questão animal está presente cotidianamente para uma parcela razoável
da população.
A alimentação é apenas um pedaço do problema. Uma das grandes
preocupações dos defensores dos direitos dos animais não humanos é
evitar ou, ao menos, criar parâmetros aceitáveis para o uso de cobaias
em pesquisas científicas.
Em instituições sérias e preocupadas com o bem-estar desses animais,
há uma série de protocolos para utilizá-los nesses testes, mas há quem
argumenta que todo e qualquer uso é uma violência inaceitável. Ainda
mais porque os bichos utilizados não ganham qualquer vantagem, nem
para a espécie, muito menos individualmente.
Coelhos usados em testes de laboratório em caixas de acrílico.
Já foi comprovado que inúmeros animais, principalmente os que têm
algum tipo de sistema nervoso, são sencientes: sentem dor, sensações,
sentimentos de forma “consciente”. Então, ao matar um animal,
estamos matando um ser que tem mais em comum conosco do que,
muitas vezes, reparamos ou gostamos de lembrar.
Direito das máquinas
Em um evento de tecnologia de 2017, na Arábia Saudita, um robô com
inteligência artificial chamado Sophia, que conversou com o
apresentador do evento ao vivo, recebeu, ao fim da entrevista, a
cidadania do país saudita, como se fosse um ser humano. Era uma ação
publicitária para divulgar uma cidade tecnológica chamada Neom.
Comandada por robôs e inteligências artificiais, tal cidade está sendo
construída pela Arábia Saudita no meio do deserto.
Não se sabe exatamente o que essa cidadania proporcionou para
Sophia — ou se ela conseguiu direitos de homens ou de mulheres, muito
diferentes nesse país do Oriente Médio extremamente machista — mas
tal situação nos leva a pensar sobre a legislação por trás de produtos e
tecnologias.
Cientistas, engenheiros, filósofos, empresários e todos que pensam
sobre as tecnologias se dividem em diferentes formas de encarar os
problemas que o futuro, nesse âmbito, nos reserva.
Há os que acreditam que vamos subir nossas consciências para
computadores e encontrar uma espécie de vida eterna. Outros
imaginam uma versão do porvir mais preocupante, com robôs parecidos
com os saídos de filmes como O exterminador do futuro (direção de
James Cameron, 1984).
Há ainda aqueles que pensam mais cautelosamente, mas já veem vários
problemas com o alcance da tecnologia atual.
Talvez ainda esteja longe o dia em que um robô terá completa
autonomia e não precisará de humanos para existir — e aí saberemos se
a questão sobre seu estatuto legal será, de verdade, o nosso principal
problema com as máquinas.
Contudo, a partir de uma mirada filosófica ou ética, as inteligências
artificiais (IA) estão, desde que apareceram, dando espaço para muitas
discussões. A começar debates sobre quais valores serão inseridos
nesses supercomputadores. O exemplo dos carros sem motorista é
sempre mencionado para explicar esse paradigma.
Um carro autônomo do Google em um cruzamento na cidade de Mountain View, na Califórnia, em
março de 2016.
Em uma eventual situação de acidente, o carro sem motorista respeita
um protocolo já estabelecido anteriormente, mas não está claro quem
estabelece esse protocolo. É o engenheiro que programou o carro? Pode
ser personalizado para que cada dono do carro possa escolher a
maneira como o seu automóvel vai se comportar?
Tais problemas já acontecem atualmente com casos mais simples.
Quando aplicativos de navegação sugerem determinadas rotas, mesmo
que mais perigosas, com muito mais curvas ou mais sinais de trânsito,
porque, numa situação ideal, tais caminhos são os que exigem menos
tempo para percorrer a distância, já estamos vivendo um cenário
parecido.
Há um critério anterior (menor tempo) estabelecido para se chegar do
ponto A ao ponto B e todos os demais parâmetros são colocados em
segundo plano. Não é considerada a preferência do motorista (um
caminho com menos curvas, por exemplo) ou mesmo sua segurança.
Muitas vezes essa desconsideração acontece porque tais aplicativos
são internacionais e não se adaptam às realidades locais. Outras
simplesmente por ainda não haver uma tecnologia tão precisa assim ou,
ainda, por não haver interesse para esse “detalhe”. Mesmo que tais
aplicativos possam ser customizados, há sempre limites para a
influência que exercemos sobre essas tecnologias.
O melhor exemplo, nesse caso, é o das redes sociais. É elucidadora a
maneira como os algoritmos priorizam certos conteúdos — geralmente
mais polêmicos, que geram maior engajamento, mais discussões — em
detrimento da antiquada e chata informação correta.
Se a questão das redes sociais já está afetando diretamente a
democracia e o comportamento das pessoas, bem como dividindo a
sociedade num eterno nós contra eles, tal pensamento pode ainda ter
outras influências em diferentes segmentos.
Se uma IA for programada para produzir o máximo possível numa
indústria, ela o fará muitas vezes em detrimento do próprio homem. Há
um conto do escritor americano de ficção científica Philip K. Dick que
expõe bem esse aspecto. Autofac, publicado em 1955, mostra uma
sociedade completamente arrasada após uma guerra nuclear. Nesse
cenário, há uma fábrica operada por inteligências artificiais que precisa
continuar produzindo, mesmo que não haja mais mercado consumidor.
Não seria, por enquanto, possível “prever o imprevisível”. Se algo ocorrer
fora do escopo da programação da máquina inteligente, ela não saberá
se adaptar às novas condições. Já existem novas versões de
computadores que são autoprogramáveis, que poderiam criar saídas
para situações como essa — ou a propaganda quer, dessa forma, que
nós acreditemos nas supermáquinas. Mas, nesse caso, ainda não
teríamos uma solução para como uma inteligência artificial deveria se
portar em relação ao humano.
Teóricossugerem que o nosso melhor “legado” para as máquinas seria
o nosso humanismo. Pelo lado bom dessa interpretação, seria colocar o
homem no centro das questões a ponto de impedir que uma máquina
cause mortes por tentar atingir cegamente suas metas. Mas há diversos
lados ruins dessa questão.
A começar: que homem estaria no centro? Os habitantes de países
pobres teriam o mesmo peso que os de países ricos? E os outros seres,
como os animais não humanos, mencionados recentemente,
continuariam vistos apenas como objetos para o uso humano? Por fim:
estaríamos vivendo, atualmente, o melhor dos mundos possíveis, como
disse certa vez o filósofo alemão do século XVII e início do XVIII G. W.
Leibniz?
Gottfried Wilhelm Leibniz.
Será que no momento atual, com o aquecimento global, com a feroz
concentração de riquezas nas mãos de pouquíssimas pessoas, com o
aparecimento de pandemias assustadoras, não seria melhor pensar em
um outro mundo, em que o homem não estivesse tão no centro assim?
Em que ele compartilhasse essa centralidade ou simplesmente a
entregasse para outros seres — para o planeta, por exemplo?
Isso sem falar no custo — político, social, ambiental etc. — que tais
inteligências artificiais arrastam consigo. Logo após o golpe de Estado
na Bolívia em 2020, o multibilionário do ramo da tecnologia Elon Musk
chegou a afirmar, de forma parcialmente irônica e parcialmente
desafiadora, que se deveria dar um golpe em quem precisasse para que
sua empresa continuasse a prosperar.
Não deve ser coincidência que grande parte da reserva mundial de lítio,
um mineral essencial para a construção de baterias de celulares e
carros elétricos (ramo de uma das empresas de Musk), fica na Bolívia.
Elon Musk.
Se quisermos adaptar essa ideia de humanismo para outros modos,
seria possível pensar que deveríamos determinar um código de ética
para as máquinas, diretrizes que elas devem respeitar acima de
quaisquer outros valores, códigos que não poderiam nunca ser
quebrados.
Mas quem determinaria tal constituição? Quais países teriam poder de
influir sobre isso? As nações ricas dividiriam o poder com as pobres? E
as empresas de tecnologia, cada vez mais poderosas e ricas,
renunciariam o controle de suas próprias criações para deixar que um
conselho plural determinasse como suas máquinas deveriam se
comportar? E se essas determinações restringirem os lucros dessas
empresas?
É difícil acreditar nisso, considerando que nem mesmo uma regulação
externa é bem aceita por essas empresas, que logo dizem que estão
sendo censuradas.
O possível surgimento de máquinas mais inteligentes que
os humanos coloca a própria humanidade a se olhar no
espelho.
Se a razão, como vimos também, é a forma como o homem sempre quis
se identificar, encontrar outro ser que nos ultrapassa na nossa principal
característica nos faz pensar que talvez não seja essa a nossa principal
característica ou, se for, há outros seres mais “humanos” que nós
mesmos.
Direitos de diversos seres
Uma das consequências diretas de se pensar o mundo colocando o
homem no seu centro é o que está sendo chamado de Antropoceno:
uma nova era geológica em que o principal fator de mudança
(termodinâmica, geomorfológica, física, climática) não é mais um ente
“natural”, mas o homem e suas criações. Uma das consequências mais
imediatas é a crise ecológica com o aquecimento global e as drásticas
deteriorações nas áreas habitáveis.
Como visto, com o homem no centro do mundo, todos os demais entes
são apenas matéria-prima para ele se utilizar. Os animais não humanos,
já mencionados, se transformam em seres para o consumo, com pouco
espaço para exercitarem suas vidas independentemente.
Segundo o IBGE, em 2019, havia mais bois que homens no Brasil, todos
para o corte ou para produção de laticínios, mas não são apenas eles
que sofrem na mão humana. Também os minerais são tratados de
maneira similar, como um estoque para servir a grandes empresas.
As florestas são reserva de madeira e futura área de pasto.
Monoculturas que provocam os esgotamentos nutricionais dos solos,
que alimentarão outros animais, que, por sua vez, servirão de alimento
para os humanos. Mesmo com outras opções, o fluxo das águas segue
sendo canalizado para produzir energia.
Nada tem espaço, menos ainda tempo, para se renovar
na própria velocidade. São extraídos de forma violenta,
retirados industrialmente de seus hábitats para atender
o homem.
Além disso, para alguns grupamentos humanos não ocidentais, certos
usos do seu território são considerados um sacrilégio. Para dar um
exemplo entre muitos: na Austrália, o povo Anangu acredita que todos
os seres, inclusive os elementos da paisagem, foram criados por seres
antigos, seus antepassados. Isso inclui a montanha Uluru, um monolito
de arenito de 348 metros de altura, que é um dos pontos mais famosos
da região.
Por conta do seu aspecto particular, um morro vermelho no meio de
uma vasta planície, Uluru foi, por muitos anos, um ponto turístico que
atraiu diversos escaladores. Ao longo dos anos, porém, houve vários
acidentes, inclusive fatais, muitos deles provocados pela erosão de
dejetos industriais deixados pelos turistas. O povo Anangu — povo que
vivia ali por séculos e chegou a ser impedido de habitar o espaço —
exigia que a montanha fosse fechada.
O argumento é simples no discurso, complexo no subtexto: Uluru é
sagrada e deve permanecer intocada. O problema é que o governo
australiano, mesmo depois de devolver a terra para os Anangu, liberava
as escaladas. Apenas em 2019, Uluru foi fechada por completo.
Montanha Uluru, Austrália.
Há casos ainda em que outros seres não humanos se tornaram sujeitos
de direito. O caso mais anedótico aparece na Colômbia, para onde o
traficante de drogas Pablo Escobar transportou hipopótamos africanos
que, após sua morte, se reproduziram sem limites e invadiram as
florestas tropicais. Esses hipopótamos, atualmente, são considerados
uma praga, a maior espécie invasora do mundo. Não há qualquer
predador ou animal do mesmo porte que dispute os territórios com eles.
O governo colombiano estava estudando liberar o abate, para diminuir o
número de indivíduos, que está em torno da centena, entretanto, em
2021, uma decisão judicial os considerou sujeitos de direitos, que não
podem ser mortos. Ficou decidido, então, que serão utilizados dardos
anticoncepcionais.
Um caso mais paradigmático aconteceu em países vizinhos: Bolívia e
Equador. Com a ascensão ao poder de presidentes ligados a
movimentos indígenas em ambos os países, foi decidido que a
constituição dessas nações deveria ser reescrita, para, entre outras
questões, incluir a variedade dos povos da região. Foi o início do
chamado novo constitucionalismo latino-americano.
Cerimônia de celebração à Pachamama.
Ambos os países viraram plurinacionais, mas as intervenções judiciárias
não pararam aí. Tanto Bolívia quanto Equador incluíram em suas
legislações as filosofias da Mãe Terra — Pachamama — e do bom viver,
relacionadas com diversos grupos étnico-sociais que habitam aquelas
áreas muito antes de o primeiro espanhol pisar em terras americanas.
Na Bolívia, apesar de não aparecer na Carta Magna, foi criada uma lei
específica para reconhecer o caráter jurídico da Mãe Terra como sujeito
coletivo de interesse público. Identifica a interculturalidade como
princípio para o exercício dos seus direitos, reafirmando a necessidade
de diálogo e harmonia com a natureza. Um dos artigos da lei afirma que
os bolivianos e as bolivianas são parte da Mãe Terra, não sujeitos que
centralizam e se utilizam de todos os demais seres. Também foi criada
uma defensoria pública para os interesses da Mãe Terra, que tem como
fim zelar pelo cumprimento dos direitos de Pachamama.
O Equador foi além: colocou o direito de Pachamama e do bom viver
dentro da própria constituição. Seu artigo 10 fala que a natureza terá
seus direitos reconhecidos, como as pessoas, as comunidades, os
povos, as nacionalidades, os coletivos.Outros artigos tratam do bom
viver e garantem o direito humano à água e a alimentos saudáveis e
nutritivos. Também é proibida a produção, comercialização ou
importação de produtos geneticamente modificados por serem tanto
prejudiciais à saúde humana como por atentar contra a soberania
alimentar e os ecossistemas.
No capítulo sobre Pachamama, o texto constitucional garante o direito
da natureza de se reproduzir, de realizar a vida e de regenerar seus
ciclos vitais. Qualquer pessoa poderá exigir o cumprimento desses
direitos junto a autoridades públicas. Há ainda medidas de precaução
contra a extinção de espécies, a destruição de ecossistemas e a
alteração permanente de ciclos naturais. A constituição do Equador é,
até o ano de 2021, a única do mundo a reconhecer todos esses direitos
à natureza.
Esse tipo de procedimento mostra uma tentativa de retirar a posição
central do humano ao longo da história e garantir a outros entes, que
são ou deveriam ser igualmente sujeitos de direito.
A obra Direitos da natureza: ética biocêntrica e políticas ambientais, de Eduardo Gudynas, aborda,
entre outros, o caso de Bolívia e Equador e sua reorientação ética aplicada ao meio ambiente.
Claro que, em muitos casos, certos direitos e morais entram em conflito,
por não se saber qual é o mais importante ou quem precisa ser mais
respeitado. O caso dos procedimentos religiosos afro-brasileiros que se
utilizam de animais em sacrifícios entra em conflito direto com a defesa
dos direitos dos bichos. Nesses casos, quem tem a prioridade: a
liberdade religiosa ou a vida dos existentes? Qual deve prevalecer?
Vivemos cada vez mais um con�ito de mundos, de
diferentes metafísicas, éticas e mesmo direitos.
Devemos aprender, ou reaprender, a viver em comunidade, para que
cada um — homem, outros animais, robôs, ciborgues, minerais,
montanhas, florestas, a Terra, enfim — tenha seu espaço e seja
respeitado em suas diferenças.
Direitos da Terra e a Humanidade
Veja agora os argumentos necessários para que você possa se
posicionar face às questões éticas acerca da relação entre os direitos
humanos e os direitos da Terra. Confira!

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
O que é o especismo?
Parabéns! A alternativa E está correta.
A
Categorização dos animais em espécies diferentes,
numa tradição que remete a Aristóteles, que
começou a categorizar os indivíduos.
B
Hábito de dividir os seres existentes entre animais,
vegetais, fungos, protista e monera.
C
Identificação de cada um dos indivíduos de uma
espécie específica de animais não humanos.
D
Um tipo de classificação mal vista hoje em dia que
coloca os seres vivos como superiores aos não
vivos.
E
Um preconceito que favorece os interesses dos
membros de uma espécie em detrimento dos
interesses dos membros de outras espécies.
O especismo é um tipo de atitude que julga uma espécie superior
às demais. Geralmente é o homem que se coloca, de forma
injustificada, nessa posição acima das outras espécies.
Questão 2
Qual seria o problema de as máquinas superinteligentes herdarem,
como legado, o nosso humanismo?
Parabéns! A alternativa C está correta.
Apesar da boa intenção de deixar algum projeto ético, o humanismo
atual é uma proposta pouco inclusiva, com dificuldade de
estabelecer um solo comum a todos os humanos. Além disso, o
A
A complicada relação entre humanos e máquinas,
que impediria as inteligências artificiais de
aceitarem bem os valores dos homens.
B
A característica principal do homem é ser feito de
carbono e ter vida; já as máquinas têm como
elemento símbolo o silício e não podem ser
consideradas vivas.
C
A dificuldade de estabelecer os valores que
caracterizariam esse humanismo, além de excluir
outros seres dessa "equação".
D
As supermáquinas não precisam de qualquer valor
para conseguirem produzir mais e melhor, para o
benefício dos próprios homens.
E
As inteligências artificiais jamais aceitariam ser
submetidas por seres tão pouco inteligentes, como
os humanos.
humanismo não inclui no seu projeto outros seres, a começar pelos
animais não humanos.
Considerações �nais
Percebemos como a discussão sobre ética, moral e valores forçou a
criação de um arcabouço legal que pretendeu proteger os homens de
serem explorados ou vilipendiados por outros homens. Mesmo que os
direitos humanos até hoje não sejam uma realidade para todas as
pessoas, eles são, ao menos, um parâmetro de comparação. Para que
todas as pessoas saibam o que elas podem reivindicar, como se
proteger e aquilo que é o mínimo de dignidade.
Os direitos humanos também serviram para que outros grupos não
humanos também pudessem exigir, por representação, um tratamento
de igualdade. Os direitos de animais não humanos e mesmo da própria
Terra se tornam essenciais num mundo em que o homem, por estar
sempre no centro das decisões, parece só se importar consigo.
A ética também aparece em outras questões bem atuais, como os
limites da liberdade de expressão e a criação de inteligências artificiais
— dois temas que, junto com o Antropoceno, são talvez os mais
urgentes dos dias de hoje. Isso só mostra como, mesmo sendo uma das
disciplinas mais antigas da filosofia, a ética ainda não perdeu qualquer
importância, nem parece que perderá.
Podcast
Para encerrar, vamos falar sobre as principais dúvidas sobre Ética,
Direitos humanos e Direitos não humanos. Ouça!

Explore +
Leia o conto Autofac, de Philip K. Dick (em inglês), produzido em
1955 e disponível on-line, que traz reflexões curiosas sobre um
mundo dominado pela inteligência artificial.
Leia o livro Eu, Robô, de Isaac Asimov, considerado como pioneiro
para a fundamentação dos direitos das máquinas.
Pesquise e leia o livro Revolução dos Bichos, de G. Orwell, fábula
que traz a impactante frase “Todos os animais são iguais, mas
alguns são mais iguais que outros”.
Leia os artigos e reportagens a seguir, que trazem importantes
contrapontos acerca de conteúdo tão relevante, e nada unânime,
como estudamos aqui:
- O argumento completo em defesa da liberdade, do ganhador do Nobel
de Economia Friedrich A. Hayek, publicado em 8 de maio de 2021 no
portal do Instituto Ludwig Von Mises Brasil.
- Desejos não são direitos, do economista Lawrence W. Reed, publicado
em 8 de outubro de 2021 no portal do Instituto Ludwig Von Mises Brasil.
- Liberdade de expressão, publicado em 29 de abril de 2017 em Opinião,
no portal da Gazeta do Povo.
- Brasil vive retrocesso na liberdade de expressão, entrevista de Renan
Ramalho com Fernando Schüler, publicada em 31 de agosto de 2021 no
portal da Gazeta do Povo.
• Veja o episódio Liberdade de expressão da série Ética, com o filósofo
Renato Janine Ribeiro, disponível no Canal Futura, no YouTube.
Referências
ANIMAL ETHICS. Página inicial, 2021. Consultado na internet em: 22
out. de 2021.
CHANGEUX, J. P. (org.). Fundamentos naturais da ética. Lisboa: Instituto
Piaget, 1996.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código De Ética Médica -
Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009 (versão de bolso).
Brasília, 2010.
GONÇALVES, W. C. Gênese dos direitos humanos na antiga filosofia
grega. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007.
GURGEL, A.; MENEZES FILHO, A. Ética & experimentação animal.
Charleston, SC: Edição do Autor, 2013.
HUNT, L. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução de
Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
LATORRE, J. I. Ética para máquinas. Barcelona: Ariel, 2019.
MARCONDES, D. Textos básicos de ética de Platão a Foucault. Rio de
Janeiro: Zahar, 2007.
MOYN, S. The last utopia: human rights in history. Cambridge: The
Belknap Press of Harvard University Press, 2010.
NICKEL, J. Human Rights. In: ZALTA, E. N. (ed.). The Stanford
Encyclopedia of Philosophy. Fall 2021. Consultado na internet em: 22
out. de 2021.
NIETZCHE, F. W. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do
futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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