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ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! PROFESSORAS Dra. Suzi Maria Nunes Cordeiro Me. Fernanda Regina Cinque de Brito Me. Marcia Maria Previato de Souza Teoria e Prática na Educação de Jovens e Adultos https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10936 NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4, Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula R. dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie M.Vilela Daros Head de Recursos Digitais e Multimídia Fernanda S. de Oliveira Mello Gerência de Planejamento Jislaine C. da Silva Gerência de Design Educacional Guilherme G. Leal Clauman Gerência de Tecnologia Educacional Marcio A. Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R. Garcia Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi EXPEDIENTE C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. CORDEIRO, Suzi Maria Nu- nes; BRITO, Fernanda Regina Cinque de; SOUZA, Marcia Ma- ria Previato de. Teoria e Prática na Educação de Jovens e Adultos. Suzi Maria Nunes Cordeiro; Fernanda Regina Cinque de Bri- to; Marcia Maria Previato de Souza. Maringá - PR: Unicesumar, 2021. Reimpresso em 2022. 228 p. “Graduação - EaD”. 1. Educação 2. Jovens 3. Adultos. 4. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 374 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN: 978-65-5615-619-4 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Coordenador(a) de Conteúdo Márcia Maria Previato de Souza Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Piera Consalter Paoliello Design Educacional Bárbara Neves Curadoria Fabiana Dias Revisão Textual Anna Clara Gobbi dos Santos Ilustração Bruno Cesar Pardinho Fotos Shutterstock FICHA CATALOGRÁFICA 02511130 Fernanda Cinque Na adolescência, não imaginava que seria professora, mas a partir de algumas escolhas na minha trajetória de vida, esta profissão se delineou, conduzindo-me à formação docente. Mas, deixa eu me apresentar a você, aluno(a). Sou a professora Fernanda Cinque e vou contar um pouco do meu percurso profissional. Bom, fiz o que, hoje, de- nomina-se Curso de formação docente em Nível Médio, Modalidade Normal. Possivelmente, você já ouviu falar, talvez não com a terminologia atual, mas com o nome de Magistério. Assim que concluí o Magistério iniciei a graduação em Pedagogia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Durante o curso, comecei a trabalhar na área da educação, primeiramente na Educação Infantil e, posteriormente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesta mesma instituição realizei meu Mestrado em Edu- cação, mais especificamente, na área de Fundamentos da Educação, pesquisando imprensa e educação no século XIX, é isso mesmo, me identifico bastante com assuntos desta área, sobretudo, com a história deste século. Mas, voltando à minha formação profissional, também reali- zei vários cursos de Especialização, todos voltados à área educacional. Estes, cursei na Universidade Cesumar (Uni- cesumar) e é nesta instituição que trabalho desde 2012, como professora do Curso de Pedagogia EaD. Enfim, é um pouquinho da minha história. Um grande abraço! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10179 Marcia Previato Olá querido aluno (a)! Sou a professora Marcia Maria Previato de Souza, uma das autoras deste livro e quero contar para vocês um pouco da minha história. Desde menina, eu gostava de brincar de escola e eu sempre queria ser a professora. Este sonho se tornou realidade quando passei no vestibular de Pedagogia da Universida- de Estadual de Maringá. Que alegria! Iria fazer o curso que sempre quis e me tornar professora! Foram quatro anos de muita dedicação e penso que você esteja passando por isso também, não é mesmo? No segundo ano do curso, já consegui um estágio remunerado e de lá para cá não parei mais de exercer a minha profissão e, consequentemente, de estudar, pois professor é um eterno estudante, não é mesmo? Fiz vá- rias especializações e mestrado na área da educação e por 12 anos trabalhei na educação básica, sendo 10 deles em salas de alfabetização. Em 2006, entrei para a UniCesumar. Minha satisfação sempre foi poder compartilhar meus conhecimentos so- bre alfabetização com os alunos, futuros pedagogos. Um ano depois, fui convidada para ministrar aulas e escre- ver livros na EaD Unicesumar, pois o curso de Pedagogia também foi criado nesta modalidade. Em 2008 assumi a coordenação pedagógica deste curso. Com isso, já são mais de 15 anos trabalhando no Ensino Superior. Sou apaixonada pela educação e acredito muito na EaD, pois mesmo estando geograficamente distantes, o conheci- mento nos une e nos fortalece para continuarmos juntos acreditando que por meio da educação nós transforma- mos vidas. Vamos juntos em busca disso? Grande abraço! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10178 Suzi Maria Nunes Cordeiro Olá, caro(a) aluno(a), sou a professora Suzi Maria Nunes Cordeiro e gostaria de dividir com você um pouco da minha história. Como muitas crianças, sempre que eu era questionada sobre o que queria ser quando crescer, eu tinha o desejo de ter diferentes profissões ao mesmo tempo, mas em primeiro lugar sempre esteve a docência. Cursei minha Educação Básica em escola pública, de uma cidade pequena do Paraná. Minha primeira professora, do Pré, foi muito doce e gentil com os alunos e por isso ela representa para mim o ideal de professora. Ao longo da vida tive diferentes perfis de professores que foram lapidando o gosto de ser uma professora igual ou diferente. Sempre tive o incentivo da minha mãe, que dizia ser importante cursar uma faculdade. Ao chegar no Ensino Médio, o momento de decidir qual vestibular cursar… Escolhi Pedagogia. Dos poucos colegas da turma que prestaram vestibu- lar, eu fui uma das que passei. Muito feliz! Durante a gra- duação, já tinha como inquietação um público de alunos mais à margem da sociedade, crianças e adolescentes que, muitas vezes, a própria escola não consegue ajudar. Essas inquietações me fizeram estudar cada vez mais durante a Graduação e quando finalizei, ainda não achei suficiente. Continuei os estudos em Pós-Graduação, Lato e Stricto Sensu e quando achei, no Mestrado, que já tinha chegado longe demais e que ali era o ponto mais alto que uma es- tudante de escola pública, vinda de uma pequena cidade do estado poderia estar, uma surpresa: passei no processo seletivo para Doutorado. Hoje sou Doutora em Educação e tenho muito orgulho de participar da escrita deste e de outros livros aqui para o curso de Pedagogia da EaD UniCe- sumar e ficarei muito feliz quando nos vermos, meu/minha futuro(a) colega de trabalho. Abraços e até logo! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10177 Olá, caro aluno(a)! Você já parou para pensar no número de pessoas jovens, adultas e idosas que não fre- quentaram ou não frequentam a escola no Brasil? Muitos brasileiros não tiveram a oportu- nidade de ter acesso à escolarização regular em algum momento de suas vidas, o que gerou dificuldades e desafios a serem enfrentados por essas pessoas. Pensando nisso, você sabe o número de pessoas jovens, adultas e idosasque estão fora da escola no seu município? Ficou curioso? Então, realize uma pesquisa para conhecer esses dados. Ao verificarmos as últimas estatísticas sobre alfabetização e acesso escolar, vemos que o número de pessoas analfabetas vem diminuindo no Brasil, apesar de a população estar aumentando. Porém, o número de jovens que não concluem os estudos é muito significativo, o que deixa os educadores preocupados, tendo em vista que a sociedade atual exige uma formação básica para atuação em todos os seus setores. Dessa forma, esses jovens que em determinados casos são classificados como analfabetos funcionais ou de alguma forma marginalizados pela falta de estudos básicos, se veem obrigados a retornar aos estudos e procuram a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Lá se deparam com diferentes faixas etárias e histórias, como pessoas que não tiveram acesso escolar na infância ou sofreram alguma discriminação e decidiram não frequentar a instituição de ensino e por aí vai… Considerando o exposto, vemos a EJA como uma classe democrática que acolhe adolescentes, jovens, adultos e idosos que foram marginalizados da sociedade e até do processo escolar. Pensando neste contexto, que tal você conferir no seu bairro ou na sua cidade, quantas pessoas finalizaram a Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio) ainda aos 17 anos de idade? Aproveite para levantar o número de pessoas que não termi- naram os estudos nessa idade e verifique se já realizou a EJA ou se tem vontade de terminar os estudos. Assim, você pode elaborar a sua própria estatística. TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Considerando que o cenário apresentado é no país inteiro, o que podemos fazer, enquanto [futuros] professores para ajudar essas pessoas a retornarem aos estudos de forma digna e concluí-los com gosto em aprender cada vez mais? Como podemos ajudá-los a restaurar a confiança em si, a autoestima e a vontade em aprender? O conhecimento é um instrumento fundamental para o professor, por isso, a pes- quisa deve ser contínua a fim de saber como ajudar seus alunos. Assim, convido você a pesquisar sobre a EJA e as formas de ensino no Brasil, a fim de verificar o que temos publicado em artigos científicos, por exemplo. E antes de iniciarmos as leituras, por meio dessas reflexões iniciais, deixe já anotado seus conhecimentos prévios sobre o assunto, a fim de comparar com as novas apren- dizagens, no fim dessas leituras. Esperamos que você sinta fascínio por cada parágrafo, por cada conteúdo e por cada discussão sobre a EJA, para que, no final do processo, sinta-se parte dessa construção social de Educação de qualidade para todos e todas. Precisamos da EJA para cumprir com esse direito humano e constitucional, para tanto, precisamos de professores de qualidade, por isso, esperamos por você. Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store Ao longo do livro, você será convida- do(a) a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo de forma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 ASPECTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DA EJA NO BRASIL 11 45 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 PRESSUPOSTOS TEÓRICO- METODOLÓGICOS DA EJA 81 O PERFIL DO ALUNO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 3 4 125 O CURRÍCULO DA EJA E O PAPEL DO PROFESSOR 5 169 PERFIL DOCENTE NA EJA: CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS 1Aspectos Históricos e Políticos da EJA no Brasil Dra. Suzi Maria Nunes Cordeiro Me. Fernanda Regina Cinque de Brito Me. Marcia Maria Previato de Souza Olá, aluno(a), seja bem-vindo a primeira unidade do livro da disciplina de Teoria e Prática na Educação de Jovens e Adultos! Nesta unidade, convido você a percorrer a trajetória da educação de jovens e adultos no Brasil e entender como a educação voltada para este público se configurou ao longo do tempo. Para isso, faz-se necessário analisar o contexto e as necessidades de cada época, as peculiaridades deste público e as políticas públicas nacionais que nortearam e norteiam a educação de jovens e adultos no Brasil. UNIDADE 1 12 Vamos conhecer a história de Francisco, um homem de 70 anos que, quando criança, cursou o ensino primário, o que hoje corresponde aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para ajudar a família nas despesas, abandonou a escola e começou a trabalhar ainda menino na lavoura no interior de São Paulo. Já adul- to, Francisco mudou-se para a capital paulista, onde mora até hoje. Aos 70 anos decidiu retomar os estudos na Educação de Jovens e Adultos (EJA), contudo, a escola que oferta educação de jovens e adultos fica em outro bairro, distante de sua residência. A partir dessa situação, quais as chances de Francisco ingressar na EJA? E, se efetivar sua matrícula, será que ele permanecerá na escola? Quais as dificuldades que Francisco poderá enfrentar? A partir da experiência de Francisco fica evidente que são necessárias condi- ções reais, ou seja, políticas públicas efetivas, para garantir que ele tenha acesso e permaneça na escola, garantindo, por conseguinte, o direito à escolarização. A escola é muito mais do que um espaço físico, está para além dos seus muros. Concorda? Isso porque a escola é uma instituição interdependente. Você pode perguntar: o que isso significa? Significa que esta instituição não está desvincula- da de outras instituições, movimentos e questões de um determinado tempo. Não é diferente em relação à educação de jovens e adultos, ou seja, a forma como foi constituída, organizada e compreendida pela sociedade está concatenada com as condições sociais, políticas, culturais e econômicas de uma determinada época. Dessa forma, convido você, aluno(a), a conhecer a educação de jovens e adultos no Brasil, começando por uma retrospectiva histórica, mas não é uma mera volta ao passado e sim entender a trajetória dessa modalidade de ensino com o objetivo de esclarecer aspectos atuais e vislumbrar apontamentos sobre questões futuras. Neste percurso não podemos esquecer das políticas públicas direcionadas a este público, um olhar à luz de documentos que estabelecem diretrizes para a educação de jovens e adultos. Será que em todos os momentos da história do Brasil os indivíduos tiveram seus direitos, dentre eles, o educacional, garantido? Será que Francisco teve assegurado o direito à escolarização quando criança ou adolescente? E na vida adulta, esse direito está sendo assegurado? Garantir o direito à educação aos jovens e adultos não está atrelado apenas a oferta de escolas e sim a um conjunto de ações e políticas públicas eficientes. UNICESUMAR 13 Nesse sentido, considerando que Francisco tenha feitosua matrícula na EJA, quais estratégias você, enquanto pedagogo(a) da escola em que Francisco irá estudar, desenvolveria para contribuir na permanência deste aluno na escola? Você sabia que a EJA, sigla que utilizamos para a Educação de Jovens e Adul- tos, já foi associada a outras terminologias, como, Educação noturna, Educação popular e Ensino supletivo? Isso porque em cada momento histórico a educa- ção de jovens e adultos apresentou características singulares. Hoje, a EJA é uma modalidade de educação definida pela legislação educacional brasileira. Você já parou para pensar por que o Brasil tem uma modalidade de educação direciona- da ao público jovem e adulto? Quais necessidades essa modalidade visa atender? Você conhece? Anote essas reflexões em seu diário de bordo. DIÁRIO DE BORDO Você já se perguntou por que precisa cursar uma disciplina intitulada Teoria e Prática na Educação de Jovens e Adultos? A resposta é simples: a edu- cação de jovens e adultos é uma área de atuação do Pedagogo. Isso mesmo, você, ao finalizar o Curso de Licenciatura em Pedagogia, poderá atuar nesta modalidade de educação. Mas, veja bem, você poderá trabalhar anos iniciais do Ensino Fundamental com o público da EJA. É o que regulamenta o Art. 4º da Resolução nº 1, de 15 de maio de 2006, que apresenta as áreas de atuação do pedagogo, conforme exposto a seguir. UNIDADE 1 14 “ O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, 2006, p. 2). Você pode observar que o referido Artigo não especifica o trabalho do pedagogo na EJA, contudo, esta área de atuação está implícita ao mencionar “[...] outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos” (BRASIL, 2006, p. 2). O inciso 3º do Art. 5º ainda expõe que o pedagogo deverá estar apto a “[...] fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do Ensino Fundamental, assim como “[...] daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade pró- pria” (BRASIL, 2006, p. 2, grifo nosso). O Art. 5º explicita, portanto, que o egresso do Curso de Pedagogia deverá promover a aprendizagem dos alunos matriculados na educação de jovens e adultos, ou seja, do público que por algum motivo não frequentou a escola ou abandonou os estudos quando criança ou adolescente. Ainda sobre as áreas de atuação do Pedagogo, a Resolução nº 2, de 20 de dezembro de 2019, define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Pro- fessores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Em seu Art. 5º, expõe “ A formação dos professores e demais profissionais da Educação, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), para atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da Educa- ção Básica (BRASIL, 2019, p. 3). A Resolução nº 2 de 2019, ainda, complementa no Art. 6º, inciso I que um dos princípios da política de formação de professores para a Educação Básica é “[...] a formação docente para todas as etapas e modalidades da Educação Básica como compromisso de Estado, que assegure o direito das crianças, jovens e adultos a uma educação de qualidade [...]” (BRASIL, 2019, p. 3). Veja aluno(a), que os referidos artigos apresentam a necessidade de o pro- fissional da educação atender as demandas das diferentes etapas e modalidades da Educação Básica. Logo, você, como futuro(a) pedagogo(a), deverá, ao longo UNICESUMAR 15 Descrição da Imagem: A figura apresenta os dois principais objetivos dos jesuítas ao chegarem no Brasil em 1549 - formar mão de obra e conquistar novos fiéis à doutrina católica Figura 1 - Objetivos dos jesuítas. / Fonte: Elaborado pela autora (2021). do curso, adquirir conhecimentos teóricos e práticos, bem como competências e habilidades que irão fundamentar sua prática profissional nas diferentes áreas de atuação, dentre elas, a modalidade de educação de jovens e adultos. Posto isto, vamos retomar a contextualização da educação de jovens e adultos no Brasil. Ela pode ser vista a partir de diferentes perspectivas, quais sejam: da legislação educacional, dos pressupostos teóricos e metodológicos, dos próprios sujeitos da EJA, do trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor, bem como do olhar da sociedade. Nesta unidade meu convite é que você compreenda a EJA do ponto de vista histórico e das políticas públicas direcionada para esse público. A compreensão da educação de jovens e adultos no Brasil na atualidade perpassa pelo entendimento de como foi construída ao longo dos anos. Para isso, vamos revisitar a trajetória da EJA e conhecer as conquistas e desafios que se perpetuam até os dias atuais. No período do Brasil Colônia (1500-1822), a educação ao público adulto tinha caráter muito mais religioso do que educacional. Por quê? Para responder ao questionamento é preciso contextualizar a presença jesuítica no Brasil. Os pa- dres jesuítas chegaram em terras brasileiras em 1549 com dois grandes objetivos: O primeiro objetivo está relacionado aos interesses do governo português: formar homens úteis ao trabalho para explorar a terra, ou seja, formar trabalhadores e garantir os lucros para a Metrópole. O “[...] objetivo dos colonizadores era o lucro, e a função da população colonial era propiciar tais lucros às camadas dominantes metropolitanas” (RIBEIRO, 1992, p. 21). Portanto, o governo de Portugal não estava interessado na instrução dos que viviam na Colônia. O segundo objetivo está atrelado à Igreja Católica. Para Azevedo (1996), o principal compromisso dos jesuítas com a Igreja alicerçava-se na defesa e propagação da fé, cumprin- UNIDADE 1 16 Descrição da Imagem: A figura evidencia o projeto legal (oficial), que era catequizar e instruir os indígenas, em contraposição ao que foi efetivado na prática, conforme falamos anteriormente. do as exigências e interesses da Igreja. Aqui é importante você considerar os acontecimentos na Europa no século XVI, neste caso, a Reforma Protestante que ocasionou a perda de fiéis à doutrina católica. E o que este evento está rela- cionado com nossa narrativa? A presença dos jesuítas no Brasil foi vista como uma possibilidade de conquistar novos fiéis à Doutrina Católica, o que justifica os objetivos da Companhia de Jesus em relação aos indígenas. Embora tivesse um discurso de ensinar todos que aqui viviam, na prática o que aconteceu foi: instruções aos filhos dos colonos para o trabalho intelectual e a catequização indígena no modelo da fé católica (RIBEIRO, 1992). Já convido você, aluno(a), a prestar atenção na dicotomia entre o mundo oficial (o que é proposto nas Leis, Resoluções e Decretos) e o mundo real (o que é efetivado na prática). Figura 2 - Plano oficial e plano real / Fonte: Adaptado de Ribeiro (1992). Esta é nossa primeira referência à educação ao público adulto, mas com cunho religioso, como já foi citado, até porque o contexto da época não requisitava educação para todos. “Em um contexto social com características coloniais, ex- trativistas e escravocratas, a instrução só era considerada adequada para uma pequena nobreza dirigente” (LEITE, 2013, p. 18). Isso significa que o regime co- lonial, alicerçado na exploração do trabalho escravo, não objetivava a oferta de educação para todos, apenas para a elite da época. Aqui, fazemos uma pontuação importante: a relevância dos jesuítas na organização do sistema educacional na colônia. Seus colégios foram conside- rados, de acordo com Ribeiro (1992), instrumento de formação da elite colonial, UNICESUMAR 17 nos moldes da cultura europeia. A educação jesuítica foi aquelaque a época carecia e, por conseguinte, os objetivos e a atuação dos jesuítas no Brasil por 210 anos, período em que permaneceram em território português, foram coerentes às condições do momento. Destarte, não se trata, aqui, de afirmar se suas práticas estavam certas ou erradas, mas entendê-las na conjuntura daquele momento. Da mesma forma que a vinda dos jesuítas esteve atrelada às exigências da época, o mesmo ocorreu com a expulsão dos padres. O primeiro-minis- tro de Portugal, Sebastião José de Carvalho, Marquês de Pombal (1699-1782), engajado no projeto de desenvolvimento econômico lusitano, entendia que era preciso reformar o ensino. Logo, a educação ministrada pelos jesuítas não atendia mais aos interesses do governo português. Era preciso formar um novo homem, concatenado com as condições materiais do século XVIII. A saída foi a expulsão dos jesuítas de todo o território português. Convido você, aluno(a), a analisar as entrelinhas deste acontecimento. O discur- so da expulsão dos jesuítas era a modernização do ensino. Pois bem, não foi apenas isso. Durante os 210 anos que permaneceram na colônia, os jesuítas alcançaram grande influência social, política, econômica e educacional. O governo lusitano entendia que o poder econômico, especialmente, não deveria estar nas mãos dos jesuítas e sim no controle do governo português. Portanto, a retirada dos jesuítas não foi decorrente, exclusivamente, pela inadequação do ensino pregado por eles e que impedia aos olhos do governo lusitano o desenvolvimento de Portugal, mas a causa maior foi o amplo poder que os padres jesuítas conquistaram. Você sabe qual foi a primeira medida depois da expulsão dos jesuítas de todo o território português? O governo lusitano confiscou todos os bens dos padres jesuítas. Veja, alu- no(a), que as medidas estavam para além das questões educacionais. Fonte: Elaborado pela autora (2021). PENSANDO JUNTOS Após a expulsão dos jesuítas não foi organizado um novo sistema imediatamen- te. Apenas depois de 13 anos, em 1772, foram instauradas as aulas régias ou avulsas, mantidas pelo governo português. “Daí por diante, o ensino secundário, que ao tempo dos jesuítas era organizado em forma de curso – Humanidades -, passa a sê-lo em aulas avulsas (aulas régias) de latim, grego, filosofia, retórica” UNIDADE 1 18 (RIBEIRO, 1992, p. 34). Os professores que ministravam essas aulas recebiam o pagamento a partir do subsídio literário, criado pela Coroa. Contudo, a ênfase era a edu- cação para a minoria, ou seja, para a elite. Com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, foi necessário organizar uma estrutura educacional para atender a própria presença da Família Real, até porque a Universidade de Coimbra estava proibida de receber os filhos da coroa portuguesa e dos colonos por conta do Bloqueio Continental. A educação neste início de século estava voltada para atender a elite da época. Formar os fi- lhos dos colonos para administrar as províncias. A grande parcela da população continuava sem acesso à educação. As “[...] escolas passaram a ser prioridade de quem tinha condições econômicas, ou seja, somente os nobres fre- quentavam as escolas” (SIQUEIRA, 2016, p. 14). Com isso, o número de analfabetos só aumentava no Brasil. A Constituição de 1824 enfatizou em seu Art. 179, in- ciso XXXII a “Instrução primária e gratuita a todos os Ci- dadãos” (BRASIL, 1824), mas isso ficou apenas no papel, pois, na prática, a educação continuava somente para a camada da população mais favorecida economicamente. Vale lembrar que neste momento a organização econômi- ca do Brasil estava alicerçada na escravatura, logo, apenas os filhos de pessoas livres poderiam frequentar a escola. Com a descentralização do ensino a partir do Ato Constitucional de 1834, a instrução primária e secundá- ria passou a ser responsabilidade das províncias. A ideia era educar o povo para a época, civilizá-los, uma vez que o Brasil havia conquistado a independência política. Obser- ve, aluno(a), que a instrução estava concatenada com as necessidades advindas da urgência da formação nacional. Você se recorda do início da nossa narrativa, que a esco- la é uma instituição interdependente? Figueira (1995, p. 13-14) nos apresenta uma importante reflexão sobre isso. UNICESUMAR 19 “ Está posto [...], para cada época histórica, aquilo que é mais apropriado para se aprender e para se ensinar. Uma época de- terminada não ensina uma qualquer coisa, um qualquer corpo de saber. Ensina, sim, aquilo que sabe e que pode e deve ensinar. Aquilo que deve ensinar e, portanto, se sabe ensinar, nasce com as relações reais dos indivíduos. Você percebe as exigências deste contexto? O que era basilar? A escola era desti- nada para quem? O que deveria ensinar? É notório que para este momento, pri- meira metade do século XIX, não havia preocupação com a educação do povo, mas a formação de uma elite para dirigir o país. Portanto, não existiam medidas substanciais direcionadas ao adulto analfabeto, apenas iniciativas isoladas, como veremos a seguir. O Art. 71 do Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, apresentava que quando uma escola do 2º grau tivesse dois professores, seriam obrigados de forma alternada oferecer aos adultos a instrução primária duas vezes por semana, nas horas livres, ou seja, domingos ou dias santos. Os adultos seriam responsáveis de se apresentarem aos professores (BRASIL, 1854). O decreto não criava uma escola voltada para o adulto, mas aulas de matérias da instrução primária ofertada no tempo livre dos adultos e dos professores. A frequência dos adultos nestas classes não foi promitente, levando a extinção desse projeto. Imagine-se inserido naquele período, década de 1850. Será que os adultos eram incenti- vados a buscar por uma instrução? Será que somente a oferta de aulas neste modelo seria suficiente para resolver o problema da população não escolarizada? Fonte: Elaborado pela autora (2021). PENSANDO JUNTOS O número de analfabetos nos oferece uma ideia de que o problema estava muito longe de ser resolvido, na verdade, ainda não foi solucionado depois de mais de um século, não é mesmo? De acordo com Siqueira (2016), em 1872 ocorreu o primeiro recensea- mento demográfico do Brasil e revelou que apenas 17,7% da população entre 6 e 15 anos tinham frequentado a escola. Quase 83% da população não sabia ler e escrever. Ao final da década de 1870 tem-se a Reforma Leôncio de Carvalho que fez menção à instrução dos adultos. No art. 48 do Decreto nº 7.247 de 1879 consta a indicação de criar nas províncias cursos para o ensino primário direcionados aos UNIDADE 1 20 adultos analfabetos (BRASIL, 1879). Nesta década, tem-se a educação noturna de- senvolvida nas províncias do país, contudo, uma educação ainda muito precária. Com o Decreto nº 3.029 de 1881 (Lei Saraiva) a referência a gratuidade da instrução é retirada, por outro lado, é mantida à descentralização da educação definida em 1834 pelo Ato Adicional e o voto passa a ser direito apenas das pessoas alfabetizadas (BRASIL, 1881), o que significa uma ínfima parcela da po- pulação brasileira. Veja, aluno(a), a educação correlacionada ao processo eleitoral. Aqui temos um fato importante, o analfabetismo sempre esteve presente na organização da sociedade brasileira, mas passou a ser um problema nacio- nal no término do Período Imperial (1822-1889). Por quê? Exatamente pelas determinações da Lei Saraiva de 1881, que excluiu o direito dos analfabetos de participar do processo político do país. Dessa forma, o problema do analfabetismo não era uma questão educacional e pedagógica, mas passou a ser uma problemática de caráter político, especifica- mente no que diz respeito à questão eleitoral. Não havia interesse em instruir a população. Além disso, o analfabeto era visto como uma pessoa ignorante, cego moralmente, que não tinha capacidade de compreender o bem comum, por isso, o analfabetismo passou a ter uma conotação negativa (LEÃO,2012). Como o indivíduo não escolarizado é visto atualmente pela sociedade? Será que ainda não temos os resquícios desta época, ou seja, uma visão, muitas vezes preconceituosa, em que a condição de analfabetismo de um indivíduo está atrelada à ignorância e incapa- cidade? Será que essa visão foi superada totalmente? Fonte: Elaborado pela autora (2021). PENSANDO JUNTOS No final do século XIX a população permanecia distante da escola, inclusive da instrução primária, isso pelas condições econômicas e a falta de incentivo de ingressar na escola e nela permanecer. O resultado foi a exclusão, não apenas educacional, mas em primeiro lugar a exclusão social da maioria. UNICESUMAR 21 Descrição da Imagem: A figura apresenta quatro questões relacionadas ao processo de valorização de jovens e adultos nas primeiras décadas do século XX, sendo elas a aquisição da língua falada e escrita para o domínio das técnicas de produção, meio de progresso do país, instrumento de ascensão social e ampliação da base de votos. Fonte: Adaptado de Cunha (1999). “ Em termos de educação, constata-se que, do ponto de vista prático, muito pouco foi executado apesar de todo o embasamento legal e jurídico. Ocorreram intenções em se implementar projetos de re- formas para a educação, que demonstravam claramente o desejo de uma educação pública, gratuita e obrigatória para aqueles que se encontravam em idade escolar [...]. No entanto, não se obteve resul- tados através das intenções e, na prática, a maioria das propostas de reforma da educação não avançou além dos discursos e teve como fim o arquivamento (LEITE, 2013, p. 38). Por muito tempo, as escolas noturnas se constituíram como única possibilidade de educação de adultos (BEZERRA, 2016, p. 45), contudo, não foram suficientes para promover mudanças significativas no cenário educacional. Costa e Machado (2017, p. 26) complementam que “[...] nossa experiência histórica foi marcada pela discriminação e exclusão do direito aos denominados bens humanos, sobretudo no campo educacional”. Ao excluir o direito à educação de muitos, a consequência foi a formação de um grande número de brasileiros sem instrução escolar. Com a proclamação da República, em 1889, teve início um novo cenário, com outras exigências políticas, sociais e econômicas. O processo de industrialização nas primeiras décadas do século XX, acarretou a valorização no que se refere à educação dos adultos, mas ainda de forma lenta. Cunha (1999) afirma que esta valorização estava relacionada a diferentes pontos de vista. Veja na figura a seguir: Figura 3 - Valorização da EJA / Fonte: Adaptado de Cunha (1999). UNIDADE 1 22 Observe que as questões em torno da valorização da educação de jovens e adultos representavam diferentes interesses, com pouca preocupação com o sujeito. Eram questões direcionadas a atender as exigências do mercado de trabalho, no senti- do de desenvolver as habilidades técnicas necessárias no âmbito das atividades laborais, além de questões políticas e sociais. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um novo discurso se for- mou no meio educacional para justificar a urgência de uma população letrada, qual seja, a reconstrução das nações e de uma cultura de paz. Os indivíduos de- veriam reaprender a conviver e desenvolver a tolerância mútua, inaugurando, por conseguinte, uma série de campanhas de alfabetização (COSTA, MACHADO, 2017). Nesta perspectiva, a ideia central era preservar a harmonia social. Foi na Constituição de 1934 que apareceu, pela primeira vez, o reconheci- mento da educação como direito de todos. Em relação aos jovens e adultos, o Art. 150 cita o “ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos” (BRASIL, 1934). O que isso significa? Que o adulto tem direito à educação e é responsabilidade do Estado a oferta do ensino primário para este público, de forma gratuita. Xavier (2019) apregoa que foi somente a partir da década de 1940 que a educação de adultos passou a ser considerada um problema no sentido da pro- pagação do ensino elementar e temática de política educacional nacional. Essa preocupação foi evidenciada nos eventos a seguir (figura 4): UNICESUMAR 23 Descrição da Imagem: A figura apresenta quatro questões relacionadas ao processo de valorização de jovens e adultos nas primeiras décadas do século XX, sendo elas a aquisição da língua falada e escrita para o domínio das técnicas de produção, meio de progresso do país, instrumento de ascensão social e ampliação da base de votos. Fonte: Cunha (1999). O Fundo Nacional Primário (FNEP) foi instituído pelo Decreto-lei nº 4.958 de 1942. No § único do Art. 3º os recursos deste Fundo seriam destinados à am- pliação e melhoria da instrução primária do país (BRASIL, 1942). Já a Campa- nha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) tinha como finalidade disseminar as ideias da democracia liberal entre as massas. Foi extinta em 1963. A Campanha de Educação Rural (CNER) objetivava preparar os profissio- nais para contribuir com as pessoas da zona rural no que tange, por exemplo, ao trabalho. Por fim, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA) buscava a melhoria do ensino primário. O programa foi extinto em 1961 (SOUZA, 2012). Essas foram Campanhas desenvolvidas no contexto de industrialização e urbanização do país. As discussões sobre a não escolarização dos adultos neste momento intensifi- caram porque, na perspectiva política e econômica, o adulto iletrado indicava uma sociedade subdesenvolvida. Este sujeito deveria ser ajustado às regras sociais, por conseguinte, a educação seria um dos caminhos para suplantar o atraso (SOUZA, 2012). Visto dessa forma, para colocar o Brasil na rota de um melhor desenvolvimento material, era essencial resolver o problema do analfabetismo. Contudo, os programas Figura 4 - Campanhas para a EJA nas décadas de 1940 e 1950. / Fonte: Adaptado de Xavier (2019, p. 4). UNIDADE 1 24 direcionados aos adultos pautavam-se em metodologias iguais às utilizadas pelas crianças. Problema que ainda pode ser visto atualmente, isto é, metodologias infan- tilizadas, desconsiderando as particularidades do público da EJA. Por outro lado, é sobretudo a partir do final da década de 1950 e início da década seguinte que a sociedade civil passou a reivindicar medidas a partir de movimentos populares que almejavam mudanças sociais. É a década da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024 de 1961, que tornou, de acordo com o Art. 27, o ensino primário obrigatório a partir de 7 anos e no que se refere aos adultos, o mesmo artigo expõe que poderão ser organizadas classes especiais ou cursos suple- tivos equivalente ao nível de desenvolvimento (BRASIL, 1961). É neste período, sobretudo, que o debate a respeito do analfabetismo ganhou novo olhar a partir das ideias de Paulo Freire (1921-1977). Um dos educadores que “[...] sistematizou uma concepção de educação com o objetivo de dar outra intencionalidade política à educação e à EJA, que se contrapunha à concepção instrumental” (SOUZA, 2012, p. 21). O início da década de 1960 foi, então, mar- cada pela urgência de novas ideias pedagógicas, sendo que a educação passou a ser entendida como um instrumento de conscientização (MOURA; VENTURA, 2018). Conscientizar a população politicamente no sentido de compreender de forma crítica a realidade em que estavam inseridos. Paulo Freire entendia a causa do analfabetismo como consequência da or- ganização de um sistema excludente, isto é, de uma sociedade não igualitária. Visto dessa forma, o analfabetismo não era o motivo da pobreza e problemas sociais do Brasil. Sua proposta de educação pautava-se na perspectiva libertado- ra, despertando a consciência crítica e política do povo. Libertar os indivíduos do poder de opressão. Nesse sentido, na década de 1960 a educação de jovens e adultos é entendida no sentido de educação popular. Te convido, aqui, a continuar a leiturado livro, pois na unidade 2 as ideias de Paulo Freire serão aprofundadas. UNICESUMAR 25 A educação popular teve maior valorização por dois motivos. O primeiro relacionado ao trabalho dos idealizadores da educação que objetivava inserir a educação nos debates políticos. O segundo refere-se à própria organização popular. É a partir da segunda metade do século XX que se inicia a valorização social e política da edu- cação de jovens e adultos no Brasil, incluindo o âmbito governamental e sociedade civil organizada (SOUZA, 2012). Entretanto, a presença da sociedade civil organizada, na década de 1960, em relação à educação e cultura popular é interrompida pelo Regime Militar de 1964 (COSTA; MACHADO, 2017). As ideias sobre a educação na perspectiva da emancipação foram coibidas com o Regime Militar. Vamos retomar o debate das leis no nosso país com a Constituição de 1967. Esta Constituição mantém a educação como direito de todos, incluindo a obri- gatoriedade da escola até os 14 anos (BRASIL, 1967). Ao estabelecer a idade de 14 anos, faixa etária que corresponde aos adolescentes, percebe-se a necessidade de outra categoria que viria a ser os jovens, isso em relação à educação. É deste mesmo ano, 1967, a Lei nº 5.379 que em seu Art. 4º autoriza a criação de uma fundação, denominada Movimento Brasileiro de Alfabetização, o MO- BRAL (BRASIL, 1967). Possivelmente você já ouviu falar nesta sigla, não é mesmo? O MOBRAL foi criado com o objetivo de erradicar o analfabetismo e é uma res- posta do governo aos movimentos populares no país. Veja a seguir as principais características deste Movimento (figura 5). Descrição da Imagem: a figura destaca três características do Movimento Brasileiro de Alfabetização, conhecido como MOBRAL, 1- os recursos financeiros independentes das verbas orçamentárias; 2- orga- nização operacional descentralizada e 3- centralização do processo educativo Figura 5 - Características do MOBRAL / Fonte: Adaptado de Leite (2013). UNIDADE 1 26 A primeira característica refere-se à autonomia financeira. A segunda diz res- peito à descentralização, ou seja, o MOBRAL era responsabilidade dos municí- pios, por meio de comissões municipais. Já o terceiro atributo ocorria por meio de uma administração pedagógica, responsável por todo o processo pedagógico, como planejamento, produção de material, avaliação e treinamento de pessoas (LEITE, 2013). O MOBRAL retomou a mentalidade de que o analfabetismo era causa do não desenvolvimento material do Brasil. Foi extinto em 1985, conce- dendo lugar à Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos, a Fundação Educar, extinta em 1990, no governo de Fernando Collor de Mello. O MOBRAL foi um programa desenvolvido em todo o país. Dessa forma, incentivo que realize uma pesquisa e verifique se entre o período de sua existência (1967 a 1985) seu município ofertou o MOBRAL e como funcionava. Além disso, problematizo a questão do principal objetivo deste programa: erradicar o analfabetismo. Fonte: Elaborado pela autora (2020). PENSANDO JUNTOS Na década seguinte à criação do MOBRAL, 1970, temos a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 5.692 de 1971, que revogou a Lei nº 4.024. Como nosso intuito é a educação de jovens e adultos, vamos enfatizar o que a Lei nº 5.692/71 nos apresenta sobre esse público. É instaurado o ensino supletivo com normativas específicas, apresentadas em um capítulo exclusivo, o capítulo IV com 5 Artigos (Artigos 24 a 28). Vejamos alguns deles: A finalidade do ensino supletivo é citada no Art. 24 “a) suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria” (BRASIL, 1971). O ensino contemplava, conforme o Art. 25, a “iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional” (BRASIL, 1971) e no § 2º do mesmo Artigo há a referência de como o ensino será ministra- do, ou seja, em classes ou por meio da educação à distância (rádio, televisão, cor- respondência) e outros meios de comunicação que favorece o alcance de maior número de alunos (BRASIL, 1971). Já os exames supletivos compreendiam como expõe o Art. 27 da referida Lei, a parte do currículo de núcleo comum, firmado pelo Conselho Federal de Educação (BRASIL, 1971). Quem poderia fazer o Ensino Supletivo? É o § 1º UNICESUMAR 27 do Art. 27 que nos oferece a resposta: para conclusão do 1º grau (hoje Ensino Fundamental) poderiam fazer os maiores de 18 anos. Para conclusão do 2º grau (hoje Ensino Médio) os maiores de 21 anos (BRASIL, 1971). Vale lembrar, caro aluno(a), que a Lei nº 5.692/71 foi promulgada em um contexto de exigências específicas, isto é, a qualificação da mão de obra dos tra- balhadores. Logo, o ensino pautava-se na formação técnica para atender aos in- teresses do mercado. Nesse contexto, o ensino supletivo, criado por esta Lei fazia todo sentido, contudo, era um ensino compensatório. Costa e Machado (2017) complementam que as políticas desenvolvidas nas décadas de 1960 (MOBRAL) e 1970 (Ensino Supletivo) marcaram a presença da União na educação de jovens e adultos, seja pelo encaminhamento ideológico nas reformas do ensino, seja pela utilização dos recursos públicos para sua efetivação. Importante destacar que o MOBRAL era proeminentemente desenvolvido a par- tir de parcerias com os municípios e o Ensino Supletivo realizado pelos estados. Porém, ambos se distanciaram das ideias de Paulo Freire. Caro aluno(a), até aqui você pode observar as problemáticas da exclusão social e educacional de grande parte da população brasileira, as raízes do anal- fabetismo. Vimos, ainda, as iniciativas, programas e ações para o público adulto, com cursos noturnos e, depois, o Ensino Supletivo. Mas, afinal, como definir a educação de jovens e adultos? Será que está relacionada apenas ao ensino noturno ou supletivo, por exemplo? Embora tenham feito parte da trajetória da EJA, esses cursos não definem a identidade da educação de jovens e adultos. Vale ressaltar que “[...] historicamente, a Educação de Jovens e Adultos tem sido vista como sinônimo de erradicação do analfabetismo em nosso país. Con- siderado como um “mal”, o analfabetismo precisava ser sanado através de amplas campanhas emergenciais” (MOURA; VENTURA, 2018, p. 333). Enfatiza-se, en- tão, o problema do analfabetismo e não o direito do cidadão à educação. UNIDADE 1 28 Agora, convido você a analisar os principais marcos legais, a partir da Consti- tuição de 1988, em relação à educação de jovens e adultos. Na década de 1980 o Brasil passou por um processo de redemocratização. Período de muitas lutas e conquistas que culminou na Constituição Federal de 1988, que norteia nossa sociedade atualmente. Após o Regime Militar a educação de jovens e adultos passou a ser responsabilidade de municípios e estados e a educação entendida como um direito do cidadão, independentemente da idade. A Constituição de 1988 apresenta no Art. 5º igualdade de direitos perante a Lei e o Art. 208, define a responsabilidade do Estado com a educação (BRASIL, 1988), complementa, ainda, por meio do inciso I do Art. 208 que a oferta da educação aos alunos que não tiveram acesso na idade própria deverá ser gratuita (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 59, de 2009). O sujeito de direitos que a Lei preconiza, requer, obrigatoriamente, considerar o direito à educação e sua participação na vida política, social, econômica e cultural. Dessa forma, é com a Constituição mencionada que a ideia de educação para todos ganha força. Um direito conquistado tardiamente. Veja, aluno(a), que este direito e o enfrentamento à exclusão social é recente historicamente, sobretudo em relação aos jovens e adultos. Enfrentamento que ainda não se esgotou nos dias atuais. “ Jovens, adultos(as), idosos(as) precisam ser reconhecidos(as) como sujeitos de direito, pois, em virtude das situações de desigualdade pre- sentes na sociedade brasileira, a ausência do Estado na garantiados direitos, lhes foi negado o direito à educação no passado, e lhes é difi- cultado no presente. O que valida a reivindicação de caráter afirma- tivos às políticas destinadas a essa população, com vistas a universa- lizar a educação em nosso país, ou seja, as políticas públicas precisam focar medidas especiais e emergenciais com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas (CAPUCHO, 2012, p. 23). Apesar de os documentos legais incluírem a EJA no debate, não foi suficiente para promover mudanças significativas, garantindo ao cidadão uma educação de qualida- de. Faltavam e ainda faltam políticas públicas eficientes, pois a garantia da educação como direito não está atrelada apenas à oferta de vagas na EJA. É muito mais do que isso, é preciso que este aluno, muitas vezes, trabalhador ou em condições de vulnera- bilidade, tenha acesso à escola e nela permaneça, considerando suas especificidades. UNICESUMAR 29 Quer saber mais sobre a educação de jovens e adultos e os direitos humanos? Convido você, aluno(a), a ouvir o podcast. Outro elemento a pontuar é a visão que a sociedade e o próprio sujeito da EJA, por vezes apresentam, a ideia de que a educação é um favor. É comum esta men- talidade, ou seja, pessoas que não veem a educação como um direito e sim como uma benevolência, um favor. Tal pensamento precisa ser superado. A década seguinte à Constituição Federal, 1990, é marcada por iniciativas e programas do Governo Federal para sobrepujar o analfabetismo. É a década da pro- mulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394 de 1996. Esta Lei reitera no Art. 4º os direitos à educação dos jovens e adultos e a responsabilidade do Estado na oferta do ensino de forma gratuita (BRASIL, 1996a). A Lei nº 12.796, de 2013, altera o inciso IV do Art. 4º da Lei nº 9.394/96 e define “acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não concluíram na idade própria” (BRASIL, 2013). Destarte, a legisla- ção brasileira propõe que todos, independentemente da idade, têm direito ao pro- cesso de escolarização, inclusive aqueles que por algum motivo foram impedidos de frequentar a escola regular no Ensino Fundamental e/ou Médio. A Lei nº 9394/96 também insere a educação de jovens e adultos como mo- dalidade da educação básica dos ensinos fundamental e médio. Ao estabelecer de tal forma, pressupõe o indicativo de romper a concepção de educação assis- tencialista e compensatória que marcou a trajetória histórica da EJA (BRASIL, 1996a). Agora, vamos analisar os artigos 37 e 38 da Lei supracitada. O Art. 37 da Lei 9.394/96 na sua primeira versão expõe que “a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade própria” (BRASIL, 1996a). A Lei nº 13.632, de 2018 mantém essa redação e acrescenta “e constituirá instru- mento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida” (BRASIL, 2018). O complemento da lei indica a importância de pensar a aprendizagem como um https://vimeo.com/533567518/b6c876a0fa UNIDADE 1 30 Moura e Ventura (2018) nos apresentam uma importante reflexão, diante do cenário de desigualdade do Brasil, a classe trabalhadora precisa enfrentar diversos desafios para permanecer na escola, por exemplo, as questões extraescolares e intraescolares. Extraescolares: Os alunos jovens e adultos que não tiveram acesso à escolarização quan- do crianças ou adolescentes, também não tiveram garantido o direito a outros fatores essenciais, como moradia, saúde, lazer e transporte. Intraescolares: em relação às condições educacionais, quais os desafios? Recursos, pro- fessores qualificados, materiais didáticos apropriados, metodologia condizente ao públi- co, valorização da cultura e história do sujeito, dentre outras. Agora, convido você, aluno(a), a refletir sobre o acesso, a permanência e a continuidade dos estudos do aluno da EJA, considerando fatores extraescolares e intraescolares. Como efetivá-los na prática da educação de jovens e adultos? Fonte: Adaptado de Moura e Ventura (2018). EXPLORANDO IDEIAS processo contínuo, ou seja, a educação deve ser permanente e não apenas restrita à uma etapa específica da vida do sujeito. O direito à educação foi negado aos jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de frequentar a escola na idade entendida como “correta” ou “apropriada”. Termo utilizado pela Constituição Federal de 1988 (Art. 208) e se repete na Lei nº 9.394/96 (Art. 37). Mas, será que existe uma idade própria para aprender? Se o indivíduo não desenvolveu sua aprendizagem na idade denominada como “correta” não aprenderá mais? O Art. 38 da Lei nº 9.394/96 trata a respeito de como os exames serão realizados. Estabelece a idade mínima para ingressar nesta modalidade de educação (BRA- SIL, 1996a). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 altera a Lei nº 5.692/71. Lembre-se que o 1º grau corresponde atualmente ao Ensino Fundamental e o 2º grau é equivalente ao Ensino Médio. Veja na figura 6. UNICESUMAR 31 Figura 6 - Idade mínima para ingresso na EJA. / Fonte: Elaborado pela autora (2020). Por que tivemos essa alteração na idade mínima de ingresso na EJA? Porque nas últimas décadas, o público da EJA mudou, sobretudo, a partir da década de 1990. Hoje, muitos adolescentes com idade de 15 anos, por exemplo, estão fora da escola sem ter concluído o Ensino Fundamental. Sobre esse aspecto, aluno(a), chamo a sua atenção para considerar os motivos que levam adolescentes de 15 anos a estarem afastados dos bancos escolares. Para isso, faz-se necessário con- siderar as problemáticas da estrutura escolar no Brasil, a utilização de metodo- logias, a formação de professores, bem como questões socioeconômicas. Sobre o perfil dos alunos da EJA na atualidade, convido você a continuar a leitura do livro, pois será tratado na Unidade 3. Tratamos sobre a organização da EJA nos documentos legais, mas você pode se perguntar: de quem é a responsabilidade financeira da EJA? Para responder ao ques- tionamento faz-se necessário retomar a Constituição Federal de 1988 e as alterações feitas pela Emenda Constitucional nº 14 de 1996. Esta Emenda modifica o Art. 211 da Constituição Federal de 1988. O § 1º expõe que a União deverá prestar “assistência téc- nica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” (BRASIL, 1996b). Descrição da Imagem: a figura mostra o comparativo entre a Lei n. 5.692/71 e a Lei n. 9.394/96 no que se refere à idade mínima para o sujeito realizar a matrícula na EJA. Na primeira, a idade mínima é de 18 anos para o 1º grau e 21 anos para ingressar no 2º grau, a lei n.9.394/96, 15 anos para o Ensino Fundamental e 18 anos para o ensino médio. UNIDADE 1 32 Convido você, aluno(a), a fazer uma pesquisa no seu município e verificar a organização financeira da EJA. Seu município é responsável pela alfabetização e anos iniciais do Ensino Fundamental ou, além desses, também é responsável pelos anos finais do Ensino Funda- mental? Fonte: elaborado pela autora (2020). EXPLORANDO IDEIAS O Governo Federal passou a assegurar a oferta do Ensino Fundamental, mas transferiu a responsabilidade aos estados e municípios, o que denominamos de descentralização do ensino. No § 2º da Emenda Constitucional nº 14, evidencia-se a responsabilidade dos municípios, sendo que estes deverão atuar, prioritaria- mente, na Educação Infantil e no Ensino Fundamental (BRASIL, 1996b). Já os estados e o Distrito Federal, conforme o § 3º do Art. 211 deverão atuar, prioritaria- mente no Ensino Fundamental e Médio (BRASIL, 1996b). Em termos financeiros e técnicos, a EJA segue a mesma orientação da Educação Básica do ensino regular. Figura 7 - Responsabilidade da EJA / Fonte: Elaborado pela autora (2020). Descrição da Imagem: a figura mostra a divisão de responsabilidade financeira da EJA, considerando estados, responsáveis pelos anos finais do EF e EM da EJA e municípios,responsáveis pela alfabetização e anos iniciais da EJA. Vale ressaltar que esta organização de responsabilidade é o que comumente acon- tece, mas é relevante ponderar sobre as particularidades de cada região, pois há localidades em que o município com maior capacidade técnica e financeira as- sume a responsabilidade dos anos finais do Ensino Fundamental da EJA. UNICESUMAR 33 Outro fator é que os municípios, o Distrito Federal e os estados devem ser as- sistidos pela União, isto é, o Governo Federal deve assessorar técnica e financei- ramente os municípios e estados, sobretudo, os com menos condições. Isso no mundo oficial, mas, na prática, a Emenda Constitucional nº 14 de 1996, à luz de Leite (2013), ameaçou seriamente os recursos para a modalidade EJA. A solução foi o desenvolvimento de parcerias com a sociedade civil, com a implantação de programas e projetos. Para Soares (2011, p. 95): “ [...] a grande causa dessa desresponsabilização do estado se deveu ao fato de, na LDB 9.394/96, priorizar o ensino fundamental nos recursos, deixando margem para a criança de uma lei posterior, o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) para efetivar essa determinação normativa. O Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) - Lei nº 9.424 de 1996 foi instituído, conforme Art. 1º no âmbito de cada estado e do Distrito Federal, de natureza contábil, implantado, au- tomaticamente, a partir de 1º de janeiro de 1988 (BRASIL, 1996c). Previa recursos apenas para o Ensino Fundamental, ou seja, naquele contexto, alunos de 7 a 14 anos de idade, excluindo da agenda de recursos a modalidade EJA. Foi retirada as matrí- culas da EJA do cálculo geral das matrículas que tinham benefício aos recursos do Fundef. Este Fundo de Desenvolvimento foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica (FUNDEB), regulamentado pela Lei nº 11.494 de 2007. Os recursos do Fundeb de acordo com o Art. 2º são destinados à manuten- ção e ao desenvolvimento da Educação Básica pública, bem como à valorização dos trabalhadores em educação (BRASIL, 2007). Isso significa recursos para a Educação Básica gratuita, ou seja, Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, incluindo neste sistema de financiamento a educação de jovens e adultos, ainda que de forma pouco expressiva. Leite (2013), complementa que o FUNDEB foi criado com a finalidade de viabilizar a inclusão socioeducacio- nal dos alunos da Educação Básica por meio da redistribuição dos recursos vinculados à educação entre os estados e os municípios. UNIDADE 1 34 O Art. 36 da Lei nº 11.494 define as ponderações para o primeiro ano de vigên- cia do Fundeb, que no caso da EJA foi fixado conforme o inciso XIV em 0,70 (setenta centésimos) (BRASIL, 2007). Tal fator de ponderação para a EJA em detrimento de 1,0 (um inteiro) para os anos iniciais do ensino fundamental foi alvo de críticas, pois poderia levar gestores a não ofertarem maior número de vagas na educação de jovens e adultos, perpetuando a desvalorização que norteou a história da educação desse público. A inclusão do financiamento da EJA no FUNDEB foi aspecto positivo, com- parado ao anterior que excluía esta modalidade, mas apesar de as verbas terem aumentado, não constituiu um aporte ideal para atender com qualidade social o público de jovens e adultos (CARVALHO, 2014). Fato que contribui para que muitos jovens e adultos continuem afastados dos bancos escolares, mantendo os altos índices dessa parcela da população sem o domínio das habilidades básicas: leitura, escrita e noções matemáticas. Outro documento importante para nosso diálogo sobre a educação de jovens e adultos é o Parecer CNE/CBE nº 11 de 2000. A EJA como modalidade de Educação Básica apresenta finalidades e funções específicas que devem ser con- sideradas. Dessa forma, do Parecer CN/CBE nº 11 de 2000, ressalto as funções da EJA que são: Reparadora, Equalizadora e Qualificadora. Mas o que cada função significa? Veja no quadro a seguir: Função Definição Reparadora Diz respeito à ideia de restaurar o direito das pessoas que não tiveram acesso à educação. Um direito que foi violado, dentre outros direitos sociais (lazer, saúde, moradia etc.). Desse modo, a Educação de Jovens e Adultos representa uma dívida social aos que não tiveram acesso a bens sociais e domínio da leitura e escrita (BRASIL, 2000a). Importante esclarecer que ao propor essa função repa- radora não significa enxergar o sujeito como incapaz ou intitulá-lo de forma pejorativa como “coitado”. É preciso suplantar esse olhar preconceituoso do em relação ao indivíduo não escolarizado e considerá-lo como sujeito que possui um repertório de conhecimentos, vivências e histó- rias construídas no contexto social e cultural. UNICESUMAR 35 Equalizadora Está relacionada à permanência do aluno na escola de forma igualitária. É possibilitar aos indivíduos a inserção no mundo do trabalho e na vida social de forma efetiva. É considerada a mais desafiadora, porque a sociedade brasileira é desigual, logo, como manter, por exemplo, alunos na escola que estão em condições de alta vulnerabilidade? São indivíduos que não tem acesso à escola ou se tem é de forma insatisfatória e precária. Tal fato exige políticas públicas específicas e efi- cientes. Exemplo: jovens que não prosseguiram os estudos na idade/série e vivem nas ruas, muitas vezes em contexto de violência. São jovens que estão em condições de vulnera- bilidade. Como garantir que esses jovens tenham acesso à educação e permaneçam na escola? Qualificadora Diz respeito à garantia da atualização e aperfeiçoamento dos conhecimentos. Está relacionada com a ideia de educa- ção permanente, que acontece ao longo da vida e, por isso, mesmo, é fulcral superar a mentalidade de que existe uma idade certa ou apropriada para aprender. Todos, indepen- dentemente da idade, possuem a capacidade de aprender, desenvolver habilidades e competências e adquirir novos co- nhecimentos. Vale ressaltar que não se trata de garantir uni- camente as habilidades técnicas para desenvolver atividades laborais, ou seja, exercer uma profissão e atender às exigên- cias do mercado. É muito mais do que isso, é assegurar uma formação integral para sua atuação em sociedade, exercendo sua cidadania. A função Qualificadora é apresentada pelo Pa- recer de n. 11 de 2000 como o próprio sentido da EJA, tendo como “base o caráter incompleto do ser humano cujo poten- cial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares e não escolares” (BRASIL, 2000a, p. 11). Quadro 1 - Funções da EJA / Fonte: Adaptado de Brasil (2000a). De acordo com Leite (2013, p. 237), o Parecer nº 11 de 2000 “[...] ressaltou a importância do combate ao analfabetismo e analfabetismo funcional, propôs a restauração do direito negado a jovens e adultos e uma escola de qualidade que atendesse as características desse público”. As três funções apresentadas pelo Função Definição UNIDADE 1 36 O combate ao analfabetismo esteve presente em parte da história brasileira, contudo, sua superação está distante de ser atingida, mesmo nos dias atuais. Isso porque, assistimos muito mais políticas públicas pontuais do que políticas efetivas e duradouras que de fato garantam o direito à escolarização de qualidade. O direito social, dentre eles, à educação não pode ficar restrito ao campo oficial, mas ser efetivado na prática. A partir disso, anali- se o excerto de Hannah Arendt apresentado por Capucho (2012, p. 21). “O grande infortúnio dos sem-direito não é o de serem privados da vida, da liberdade e da busca da felicidade, ou ainda da igualdade perante a lei e da liberdade de opinião, mas o de terem deixado de pertencer a uma comunidade; seu grave defeito não é o de serem iguais perante a lei, é que para eles não existe lei nenhuma” Fonte: A Autora EXPLORANDO IDEIAS Parecer devem sercontempladas na proposta curricular da EJA para garantir o direito de todos à educação, ou seja, a possibilidade de pensar uma sociedade mais justa e igualitária, restaurando o direito social e à igualdade à luz da lei. É preciso oportunizar o acesso à escola àqueles que por algum motivo, como por exemplo, econômico, social ou psicológico, não puderam frequentá-la ou desistiram do processo de escolarização regular. Assegurar, por meio de políticas públicas, a aprendizagem desses indivíduos, respeitando e valorizando suas his- tórias, seu contexto social e cultural, enfim, respeitar suas particularidades. Não é um caminho fácil, asseverar essa modalidade de educação como um direito, haja vista o sistema no qual estamos inseridos. Um sistema que em sua essência promove a desigualdade. O Parecer nº 11 de 2000 orienta a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacio- nais para a Educação de Jovens e Adultos, a Resolução nº 1 de 2000, que em seu Art. 2º “abrange os processos formativos da Educação de Jovens e Adultos como modalidade da Educação Básica nas etapas dos ensinos fundamental e médio, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [...]” (BRASIL, 2000b). Esta Resolução é um documento com orientações para os sistemas de ensino que oferecem a educação de jovens e adultos no Brasil, bem como um referencial pedagógico opcional para iniciativas da sociedade civil que objetivam organizar programas de educação voltados para jovens e adultos. UNICESUMAR 37 Contudo, algumas questões foram pauta de debate nos Fóruns de educação de jovens e adultos nos anos 2000, exigindo a elaboração de um documento operacional para clarificar tais questões, a Resolução CNE/CEB nº 3 de 2010. Mas quais questões estavam em debate e foram tratadas neste docu- mento de 2010? Veja a seguir, no quadro 2: Questões O que a Resolução definiu? Idade para in- gresso na EJA Art. 5º - será considerada idade mínima para os cursos de EJA e para a realização de exames de conclusão de EJA do Ensino Fundamental a de 15 (quinze) anos com- pletos. Art. 6º - a idade mínima para matrícula em cursos de EJA de Ensino Médio e inscrição e realização de exames de conclusão de EJA do Ensino Médio é 18 (dezoito) anos completos. Certificação dos exames Art. 7º - a certificação decorrente dos exames de EJA deve ser competência dos sistemas de ensino. § 1º - para melhor cumprimento dessa competência, os sis- temas podem solicitar, sempre que necessário, apoio técnico e financeiro do INEP/MEC para a melhoria de seus exames para certificação de EJA. EJA na educação a distância Art. 9º - os cursos de EJA desenvolvidos por meio da EAD, como reconhecimento do ambiente virtual como espaço de aprendizagem, serão restritos ao segundo segmento do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, com as seguintes características: I - A duração mínima dos cursos de EJA, desenvolvidos por meio da EAD, será de 1.600 (mil e seiscentas) ho- ras, nos anos finais do Ensino Fundamental, e de 1.200 (mil e duzentas) horas, no Ensino Médio; II - A idade mínima para o desenvolvimento da EJA com mediação da EAD será a mesma estabelecida para a EJA presencial: 15 (quinze) anos completos para o se- gundo segmento do Ensino Fundamental e 18 (dezoito) anos completos para o Ensino Médio. Quadro 2 - Resolução n. 3 de 2010. / Fonte: Adaptado de (BRASIL, 2010). UNIDADE 1 38 NOVAS DESCOBERTAS Quer conhecer as metas do PNE na íntegra? Então, acesse: As diretrizes operacionais apresentadas na Resolução nº 3 de 2010, diferentemen- te das diretrizes precedentes, foram bastante discutidas, sobretudo em relação à idade de ingresso nesta modalidade. O debate que se formou foi em relação à responsabilidade da escolarização de adolescentes até 17 anos para matrícula na EJA (COSTA; MACHADO, 2017). Essas discussões também nortearam a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) que teve sua primeira versão publicada em 2001, mas para nossa análise vamos verificar o Plano Nacional de Educação regulamentado na Lei nº 13.005 de 2014, com vigência até 2024. Interessa-nos, para este diálogo, as metas relacionadas à educação de jovens e adultos, que são as metas 8, 9 e 10. Costa e Machado (2017) acrescentam que as metas específicas do público da EJA somente serão compreendidas no contexto das metas denominadas de estruturantes, pois estão interligadas, ou seja, é preciso considerar o cenário educacional como um todo e não de forma fragmentada. Analise a seguir as metas do PNE (2014-2024) consideradas como estruturantes. Figura 8 - Metas do PNE / Fonte: Adaptado de BRASIL (2014). Descrição da Imagem: a figura apresenta o tema central das metas 7, 15, 16, 19 e 20, em ordem: qualidade da educação básica nas etapas e modalidades, investir na formação inicial dos professores da Educação Básica, formação continuada dos professores da Educação Básica, gestão democrática da educação, recursos e apoio técnico e ampliar os investimentos em educação pública. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8576 UNICESUMAR 39 Por que essas metas são estruturantes? Porque sem a implementação delas não é possível o alcance das metas específicas da educação de jovens e adultos (COS- TA; MACHADO, 2017). Para garantir a efetivação das metas próprias da EJA é preciso ponderar acerca da qualidade da Educação Básica e modalidades como um todo, problematizar acerca da formação inicial e continuada dos professores que atuarão nesta modalidade, além de considerar os investimentos na educação. Posto isto, vamos analisar as metas específicas da EJA. Figura 9 - Metas do PNE / Fonte: Adaptado de Brasil (2014). Descrição da Imagem: a figura apresenta as quatro metas apresentadas pelo Plano Nacional de Educação de 2014 e que estão relacionadas a educação de jovens e adultos. São elas: Meta 8 - Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, a fim de alcançar no mínimo 12 anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados ao IBGE; Meta 9 - Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o fim da vigência deste PNE , erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional; e Meta 10 - Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional. UNIDADE 1 40 Observe, aluno(a), que as metas específicas da EJA constituem um grande desafio nacional, pois envolve estados, Distrito Federal e municípios, além de ações por parte dos gestores escolares. Por exemplo, a meta 8 exige a conclusão da educação básica de um grande número de pessoas que estão afastadas dos bancos escolares. A proposta é diminuir a desigualdade educacional existente em nosso país, contu- do, são necessárias medidas efetivas e permanentes para que isso não seja apenas letra morta. Ainda sobre a meta 8, vale destacar a estratégia 8.2 apresentada pelo próprio Plano Nacional de Educação de 2014, que visa efetuar “ programas de Educação de jovens e adultos para os segmentos popu- lacionais considerados, que estejam fora da escola e com defasagem idade-série, associada a outras estratégias que garantam a continui- dade da escolarização, após a alfabetização inicial (BRASIL, 2014). A respectiva estratégia pode levar a um entendimento de que basta programas específicos e temporários para resolver as desigualdades educacionais e atingir a meta. No entendimento de Costa e Machado (2017, p. 87) isso pode “[...] reforçar a ideia de que a EJA é um atendimento provisório”. Desconsidera-se, portanto, as es- pecificidades dos sujeitos da EJA, trabalhadores que estão em constante mudança. A meta 9 diz respeito ao analfabetismo e o analfabetismo funcional, discussão que não é recente, mas foi sempre marcada por estratégias pontuais, logo,não duradouras . O processo de alfabetização deve ser visto no contexto de políticas públicas nacionais. Garantir a oferta gratuita da Educação Básica àqueles que não tiveram acesso em algum momento, implica na avaliação rigorosa do que já foi feito, pois mui- tos desses jovens e adultos já frequentaram em algum momento a escola. Dessa forma, é papel dos gestores públicos identificar quem são esses jovens e adultos em suas características particulares, tais como: onde residem, têm acesso a classe de educação de jovens e adultos e quais estão em condições de vulnerabilidade social. A partir disso, estabelecer política de extensão da escolaridade, lembrando que no caso de situação de vulnerabilidade social exige outras políticas interliga- das à oferta de escolaridade (COSTA; MACHADO, 2017). Por fim, a meta 10 refere-se à oferta de matrículas no Ensino Fundamental e Médio, integrado à educação profissional. Outro desafio que se coloca, pois UNICESUMAR 41 Convido você, aluno(a), a analisar o trecho da música intitulada “Nos Bailes da Vida” de Milton Nascimento. “Todo artista tem de ir aonde o povo está”. Qual a conexão deste trecho com a educação de jovens e adultos? Vimos a necessidade de implementar políticas públicas para o público da EJA, considerando suas particularidades, por exemplo, onde residem. Não basta apenas disponibilizar editais com vagas na EJA, é preciso ir ao encontro desse público, fazendo um paralelo com a música “ir aonde o povo está”. É divulgar a modalidade EJA, é fazer chegar até o indivíduo trabalhador, dona de casa, desempregado, privação ou restrição de liberdade as possibilidades da educação de jovens e adultos. Enfim, não é apenas oferecer vaga na EJA e, sim, fazê-la conhecida ao cidadão e criar as condições necessárias para que permaneça na escola, recebendo uma educação de qualidade. Fonte: Elaborado pela autora (2020) EXPLORANDO IDEIAS requer pensar em uma organização escolar diferenciada que atenda as especifi- cidades de alunos trabalhadores, nesse sentido, é preciso superar o espaço escolar com metodologias e práticas pedagógicas voltadas ao universo infantil. O objeti- vo aqui, aluno(a), é promover a aproximação entre a EJA e o mundo do trabalho, com uma proposta curricular de integração e não fragmentada, ou seja, oferecer uma educação aos jovens e adultos não alfabetizados, articulando a formação do sujeito à preparação e aperfeiçoamento para o mercado de trabalho. Para que isso se concretize na prática, isto é, “[...] a opção política, pedagógi- ca e administrativa pelo currículo integrado [...] exige condições de infraestru- tura e profissionais preparados para atuar nessa modalidade integrada” (COS- TA; MACHADO, 2017, p. 91). Destarte, faz-se urgente superar o cenário de políticas compensatórias e aligeiradas e desenvolver uma proposta de formação integral do sujeito, que o direcione ao mundo do trabalho, mas considerando sua formação para o exercício da cidadania. Caro aluno(a), considerando a realidade do seu município e/ou estado, será que estas condições as quais as autoras mencionam já foram asseguradas para perfazer a meta 10? Acrescento ainda, será que as condições são adequadas não apenas em relação à meta 10 e demais metas do PNE, mas para garantir uma educação de qualidade aos jovens e adultos brasileiros? UNIDADE 1 42 Vimos que ao longo da história, tivemos ações com o objetivo de democratizar o ensino, acabar com o analfabetismo e o analfabetismo funcional, entretanto, tais medidas não alçaram grandes voos, suficientes para serem de fato concre- tizadas, mudando o quadro educacional da população de mais de 15 anos sem escolarização ou com escolarização precária. Superar os desafios que envolvem a educação de jovens e adultos de qualidade não é tarefa fácil, tão pouco simplis- ta, isso porque não é possível desvincular o direito à educação, assegurado pela legislação brasileira dos demais direitos sociais e essenciais para que o indivíduo tenha assegurado as condições para sua sobrevivência e exerça sua cidadania. Chegamos ao final dessa primeira unidade e espero que as considerações e as problematizações apresentadas sobre o contexto histórico e o cenário das políticas públicas voltadas à educação de jovens e adultos tenham despertado o seu interesse em aprofundar ainda mais o universo que norteia essa modalidade da educação básica. As indagações não se findam nesta unidade, tão pouco neste livro, mas que seja o ponto de partida para que você compreenda a EJA no con- texto de lutas e embates da sociedade brasileira. A educação de jovens e adultos, foi vista de diferentes formas, ora como en- sino noturno, ora como ensino supletivo e, atualmente, como modalidade da educação básica. Todavia, hoje, há um debate em se pensar a EJA para além das políticas compensatórias e aligeiradas e é exatamente este meu convite a você, entender como as políticas públicas de jovens e adultos foram construídas e nor- tearam as diretrizes para organização do ensino deste público, mas sobretudo, compreender que são sujeitos de direito à educação, direitos sociais, ao exercício da democracia/cidadania, de participar da sociedade. E este direito não pode ficar apenas no papel, mas ser efetivado. Agora que você já compreendeu a respeito dessas questões, convido você a realizar uma pesquisa no seu município e/ou estado e verificar as políticas públicas ou ações implementadas para garantir o direito do cidadão brasileiro à educação de jovens e adultos. A partir dos estudos da Unidade 1, convido você, aluno(a), a estruturar um Mapa mental. Para isso, deverá listar e apresentar as principais características (estra- tégias, ações, campanhas, programas, políticas públicas ou documentos legais) que mais chamaram sua atenção na tentativa de garantir o direito dos jovens e adultos à escolarização. Após, imagine-se trabalhando com uma equipe de seu município, responsável por criar uma política pública ou projeto para a EJA. Que política ou projeto criaria? Justifique por que sua proposta pode favorecer a efe- tivação do direito à educação de jovens e adultos. 2Pressupostos Teórico- metodológicos da EJA Dra. Suzi Maria Nunes Cordeiro Me. Fernanda Regina Cinque de Brito Me. Marcia Maria Previato de Souza Olá, caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) a mais uma discussão sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA)! Nossa intenção aqui é explorar os pressupostos teóricos sobre o processo de ensino e de aprendi- zagem para formação do cidadão crítico e reflexivo da EJA, a fim de compreender a função social desta modalidade para jovens e adultos; além disso, vamos conhecer a história de Paulo Freire e sua trajetória na EJA, para identificar as metodologias utilizadas na modalidade em questão e a relação com o perfil do alunado; por fim, estudaremos sobre o método desenvolvido por Paulo Freire e sua relevância no processo de emancipação do sujeito da EJA, para analisar o perfil do ingressante e do egresso da educação de jovens e adultos. 46 UNIDADE 2 Para iniciarmos nossos estudos sobre a importância do processo de ensino e de aprendizagem na vida de adultos, imagine o seguinte contexto: você é um(a) adulto(a), vive no século XIX e não sabe ler, escrever ou realizar contas. Neste momento histórico ainda não há os adventos sociais da internet e das tecnologias de informação e comunicação. A única forma de se comunicar com alguém dis- tante é por meio de cartas ou viajando para encontrar a pessoa. Considere, nesta equação, que você não tem disponibilidade e nem recursos financeiros para se lo- comover. O que você faria para se comunicar com alguém que estivesse distante? Bom, se você já assistiu ao filme nacional “Central do Brasil” (1998), provavel- mente reconheceu essa situação-problema. O Filme inicia com Dora (persona- gem interpretada por Fernanda Montenegro), que fica em uma estação de trem no Rio de Janeiro, sentada, escrevendo cartas para pessoas analfabetas que por alipassam diariamente e desejam se comunicar com familiares e amigos distantes. Para compreender um pouco mais sobre o contexto da época retratada no filme, em que ainda não se tinha internet e redes sociais como atualmente, que tal assisti-lo? Veja “Central do Brasil” e analise a importância da aquisição da leitura e da escrita em nossa sociedade. No filme proposto para análise, a personagem de Dora enfrenta uma aventura dramática para ajudar um de seus clientes da estação onde trabalhava. Trata-se de um menino de 9 anos chamado Josué, que não sabe ler e escrever e, ao longo da viagem que os dois realizam, muitas dificuldades são evidenciadas por essa falta de conhecimentos do garoto. Com base em suas análises, a partir da visualização deste filme, elenque a seguir ao menos três dificuldades que aparecem na história pela ausência do conhecimento da leitura e da escrita por parte de Josué. UNICESUMAR 47 Nas discussões anteriores verificamos os aspectos históricos e políticos que acom- panharam a educação de adultos até a atualidade. A partir de agora veremos sobre os pressupostos teórico-metodológicos da EJA, a fim de compreendermos as teorias que embasam as ações pedagógicas (docentes e discentes) para uma educação liber- tadora. Por isso, iniciamos com a apresentação das teorias sobre o processo de ensino e de aprendizagem para a Formação do cidadão crítico e reflexivo da EJA, para compreendermos a função social desta modalidade para jovens e adultos. Vamos lá? Infelizmente, a herança que temos sobre educação no Brasil não é boa, visto que este processo já começou, desde a colonização, por meios drásticos com viés agressivo, impositivo e de domesticação. Os Jesuítas, ao iniciarem a catequização dos indígenas, forçaram uma educação por meio da religião e de uma cultura que não pertenciam aos nativos e nem era de seus interesses aprendê-las. Por isso, o processo foi imposto pela coroa portuguesa e, sobretudo, pela igreja Católica. Essa “educação” serviria para domesticar os indígenas e usá-los nos trabalhos de exploração da terra (GUIMARÃES, 2011). Com o passar das décadas, a visão sobre Educação no Brasil continuou de uma forma não muito agradável para nossa população, afinal, a educação escolar de qualidade só era oferecida às famílias da elite e, somente quem tinha instrução (sabia ler e escrever, ao menos) é que poderia participar da vida política (candida- turas, votos e tomadas de decisões) até o século XIX (FERRARO, 2013). Depois das formas de organização da nova sociedade brasileira, com a chegada da indus- trialização em nosso país, a educação passou a ser vista como formadora de mão de obra das massas. Mas todo esse histórico já vimos em discussões anteriores, 48 UNIDADE 2 correto? Por isso, as perguntas que faço para novas reflexões, caro(a) aluno(a), são as seguintes: Por que precisamos estudar? Qual é a importância da Educação para nós e para a sociedade como um todo? Qual é a função social da Educação? Convido você, a partir dessas questões, a refletir sobre as teorias da educação, até chegar ao tocante da EJA e, por conseguinte, descobrir novas perguntas, a fim de sempre continuar aprendendo. Começando pelo motivo de precisarmos estudar, diferente do que nos mostra a história e o histórico da educação escolar no Brasil, apesar de ser uma herança cultural muito forte ver a escolarização atrelada ao trabalho, devemos observar pelo prisma do desenvolvimento pleno do sujeito, dessa forma, vejamos o que é Educação: “ Educação compreende o conjunto dos processos, influências, estru- turas e ações que intervêm no desenvolvimento humano de indiví- duos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais, visando a formação do ser humano (LIBÂNEO, 2001, p. 7). Ou seja, a educação é uma prática humana, necessária para transformar o ser humano (genético) em ser humanizado (que convive em sociedade e interação com os outros seres humanos). De acordo com Libâneo (2001) o ser humano é dotado de seus aspectos físicos, mentais, cognitivos, espirituais, culturais, dentre outros, que precisam ser desenvolvidos resultando na existência de um ser indi- vidual e grupal. Mas, para que ocorra esse processo de desenvolvimento pleno, é necessário que haja comunicação e interação entre os membros da sociedade, a fim de que se tenha a troca cultural, de valores, de crenças e de condições que proporcionem uma convivência mútua e organizada. Nesse sentido, a educação é a responsável por estes processos de intercomunicação das pessoas e que pode acontecer em ambientes informais, como em nossa casa, nas rodas de conversas em nossa rua e demais lugares comuns da sociedade; bem como pode ocorrer em ambientes não-formais como centros religiosos, museus, empresas etc. ou formais, como a escola. Quando falamos em uma educação escolar, ou seja, sistematizada, organizada por meio de um currículo e embasada cientificamente, referimo-nos a um processo que possui uma função social, visto que a escola é uma micro-sociedade e forma pessoas para atuar, enquanto cidadãos e trabalhadores, na sociedade em que está inserida (LIBÂNEO, 2001). UNICESUMAR 49 Vimos, até aqui, que precisamos estudar para nos desenvolvermos de forma plena, ou seja, nos aspectos cognitivos, físicos, sociais, emocionais e assim por diante. Ao mesmo passo, notamos que a educação não ocorre apenas na escola, visto que este é um processo que acontece mediante a interação dos sujeitos em diferentes espaços e tempos, concluindo, portanto, que não há idade para aprender. Tudo isso nos leva a perceber, também, que de forma individual a educação nos ajuda a ser pessoas me- lhores para atuar em um grupo e, para a sociedade, este processo educativo pelo qual todos nós passamos, sobretudo na escola, é necessário para construir e consolidar uma sociedade com condições de vivência organizada e bem-estar social. Tudo isso nos leva ao seguinte questionamento: qual é a função social da Educação? A função social da escola pode se modificar de acordo com cada socie- dade, seu tempo e suas conjecturas, como vemos ao longo da história e das tendências pedagógicas, onde, em cada uma, vemos a educação escolar como necessária para sanar determinadas problemáticas sociais (SILVA; WEIDE, 2020). Contudo, a função social da Educação é sólida. A Educação, como vimos nos parágrafos anteriores, visa o desenvolvimento pleno do sujeito, logo, sua função social é a de emancipar o Homem, fazer com que ele sempre avance em seus níveis cognitivos, sociais, emocionais etc. A visão de escolas com funções sociais para além da formação para o trabalho, como as idealizadas pela tendência Escolanovista, de 1930 e os Pioneiros da Edu- cação embasados em John Dewey, inauguraram no Brasil uma educação escolar com funções sociais mais críticas, ou seja, a formação de um sujeito que não só decora o que precisa aprender, mas age para aprender e com o que aprendeu, porém, este modelo ainda era um tanto reprodutivista. Isso significa que essas ações a partir da educação escolar ainda estavam ligadas à uma reprodução da mesma sociedade e não em uma visão de mudá-la para melhor (SAVIANI, 2009). As funções sociais escolares para promoção humana e transformação social ini- ciaram a partir das ideias de Paulo Reglus Neves Freire (*1921-1997†), educador e filósofo brasileiro, que acreditava em uma escola problematizadora que ajudava o sujeito a perceber sua condição de classe, seu estado de pertencimento em uma certa sociedade e como agir diante dessas condições. Para tanto, esse agir precisaria estar pautado em um determinado conhecimento libertador, ou seja, um conhecimento que libertasse o sujeito de sua condição de oprimido e passasse para a condição de um sujeito liberto com a escolha de mudar sua vida e a sociedade como um todo em parceria com outros sujeitos (SILVA; WEIDE, 2020). Essa ideia de uma nova socie- 50 UNIDADE 2Descrição da Imagem: A figura mostra a organização escolar no Brasil a partir da LDBEN (1996) em Níveis - Educação Básica e Superior e suas etapas com a idade esperada para cursar cada série: Educa- ção Infantil - Creche dos 0 aos 3 anos de idade e Pré-escola com 4 e 5 anos; Ensino Fundamental - Anos iniciais dos 6 aos 10 anos de idade e Anos finais dos 11 aos 14 anos; Ensino Médio dos 15 aos 17 anos. Figura 1: Organização da educação escolar no Brasil / Fonte: Brasil (1996). dade a partir da educação e as ações dos cidadãos revelam que a escola é um meio de fazer com que os sujeitos se emancipem, se empoderem e se eduquem. Retomando as ideias já apresentadas, não há uma idade certa para aprender, pois em todos os lugares, desde o nosso nascimento, estamos aprendendo a me- dida em que nos relacionamos com o outro e com o meio, seja em uma educação informal, não formal ou formal. Contudo, precisamos frequentar a escola, que é ponto de encontro com o saber sistematizado que vai proporcionar o desenvolvi- mento pleno do sujeito e, para tanto, há um período determinado pela legislação que organiza a nossa educação escolar. Sobre isso, temos, atualmente, os amparos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394 de 1996 que organiza a escola em seu artigo 21, da seguinte forma: Contudo, conforme acompanhamos em discussões anteriores, nem sempre foi e é, ainda, possível ter acesso à educação escolar na idade determinada pela legislação. Mesmo assim, a Constituição Federal de 1988 assegura a Educação como direito de todos e um dever do Estado, da família e da sociedade em seu artigo 205; bem como, UNICESUMAR 51 “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (BRASIL, 1988 - grifo nosso). Dessa forma, pensando nos casos de pessoas que por qualquer motivo não conseguem frequentar a escola na idade determinada pela Lei nº 9.394/96, a Constituição defende o acesso de jovens e adultos por outros meios à sua educação de direito. Por isso, a Lei nº 9.394/96 também define as modalidades da educação escolar nacional ao longo do seu título V, sendo que na seção V tomamos consciência da Educação de Jovens e Adultos: “Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a aprendiza- gem ao longo da vida” (Redação dada pela Lei nº 13.632, de 2018) (BRASIL, 1996). Sendo relevante a formação nestas etapas e a educação um direito ao longo da vida, mesmo que não se tenha acesso à Educação Básica na idade esperada pela legislação, é necessário que todos tenham a oportunidade de se formar e se emancipar. O processo de escolarização tem idades pré-determinadas pelas legislações nacio- nais e embasamento teórico a partir de pesquisadores do desenvolvimento humano e da Psicologia Cognitiva, dentre outras, que nos ajudam a compreender porque a criança deve ser alfabetizada a partir dos 6 anos de idade e não antes, o porquê de determinados conteúdos estarem na matriz de um Ensino Médio e não do 8º ano, no Fundamental, e assim por diante (TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 2019; BRASIL, 2013). Mas lembre-se, caro(a) aluno(a), isso não significa que um adulto não possa aprender depois da idade estipulada para cada série. Segundo Fusinato e Kraemer (2013, p. 21012) “[...] o processo de escolariza- ção caracteriza-se por estratégias de aprendizagem, métodos de ensino, avalia- ção do rendimento escolar, notas, frequências, provas, fragmentação do tempo em horas aulas”, dentre outras questões que vão ajudar o aluno na aquisição de conhecimentos historicamente acumulados e cientificamente sistematizados, importantes para seu constructo cognitivo e que, também, ajudarão no desen- volvimento de novas habilidades e competências. Por outro lado, quando pensa- mos nessas condições para a educação de jovens e adultos, nos deparamos com alguns empecilhos que podem desestimular este público que já está habituado com uma certa vivência, tais como uma rotina severa de horários de entrada e http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm 52 UNIDADE 2 NOVAS DESCOBERTAS O que você acha de descobrir mais sobre o perfil do alunado da EJA, os desafios e as contribuições desta modalidade tão impor- tante no Brasil? Segue a dica para você assistir ao documentário “Fora de Série”, de 2018, dirigido por Paulo Carrano. Trata-se de um documento audiovisual do Observatório Jovem do Rio de Ja- neiro, fruto de uma pesquisa realizada com alunos da EJA de 13 escolas públicas, que narram sobre seus relacionamentos com as escolas, os percursos enfrentados e muito mais. de saída, horas de estudo após um dia inteiro de trabalho, entre outros aspectos que se diferem da vida infantil e do adolescente que frequenta a escola na idade esperada pela legislação. Por isso, a educação de jovens e adultos deve ser pensada considerando sua especificidade e as condições apresentadas por seu público. Se as modalidades em geral são ofertadas como formas democráticas de propor- cionar o acesso à educação para todos (BRASIL, 1996), é porque se pensa cada uma em seus sujeitos que a usufruem. No caso da Educação de Jovens e Adultos (EJA), devemos ter em mente o sujeito desta modalidade. São sujeitos da EJA: mulheres e homens acima de 15 anos de idade que não tive- ram acesso à escola ou que não conseguiram concluir a Educação Básica por motivos como: privação da educação escolar, ausência de escola perto de suas residências, falta de condições para acesso à escola, necessidade de ajudar no sustento da família, neces- sidade de cuidar de filhos ou de demais familiares; pessoas que não se adaptaram ao modelo regular de ensino devido à falta de amparo em questões como: dificuldades de aprendizagem e/ou necessidades educacionais especiais, preconceito/discriminação/ bullying/ameaças/repressões sofridas no ambiente escolar; pessoas com baixa autoes- tima, com pouco tempo, com filhos ou necessidade de cuidar da família e da casa, que trabalham ou que estão/estavam em privação de liberdade (PAIVA, 1987). Sabendo desse perfil, não é possível oferecer aos jovens e adultos a mesma organização, meto- dologias e exigências que fazemos para com crianças e adolescentes de ensino regular aos alunos da Educação de Jovens e Adultos. São pessoas com vivências, histórias e condições diferenciadas que precisam ser levadas em consideração no processo de ensino e de aprendizagem. Ainda que o currículo seja o mesmo, a forma de conduzir, de avaliar e o uso desses conhecimentos serão diferentes. UNICESUMAR 53 É necessário para a EJA uma formação crítica e re- flexiva, que proporcione a emancipação humana e libertadora. Mas, afinal, o que significa tudo isso? O próprio Freire (2005), que tanto contribuiu para essa modalidade, preconizava que antes de qualquer formação escolar o sujeito precisa ler o mundo ao seu redor, mas essa leitura não é apenas a decodifi- cação das palavras, pois a antecede. O sujeito pre- cisa, nessa perspectiva, compreender o texto (pala- vra) em seu contexto (mundo). Com essa leitura de mundo, vem uma mente que se abre para o novo, que vê por diferentes pontos de vista e se constrói o cidadão crítico, que observa seu estado de per- tencimento, seu mundo, compreende, reflete e age. Não se pode refletir e agir, competências espe- radas dos cidadãos de nossa sociedade, sem que se conheça e compreenda o seu estado de pertenci- mento. Afinal, caro(a) aluno(a), como se pode sair de um contexto de violência se não se perceber em um? Como mudar uma sociedade opressora, se não sereconhece uma? Então, precisamos discutir esses contextos que, no caso dos alunos da EJA, muitos já possuem a própria vivência, que servirá como ponto de partida, por meio de seu reconhe- cimento e do seu mundo (HUSSEIN, 1982). Com esse (re)conhecimento é que se desen- volve a criticidade, habilidade de avaliar a situa- ção (vista ou vivenciada) e tomar uma posição. Vários autores definem a criticidade, alguns sob a vertente da relação de poder e outros a partir da resistência, outra palavra muito utilizada, mas que nem sempre é empregada de forma correta. Sobre essas correntes, vejamos, como exemplo, as ideias de Paulo Freire e Michel Foucault (*1926-1984†): 54 UNIDADE 2 Descrição da Imagem: A figura traz a foto do educador Paulo Freire e seu nome, com a citação: “A edu- cação das massas se faz, assim, algo absolutamente fundamental entre nós. Educação que, desvestida da roupagem alienadae alienante, seja força de mudança e de libertação. A opção, por isso, teria de ser também, entre uma ‘educação’ para a ‘domesticação’, para a alienação, e uma educação para a liberdade. ‘Educação’ para o homem-objeto ou educação para o homem-sujeito (FREIRE, 1967, p. 36 - grifo nosso)”. Ao lado tem a foto do filósofo Michel Foucault, também com seu nome e duas citações curtas: “A disci- plina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço” (FOUCAULT, 2008, p. 121). “É na instituição, como lugar, forma de distribuição e mecanismo dessas relações de poder, que se ataca” (FOUCALT, 2014, p. 255 -grifo nosso). Figura 2: A criticidade em Paulo Freire e Michel Foucault / Fonte: Nascimento e Schio (2019), adaptado. Paulo Freire, educador e filósofo brasileiro, desenvolveu a Teoria Libertadora, a partir do Materialismo Histórico-Dialético de Karl Marx (*1818-1883†), filó- sofo, sociólogo, e economista alemão. Partindo de uma teoria maior que enfatiza uma posição contra o Capitalismo que separa teoria e prática, pensamento e realidade e divide a sociedade em classes desiguais a partir de uma exploração; Freire (1967) trouxe a reflexão das consequências dessas oposições presentes na sociedade para o campo da Educação. Se há, na sociedade, como a teoria marxista apresenta, uma divisão de classes acentuada, logo, na Educação há uma forma- ção para as massas e outra para a libertação. Retomando a citação acima, uma formação se destina à alienação e domesticação, enquanto a outra se volta para liberdade e educação do homem-sujeito. Assim, a criticidade que Paulo Freire se refere em suas obras, indica uma resistência à alienação e da domesticação, que só ocorre por meio do conhecimento do homem-sujeito sobre seu mundo e lugar de pertença, redirecionando para a liberdade, por isso, Teoria Libertadora. UNICESUMAR 55 Já Michel Foucault, filósofo e historiador francês, é classificado como pensador da Teoria Crítica, advinda da Escola de Frankfurt que tenta vir em uma dire- ção um pouco diferente da marxista. Essa escola iniciou com muita simpatia às teorias de Karl Marx também, porém, após alguns pensadores começarem a difundir ideias distorcidas da teoria inicial e focar apenas em alguns pontos, sem promover o avanço das discussões, outros autores decidiram tomar um caminho diferente, mas ainda com essa base, por isso, podemos ver algumas semelhanças nas correntes, apesar de serem diferentes. Ainda considerando essa sociedade Capitalista e dualista, Foucault (2014) salienta, não a consequência em si e na Educação, mas, sim, as formas como essa divisão acontece na sociedade e, por isso, aborda a perspectiva da relação de poder, de forma vertical, e diz que a escola é uma das instituições que podem promover, ainda que sem intenções maléficas, algumas ações de dominação e controle, a exemplo, por meio de disciplinas rígi- das e domesticação dos corpos, psiques e comportamentos (FOUCAULT, 2008). Assim, a crítica na visão de Michel Foucault, transcrita em suas obras, fica sob a vertente dessa relação de poder e dominação. Quem é dominado, não tem a criticidade, é visto como objeto. Quer saber mais sobre essas correntes e como elas impli- cam na Educação de Jovens e Adultos? Dê o play e escute nosso Podcast! Como vimos, em ambas as correntes a criticidade está presente entre ambigui- dades, seja na liberdade x alienação que Freire (1967) se refere, seja liberdade x violência a que Foucault (2014) aborda. A criticidade precisa estar presente na formação humana para que se tenha a liberdade de escolher ser, a liberdade de ser livre de opressões e resistir, a liberdade de ser livre das dominações de forças. Para a formação de jovens e adultos isso se torna mais relevante ainda, pois eles já estão imersos em uma vida de trabalho, uma vida social hierárquica muito maior do que estão as crianças e os adolescentes. É necessário que o aluno da EJA compreenda as relações de poder existentes entre o Estado e as instituições https://vimeo.com/535960268/f3739368d4 56 UNIDADE 2 penitenciárias, pois muitos alunos fazem parte desse contexto. É preciso que eles percebam as formas de alienação que organismos interessados, como algumas mídias, possuem para mantê-los sempre aquém das discussões fundamentais como política, por exemplo. Assim por diante, pois esse público já é ativo na sociedade, participa de tomadas de decisões e precisa compreender as ações e reações que eles proporcionam ao saber ou ao se abster, compreendendo que tudo retorna para sua vida. Essa criticidade, que surge a partir do (re)conhecimento de si e do seu con- texto, leva mais do que simplesmente tomar uma decisão, afinal, para que isso seja uma ação significativa, precisamos pensar para agir e refletir sobre as ações já realizadas para novas tomadas de decisões. Trata-se da ação-reflexão-ação, que só acontece a partir de uma formação reflexiva dos sujeitos (FREIRE, 2013). “ Refletir criticamente significa colocar-se no contexto de uma ação, na história da situação, participar de uma atividade social e ter uma determinada postura diante dos problemas. Significa explorar a na- tureza social e histórica tanto de nossa relação como atores nas prá- ticas institucionalizadas da educação, quanto da relação entre nosso pensamento e ações educativos (KEMMIS, 1987, p. 79). Com essa reflexão crítica é que o sujeito pode perceber a si e ao mundo, agir, refletir e continuar agindo, para uma melhoria de vida coletiva e individual. Assim, tere- mos uma formação para a emancipação humana. Aqui, entramos mais uma vez em um conceito que pode ser encontrado em diferentes autores e correntes teóricas. Ao falarmos em EJA, a emancipação humana mais referenciada é a das obras de Paulo Freire, mas para ampliar o leque de conhecimentos, caro(a) aluno(a), apresentamos a seguir, também, a emancipação humana para Theodor Adorno (*1903-1969†). O filósofo e sociólogo alemão, Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno, é um dos principais representantes da Escola de Frankfurt, da primeira geração. Dessa forma, como a base das discussões dos autores dessa escola é a Teoria Crítica, vê-se a educação como meio de ampliar o conhecimento humano, mas, mais do que isso, emancipar o sujeito, que, por sua vez, é contraditório e vive em distor- ções sociais. Vemos também em suas obras um olhar pelo viés da dominação de alguns sobre outros. Por isso, a educação deve ser emancipatória, ajudando a for- mar seres críticos, ou seja, ela “tem sentido unicamente como educação dirigida UNICESUMAR 57 a uma autorreflexão crítica” (ADORNO, 1995, p. 121). Para além de um saber definitivo, o sujeito nesta educação emancipatória deve saber agir em uma sociedade ambígua. Há em nossa sociedade uma organização de dominação. As leis dominam o Homem, as regras e demais acordos sociais de- finem quem é livre e quem faz o que. Dessa forma, cria-se uma discussão em torno do que é liberdade: se é proibido andar sem camisa em uma rua e uma lei determina que no descumprimento dessa regra você será preso, você é livre nestasociedade? Esse é um exemplo de ambiguidade ao qual o sujeito social se depara, logo, não há como formar para a emancipação humana que, em tese, seria uma formação para a liberdade crítica e racional do homem-sujeito que a teoria marxista preconiza, mas, sim, pela perspectiva frankfurtiana, é possível a emancipação de uma ra- cionalidade ética e comunitária (ADORNO, 1995). Dessa forma, o que Adorno (1995) defende é que se o sujeito recebe uma educação que forme para as questões críticas racionais sem con- siderar a realidade, será uma formação alienada, pois esse sujeito não poderá orientar-se na realidade concreta, apenas na realidade cultural e social que não é produzida por ele. Mas, se considerarmos a educação como preparação para e com a realidade, o sujeito poderá atuar na so- ciedade. Para o autor, o pensar não está limitadamente relacionado ao desenvolvimento lógico formal, mas, sim, corresponde a capacidade de fazer experiências: “Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiên- cias intelectuais. Nesta medida e nos termos que procuramos expor, a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação” (ADORNO, 1995, p. 151). Ou seja, a educação emancipatória está liga- da, neste ponto de vista, ao poder agir na sociedade concreta. Contrapondo com as ideias de uma Teoria Libertadora, vemos que essa sociedade com leis, regras e demais acordos sociais, sub- mete o Homem à uma educação moral que, em alguns casos pode torná-lo oprimido e conduzido por culturas e organizações que foram historicamente privilegiadas e posicionadas acima das suas. Logo, temos uma grande parcela da população sendo conduzida pela educação do Estado e demais organismos que estão no poder, 58 UNIDADE 2 dessa forma, a educação emancipatória não atinge sua plenitude, o que significa que devemos mudar essa sociedade e não, apenas, aprender a viver nela e com suas ambiguidades (FREIRE, 2013). Segundo Ambrosini (2012, p. 389), Paulo Freire “[...] elabora um pensamento que fundamenta uma educação para a emancipação, reconhecendo a autonomia do sujeito racional, que tem conhecimento e liberdade, e que coletivamente, sem negar os saberes construídos na experiência, pode romper com a estrutura social opressora [...]” e, dessa forma, se constrói uma sociedade emancipada. Esse rompimento com a opressão liberta o sujeito e resulta em “[...] seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará” (FREIRE, 2005, p. 34). Trata-se, portanto, de um ciclo de ação-reflexão-ação, crítica, reflexiva e libertadora, ou seja, uma emancipação humana, em que se age para mudar a sociedade, o indivíduo e o coletivo de forma que todos tenham oportunidades, prosperidades e humanização. Com base nestas duas correntes, vemos que a emancipação humana é a função social da educação, o que pode variar é a forma como vemos essa emancipação: O que é emancipação humana? Para que serve? Qual é a emancipação que desejamos para nossos alunos: a que o ajude a viver na sociedade concreta ou que ajude a trans- formá-la e transformar a si e os demais? Na EJA temos a oportunidade de perguntar ao aluno o que ele deseja para si e, juntos, docentes e discentes constroem uma for- mação crítica e reflexiva que direcione para a melhor liberdade possível e desejada. A partir das discussões sobre os pres- supostos teóricos na formação crítica e reflexiva do aluno da EJA, vemos que o ponto em comum é a liberdade. Mas, afi- nal, o que significa essa liberdade? O que fazer com ela? Para ajudar nessas ques- tões, partimos agora para analisar alguns trechos de obras do Paulo Freire, na tenta- tiva de compreender o porquê, em meio a tantas teorias, a deste autor é a que mais se sobressai na educação de jovens e adultos. Convido você, caro(a) aluno(a), a conhe- cer as contribuições de Paulo Freire para EJA, a partir de sua trajetória. UNICESUMAR 59 Não é possível reconhecer a trajetória acadêmica e docente de Paulo Freire sem conhecer sua vida pes- soal e política, que formaram o homem e educador do qual tantos falam e escrevem. Por isso, apresentamos rapidamente uma biografia deste autor, com base nos escritos de sua esposa Ana Maria Araújo Freire, ao Centro de Referência Paulo Freire, publicado em 1996. Nascido na década de 1920, em Recife, Pernambu- co, Paulo Freire cresceu brincando no bairro da Casa Amarela, como dizia em suas entrevistas. Lá aprendeu a ler e escrever com a ajuda de sua mãe, usando grave- tos como lápis e o chão do quintal de sua casa como papel. Por isso, aos seis anos, quando chegou à escola, já sabia ler e escrever. Perdeu o pai com 13 anos de idade e viu sua mãe lutar, viúva, para sustentar a si e a seus 4 filhos, sendo ele o caçula (FREIRE, 1996). Completou todos os seus estudos, primários e se- cundários da época, em Recife, em meio a fome, que como ele salientava, não era uma fome passageira, mas, sim, suficiente para atrapalhar o aprendizado, o que cooperou para torná-lo tão franzino como vemos em suas fotos, mesmo depois de adulto. Na adolescên- cia frequentou o Colégio Oswaldo Cruz e aos 22 anos de idade cursou a Faculdade de Direito do Recife, que na década de 1940 ofertava apenas o curso de Direito na área de Ciências Humanas (FREIRE, 1996). Em 1944 retornou ao colégio secundário que fre- quentou na infância, agora para lecionar. A partir deste trabalho como docente, teve a oportunidade de ser di- retor do Setor de Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria (SESI), de 1947 a 1954, época em que havia acabado de ser criado pelo governo de Getúlio Vargas. Foi então que iniciou o contato e a experiência de Paulo Freire com a educação de adultos/trabalhadores. Perce- beu a necessidade que nosso país tinha em enfrentar os 60 UNIDADE 2 problemas relacionados à educação e, sobretudo, à alfa- betização. Em seguida, passou a ocupar o cargo de su- perintendente do SESI, de 1954 a 1957 (FREIRE, 1996). Dois anos depois de sair do cargo que ocupava no SESI, prestou concurso e obteve o título de Doutor em Filosofia e História da Educação. Na ocasião, de- fendeu a tese intitulada “Educação e atualidade bra- sileira”. Com a titulação pôde assumir, no início da década de 1960, como professor efetivo de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife (atual Universidade Federal de Pernambuco - UFPE). Paulo Freire também foi designado para o cargo de Diretor da Divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura Municipal do Recife, conforme atestado assinado em julho do mesmo ano (FREIRE, 1996). Nas décadas de 1950 e 1960, Paulo Freire ganhou várias honrarias e títulos concedidos com base em leis e decretos da época que subsidiavam tais ações. Chegou ao ano de 1964 envolvido ativamente com o Programa Nacional de Alfabetização, em Brasília-DF, até que foi destituído de suas funções de Conselheiro Estadual de Educação de Pernambuco pelo Decreto nº 942, de 20 de abril de 1964, assinado pelo vice- -governador, na época, Paulo Guerra, após o golpe militar que resultou na queda do então presidente João Goulart e do governador Miguel Arraes, que o havia escolhido com base em leis que regiam sobre pessoas de notório saber e experiência em matéria de educação e cultura (FREIRE, 1996). Com consequências futuras, o Regime Militar ainda provocou, pelo conjunto de movimentos de 1º de abril de 1964, a demissão de Paulo Freire, suma- riamente, do cargo de diretor do Serviço de Extensão UNICESUMAR 61 Cultural (SEC) da Universidade do Recife, mesmo sendo um dos fundadores. “Foi no SEC da Universidade do Recife que ele teve a possibilidade de sistematizar o ‘Método Paulo Freire’ [...]. O golpe militar ainda o tinha aposentado das funções de professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da mesma Universidade, em 08 de outubro de 1964”, por meio de Decreto (FREIRE, 1996, p. 44). EXPLORANDOIDEIAS Quais são os movimentos de 1º de abril de 1964? Esta data é mar- cante pelo golpe militar ocorrido com o apoio do imperialismo norte-americano, dos setores conservadores (Igreja Católica) e da burguesia (inter)nacional, que não concordavam com as decisões políticas populistas de João Goulart, então presidente do Brasil, a exemplo: valorização dos direitos trabalhistas, reformas agrárias, tributárias, eleitoral, educacional (onde se encontrava a parceria com Paulo Freire e seus projetos de alfabetização politizada), dentre outras. Para compreender um pou- co mais sobre como essa tomada de poder aconteceu, sugerimos que assista ao vídeo a seguir, elaborado pela Folha de São Paulo, em 2014: Pelo fato de seu projeto de alfabetização tencionar alfabetizar politizando 5 mi- lhões de adultos, o governo militar e as classes dominantes não gostaram dos seus objetivos, visto que implicaria na formação de cidadãos mais críticos e reflexivos, dando, também, poder ao voto, logo, ao direito de escolher os governantes. “ [...] estes novos eleitores, provenientes das camadas populares, se- riam desafiados a perceber as injustiças que os oprimiam e a neces- sidade de lutar por mudanças. As classes dominantes identificaram a ameaça e, obviamente, colocaram-se contra o Programa, que, oficializado em 21 de janeiro de 1964, pelo Decreto nº. 53.465, foi extinto pelo governo militar em 14 de abril do mesmo ano, através do Decreto nº. 53.886 (FREIRE, 1996, p. 42). Nesta conjuntura Paulo Freire começou a ser perseguido pelo governo militar, che- gando a ser intimado a responder inquérito policial-militar por duas vezes. Por isso, buscou ajuda da embaixada da Bolívia, onde ficou exilado desde setembro de 1964, aos 43 anos de idade. Contudo, em termos de política, a situação era muito parecida https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8450 62 UNIDADE 2 com a do Brasil, pois pouco tempo após sua chegada em La Paz, houve um golpe de Estado no país, o que o levou para o Chile. Foi em Santiago, a partir de novembro de 1964, ao lado de sua família, que o educador teve o asilo necessário durante pouco mais de quatro anos, para a construção de uma nova vida e um novo capítulo em suas obras (FREIRE, 1996). Apesar da condição em que tudo aconteceu, Paulo Freire teve a oportunidade de mostrar ao mundo seu trabalho e foi internacionalmente reconhecido por isso. Ainda no Chile foi assessor do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e do Ministério da Educação e consultor da Unesco junto ao Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária do Chile. Também foi convidado e aceitou lecionar nos Estados Unidos. Como relata Freire (1996, p. 42) “de abril de 1969 a fevereiro de 1970 morou em Cambridge, Massachusetts, dando aulas sobre suas próprias reflexões na Universidade de Harvard, como Professor Convidado”. E não parou na América. Foi para a África, Oceania e demais localidades com inde- pendência política, ajudando os países a sistematizarem seus planos de educação. Os únicos lugares em que Paulo Freire não passava eram os que estavam sob crise política, que implicava na proibição de sua entrada ou, simples- mente, não era bem-vindo pelos governantes, como em seu país natal. Essa condição de ser mundialmente reconhecido, mas não poder entrar em seu próprio país, devido ao Regime Militar, o deixava muito triste. Apenas em agosto de 1979, por meio da anistia política, o educador voltou ao Brasil, na cidade de São Paulo, sendo recebido por familiares, amigos e admiradores de seu trabalho e história. Aceitou o convite para ser docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), chegando a abrir mão de di- reitos concedidos pelo governo suíço para residir lá e viajar com credenciais exclusivas pelo mundo. Para ele, seu país era mais importante. Desta forma, voltou definitivamente para o Brasil em 1980 (FREIRE, 1996). No entanto, ainda não era possível completar seu sonho, voltar para Recife, devido às burocracias exigidas pelo governo aos ex-exilados. Como Paulo Freire foi aposentado e demitido de suas funções da, agora, UFPE, pelo 1º de abril de 1964, precisou recomeçar sua vida em São Paulo. “Em setembro de 1980, após pressões dos estudantes e de alguns professores, tornou-se professor da Univer- sidade de Campinas – UNICAMP, onde lecionou até o final do ano letivo de 1990” (FREIRE, 1996, p. 44). Nesse meio tempo, ele perdeu sua primeira esposa, em outubro de 1986, quando ficou muito abalado psicologicamente, mas casou- UNICESUMAR 63 -se novamente em março de 1988 com a autora que está fundamentando esta biografia. Ainda no final da década de 1980, Paulo Freire foi convidado a ser membro do Júri Internacional da Unesco, do qual participou desde 1987. Até hoje os membros se reúnem para escolher os melhores projetos e experiências de alfabetização dos cinco continentes. O encontro ocorre no verão de Paris e os prêmios são entregues no dia 08 de setembro, Dia Internacional da Alfabetização (FREIRE, 1996). Em 1989 assumiu a Secretaria de Educação do Município de São Paulo, pos- sibilidade que surgiu devido ao Partido dos Trabalhadores (o qual foi um dos fundadores), ter chegado ao poder, por meio da eleição de Luiza Erundina de Sousa para prefeita de São Paulo, como relata sua esposa Freire (1996). Dessa forma, foi possível mostrar, agora no Brasil, seus trabalhos para Educação: “ Assim, “seu” trabalho foi profícuo “mudando a cara da escola”, como costuma dizer. Reformou as escolas, entregando-as às comunidades locais dotadas de todas as condições para o pleno exercício das ati- vidades pedagógicas. Reformulou o currículo escolar para adequá-lo também às crianças das classes populares e procurou capacitar melhor o professorado em regime de formação permanente. Não se esqueceu de incluir o pessoal instrumental da escola como agente educativo, for- mando-o para desempenhar adequadamente tal tarefa. Eram os vigias, as merendeiras, as faxineiras, os(as) secretários(as) que, ao lado de di- retores(as), professores(as), alunos(as), e pais de alunos, faziam do ato de educar um ato de conhecimento, elaborado em cooperação a partir das necessidades socialmente sentidas (FREIRE, 1996, p. 47). Um dos seus trabalhos mais significativos na Secretaria, foi a criação do Movi- mento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), um programa público de apoio às salas comunitárias de Educação de Jovens e Adultos na cidade de São Paulo e que é utilizado até hoje em algumas cidades. O objetivo foi combater o analfabetismo entre essa população e contou com a participação do Estado e de Organizações da Sociedade Civil (FREIRE, 1996). Tempos depois Paulo Freire foi reincorporado ao quadro de Técnico em Edu- cação no Serviço de Extensão Cultural da UFPE e, em seguida, aposentado com tempo parcial de trabalho, em março de 1991. De acordo com a nova Constitui- ção Federal, de 1988, em que proíbe a acumulação de mais de dois cargos públicos 64 UNIDADE 2 e/ou suas aposentadorias, o educador pediu demissão do cargo de professor da Unicamp, assim que saiu a segunda aposentadoria. Por fim, caro(a) aluno(a), Paulo Freire voltou em maio de 1991 à docência na PUC-SP, no Programa de Supervisão e Currículo do curso de pós-graduação. Também voltou a escrever livros e criar alguns projetos para formação de profes- sores. Nesse mesmo período foi fundado o Instituto Paulo Freire, em São Paulo, para ampliar os projetos do educador e guardar as suas contribuições sociais como obras, ideias, servir de encontro para discussões e muito mais. Infelizmente, Paulo Freire teve um ataque cardíaco em 2 de maio de 1997, indo a óbito no Hospital Albert Einstein, após complicações de uma operação de desobstrução de artérias. Contudo, seu legado continua, ainda que muitos projetos já tenham sido desfeitos ou substituídos; suas obras permanecem, a formação de seus alunos segue na sociedade e seus leitores, admiradores e/ou simpatizantes da causa, continuam tentandofazer do Brasil um país educado de forma politizada, emancipada, crítica e reflexiva, rumo à humanização e libertação (INSTITUTO PAULO FREIRE, 2020). Quando falamos em uma educação libertadora, com base em Paulo Freire, estamos falando em sermos: mais críticos, mais reflexivos, mais humaniza- dos, mais leitores do mundo. Isso é necessário para que haja a resistência à alienação e a superação da desumanização, da opressão, causada com a dominação de alguns que estão no poder e de organismos envolvidos, livres da dominação e da humilhação, muitas vezes. Para quê? Para de- cidirmos por conta própria nossas ações, assumirmos novas posturas e posições, de forma que todos tenham espaço em uma sociedade justa, democrática e de direito; para, então, tornarmos o mundo melhor. Toda escola, toda educação escolar, de todos os tempos, tem uma função social, visto que estão a serviço de uma sociedade, logo, precisam formar cidadãos ca- pazes de atuar nesta sociedade. Porém, mais do que formar para agir, precisamos pensar se é necessário manter a sociedade atual ou modificá-la. A Pedagogia Libertadora, de Paulo Freire, é uma das tendências progressistas, ou seja, que visa modificar a sociedade sempre para melhor. Nesse contexto, a educação deve formar cidadãos capazes de mudar o mundo. Logo, a função social da escola/ educação é formar um sujeito humanizado e emancipado. UNICESUMAR 65 Agora que conhecemos um pouco de quem é o sujeito, o educador e o ser político Paulo Freire, podemos analisar seus projetos e obras de forma mais aprofun- dada, ou seja, conhecendo o autor, é possível compreender melhor suas inten- ções, ações e escritos. Sabendo que este educador veio de uma região em que os recursos financeiros, sobretudo para Educação, muitas vezes não favoreciam o desenvolvimento da escola, da formação de professores e a qualidade de vida dos seus habitantes, resultando em grande números de pessoas que não sabem ler e escrever; já percebemos a empatia pela formação como transformadora de vidas: “a educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo” (FREIRE, 1979, p. 84). Para notar essa diferença, basta observarmos o que cada um faz com o seu co- nhecimento. Saber sempre foi um poder. Aquele que conhece manipula, seja no sentido marxista ou no sentido maquiavélico. Nesse sentido, quem não domina o conhecimento é manipulável. Mas ainda temos outro aspecto a ser analisado, muitas pessoas detêm diversos conhecimentos em comum, vejamos, por exem- plo, o conhecimento da informação: o que difere se o sujeito A utiliza esse conhe- cimento como um compromisso social de manter a população atenta aos fatos, do sujeito B que, com o mesmo conhecimento, o utiliza para atacar um adversário ou distorcer a realidade ao seus interesses individuais, é a transformação que eles tiveram em suas vidas por causa desse poder. 66 UNIDADE 2 Ainda com o mesmo exemplo, em ambos, muitas pessoas serão impactadas, logo, quem não tem o conhecimento base poderá ser manipulado a disseminar a informação falsa ou errada. Quanto mais pessoas tiverem conhecimentos, de forma que transformem suas vidas com mais humanidade e amor, menos espaço haverá para manipulação: “o amor é um ato de coragem, [...] o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico” (FREIRE, 1979, p. 91). Segundo Fernandes (2008, p. 37): “ A amorosidade freiriana que percorre toda sua obra e sua vida se materializa no afeto como compromisso com o outro, que se faz engravidado da solidariedade e da humildade. Usando o prefixo com-, ganha força a ideia de compromisso que pode significar pro- meter-se consigo e com o outro. Tarefa difícil que desafia uma soli- dariedade de classe e a humildade não como submissão, mas como possibilidade de que a verdade também possa estar com o outro, em um emaranhado que envolve respeito como uma categoria de acolhimento das diferenças, não apenas como categoria cultural, embora também o seja, mas sua essência se constitui como categoria de conteúdo ético (grifos no original). Esse educar com amor torna o processo mais acolhedor e humanizado. Ao ler suas obras, percebemos o quanto Paulo Freire lutava por uma pedagogia com- prometida com a resistência à desumanização. Dessa forma, a vocação para a humanização, segundo a pedagogia freiriana, significa a busca do sujeito pelo ser mais, conhecendo a si e ao mundo, lutando pelas próprias conquistas. Já quando há relação de dominação entre os Homens, como ocorre nas diferentes formas de opressão, evidencia-se na sociedade a desumanização. Por isso, a luta freiriana é pautada na esperança de elevar a utopia que fortaleça a busca por um mundo livre e humanizado (ZITKOSKI, 2010). Freire (2005, p. 66), evidenciava a educação como instrumento de liberta- ção: “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”, ou seja, se eu não sei usar meu conhecimento ou se não o tenho, não o utilizo para o bem coletivo, mas, sim, crio como objetivo o lugar de quem está no domínio para continuar, ainda que sem saber, o ciclo de opressão. UNICESUMAR 67 Na década de 1950 e início de 1960, até a instalação do Regime Militar, Pau- lo Freire realizou vários projetos relacionados à formação de jovens e adultos, preocupado sobretudo com seu povo nordestino, bem como a alfabetização da população brasileira. Em 1962, na cidade de Angicos, Rio Grande do Norte, rea- lizou a memorável conquista de ajudar 300 trabalhadores a serem alfabetizados em 45 dias. Por isso, em 1964 estava prevista a instalação de 20.000 círculos de cultura, que objetivava alfabetizar dois milhões de pessoas. Porém, com o golpe militar, tudo foi cancelado (SILVA, 2000). Nesse contexto, sendo obrigado a sair do país por questões de segurança, como vimos em discussões anteriores, o exílio de Paulo Freire no Chile propor- cionou a nós a escrita de um de seus livros mais importantes: Educação como prática da liberdade, publicado em 1967. Silva (2000, p. 180-181) apresenta que o referido livro está organizado da seguinte forma: “ 1. A Sociedade Brasileira em Transição – o autor apresenta sua in- terpretação a respeito das forças políticas que disputavam o poder no início da década de 1960; 2. Sociedade Fechada e Inexperiência Democrática – Para justificar sua avaliação sobre o Golpe de Estado, Paulo Freire resgata vários momentos da história do Brasil; 3. Educa- ção Versus Massificação – o autor explica sua concepção pedagógica, contrapondo-se à pedagogia tradicional; 4. Educação e Conscienti- zação – Paulo Freire mostra as experiências pedagógicas do Método de Alfabetização de Adultos, ocorridas no Brasil, no período pré-64. Nesse livro, uma das reflexões de Freire (1979) é sobre o silêncio de muitos brasi- leiros. Historicamente nossos nativos foram silenciados (sua cultura, linguagem, comportamento, crenças etc.), nossa população foi silenciada com a escravidão, a marginalização dos analfabetos, dos pobres, das mulheres e isso foi se alongan- do em nossa sociedade que não criou pilares sólidos de política democrática e popular. Ainda que tenhamos chegado em um Estado democrático de direitos, temos pessoas silenciadas, em pleno século XXI, por não saberem ler, escrever e contar, por não dominarem as tecnologias de informação e comunicação, por não se adequarem aos modelos educativos atuais e outros aspectos. Ao falar sobre a educação versus massificação, Freire (1979) retoma a industriali- zação no Brasil, iniciada na década de 1920, com uma crítica à educação da época. Tí- nhamos um modelo tradicional de ensino, com métodos memorísticos e reprodução 68 UNIDADE 2 de conteúdo, em que o aluno recebia uma educação bancária, ou seja, depositada pelo professor, que era visto como o detentor do saber absoluto, enquanto o aprendiz era um ser passivo, que deveria guardar todo o conhecimento apreendido, para depois reproduzir nasociedade, sobretudo nas relações de trabalho. Em contraponto, o autor acreditava que havia a necessidade de uma educação crítica. “ A criticidade, para Freire, é a capacidade do educando e do educador re- fletirem criticamente a realidade na qual estão inseridos, possibilitando a constatação, o conhecimento e a intervenção para transformá-la. Essa capacidade exige um rigor metodológico, que combine o “saber da pura experiência” com o “conhecimento organizado”, mais sistematizado. O seu principal objetivo é fazer com que as pessoas e as classes oprimidas, que aceitam esse desafio, possam pensar certo e se constituírem como sujeitos históricos e sociais, que pensam, criticam, opinam, têm sonhos, se comunicam e dão sugestões (MOREIRA, 2010, p. 97). Nesse contexto, é necessário ver o aluno, não como ser passivo, mas, sim, ativo de seu processo de aprendizagem e em sua vida, na sociedade, por meio de seus conhecimentos e da transformação educativa, politizada e humanizada. Assim podemos ter o diálogo na sociedade, logo, a democratização, a parti- cipação de todos nas tomadas de decisões. Esse saber certo a que Paulo Freire menciona em outra de suas obras mais importantes: Pedagogia do Oprimido, publicada em 1970, implica na superação do sujeito da sua curiosidade ingênua, para a construção de um conhecimento crítico, por meio da práxis transformadora (FREIRE, 2005). De acordo com Mo- reira (2010, p. 97) a ação e a reflexão (a práxis), “[...] são dois polos do movimento dialético do pensar certo que, juntas, oportunizam o diálogo e o debate sobre o mundo. Portanto, o pensar certo é o pensar crítico que deve fundamentar uma pedagogia da libertação [...]”. Assim, o pensamento crítico deve problematizar as condições da existência humana no mundo, provocando uma luta e a busca da superação das condições de vida desumanizadoras. Quando se fala em uma pedagogia do oprimido, portanto, estamos nos referindo, freireanamente, à luta para recuperação da humanidade, uma “Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará” (FREIRE, 2005, p. 34). Em outras palavras, é a percepção de si, de seu mundo UNICESUMAR 69 e de sua condição de sujeito, em uma determinada posição social, possível por meio de uma educação crítica, que o leve a reflexão de sua classe oprimida, que subsidiará a re- volução cultural e resultará em um novo mundo. Contudo, não basta que uma ou duas pessoas recebam essa formação emancipada, pois para haver revolução é necessário um grupo de pessoas conscientemente engajadas na luta. Esse processo de formação crítico-reflexivo, emanci- patório, depende sobremaneira de uma educação que veja o sujeito como o construtor de seu conhecimento, logo, um ser ativo e autônomo de sua aprendizagem. E aqui, vemos outra obra de destaque: Pedagogia da autonomia, publicada em 1996. O professor deve criar condições para que seus alunos tenham essa autonomia de construção de saberes, estabelecendo um diálogo crítico-problematiza- dor, que forme “pessoas críticas, de raciocínio rápido, com sentido de risco, curiosas, indagadoras” (FREIRE, 2000, p. 100). Somente com esse aporte é que o sujeito é capaz de fazer a leitura do mundo, compreendendo a realidade concreta, que oprime e, assim, superar essa condição de oprimido, se tornando livre. Paulo Freire participou da educação e formação de alunos de diferentes idades, crianças e adultos, em mui- tas partes do Brasil e do mundo. A alfabetização é o seu trabalho mais reconhecido, de fato, mas ao observarmos suas obras, notamos que vai além de alfabetização, de (de) codificar palavras e números. A educação como prática de libertação e humanização pode ser aplicada em todas as formas de escolarização, tanto na regular, quanto nas mo- dalidades. Temos em Freire (1979; 2005; 2013) a aprendi- zagem como transformação de vida e quando se fala em utilizar de forma ativa na sociedade, um conhecimento que mude o mundo, as ações políticas são as mais destacadas, logo, o jovem e o adulto que estão imersos nessa rede, pre- cisam ter uma definição de mundo, de si, para então, agir 70 UNIDADE 2 política e socialmente. Por isso, o supracitado autor é mais reconhecido na educação de jovens e adultos e devemos compreender seu trabalho e relevância. Com o conhecimento de que Paulo Freire teve notoriedade pela alfabetização de muitos jovens e adultos, precisamos conhecer um pouco do seu processo de ensino, as implicações na emancipação do sujeito da EJA, para reconhecer o perfil desses alunos. Para tanto, passamos a refletir sobre o Método de ensino Paulo Freire. Para compreendermos o método de ensino que Paulo Freire utilizava, é im- portante considerarmos o que ele entendia por alfabetização, pois, como salientado em parágrafos anteriores, a educação de jovens e adultos vai para além da (de)co- dificação de letras e números. Freire (1994) destacou em uma de suas obras que a alfabetização deve ser um ato, uma ação de conhecer e de criar e não de memorizar. Uma ação porque, segundo ele, os alunos devem ser parte no e do processo, por isso, precisam estar de forma ativa na alfabetização, partindo de seu universo vocabular, de início. Dessa forma, o diálogo seria o caminho norteador da práxis alfabetizadora. Sendo reconhecido e respeitado por seu trabalho com alfabetização, sobretu- do de jovens e adultos, desde a década de 1950, em que desenvolvia atividades no SESI com o Movimento de Cultura Popular (MCP), Paulo Freire foi convidado a participar da elaboração de um relatório do II Congresso Nacional de Alfabetiza- ção de Adultos e Adolescentes, encomendado pelo, então, presidente da república, Juscelino Kubitschek, 1958, a fim de avaliar a Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes (CEAA), organizado por Lourenço Filho. O educador salientou que o trabalho educativo com a alfabetização desse público deveria voltar-se para a democracia e que apenas seria efetivo “se o processo de alfabetização de adultos não fosse sobre – verticalmente – ou para – assistencialmente – o homem, mas com o homem, com os educandos e com a realidade” (FREIRE, 2006, p. 124 - grifo nosso). Compreendemos que o processo de alfabetização não pode ser imposto ou colocado de forma pronta, padronizada, mas, sim, convidativa e personalizada. A leitura que o sujeito deve realizar não está apenas na palavra escrita, pois “a compreensão crítica do ato de ler se antecipa e se alonga na inteli- gência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da leitura daquele” (FREIRE, 1982, p. 9). Ou seja, para compreender o que se lê, precisamos compreender o contexto, as conjunturas e por isso a ação da alfabetização é um ato político e um ato de criar, sendo o sujeito do processo e não o objeto. UNICESUMAR 71 Podemos afirmar com base nessas reflexões que a alfabetização tem como ponto focal a realidade de cada aluno e aluna, dos grupos populares, em que se forma o voca- bulário, permeado de experiências. É deste universo que advém as palavras que têm significância aos alunos, logo, que precisam ser aprendidas (significado, letras, sílabas, codificação e decodificação). Considerando o exposto, “a função do educador não pode ser a do repassador ou a do consulente especialista, mas sim a de um parceiro, a de um articulador de um movimento formativo, de uma liderança política e inte- lectual” (BRITTO, 2006, p. 16). Em outras palavras, o professor deve ser o anfitrião de um banquete, convidando o aluno a se servir dos conhecimentos que ele deseja e mediando o processo de forma que o educando construa seus novos significados. “ O “convite” de Freire ao alfabetizando adulto é, inicialmente, para que ele se veja enquanto homem ou mulher vivendo e produzindo em determinada sociedade. Convida o analfabeto a sair da apatiae do conformismo de “demitido da vida” em que quase sempre se encontra e desafia-o a compreender que ele próprio é também um fazedor de cultura, fazendo-o apreender o conceito antropológico de cultura. O “ser-menos” das camadas populares é trabalhado para não ser entendido como desígnio divino ou sina, mas como deter- minação do contexto econômico-político-ideológico da sociedade em que vivem. Quando o homem e a mulher se percebem como fazedores de cultura, está vencido, ou quase vencido, o primeiro passo para sentirem a importância, a necessidade e a possibilidade de se apropriarem da leitura e da escrita. Estão alfabetizando-se, politicamente falando (FREIRE, 1996, p. 37). 72 UNIDADE 2 Como vemos, caro(a) aluno(a), não podemos olhar para o método de Paulo Freire como um simples ensinamento de alfabetização, algo técnico. Trata-se de um diálogo constante entre docentes e discentes, um círculo de cultura que se faz e se refaz a cada dia, a partir da realidade do aluno. A leitura de mundo que esses sujeitos possuem são importantes no processo, o debate surge deste contexto, pro- porcionando reflexões, novas leituras críticas, o que culminará em uma releitura de suas realidades e, por sua vez, engajamentos em práticas políticas com vista à transformação da sociedade (FREIRE, 1996). Com esse conhecimento das intenções de Paulo Freire a partir do ensino, da alfabetização e da Educação como um todo, podemos partir para a compreensão de seu método. As atividades de alfabetização para o educador iniciam-se pelo educador, conhecendo o universo vocabular mínimo que os alunos alfabetizan- dos já possuem. Destes diálogos escolhem-se cerca de 17 palavras que farão parte do processo de alfabetização, as chamadas palavras geradoras. Estas devem ter riqueza fonética e ser organizadas das menores para as maiores, considerando suas dificuldades de escrita e leitura. É importante destacar que a linguagem variável também é considerada neste processo, o que significa que estas palavras escolhidas são selecionadas pela significância no contexto dos alunos e não se elas fazem parte da norma padrão culta da Língua Portuguesa (FREIRE, 1996). É inevitável falarmos das palavras geradoras sem citarmos, como exemplo, a palavra TIJOLO que, segundo Ana Maria Freire, foi a primeira realizada em Brasília, nos anos de 1960, considerando o contexto de construção em que a cidade-distrito ainda passava, vejamos: “ 1º.) Apresenta-se a palavra geradora “tijolo” inserida na representação de uma situação concreta: homens trabalhando numa construção; 2º.) Escreve-se simplesmente a palavra TIJOLO 3º.) Escreve-se a mesma palavra com as sílabas separadas: TI - JO - LO 4º.) Apresenta-se a “família fonêmica” da primeira sílaba: TA - TE - TI - TO - TU 5º.) Apresenta-se a “família fonêmica” da segunda sílaba: JA - JE - JI - JO - JU 6º.) Apresenta-se a “família fonêmica” da terceira sílaba: LA - LE - LI - LO - LU 7º.) Apresentam-se as “famílias fonêmicas” da palavra que está sendo decodificada: TA - TE - TI - TO - TU JA - JE - JI - JO - JU LA - LE - LI - LO - LU Este conjunto das “famílias fonêmicas” da palavra geradora foi denominado de “ficha de descoberta” pois UNICESUMAR 73 ele propicia ao alfabetizando juntar os “pedaços”, isto é, fazer dessas sílabas novas combinações fonêmicas que necessariamente devem formar palavras da língua portuguesa. 8º.) Apresentam-se as vogais: A - E - I - O - U. Em síntese, no momento em que o(a) alfabetizan- do(a) consegue, articulando as sílabas, formar palavras, ele ou ela está alfabetizado(a). O processo requer, evidentemente, aprofundamento, ou seja, a pós-alfabetização (FREIRE, 1996, p. 39). Percebe, caro(a) aluno(a), que o método supera a mera repetição de letras, sílabas, em que o aluno precisa ficar lendo em voz alta o alfabeto, suas famílias fonêmicas, de forma fragmentada e memorística? Neste processo não vemos os alunos repetindo “B+A= BA, B+E=BE” e assim por diante. Há uma reflexão antes, durante e depois de um contexto global, que vai para as especificidades da palavra, já com um significado e retorna à reflexão com novos significados, agora da palavra (re)construída. Com novos significados, por exemplo, da palavra “tijolo”, o sujeito, aluno e traba- lhador, que antes o via apenas como um de seus materiais de trabalho, agora conse- gue refletir porque se utiliza esse e não outro material, porque ele está trabalhando com este material, neste trabalho e não em outro, como são as formas de trabalho e como está a sua, enfim, vários aspectos sociais, legais, históricos, políticos dentre outros podem ser considerados para a reflexão da palavra geradora. É por isso que seu método é considerado revolucionário, pois “[...] pode tirar da situação de submissão, de imersão e de passividade aqueles e aquelas que ainda não conhecem a palavra escrita. A revolução pensada por Freire não pressupõe uma inversão nos polos oprimido-opressor”, mas, sim, propõe a reinvenção de uma sociedade em que não se tenha exploração, verticalidade, exclusão ou interdição da leitura do mundo aos segmentos privilegiados da sociedade (FREIRE, 1996, p. 40). Por essa concepção de uma educação politizadora, crítica, reflexiva, por meio de diálogos e argumentações é que Paulo Freire acreditava que a educação não se transmite, as cartilhas de alfabetização, muito utilizadas em sua época (e até hoje em alguns locais se utiliza), não favorecem esse método. Dessa forma, ex- pressava que a alfabetização não pode ser realizada de fora para dentro e nem de forma vertical, visto que o importante é que ocorra “[...] de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somente ajustado pelo educador”. E neste contexto procurou desenvolver, para o povo brasileiro, “um método que fosse capaz de fazer instru- mento também do educando e não só do educador” (FREIRE, 1979, p. 72), mas que depois, foi mundialmente utilizado. 74 UNIDADE 2 OLHAR CONCEITUAL Fonte: Adaptado de Freire (1996). Vejamos a seguir, de forma mais ilustrativa, o método de Paulo Freire: UNICESUMAR 75 Com esse viés apresentado, o Método Paulo Freire é um processo de mão dupla, ou seja, educador e educando, em coletividade, são responsáveis pela alfabetização. “O Método Freireano difere-se por completo do Modelo Bancário que é fortemente disseminado na educação tradicional [...]. Segue- -se que no Método Bancário o educando não pratica o ato de pensar e refletir e a sua situação será sempre a de aceitação e submissão ao poder opressor”, enquanto o seu traz a alfabe- tização como um comprometimento com as transformações que geram a liberdade (PLÁCIDO; SOUZA, 2017, p. 2). Muito fundamentado pela Teoria do Materialismo Histó- rico-Dialético, Paulo Freire tinha como concepção de Homem um ser que busca, um ser de práxis, que almeja algo mais. Por isso, a aplicabilidade das palavras deve alcançar esta concepção, de buscas, sendo um fenômeno humanizador. Desta forma, a alfabetização deve levar à reflexão e criticidade, com a auto- nomia suficiente de sempre ir além do que se sabe. O Método Paulo Freire propõe a inserção do iletrado no seu contexto social e político, tornando-se cidadão ativo e transformando a sociedade (FREIRE, 2005; PLÁCIDO; SOUZA, 2017). Como vimos, ao longo de toda a explanação em torno do educador e seu método, sobretudo, o ato de alfabetização é um processo complexo e que envolve a libertação do sujeito oprimido, logo, o método de Paulo Freire é um instrumen- to de seu trabalho, que foi mundialmente compartilhado e replicado. Mas não parou por aí, mais do que um método tivemos a elaboração de uma Pedagogia de Paulo Freire, ou seja, a metodologia que subsidia suas ações. A Pedagogia ela- borada por este educador é a Libertadora, como enfatizou em suas obras, mas também, é uma pedagogia do oprimido, da esperança e que sempre visa a transformação do sujeito e de sua sociedade. Chegamos, então, em uma tendência pe- dagógica muito atual, historicamente falando,a Tendência Progressista, que reúne as teorias que visam a transforma- ção da sociedade por meio da Educação. 76 UNIDADE 2 Descrição da Imagem: A figura apresenta dois organogramas, sendo o primeiro com a Tendência Pe- dagógica Liberal, em que tivemos, no Brasil, as Pedagogias Tradicional, Escola Nova e Tecnicista, com os métodos expositivo; pesquisa e experiências e técnicas, respectivamente. Já o segundo mostra a tendência Progressista, a qual pertence a Pedagogia Libertadora com o método de Paulo Freire (palavras geradoras) e a Histórico Crítica com o método de João Luiz Gasparin (processos de ensino e de aprendizagem). Figura 3: A Pedagogia e o Método de Paulo Freire dentro das Tendências Pedagógicas brasileiras / Fonte: Elaborado pela autora (2021). UNICESUMAR 77 Vemos, portanto, caro(a) aluno(a), que o método de Paulo Freire atende a todo o seu pensamento quanto ao Homem, sujeito do processo e de sua vida; a visão de mundo, um lugar que precisa ser transformado para acabar com a opressão e a necessidade de emancipação do sujeito por meio da Educação. A alfabetização, como vimos, é necessária não apenas para a leitura de palavras, mas do mundo, fazendo com que o aluno (re)signifique seu vocabulário por meio de ações. Dessa forma, precisamos compreender mais sobre a alfabetização, o letramento e o perfil desses alunos que caminham neste processo. Por isso, aguardamos você para as novas discussões sobre as temáticas. Agora que você já tem o conhecimento sobre o método e a metodologia freireana, que tal agirmos? Proponho aqui um desafio: elabore uma atividade de alfabetização para adultos, em que o sujeito consiga aprender a (de)codificação de uma palavra seguindo os 8 passos do Método de Paulo Freire. Por exemplo: crie uma atividade no Word com um enunciado solicitando que o aluno faça alguma tentativa de leitura ou de escrita para resolver sua proposta. 78 1. Observe as imagens a seguir: Com base nos passos do método de alfabetização de Paulo Freire, podemos afirmar corretamente que correspondem ao: a) Passo 1: Representação da palavra em caixa alta. b) Passo 2: Representação da palavra escrita em partes (em caixa alta). c) Passo 3: Apresentação da família fonêmica. d) Passo 4: Ficha descoberta, em que aparecem os padrões silábicos. e) Passo 5: Registro das palavras descobertas - novas palavras. 2. Vejamos o caso a seguir: Maria é uma senhora de 71 anos que não havia finalizado seus estudos até então, devido a necessidade de trabalhar na infância, para ajudar no sustento da família. Ela se matriculou em uma instituição de EJA e começou a participar das aulas onde seus professores trabalhavam por meio de diálogos, com objetivos bem definidos pelos professores: investigar o universo desses alunos; descobrir os assuntos de interesse dos alunos; tematizar determinadas palavras que lhes fizessem sentido; voltar nessas palavras após as discussões, problematizando-as de forma a ressignificá-las. Fonte: Elaborado pela professora. Considerando o caso de Maria, é correto afirmar que: a) O método apostilado é utilizado pela EJA que Maria frequenta, visto que se traba- lha a partir de palavras-chave que surgem do diálogo dos alunos. b) O método Paulo Freire é usado para alfabetização de alunos na EJA que Maria frequenta, partindo de discussões sobre temas geradores. c) O método utilizado na EJA de Maria é o tradicional, visto que apenas se tem uma conversação a fim de compreenderem o sentido das palavras. d) Maria não conseguirá se adaptar ao método apostilado empregado pela EJA que está frequentando, pois demorou muito para iniciar seus estudos. 79 e) Maria iniciou em uma instituição de EJA que não utiliza um método de alfabetiza- ção eficiente, pois não se aprende a ler e escrever apenas discutindo. 3. Leia a seguinte citação sobre a relação de diálogo entre professores e alunos da EJA na perspectiva Libertadora: [...] a forma de trabalho educativo é o grupo de discussão, que conduz o proces- so educativo buscando os conteúdos problematizadores, realizando as discussões, compartilhando as descobertas, definindo as atividades e os temas geradores como ponto de partida para a decodificação das sílabas e, principalmente, a decodificação do mundo social, histórico, político e cultural onde vivem os oprimidos nas sociedades desiguais (TOZONI-REIS, 2006, p. 104). TOZONI-REIS, M. F. C. Temas ambientais como “temas geradores”: contribuições para uma metodologia educativa ambiental crítica, transformadora e emancipatória. Edu- car em Revista, n. 27, p. 93-110, 2006. Sobre essa relação de diálogos e discussões entre professores e alunos, analise as asserções abaixo: I - Podemos afirmar que o diálogo é fundamental na relação professor-aluno na EJA, visto que as discussões auxiliam no processo de compreensão da palavra e seus significados, ajudando o sujeito a aplicá-las no cotidiano. Porque II - O método de alfabetização de Paulo Freire tem uma perspectiva Libertadora e visa partir do conhecimento que o aluno já possui e ir além, refletindo sobre as palavras geradoras. Assinale a alternativa correta: a) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II é uma justificativa correta da I. b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) As asserções I e II são proposições falsas. d) A asserção I é verdadeira e a II é falsa. e) A asserção II é verdadeira e a I é falsa. 3O Perfil do Aluno da Educação de Jovens e Adultos Dra. Suzi Maria Nunes Cordeiro Me. Fernanda Regina Cinque de Brito Me. Marcia Maria Previato de Souza Olá, aluno(a), seja bem-vindo(a) à terceira unidade, que tem como prin- cipal temática o perfil do aluno da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no contexto da sociedade brasileira atual. Você sabe quem é o sujeito que frequenta esta modalidade de educação no Brasil? Quais as carac- terísticas do estudante? Além deste assunto, também será abordado a respeito do processo de alfabetização e letramento em turmas de jovens e adultos, tendo em vista a formação integral desses sujeitos. UNIDADE 3 82 Para iniciarmos nossas reflexões vamos conhecer a história da Marina! Marina tem 57 anos de idade e reside na cidade do Rio de Janeiro, mas, quando criança, mo- rou no interior do estado de Minas Gerais, juntamente com seus pais e seus cinco irmãos. O pai de Marina não permitiu que ela estudasse, pois achava que isso não era “coisa para as meninas”, logo, não era preciso investir e incentivá-la a frequentar a escola. Ao casar-se aos 18 anos, Marina mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro e teve três filhos. Prosseguiu distante do processo de escolarização formal, mesmo com o desejo de aprender a ler e a escrever. Hoje, aos 57 anos, continua trabalhando e, recentemente, trocou de emprego. A localização do novo emprego é bem diferente do anterior e distante de sua residência, fato que passou a ser motivo de preocu- pação para ela, sobretudo, nas primeiras semanas no novo trabalho, isso porque tem dificuldade para identificar o número do ônibus para chegar ao trabalho. A história de Marina não é incomum, pois retrata a história de muitas pessoas que nunca tiveram a oportunidade de frequentar a escola em algum momento de suas vidas. Possivelmente, você conhece alguém como Marina, não é mesmo? Vamos caminhar um pouco mais na história de Marina. Seus novos emprega- dores perceberam muito rapidamente que ela não sabia ler nem escrever e a incen- tivaram a voltar estudar na EJA. Marina ficou bastante empolgada, pois sempre foi seu sonho não depender de outras pessoas para pegar um ônibus, ler as receitas culinárias e o jornal, dentre outras atividades do cotidiano. Depois de muito incen- tivo, realizou sua matrícula nos anos iniciais do Ensino Fundamental na EJA, fez novas amizades e sua alegria foi imensa ao conseguir escrever seu nome completo: sua primeira conquista na longa caminhada que sabe que tem pela frente. Marina, bem como muitosoutros brasileiros, buscam a EJA com este intuito, qual seja: aprender a ler e a escrever para não depender da mediação de outras pessoas em diferentes práticas sociais. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), Marina compõe a estatís- tica de aproximadamente 11 milhões de analfabetos no Brasil em 2019 (BRASIL, 2020). Apesar de muitas melhorias na educação nas últimas décadas, ainda faltam ações concretas e efetivas para diminuir substancialmente o número de pessoas que não tiveram acesso à escolarização em algum momento da vida. Marina entende que embora tenha muito interesse em permanecer na esco- la, sua jornada como estudante da EJA não é fácil por diversos motivos, como a distância entre residência, trabalho e escola. Recentemente, depois de um dia de trabalho exaustivo, Marina perdeu o ônibus para chegar à escola. Precisou UNICESUMAR 83 aguardar o próximo horário de ônibus e chegou atrasada para assistir à aula. Os portões da escola já estavam fechados, mas o porteiro muito gentilmente permitiu que ela entrasse. Marina apressadamente se dirigiu à sua sala, mas nem imaginava o que aconteceria em instantes. A professora regente teve um imprevisto naquele dia e no lugar estava outra professora que não a conhecia, muito menos a sua história. Vilma, a professora substituta, não queria deixar Marina entrar na sala de aula, por conta de seu atraso, mas depois de muita insistência acabou permitindo. Contudo, seus co- mentários foram constrangedores. A professora interrompeu a aula e começou a discursar sobre a falta de compromisso dos alunos, apresentando como exemplo, o atraso da aluna Marina. Ainda, complementou, que alunos como ela não che- gariam muito longe nos estudos. Caro aluno(a), a atitude da professora Vilma está totalmente incorreta. Con- corda? Se você estivesse no lugar da professora, o que faria? Qual seria a sua postura, ponderando que a situação vivenciada por Marina é comum nas turmas de EJA? Pense em ao menos 1 (um) encaminhamento para essa situação. Como mencionado acima, possivelmente você conhece alguém que frequen- tou ou frequenta a educação de jovens e adultos com uma trajetória semelhante à de Marina. Um familiar, um amigo, um vizinho, talvez você mesmo participou desta modalidade da Educação Básica. Caso seja uma pessoa conhecida, converse com ela e pergunte os motivos que a levou a não frequentar ou a abandonar o en- sino regular na infância ou adolescência. Pergunte também quais as motivações para retomar os estudos na EJA. Se você frequentou a EJA, incentivo que pense em 2 (dois) motivos que fez com que deixasse a escola regular e 2 (dois) fatores que te motivaram a estudar na EJA. A partir disso, reflita sobre as particularida- des do sujeito da EJA, considerando o contexto da sociedade atual que exige do indivíduo práticas de leitura e de escrita cada vez mais complexas. UNIDADE 3 84 Vamos continuar nossas reflexões com al- gumas indagações: Quem frequenta a edu- cação de jovens e adultos na atualidade? Quem é o sujeito da EJA hoje? Talvez sua primeira resposta seja que o aluno da EJA é aquele que tem 15 anos ou mais. Se essa foi sua resposta, não está errada, contudo, não é uma resposta completa, pois neste caso você correlacionou unicamente a questão cronológica. Será que este fator é suficiente para definir o sujeito da EJA? Quais são as outras particularidades desse público? Meu convite é que você amplie a compreensão do perfil de estudante que frequenta esta mo- dalidade de educação no Brasil. Para isso, incentivo que continue a leitura. Vamos lá? Conhecer e entender quem é o público da EJA é importante porque se a escola e o professor pretendem desenvolver um traba- lho na direção de assegurar o direito à esco- larização desse indivíduo, é preciso, primei- ramente, conhecer quem é o aluno da EJA e quais suas especificidades. A partir disso, poderão desenvolver práticas pedagógicas, na perspectiva de emancipação deste sujeito, favorecendo sua formação integral para atuar na sociedade de forma consciente e crítica. Comumente, o público da EJA é dividido em dois grandes grupos. O primeiro forma- do por aqueles que nunca estiveram na escola regular. O segundo grupo corresponde àque- les indivíduos que frequentaram a escola por algum período, mesmo que de forma parcial, mas abandonaram os bancos escolares por diferentes motivos, como veremos posterior- UNICESUMAR 85 mente. Posto isto, vale ressaltar que os dois grupos são compostos por pessoas que foram excluídas do processo de escolarização quando crianças e/ou adolescentes. Em geral, os estudantes matriculados na EJA “[...] chegam aos espaços educacionais com conhecimentos, crenças, valores, preconceitos e bloqueios culturais acumu- lados ao longo de sua história” (CAPUCHO, 2012, p. 116), por isso, entender o perfil de alunos da EJA extrapola a perspectiva educacional, pois faz-se necessário analisar o contexto em que estes sujeitos estão inseridos, um cenário, muitas vezes, de preconceitos, desvalorização e desigualdades. E por que essas pessoas não frequentaram a escola ou abandonaram o en- sino regular quando crianças e/ou adolescentes? Por que muitos brasileiros na atualidade ainda continuam distantes dos bancos escolares? A resposta não é única, muito menos simples, pois envolve um conjunto de fatores que estão para além de questões puramente pessoais e educacionais. É preciso entender o contexto da sociedade brasileira, o que inclui ponderar acerca das desigual- dades socioeconômicas que sempre fizeram parte da história do país. A seguir, vamos verificar alguns aspectos a serem considerados e que nos ajudará a res- ponder aos questionamentos do início deste parágrafo. UNIDADE 3 86 OLHAR CONCEITUAL Aspectos relacionados ao abandono escolar UNICESUMAR 87 Descrição da Imagem: Na figura há três círculos que se interligam, os quais apresentam considerações sobre três especificidades a considerar sobre o perfil de estudante que frequenta a EJA: não crianças, excluídos da escola e membros de determinados grupos culturais. Observe, aluno(a), que os motivos do abandono da escola regular são diversos: questões familiares, sociais, econômicas, educacionais e/ou pessoais. Fatores que precisam ser considerados para entender o perfil de estudante da EJA. Soares (2011) complementa a importância de pensar no sujeito empírico da EJA, pois são sujeitos de cultura e produtores de cultura que “[...] apresentam uma diversidade de ideias, necessidades, vivências e objetivos” (MOTA, 2015, p. 37). Dessa forma, faz-se ne- cessário superar a ideia de analfabeto, analfabeto funcional, dentre outras termino- logias que não expressam a identidade do aluno da EJA na sua totalidade. Refletir sobre a aprendizagem desses jovens e adultos envolve “[...] transitar pelo menos por três campos que contribuem para a definição de seu lugar social” (MARQUES, 2009, p. 23, grifo nosso). Quais são esses três campos? Vamos verificar na figura 1. Sobre a primeira característica da figura 1, a condição de não crianças, chamo sua atenção para a postura do professor que atua na EJA. Não deve tratar os alunos jovens e adultos como crianças e utilizar metodologias infantilizadas, desprezando suas experiências. O conteúdo é o mesmo do ensino regular, mas a forma de ensinar deve ser diferenciada. Você pode considerar essa questão óbvia, ou seja, são jovens e adultos e, consequentemente, devem ser tratados dessa forma, mas ainda existem professores que utilizam metodologias voltadas para o público infantil. Gadotti (2014, p. 17) amplifica o debate ao afirmar que: Figura 1 - Aspectos da EJA. / Fonte: Adaptado de Marques (2009). UNIDADE 3 88 “ É uma humilhação para um adulto ter que estudar como se fosse uma criança, renunciando a tudo o que a vida lhe ensinou. É preciso respeitar o aluno adulto, utilizando-se uma metodologia apropriada, que resgate a importância da sua biografia, da sua históriade vida. Os jovens e adultos alfabetizandos já foram desrespeitados uma vez quando tiveram seu direito à Educação negado. Não podem, ao retomar seu processo educacional, ser humilhados, mais uma vez, por uma metodologia que lhes nega o direito de afirmação de sua identidade, de seu saber, de sua cultura. Você conhece uma sala de aula da EJA? Já parou para pensar na estrutura desse espaço? Será que é organizado para o público jovem, adulto e idoso? Como é o mobiliário? É para crianças ou para adultos? O ambiente é composto de materiais voltados para estudantes da EJA ou é cheio de cartazes e outros materiais infantis? Fonte: Elaborado pela autora (2021). PENSANDO JUNTOS A respeito da segunda característica apresentada na figura 1, excluídos da esco- la, ressalta-se a importância de ampliar essa discussão, pois não se trata apenas de pessoas que não tiveram acesso à escolarização formal em algum momento de suas vidas, mas excluídos de muitos outros direitos humanos, como mora- dia, segurança, alimentação e lazer e, por conseguinte, da participação ativa na sociedade. Capucho (2012, p. 75) acrescenta que “[...] a identidade da EJA, em uma perspectiva democrática, firma a importância de uma prática pedagógica emancipatória e propulsora de transformações”. Observe, aluno(a), a partir das ideias de Capucho (2012), a necessidade de analisar a formação do cidadão na perspectiva da emancipação. Formar para o conhecimento dos seus direitos e atuação na sociedade e não a reprodução de um sistema excludente, perpetuando as desigualdades socioeconômicas. Para Costa e Machado (2017, p. 57) “[...] é fundamental que se reconheça que a luta pelo direito à educação implica, além do acesso à escola, a produção do UNICESUMAR 89 Descrição da Imagem: Na figura há a representação de quadrados, em que neles são apresentadas três realidades distintas da EJA.: adolescentes/jovens, idosos e pessoas em privação ou restrição de liberdade conhecimento que se dá no mundo da cultura, do trabalho e nos diversos espaços de convívio social, em que jovens e adultos seguem constituindo-se como sujei- tos”. Tais considerações, nos levam à terceira característica da figura 1, membros de determinados grupos culturais, ou seja, respeitar as vivências das pessoas, o que não significa que a EJA deve ser entendida “[...] apenas pelos recortes da diversidade cultural” (CAPUCHO, 2012, p. 35). É preciso sim valorizar as cultu- ras regionais e as vivências que cada pessoa possui e a partir disso desenvolver propostas pedagógicas para a formação da cidadania e não a reprodução das mesmas condições precárias em que o indivíduo, muitas vezes, estava inserido. Bezerra (2016, p. 53) acrescenta que “[...] apesar das marcas deixadas pela exclusão, não podemos esquecer que esses sujeitos são críticos, questionadores e extremamente curiosos”. Possuem conhecimentos obtidos fora do contexto formal da escola, como comunidade, trabalho, igreja, família e amigos. A partir dessas vivências constroem suas opiniões sobre diferentes assuntos políticos, sociais, econômicos e culturais, logo, é preciso superar a ideia de que o aluno se matricula na EJA somente com o objetivo de compensar ou recuperar o tempo perdido. Será que o sujeito que fica longe dos bancos escolares não aprende? De forma alguma, mesmo que não sejam conhecimentos sistematizados, esses sujeitos adquiriram um repertório de experiências que deve ser respeitado e va- lorizado. Assim, a EJA deve ser entendida na perspectiva da educação como um direito de todos, como preconiza a legislação brasileira. Posto isto, convido você, aluno(a), a considerar três realidades distintas que compõem a demanda de alu- nos desta modalidade de educação. Figura 2 - Realidades do público da EJA. / Fonte: elaborado pela autora (2021). UNIDADE 3 90 Descrição da Imagem: Os gráficos em barras mostram dados estatísticos de alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos em 2019, tendo como critério a faixa etária. O total de matrículas nesta modalidade de educação em 2019 está distribuído da seguinte forma: 1.054.985 de alunos com menos de 20 anos; 979.600 de alunos entre 20 e 29 anos; 512.617 alunos entre 30 e 39 anos; 380.455 alunos entre 40 e 49 anos; 215.431 alunos entre 50 e 59 anos e 130.580 alunos com 60 anos ou mais. A primeira realidade apresentada diz respeito aos adolescentes/jovens. Veja, alu- no(a), a inserção do termo adolescente. É necessário porque atualmente percebe- mos a presença de pessoas cada vez mais jovens na EJA. Como já mencionamos, de acordo com a legislação brasileira (Art. 38 da Lei nº 9.394/96) a matrícula no Ensino Fundamental nesta modalidade de ensino pode ser feita a partir dos 15 anos de idade e para o Ensino Médio a partir de 18 anos, como já mencionamos (BRASIL, 1996). Portanto, o aumento do número de adolescentes e jovens na EJA é uma característica que vem acontecendo, sobretudo, a partir da década de 1990. De acordo com dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2019 divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 62,2% das matrículas na Educação de Jovens e Adultos são de alunos com menos de 30 anos (INEP, 2020). Verifique a figura 3. Figura 3 - Matrículas na EJA / Fonte: Adaptado de Inep (2020). O gráfico confirma o que estamos abordando, ou seja, as matrículas na EJA na atualidade têm a prevalência de jovens, inclusive de jovens com menos de 20 anos. Mas você também pôde observar que o gráfico revela a pluralidade quanto à faixa etária dos alunos nesta modalidade de educação, consequentemente, o UNICESUMAR 91 professor precisa lidar com a diversidade de experiências, visto que cada aluno chega à escola com um repertório de saberes, marcas de exclusão, adversidades e perspectivas. Um desafio para o professor, não é mesmo? Mas por que atualmente alunos muito jovens estão matriculados na EJA? Além da idade permitida pela legislação, são alunos que evadem da escola regular por várias repetências, alguns não veem sentido na escola e, por isso, desistem de estudar. Basegio e Medeiros (2012, p. 35) acrescentam que “[...] o fracasso escolar está intimamente ligado à desmotivação, por parte dos estudantes, no que se refere à continuidade dos es- tudos”. A escolaridade desses alunos é marcada por vários momentos de fracasso e não por dificuldades de aprendizagem, levando-os à falta de motivação. Ao considerar este cenário, chamamos sua atenção para algumas indagações: o que é ensinado na escola desperta o interesse dos adolescentes e jovens para nela permanecer? Qual o sentido que o estudante atribui à escola hoje? Além disso, há um crescente número de alunos “classificados” por suas dificuldades de aprendizagem ou problemas disciplinares no ensino regular e são direcionados à EJA. Algumas escolas, apoiadas na legislação brasileira que permite o ingresso do aluno nesta modalidade de educação a partir dos 15 anos no Ensino Fundamen- tal, encaminham aqueles considerados “alunos-problema” para a EJA. Entretanto, esta modalidade de educação não pode ser vista como um mecanismo de receber os alunos indesejados do ensino regular (BASEGIO; MEDEIROS, 2012). É pre- ciso trabalhar em prol de resolver as dificuldades da Educação Básica regular e não apenas enviar os alunos tidos como problemáticos para a EJA, pois esta deve ter como objetivo a valorização do sujeito e sua formação integral. UNIDADE 3 92 NOVAS DESCOBERTAS O livro Educação de Jovens e Adultos: problemas e soluções, apre- senta dentre outras temáticas, o debate acerca da estrutura escolar no Brasil e como isso implica na organização da educação de jovens e adultos no país. A EJA deve ser analisada no contexto educacional brasileiro e não de forma isolada. O livro nos apresenta reflexões im- portantes para pensar um ensino voltado para a realidade do sujeito que frequenta a educação de jovens e adultos, um público que é heterogêneo. Os autores, destacam, ainda, o perfil de alunos,considerando as diferentes realidades que compõem esta modalidade de educação. A segunda realidade é o público idoso na EJA. Pensar a respeito da educação para o idoso é recente na história do Brasil, pois sempre se privilegiou a educação para crianças, adolescentes, jovens e adultos trabalhadores, excluindo das discus- sões a educação para o idoso. Isto posto, hoje quando utilizamos a terminologia Educação de Jovens e Adultos como modalidade de educação, nos referimos aos alunos jovens (considere também os adolescentes), adultos e idosos. Os alunos da EJA com idade mais avançada, geralmente tiveram uma trajetória de vida que não permitiu o acesso ao processo de escolarização formal. Um exemplo, como nos aponta Marques (2009), é o público formado de migrantes que chegaram aos gran- des centros urbanos provenientes de áreas rurais, com breve passagem pela escola. Quando crianças moravam na zona rural e enfrentavam, dentre outros aspectos, a distância entre a residência e a escola, bem como a falta de instituições escolares. Além disso, na zona rural a ideia difundida era “[...] de que o trabalhador rural não precisava de estudos para pegar na enxada” (SOUZA, 2012, p. 19). Destarte, não era preciso ir à escola para a aquisição e apropriação de conhecimentos científicos, pois acreditava-se que o trabalho nas áreas rurais não exigia saberes mais elaborados. Outro aspecto no contexto de alunos, sobretudo, com idade mais avançada é o fator emocional. Muitos sentem-se desmotivados para prosseguir aos estudos, pois têm histórias marcadas pelo insucesso escolar e, muitas vezes, acreditam que não conseguirão acompanhar o ensino na EJA. Nesse sentido, o papel da escola e do professor é imprescindível, pois as estratégias pedagógicas podem contribuir para que este aluno (jovem, adulto ou idoso) continue ou não na escola. Você se recorda do relato de Marina apresentado no início de nossa UNICESUMAR 93 Imagine-se trabalhando na Educação de Jovens e Adultos com estudantes com menos de 20 anos de idade e alunos com mais de 65 anos na mesma sala. O que você faria para manter seus alunos motivados e não abandonarem a escola? Fonte: Elaborado pela autora (2021). PENSANDO JUNTOS narrativa? Será que a postura da professora contribuiu para a autoestima da aluna, motivando-a em sua permanência na escola? Vimos dois públicos bastante distintos. Jovens e idosos na mesma sala de aula. Moura e Ventura (2018) denominam de relação intergeracional. Esta re- lação, muitas vezes, considerada como uma grande dificuldade pelo professor e escola deve ser positiva, pois “[...] traz uma grande riqueza para as discussões e, também, o desafio de construção de uma prática educativa que dialogue com adolescentes, jovens, adultos e idosos” (MOURA; VENTURA, 2018, p. 342). Contudo, na prática cotidiana escolar isso não é uma tarefa fácil, pois são gru- pos com interesses e perspectivas divergentes. Os motivos que levam um jovem a buscar a EJA são diferentes de uma pessoa de aproximadamente 70 anos, por exemplo. A escola para o idoso pode ser vista “[...] como um local para fazer amizades, ‘ocupar o tempo livre’ ou realizar o sonho de es- tudar e aprender o saber formal” (SILVA, 2017 p. 61). Este indivíduo, na maioria das vezes, não objetiva a profissionalização para o mercado de trabalho. Os interesses deste sujeito estão atrelados, sobretudo, à função da EJA referente a uma educação permanente, que acontece ao longo da vida. Em contrapartida, o jovem almeja o término da Educação Básica em menor tempo e, assim como o adulto, geralmente, deseja a qualificação para inserção ou melhoria no mercado de trabalho. Por fim, a terceira realidade a ser apresentada é o público formado por pessoas em restrição ou privação de liberdade, como é o caso da educação prisional. Vamos entender por que está relacionada a Educação de Jovens e Adultos. Para refletir sobre as especificidades da educação prisional, alguns questiona- mentos são necessários: qual a realidade do sistema prisional no país? Corenza e Biar (2015, p. 131) explicam que quando “[...] falamos especificamente em edu- cação prisional, o retrato que temos dos presos é majoritariamente, de pessoas jovens e adultas, oriundas das camadas populares, evadidos, repetentes, analfabe- UNIDADE 3 94 tos ou iletrados”. Realidade que revela muitas vezes a falta de democratização da escolarização em algum momento da vida. Esses indivíduos, independentemente de suas ações, possuem perante a lei o direito à educação. A Constituição Federal, no Art. 205, afirma que a educação é um direito de todos (BRASIL, 1988), entretanto, muitos são os obstáculos para que esse direito seja efetivado. A Lei nº 9.394/96 não faz menção à educação no sistema prisional. Essa questão foi tratada no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001, Lei nº 10.172 que previa implantar “[...] em todas as unidades prisionais e nos estabele- cimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim como de formação pro- fissional” (BRASIL, 2001). Contudo, a proposta do PNE que teve como vigência o ano de 2011 não se cumpriu e estamos longe de sistematizar ações promissoras. Já o Plano Nacional de Educação de 2014, não menciona a educação prisional de forma explícita, mas ao estabelecer as estratégias da meta 9, propõe ofertar a EJA “[...] às pessoas privadas de liberdade em todos os estabelecimentos penais, assegurando-se formação específica dos professores e das professoras e implementação de diretrizes nacionais em regime de colaboração” (BRASIL, 2014). As estratégias para atingir a meta 10 do PNE também mencionam a educação de pessoas jovens e adultas em privação de liberdade. Este documento preconiza a orientação da “[...] expansão da oferta de educação de jovens e adultos à educação profissional, de modo a atender às pessoas privadas de liberdade nos estabelecimentos penais [...]” (BRASIL, 2014). UNICESUMAR 95 NOVAS DESCOBERTAS Para conhecer a Resolução na íntegra, acesse o QR code a seguir: Observe aluno(a), que o PNE (Lei nº 13.005 de 2014) apresenta a articulação da educação de jovens e adultos com à educação ofertada às pessoas em privação de liberdade, contudo, as estratégias divulgadas no referido documento não foram concluídas na sua totalidade, até porque os projetos e estratégias pro- movidos enfrentam diferentes dificuldades como os apresentados por Corenza e Biar (2015): ausência de espaço apropriado, falta de professores e agentes pe- nitenciários, falta de projetos educacionais e ausência de um sistema de ensino nacional, interligado à educação de jovens e adultos. As orientações para direcionar a educação de jovens e adultos privados de liberdade são apresentadas em outro documento, qual seja: a Resolução n° 2, de 19 de maio de 2010 que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos esta- belecimentos penais. É importante ponderar que esta Resolução não apresenta orientações específicas, considerando as particularidades de cada região e sim diretrizes gerais. Ressalto o Art. 3º que trata sobre as orientações da oferta de edu- cação para jovens e adultos. O inciso II afirma que esta educação será financiada a partir de recursos públicos “[...] vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino, entre as quais o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), destinados à modalidade de Educação de Jovens e Adultos e, de forma complementar, com outras fontes estaduais e federais” (BRASIL, 2010 online). A partir do que o do- cumento propõe, será que os recursos são suficientes para organizar de forma eficiente a educação de jovens e adultos em privação de liberdade? Em 2015, foi publicada a Lei nº 13.163 que modifica a Lei nº 7.210, de 1984 (Lei de Execução Penal, para instituir o ensino médio naspenitenciárias). O Art. 18 da Lei nº 13.163 propõe que o “[...] ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito constitucional de sua universalização” (BRASIL, 2015) e UNIDADE 3 96 acrescenta no § 2º do referido Artigo que os “[...] sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de educação de jovens e adultos”. Veja, aluno(a), que a educação para indivíduos em privação de liberdade deveria acon- tecer de forma articulada com a EJA. Entretanto, na prática, ainda precisamos desenvolver políticas públicas que viabilizem o direito à educação para todos. Não basta medidas isoladas, mas considerar a formação de todos os profissionais envolvidos no processo de educação das pessoas em estabelecimentos penais, recursos, gestão adequada dos recursos e políticas públicas efetivas. Essas três realidades no contexto da EJA não são as únicas, pois temos outros contextos, não menos importantes. Como exemplo, temos a tendência que vem acontecendo nos últimos anos, qual seja: o aumento do número de mulheres na EJA. A crescente participação feminina no mercado de trabalho contribui na presença de mulheres nesta modalidade de educação. Esse proces- so ocorre à medida que as mulheres ao buscarem melhores empregos, muitas vezes, precisam enfrentar o obstáculo da baixa escolaridade para a efetiva in- serção no mercado de trabalho, por conseguinte, essa condição leva-as “[...] ao retorno à escola, em diferentes etapas da vida, neste caso, na modalidade EJA” (EITERER; DIAS; COURA, 2014, p. 171). Retomar os estudos significa para essas mulheres a possibilidade de alcançar melhores condições no cenário de trabalho, ainda marcado por desigualdades. De acordo com o Censo Escolar de 2019, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 58,6% das matrículas na EJA de estudantes com mais de 30 anos no respectivo ano são de mulheres (INEP, 2020). Você se recorda da história de Marina, apresentada no início de nossas reflexões? Observe que ela se enquadra nas estatísticas apresentadas no gráfico da figura 4 , ou seja, mulheres que quando crianças foram excluídas do processo de escolarização e na vida adulta, neste caso, mulheres com mais de 50 anos, buscam na EJA a possibilidade de aprender ler e escrever, bem como a conquista de sua autonomia e melhores condições no mercado de trabalho. UNICESUMAR 97 No entanto, Capucho (2012) esclarece que pensar sobre o retrato da educação feminina no país exige considerar alguns pontos, tais como: dificuldade em per- manecer e continuar os estudos em virtude da maternidade, casamento, jornada de trabalho e violência, além da resistência cultural de companheiros. Sobre este último fator, é comum ouvir relatos de mulheres que enfrentam dificuldades para frequentar a escola porque os companheiros não permitem, geralmente por ciúmes. Por isso, é preciso problematizar as desigualdades ainda existentes e a ausência de políticas públicas efetivas no que tange aos direitos das mulheres, com ênfase no enfrentamento à violência e discriminação (CAPUCHO, 2012). Figura 4 - Matrículas na EJA em 2019./ Fonte: Adaptado de Inep (2020). Descrição da Imagem: O gráfico em barras apresenta dados de alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos em 2019, comparando a matrícula entre homens e mulheres. Aproximadamente 600.000 alunos matriculados na EJA com menos de 20 anos são homens e 400.000 de mulheres. Na faixa etária entre 20 a 29 anos, 500.000 alunos são homens e, aproximadamente, 480.000 mulheres. Na faixa etária de 30 a 39 anos, aproximadamente 200.000 são homens e quase 300.000 são mulheres. Já na faixa etária de 40 a 49 anos, aproximadamente 170.000 são homens e 210.000 são mulheres. Entre os alunos de 50 a 59 anos, aproximadamente 90.000 são homens e 110.000 mulheres. Já os alunos com 60 anos ou mais, aproximadamente 40.000 são homens e 80.000 de mulheres. UNIDADE 3 98 A escola deve contribuir na superação de processos de hierarquização e de desi- gualdades, inserindo o debate em relação ao direito de todos. A heterogeneidade é, portanto, uma marca da EJA. Atende além dos grupos já citados, os “[...] indígenas, quilombolas, populações do campo, ciganos [...] catadores de materiais recicláveis, população em situação de rua” (GADOTTI, 2014, p. 21). Para todos os grupos, a educação é um direito social e humano, independentemente da idade, gênero, condições socioeconômicas e culturais. Porém, “[...] muitos programas de alfabetização ainda não atendem às necessi- dades específicas de cada segmento da população [...], não levando em conta as culturas e as linguagens locais” (GADOTTI, 2013, p. 19). Esse público, “[...] que possui características e trajetórias de vida distintas, precisa ser contemplado em sua singularidade, de modo que sejam facultadas condições de permanência na educação” (BEZERRA, 2016, p. 43). Se são pessoas com particularidades heterogê- neas, logo, buscam a escola por motivos diferentes dos alunos do ensino regular. E é sobre essa temática que convido você, aluno(a) a refletir a partir deste momento. Já apresentamos alguns indicativos, mas faz-se necessário explicitá-los. Você recorda-se do início de nossas reflexões quando mencionamos que as causas que favoreceram a não escolarização ou desistência da escola não se restringem a um fator apenas? Pois bem, a justificativa de voltar a estudar também não é única. Antes de apresentarmos esses motivos é preciso esclarecer que o fato de os alunos que estão na EJA terem seus objetivos e sonhos não significa que é um processo fácil para a maioria, principalmente para o aluno trabalhador. “ A decisão de retomar os estudos, ou de iniciá-los, exige um replane- jamento de sua vida, de seus horários. Trata-se de uma decisão que produz muitas mudanças no seu cotidiano: na rotina de trabalho, nos horários de deslocamento, nas relações familiares (como as muitas alfabetizandas que precisam deixar os filhos com alguém, precisam negociar a ausência em casa, no período noturno, com os respectivos companheiros etc.). Para ele não desistir, as condições para o ensino e a aprendizagem precisam ser garantidas, oferecendo um ambiente estimulador, atividades desafiadoras conectadas aos contextos socio- culturais dos educandos, garantindo espaço para a reflexão crítica, a autonomia, a criatividade (GADOTTI, 2014, p. 24). UNICESUMAR 99 Em conformidade com as ideias apresentadas por Gadotti (2014), Hein (2017) acrescenta que essas dificuldades acontecem porque esse retorno ocorre em mo- mentos da vida, além do período da infância. Enfim, precisam enfrentar os mais diferentes desafios para conseguir ter acesso à escola e nela permanecer. Mas, afinal, quais as motivações que norteiam a decisão de o indivíduo voltar a estudar? Para responder ao questionamento, convido você a analisar as frases apresentadas na figura 5. Frases que possivelmente você já ouviu. A valorização social é um dos motivos que levam jovens e, principalmente adultos e idosos a se matricularem na EJA. Está relacionada com a necessidade de o indivíduo sentir-se valorizado pelo outro ou pelo meio em que está inserido (comunidade, escola, trabalho e família), sendo capaz de participar na sociedade como cidadão de direitos e deveres. Capucho (2012), complementa que a cidada- nia neste caso tem o sentido de autonomia individual, ou seja, o sujeito é capaz de se posicionar na sociedade de maneira autônoma. Figura 5 - Frases de alunos da EJA / Fonte: Elaborado pela autora (2021). Descrição da Imagem: Na figura mostra-se seis frases que são comuns aos alunos que estão na EJA e que revelam suas motivações em retornar aos bancos escolares, muitas vezes depois de muitos anos: “eu voltei a estudar porque não sei assinar meu nome”, “eu retornei para a escola para aprender a ler a bíblia”, “eu quero aprender a ler e escreverpara não ter que ficar perguntando tudo aos outros”, “eu voltei a estudar para ler o número do ônibus e não depender de outras pessoas”, “eu voltei a estudar para aprender a ler e escrever e ajudar meus filhos nas atividades da escola”, “eu voltei para a escola para ter um emprego melhor” UNIDADE 3 100 Dessa forma, não é apenas valorização da imagem social, mas, também, aprender para o exercício da cidadania que é construída no ambiente escolar por ser um espaço em que os alunos da EJA têm acesso ao conhecimento científico, mas não é o único espaço. “A formação para a cidadania vai além dos muros da escola. Ela é forjada no dia a dia das relações dos indivíduos e no conjunto das organizações da sociedade” (CAPUCHO, 2012, p. 37). Uma vez que o aluno da EJA se apropria de conhecimentos sistematizados, favorece sua inserção na sociedade, o que contribui neste sentimento de valorização e participação da vida em sociedade. Outro aspecto que leva os indivíduos a voltarem a estudar é o aperfei- çoamento profissional, sendo que está entre os principais motivos dos alunos adultos. A escola passa a ser a possibilidade de aperfeiçoamento e qualifica- ção profissional, pois esses indivíduos percebem as exigências da sociedade. Atualmente, para o desenvolvimento de muitas atividades laborais exige-se no mínimo a conclusão do Ensino Médio. Para exemplificar esta motivação, verifique o relato apresentado na figura 6. Figura 6 - Depoimento de uma aluna da EJA. / Fonte: Adaptado de Eiterer; Dias e Coura (2014). Descrição da Imagem: Na figura apresenta-se o depoimento de uma mulher que retomou os estudos depois de muitos anos: “Joana, 38 anos, copeira, casada e mãe de 5 filhos. Frequentou a escola por incen- tivo da avó. Aos 14 anos interrompeu seus estudos por motivo de gravidez e começou a trabalhar como faxineira. Retomou os estudos em 2013 com o objetivo de ser uma pessoa com mais conhecimento e adquirir outras possibilidades de emprego” UNICESUMAR 101 O depoimento de Joana expressa a realidade de muitos brasileiros, principalmente adultos trabalhadores que vislumbram na EJA a possibilidade de melhores empre- gos a partir dos estudos. Além disso, o Brasil é um país com altos índices de de- semprego. Vale destacar que mesmo diante de pressões mercadológicas atuais, que privilegia, muitas vezes, apenas a qualificação de jovens e adultos para o trabalho, Capucho (2012) ressalta a educação que dialogue com o mundo do trabalho e não simplesmente a mera preparação de mão de obra. Hein (2017, p. 37) nos apresenta algumas indagações: “Qual é o aluno que a escola quer formar? Ela quer continuar como uma das estratégias das classes dominantes de formar mão de obra que ape- nas se insira na cadeia produtiva ou quer formar indivíduos críticos e transforma- dores da realidade social?”. Portanto, as questões relacionadas ao trabalho devem ser problematizadas de forma crítica no contexto da EJA, pois, caso contrário, a escola irá reforçar a exclusão social desses sujeitos, contribuindo na reprodução e manutenção da exploração das forças produtivas e desigualdades sociais. O traba- lho, deve favorecer o crescimento pessoal e profissional do sujeito da EJA. Mas, afinal, o que é trabalho? Em nossa narrativa, o trabalho não deve ser enten- dido apenas como emprego ou o desenvolvimento de atividades para fabricação de mercadorias e/ou prestação de serviços, mas no seu sentido mais amplo. Por meio do trabalho o homem transforma a natureza para criar as condições de sua sobrevivên- cia, garantindo sua existência. De acordo com Frigotto (2008, p. 29) o homem “[...] modificando a realidade que o circunda, modifica-se a si mesmo. Produz objetos e, paralelamente, altera sua própria maneira de estar na realidade objetiva e de perce- bê-la. E – o que é fundamental – faz a sua própria história”. Logo, a concepção de tra- balho, enquanto práxis humana, que tem como objetivo a elaboração das condições de existência, não se finaliza na produção de mercadorias (KUENZER, 2008). Nesse processo, o homem cria e recria as necessi- dades de subsistência e na medida em que elabora as condições para satisfazê-las, cria outras necessidades. UNIDADE 3 102 Mas uma questão é certa: As relações no desenvolvimento das forças produtivas têm exigido cada vez mais o domínio da leitura e escrita e seu uso em diferentes contextos de forma apropriada e reflexiva. Além do conhecimento técnico, a so- ciedade atual requer pessoas preparadas que saibam utilizar diferentes linguagens e tecnologias, bem como habilidades de análise crítica e resolução de problemas. Isso significa que não basta o domínio de técnicas, mas o desenvolvimento de com- petências e habilidades específicas para atender as demandas da sociedade atual. Nesse sentido, “[...] ler e escrever, em uma sociedade grafocêntrica, são habilida- des essenciais para uma participação autônoma nas atividades em que os sujeitos são solicitados cotidianamente” (ANDRADE, 2016, p. 2). É comum relatos de pes- soas que buscam a EJA para aprender a ler e escrever sem depender da mediação de outras pessoas. Esses indivíduos percebem a necessidade da leitura e escrita e, por isso, almejam alcançar a autonomia no contexto de diferentes práticas sociais. Quando discutimos acerca da necessidade de ler e escrever no contexto da sociedade, precisamos refletir sobre o processo de alfabetização e letramento no Brasil. É sobre essa temática, caro aluno(a) que vamos discorrer a partir deste momento. Conforme Morais e Albuquerque (2010) até a década de 1940 pessoas consideradas alfabetizadas eram as que declaravam saber ler e escrever. Para com- provar isso, bastava escrever seus próprios nomes. A partir de 1950 os alfabetizados eram aqueles que declaravam ser capazes de ler e escrever um bilhete simples. Já nas últimas décadas, observou-se que muitos alunos que concluíram a Educação Básica não tinham a capacidade de fazer uso da leitura e escrita em atividades co- UNICESUMAR 103 tidianas como as apresentadas acima, caracterizando o “analfabetismo funcional”. Este termo “analfabetismo funcional” foi disseminado mundialmente, principal- mente, a partir da ação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que adotou este termo na definição de alfabetização em 1978. O intuito era padronizar as estatísticas no campo educacional e influenciar as políti- cas educacionais dos países-membros. Nesta década, 1970, a alfabetização funcional, segundo a Unesco, estava relacionada à capacidade de os sujeitos utilizarem a leitura, escrita e cálculo, visando seu próprio desenvolvimento (MASAGÃO, 1997). O resul- tado da utilização da terminologia “analfabetismo funcional” de acordo com Morais e Albuquerque (2010) resultou na ampliação das taxas de analfabetismo no Brasil, pois foram incluídos os indivíduos que não tinham domínio do sistema alfabético e aqueles que tiveram acesso precário ao sistema de escolarização. A partir dessas ponderações conceituais, vamos considerar outro termo, qual seja: alfabetização. Mas, afinal, o que é alfabetização? Não existe apenas uma única definição, visto a complexidade e amplitude do termo. Vários elementos influenciaram e influenciam o conceito de alfabetização, como questões didáticas, organização do ensino escolar e fatores socioeconômicos. Em seu sentido próprio é, de acordo com Soares (2020, p. 16) “[...] o processo de aquisição do código da escrita, das habilidades de leitura e escrita”. Soares (2020) complementa, ainda, a necessidade de entender o significado de dois verbos que estão presentes no pro- cesso de alfabetização: ler e escrever. Vamos verificar esses dois verbos na figura 7. UNIDADE 3 104 No exemplo 1 a alfabetização seria “[...] um processo de representação de fone- mas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler)” (SOARES, 2020, p. 17), ou seja, o sujeito precisa desenvolver a habilidade em relação ao domínio do código da escrita, não exigindoaprofundamento do significado do que está lendo ou escrevendo. Já no segundo exemplo, a alfabetização seria “[...] um pro- cesso de compreensão/expressão de significados” (SOARES, 2020, p. 17). Isto é, para ler Monteiro Lobato, precisa entender o que a escrita significa, tendo como perspectiva o contexto da obra do autor. Os dois exemplos, embora estejam corretos, não definem de forma integral o con- ceito de alfabetização, visto a abrangência de elementos e habilidades que envolvem seu processo. Faz-se necessário considerar o sentido social atribuído ao conceito de alfabetização. Será que em todos os lugares é entendida da mesma maneira? E, ainda, será que todas as pessoas possuem a mesma explicação para este termo? De forma alguma, cada sociedade e cada grupo de pessoas atribui um significado à palavra “alfabetização”. Para exemplificação, considere duas pessoas em contextos distintos: uma que reside na zona rural e sempre trabalhou na lavoura; outra, que mora em um centro urbano e trabalha no setor industrial. O significado de alfabetização será diferente em virtude das experiências proporcionadas pelo meio em que estão inse- ridas. Portanto, o conceito de alfabetização depende de características sociais, além das culturais, econômicas, tecnológicas e políticas (SOARES, 2020). Ao falarmos que um indivíduo é “não alfabetizado” significa que o termo não está atrelado unicamente a dificuldade no processo de leitura e escrita, pois Figura 7 - Exemplos de ler e escrever / Fonte: Adaptado de Soares (2020). Descrição da Imagem: Na figura apresenta-se dois exemplos do que é ler e escrever. Exemplo 1: Pedro já sabe ler e escrever. Nesse caso, ler e escrever correspondem ao domínio mecânico da língua escrita. Exemplo 2: Pedro já leu Monteiro Lobato e escreveu uma redação sobre o autor. Nesse caso, ler e escrever diz respeito à apreensão e compreensão de significados da língua escrita. UNICESUMAR 105 como citado envolve vários elementos. A complexidade aumenta à medida que “[...] cada vez que cresce a exigência da leitura e da escrita, no contexto da or- ganização social e econômica, se constituem novas formas de analfabetismo›› (ANDRADE, 2016, p. 6). Se o conceito de alfabetização tem a influência de um determinado período histórico, consequentemente irá acompanhar o que cada época estabelece como essencial. Apresentamos reflexões sobre o termo alfabetização, mas e o letramento? Quando surgiu? A terminologia “letramento” é muito mais recente. Passou a ser utilizada, sobretudo, a partir da década de 1980. Nas palavras de Soares (2020, p. 31) é no contexto da referida década que ocorre “a invenção do letramento no Brasil”. Este termo passou a ser utilizado em decorrência do cenário da época, exigindo das pessoas não apenas o domínio mecânico da leitura e escrita, mas habilidades de “[...] participação efetiva e competente nas práticas sociais e pro- fissionais” (SOARES, 2020, p. 32). Neste cenário social e econômico, passou-se a utilizar a terminologia letramento, ampliando o conceito de alfabetização. Ob- serve o que Soares (2020, p. 47) nos apresenta a respeito desses dois termos. “ [...] alfabetização, entendida como processo de aquisição e apropria- ção do sistema da escrita, alfabético e ortográfico [...], letramento – entendido este, [...], como a participação em eventos variados de leitura e de escrita, e o consequente desenvolvimento de habilida- des de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, e de atitudes positivas em relação a essas práticas. Alfabetização e letramento embora sejam processos diferentes, pois englobam com- petências e habilidades específicas, são interdependentes e síncronos e, por isso, não podem ser dissociados. Esta ideia é fundamental no contexto da educação de jovens e adultos, ou seja, construir práticas efetivas no processo de alfabetização dos alunos. Mas, por que alfabetização e letramento são interdependentes? Porque a alfabetização “ [...] só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita (SOARES, 2020, p. 64). UNIDADE 3 106 Contudo, a realidade da EJA nem sempre prioriza o trabalho na perspectiva da alfabetização e do letramento, como dois processos fundamentais e que devem acontecer de forma integrada. Quando isso não acontece, o resultado poderá ser igual ou semelhante ao depoimento de uma senhora de 73 anos que ao participar do processo de alfabetização chegou à conclusão apresentada na figura 6: Figura 8 - Depoimento de uma aluna da EJA. / Fonte: Adaptado de Albuquerque; Morais; Ferreira (2013). Descrição da Imagem: A figura mostra o depoimento de uma senhora, aluna da EJA: “não sei de nada. Quando cheguei aqui, já sabia meu nome e as letras. Nada mais aprendi aqui. Queria aprender, mas não aprendi nada” Caro(a) aluno(a), note que o relato dessa senhora evidencia a importância de avaliar o trabalho realizado em turmas de EJA, sobretudo, quando se trata do processo de alfabetização. É preciso oportunizar vivências de leitura e escrita que sejam reais, que tenham sentido para o aluno, levando-o a compreensão da finalidade da leitura e escrita no meio em que vive, ou seja, promover práticas “[...] que garantam tanto a aquisição da base alfabética, quanto o uso das práticas sociais de leitura e escrita nos diferentes espaços dos quais os sujeitos fazem parte” (ANDRADE, 2016, p. 17). Há escolas que reproduzem propostas e metodologias tradicionais, fragmentando o processo de alfabetização e letramento, impossibi- litando, por conseguinte, a formação de um cidadão letrado, capaz de a partir da leitura e escrita se posicionar na sociedade de forma consciente. Ao analisarmos o público da EJA observa-se que a maioria dos alunos não possui o domínio do sistema de convenção da escrita e leitura, mas são pessoas que elaboram estratégias para atender, mesmo que minimamente, as exigências do contexto em que estão inseridos (comunidade, trabalho etc.). Essas estratégias são desenvolvidas “[...] ao longo da vida, pela experiência, advinda de necessida- des básicas do mundo do trabalho e de interagir em diferentes contextos sociais” UNICESUMAR 107 (MOLLICA; LEAL, 2009, p. 57). Isso significa que qualquer pessoa é capaz de interagir em variados ambientes, sobretudo, os que estão relacionados a aspectos de sua sobrevivência. A dificuldade aumenta na medida em que os ambientes so- ciais exigem conhecimentos mais específicos e que se distanciam de sua realidade cotidiana. Verifique os exemplos apresentados na figura 7. Figura 9 - Exemplos de pessoas não escolarizadas. / Fonte: Mollica e Leal (2009). Descrição da Imagem: Na figura mostra-se dois exemplos para evidenciar o grau de dificuldade das pessoas que não dominam o código escrito em situações diversas. Exemplo 1: ir ao mercado - mesmo pessoas que não sabem ler e escrever frequentam o mercado para fins de sobrevivência e conseguem fazer compras, apesar de dificuldades na compreensão de etiquetas e rótulos. Exemplo 2: consultar fichários em biblioteca - neste caso, o grau de dificuldade é muito maior, pois não é um ambiente que está relacionado à sobrevivência do indivíduo e exige habilidades mais específicas. Os exemplos apresentados na Figura 9 indicam que quanto maior a necessidade e a familiaridade com o contexto, menor a dificuldade de interpretação e reali- zação de tarefas, como ir ao mercado. Em contrapartida, quanto mais distante o contexto estiver do indivíduo que possui pouca ou nenhuma escolarização, maior o obstáculo em lidar com as exigências de tarefas ou contextos, como consultar um fichário na biblioteca (MOLLICA; LEAL, 2009). Posto isto, verificar o nível de letramento de alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultosé uma tarefa fundamental, pois fornece informações no que se refere às habilidades e práticas sociais de leitura e escrita. Embora seja um processo difícil, faz-se ne- cessário para entender o perfil de letramento dos sujeitos da EJA (ANDRADE, 2016). O fato de jovens e adultos não escolarizados ou com pouca escolarização estarem inseridos em um contexto de práticas de leitura e escrita não significa que possuem a compreensão do funcionamento da escrita na sua totalidade. Vejamos um exemplo na figura 10. UNIDADE 3 108 O depoimento do Sr. Aguinaldo, de 60 anos de idade, que frequentou o Programa Brasil Alfabetizado em 2003-2004 na cidade de Recife, expressa a dificuldade em entender como o sistema alfabético funciona. Ele conhece as letras, contudo, não consegue juntá-las para desenvolver a escrita de diferentes palavras e a ela- boração de textos. Mas como acontece o processo de construção da escrita dos jovens e adultos? Ele é diferenciado de uma criança porque os jovens e adultos possuem vivências que possibilitam maior familiaridade com letras e práticas sociais, comparado com uma criança. Vale destacar que o processo de aprendizagem com alunos da EJA percorre um caminho construtivo, isto é, para se apropriar do sistema da escrita “[...] esses sujeitos também enfrentam um percurso evolutivo complexo, constituído por uma sequência fixa de fases, caracterizadas por mudanças qualitativas” (SOUZA, 2012, p. 58). Para exemplificação, convido você, aluno(a), a analisar exemplos de escrita de jovens e adultos, considerando para isso, os cinco níveis de constru- ção de escrita apresentados por Ferreiro e Teberosky (1999). Mas, antes de continuar nossa narrativa, faz-se necessária uma ponderação quanto ao uso das terminologias no que se refere aos níveis de escrita. Utilizare- mos como referencial teórico os estudos de Ferreiro e Teberosky (1999). Na obra “Psicogênese da língua escrita”, as autoras não tratam especificamente do contexto Figura 10 – Depoimento de um aluno da EJA. / Fonte: Adaptado de Albuquerque; Morais; Ferreira (2013). Descrição da Imagem: A figura apresenta um depoimento em que diz “conheço todas as letras, mas juntar é que é o difícil”. UNICESUMAR 109 de jovens e adultos, mas nos oferecem os subsídios teóricos para compreender o processo de construção da escrita. Os exemplos de escrita de jovens e adultos que serão apresentados foram retirados de pesquisas realizadas por Leal e Mo- rais (2013), que se apoiam nos escritos das autoras Ferreiro e Teberosky (1999), embora, utilizem terminologia diferenciada para alguns exemplos de níveis de escrita. Observe o quadro 1 para continuar a leitura. Níveis da escrita Ferreiro e Teberosky (1999) Níveis de escrita de jovens e adultos Leal e Morais (2013) Nível 1 Escrita pré-silábica Nível 2 Escrita silábica inicial Nível 3 - Hipótese silábica Escrita silábica de qualidade Nível 4 – passagem da hipótese silábica para a alfabética Escrita silábica-alfabética Nível 5 – Escrita alfabética Escrita alfabética Quadro 1: Comparação das terminologias de Ferreiro e Teberosky (1999) e Leal e Morais (2013) / Fonte: a autora. Posto os esclarecimentos sobre a terminologia, vamos ao primeiro nível de escrita (pré-silábica). Neste nível, não há estabelecimento entre fala e escrita, ou seja, o sujeito não relaciona a correspondência entre a emissão de som e a escrita. O aluno acredita que pode escrever utilizando desenhos, pseudoletras, bem como outros sinais gráficos. Para Ferreiro e Teberosky (1999) a escrita está relacionada com a reprodução de traços típicos da escrita, que o sujeito identifica como a forma básica da mesma. Na interpretação da escrita, Ferreiro e Teberosky (1999) afirmam que prevalece a intenção subjetiva atribuída pelo escritor, o que dificulta outra pessoa identificar o que pretendeu escrever, até porque a escrita não tem o uso de letras consideradas convencionais. Verifique o exemplo apresentado na figura 11. UNIDADE 3 110 A partir do exemplo apresentado na figura 11, é possível observar que o aluno se encontra no nível 1 de escrita (pré-silábica). É a tentativa de entender o fun- cionamento do sistema escrito. Neste nível, o adulto que não domina o código alfabético tem dificuldade de estabelecer a relação entre a fala e a escrita e utiliza linhas onduladas, semelhantes entre si, dificultando de serem interpretadas. Neste caso, “[...] a escrita não pode funcionar como veículo de transmissão de informa- ção: cada um pode interpretar a sua própria escrita” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p, 193). A partir de suas experiências, Leal e Morais (2013) pontuam que, a tendência é encontrarmos em turmas de alfabetização de EJA poucos alunos que apresentam escritas pré-silábicas, uso de garatujas ou pseudoletras. O fato de não ser comum alunos na EJA no nível 1 (escrita pré-silábica) jus- tifica-se pelas noções de escrita adquiridas a partir de diferentes vivências do co- tidiano, mesmo que esse conhecimento seja rudimentar. “Muitos alfabetizandos jovens e adultos estão bem mais familiarizados (que a maioria das crianças pe- quenas) com letras e com práticas sociais onde se lê e escreve” (LEAL; MORAIS, 2013, p. 37). O adulto entende que se escreve com letras, por isso, é incomum encontrarmos em turmas de EJA, estudantes neste nível de escrita. Figura 11- Nível 1 de escrita (pré-silábica). / Fonte: Adaptado de Leal e Morais (2013). Descrição da Imagem: A figura apresenta três exemplos do nível 1 (escrita pré-silábica) de um aluno da EJA e as palavras correspondentes. A primeira palavra é “trabalho”, sendo que o aluno apresenta dois sinais gráficos com formas arredondadas para representar a respectiva palavra. A segunda palavra é “abelha”, neste caso, o aluno escreve dois sinais gráficos arredondados. A terceira palavra é “roda”, o estudante escreve um sinal gráfico arredondado e a letra “i”. UNICESUMAR 111 Ainda sobre o nível 1 (pré-silábica), chamo sua atenção para outra característica que é o realismo nominal. Você sabe o que é? O indivíduo escreve a partir de sua percepção do objeto, ou seja, o registro de escrita não é referente ao nome e sim ao objeto. É uma particularidade comum no processo de escrita de crianças, podendo acontecer em menor proporção no contexto de escrita de alunos da educação de jovens e adultos. Para melhor compreensão vamos observar o diálogo entre uma professora e um aluno da EJA apresentado por Leal e Morais (2013, p. 34-35). “Fomos ao cinema assistir ‘Lisbela e o Prisioneiro’. No dia seguinte, a aula foi sobre o filme. Então, perguntei: - Qual a cena que mais lhe chamou a atenção? Bosco respondeu: - Foi a cena do boi, professora [...]. Bosco disse: - Quero escrever a palavra boi. Como se escreve? Eu respondi: - BO-I. - Como é BO? Disse Bosco. Eu lhe respondi: - BO de Bosco e I. Ele escreveu. Ao terminar, levantou a cabeça, me olhou e perguntou: - Já terminou? Ele voltou a olhar a palavra e olhou novamente em minha direção, dizendo: - Não, professora! Boi se escreve só com essas três letrinhas? Afirmei que sim, Boi se escreve com três letras. Ele diz: - Professora! Estou ‘bestinha’. Boi só com três letras? Um bicho da- quele tamanho! Ó professora, não vou me esquecer nunca mais de escrever essa palavra”. Você deve ter notado a relação que o aluno estabeleceu entre o tamanho do ani- mal, neste caso, boi, e como se escreve. Para ele o fato de ser um animal grande, a escrita também deveria ter muitas letras, correspondente ao tamanho do animal. Isso é o que chamamos de realismo nominal. UNIDADE 3 112 No segundo nível de escrita (silábica inicial), observamos que a escrita do aluno já é mais próxima ao formato das letras, o que para Ferreiro e Teberosky (1999, p. 202) indica “[...] o progresso gráfico mais evidente”. Trouxemos um exemplo de escrita de um adulto da EJA que está neste nível de escrita. Verifique a figura 12 e estabeleça as diferenças com os exemplos apresentados na figura 11.Você poderá verificar a evolução no processo de escrita. Figura 12- Nível 2 de escrita (escrita silábica inicial). / Fonte: Adaptado de Leal e Morais (2013). Descrição da Imagem: A figura mostra três exemplos de escrita que representa o nível 2 (silábica inicial) de um aluno da EJA e as palavras correspondentes. A primeira palavra é “sol”, o aluno escreve a sílaba “co”, o desenho de um sol e a letra “a”. A segunda palavra é “abacaxi”, neste caso, o aluno da EJA apresenta as letras “a”, “i” e “k” para representar a respectiva palavra. A terceira palavra é “roda”, neste caso, o aluno escreve as letras “o” e “a”. Na figura 12 é possível observar a tentativa de estabelecer a relação entre fala e escrita. No caso da palavra “sol”, o estudante escreveu CO, o desenho de um sol e, em seguida, a letra A. Apesar de o aluno inserir o desenho do sol, já consegue apresentar uma sílaba, o que indica a preocupação com correspondências grafo- fônicas, já que a letra C em determinadas situações pode ser usada para represen- tar o fonema /s/. Já na palavra “abacaxi” o aluno utiliza letras para estabelecer as relações com sons. Podemos averiguar isso ao inserir as letras A, I e K. Por último, na palavra “roda”, o adulto insere duas letras, O e A, que estão relacionadas com as sílabas da palavra (LEAL; MORAIS, 2013). UNICESUMAR 113 O nível 3 (hipótese silábica ou escrita silábica de qualidade) corresponde a ten- tativa de atribuir “[...] um valor sonoro a cada uma das letras que compõem uma escrita” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p, 209). O sujeito insere uma letra para cada sílaba da palavra. Este nível representa um salto qualitativo em relação aos níveis anteriores. Vejamos um exemplo de escrita de um aluno da EJA na figura 13. Figura 13 - Nível 3 (silábico ou escrita silábica de qualidade). / Fonte: Adaptado de Leal e Morais (2013). Descrição da Imagem: A figura mostra três exemplos de escrita que representa o nível 2 (silábica inicial) de um aluno da EJA e as palavras correspondentes. A primeira palavra é “sol”, o aluno escreve a sílaba “co”, o desenho de um sol e a letra “a”. A segunda palavra é “abacaxi”, neste caso, o aluno da EJA apresenta as letras “a”, “i” e “k” para representar a respectiva palavra. A terceira palavra é “roda”, neste caso, o aluno escreve as letras “o” e “a”. Na figura 13 verificamos que o aluno utilizou em todas as palavras uma letra para representar cada sílaba, ou seja, nesse caso “há, simultaneamente, atenção à quan- tidade de letras a serem utilizadas e ao uso de letras selecionadas, com base em co- nhecimentos sobre as convenções relativas às correspondências letra-som” (LEAL; MORAIS, 2013, p. 41). Nesta etapa, Ferreiro e Teberosky (1999), pontuam que o sujeito trabalha com a hipótese de que o que se escreve representa partes sonoras da fala. Tal conquista não permite ainda que o sujeito escreva com total autonomia. O nível 4 (escrita silábica-alfabética) representa para Ferreiro e Teberosky (1999, p. 214) “[...] a passagem da hipótese silábica para a alfabética”. O sujeito abandona a hipótese silábica e percebe a necessidade de uma análise que não fi- UNIDADE 3 114 que restrita à sílaba. Vejamos a figura 14 que mostra exemplos de escrita de aluno da EJA e que representa o nível 4 (escrita silábica-alfabética). Figura 14 - Nível 4 (escrita silábica-alfabética). / Fonte: Adaptado de Leal e Morais (2013). Descrição da Imagem: A figura mostra três exemplos de escrita do Nível 4 (escrita silábica-alfabética) de um aluno da EJA e as palavras correspondentes. a primeira palavra é “médico”, o aluno escreve “me” para representar a primeira sílaba da palavra, a letra “i” para representar a sílaba “di” e a letra “o” para indicar a sílaba “co”. A segunda palavra é “ninho”, neste caso, o aluno escreve a letra “i” para representar a sílaba “ni”, após, escreve as letras “ono” para representar a sílaba “nho”. A terceira palavra é “bicicleta”, neste caso, o aluno da EJA escreve “bisila”, ou seja, “bi” e “si” para representar as duas primeiras sílabas da respectiva palavra, a letra “l” para representar a sílaba “cle” e a letra “a” para representar a sílaba ‘ta”. Nos exemplos da figura 14, é possível inferir a tentativa de o aluno representar as unidades menores que as sílabas, por outro lado, também se evidencia a inserção de uma letra para cada sílaba. Ao escrever a palavra “médico”, o estudante apre- sentou a sílaba ME e uma letra para as demais sílabas, ou seja, a letra “i” para DI e a letra “o” para a sílaba CO. O mesmo ocorre com a palavra “bicicleta”, a sílaba “bi” para representar BI, a sílaba “si” para representar CI. Já nas demais sílabas, o aluno faz uso de apenas uma letra para cada sílaba, a letra “l” para CLE e a letra “a” para a sílaba TA (LEAL; MORAIS, 2013). Por fim, vamos ao nível 5 (escrita alfabética). Aqui o aluno já consegue com- preender que “[...] cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores so- noros menores que a sílaba e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 219). Tal evolução não significa que todas as dificuldades no processo de escrita foram UNICESUMAR 115 superadas, pois terá de lidar com as questões ortográficas. Vejamos o exemplo na figura 15 de um aluno da EJA neste nível de escrita. Figura 15 - Nível 5 (escrita alfabética) / Fonte: Adaptado de Leal e Morais (2013). Descrição da Imagem: A figura mostra três exemplos do nível 5 (escrita alfabética) de um aluno da EJA e as palavras correspondentes. A primeira palavra é sol e o aluno escreve a palavra correspondente de forma correta, ou seja, “sol”. A segunda palavra é “pé”, sendo que o aluno apresenta a grafia correta, isto é, “pé”. A terceira palavra é “abelha”, neste caso, o aluno escreve “apelha”. Na figura 15, o aluno consegue escrever com mais propriedade, mas ainda terá de aprender as regras ortográficas. A aquisição da norma ortográfica é um pro- cesso gradativo, pois é composto por muitas regras que serão compreendidas no aprimoramento da escrita. Ferreiro e Teberosky (1999, p. 219) chamam a atenção para o fato de não confundir “[...] dificuldades ortográficas com as dificuldades de compreensão do sistema de escrita”. Ao alcançar a compreensão do sistema de escrita alfabético, o sujeito ainda comete erros gramaticais em sua escrita. Espero, caro aluno(a), que a partir dos exemplos apresentados você possa verificar a evolução da escrita de alunos que frequentam a EJA e, portanto, a importância de o professor considerar “[...] como ponto de partida de sua prática alfabetizadora, os conhecimentos que jovens e adultos não alfabeti- zados ‘carregam’ com eles sobre a escrita alfabética” (SOUZA, 2012, p. 55). Como já salientamos, conhecer o que o aluno já sabe e suas experiências. Enfatizamos, ainda, que em turmas de EJA é mais comum alunos que che- gam conhecendo as letras, ou parte do alfabeto, logo, é mais frequente en- UNIDADE 3 116 Quer saber mais sobre as práticas de alfabetização e letra- mento na EJA, convido você a ouvir o Podcast. contrarmos alunos nos níveis 4 (escrita silábica-alfabética) e nível 5 (escrita alfabética) do que nos demais níveis de escrita. Isso não significa que todos têm a mesma desenvoltura, até porque faz-se necessário considerar a concepção que esses alunos têm em relação ao processo de escrita. Para os alunos que tiveram alguma experiência no ensino regular quando crianças e/ou adolescentes, geralmente a concepção está relacionada com o processo de escrita e leitura daquele período, muitas vezes experiências negativas em relação a aprendizagem e ao retornarem na EJA, acreditam que será da mesma forma, isto é, um ensino mecânico e sem conexão com suas realidades. Tratamos sobre o sujeito ter autonomia em diferentes práticas de leitura e escrita. Mas o que significa autonomia na perspectiva do adulto não alfabetizado? Está relacionada à capacidade de fazer uso da escrita e leitura em situações consideradaspela maioria como simples: copiar uma receita culinária, anotar um recado ou endereço e pegar um ônibus. Fonte: Pereira (2013). PENSANDO JUNTOS Certamente você se recorda de quando enfatizamos a importância de não disso- ciar alfabetização e letramento, não é mesmo? Para Morais e Albuquerque (2010) os professores devem desenvolver a alfabetização na perspectiva do letramento, su- perando propostas de alfabetização que não priorizam o contexto do aluno jovem e adulto. As práticas pedagógicas na EJA devem conciliar, por exemplo, o aprendizado dos gêneros textuais com a efetiva apropriação da escrita alfabética, até porque os alunos que ingressam em turmas de alfabetização na EJA, “[...] desejam efetivamente aprender a ler e escrever para lerem e escreverem, de forma autônoma, textos com os quais convivem” (ALBUQUERQUE; MORAIS; FERREIRA, 2013, p. 24). https://vimeo.com/540800866/a168ce083d UNICESUMAR 117 Os alunos esperam no decorrer do ano identificar sua evolução no pro- cesso de alfabetização, entendendo o significado das letras e palavras que lhe são apresentadas. E como deve ser o trabalho com gêneros textuais na EJA? Você sabe? Como você trabalharia? Va- mos prosseguir e analisar alguns apontamentos e sugestões de como poderá ser realizado. De acordo com Sousa (2016), a abordagem dos gêneros textuais na EJA deve par- tir da realidade na qual a turma se insere, levando-os a compreender o propósito social. Por conseguinte, a aprendizagem deve acontecer em uma proposta que privilegie a ação e a reflexão das práticas pedagógicas que se concretizam nas diferentes vivências da sala de aula. É possível utilizar gêneros textuais conhecidos dos alunos, “[...] explorando suas características e, nesta exploração, realizar atividades de reflexão sobre a escrita alfabética, ao mesmo tempo em que se propõem outras ativida- des que envolvem a compreensão e produção de textos orais e escritos” (ALBUQUERQUE; LEAL, 2013, p. 154). Isso significa, aluno(a), que não faz sentido trabalhar, por exemplo, músicas infantis ou contextualizar palavras citando objetos do univer- so infantil como boneca e carrinho. UNIDADE 3 118 O primeiro exemplo de gênero textual é o trabalho com cartas. Mas você pode se perguntar, será que hoje as pessoas enviam cartas como meio de comunicação? Possivelmente, não, mas se você, como futuro pedagogo, atuar na EJA em uma turma de alunos com idade mais avançada, possivelmente esses estudantes tiveram contato com cartas em algum momento de suas vidas, estão familiarizados com este gênero textual, mesmo sem saber ler e escrever. Neste caso, as cartas eram escritas e lidas por outras pessoas. Veja o exemplo a seguir de um senhor de 60 anos: Figura 16- Depoimento de um aluno da EJA / Fonte: Albuquerque; Morais; Ferreira (2013, p. 13). Descrição da Imagem: A figura apresenta o depoimento de um aluno que frequentou a educação de jovens e adultos e relata sua vivência com cartas. O depoimento diz: “eu tinha uma namorada em Caruaru [...]. Aí ela mandava carta para mim. Aí eu mandava um colega ler. Aí ele lia e ele mesmo fazia para mim, eu pagava a ele. Ele tinha uma caligrafia bonita. Quando eu ia lá pra Caruaru - eu trabalhava na Rodoviária Caruaruense, nessa época eu era cobrador de ônibus - aí ela ficava elogiando minha caligrafia e eu não sabia de nada. Era ele que escrevia, né? Leu eu não lia, nem escrevia” O depoimento deste senhor revela que a utilização de cartas fazia parte do seu coti- diano. Conhecia o gênero textual “cartas” sem, no entanto, dominar o código escrito. Nesse caso, você pôde observar que sempre terá a mediação de outra pessoa, assim como na leitura de uma receita ou de um jornal. Agora, convido você a analisar a sua trajetória de vida. Em algum momento as cartas fizeram parte do seu cotidiano familiar (pais, tios ou avós)? Se elas não estavam inseridas em suas experiências familiares, quero instigá-lo(a) a ter um bate papo com uma pessoa com mais de 65 anos que não frequentou a escola regular na infância (parente, vizinho ou colega) e perguntar se faziam uso de cartas no seu cotidiano e quais estratégias utilizavam. UNICESUMAR 119 NOVAS DESCOBERTAS Incentivo que você, aluno(a), acesse o QR code a seguir e conheça o poema “Retrato” de Cecília Meireles na íntegra. O segundo exemplo de gênero textual é o poema/poesia. Como trabalhar com alunos da EJA? Para exemplificação, apresentamos o trabalho com o poema “Re- trato” da autora Cecília Meireles, disponibilizado nas orientações pedagógicas para a EJA do estado de São Paulo (2010). Neste poema, a autora “[...] busca enxergar e aprender mais profundamente uma realidade existencial que se concretiza numa imagem espelhada. Usando a linguagem poética, externa sentimentos sobre a pas- sagem do tempo” (SÃO PAULO, 2010, p. 40). Com base neste poema o professor da EJA pode trabalhar a temática identidade, o que é essencial nesta modalidade, incentivar os alunos a analisarem a percepção que têm deles mesmos. O título do poema “Retrato” já é sugestivo, você não acha? Permite, por exem- plo, o questionamento: como seria seu retrato em palavras? As palavras podem ser escritas pelo professor. Após essa primeira etapa, o professor pode fazer a leitura do poema, comparar com as palavras que os alunos falaram, destacar semelhan- ças e diferenças e fazer o levantamento de palavras conhecidas e desconhecidas pelos alunos. Poderá, ainda, destacar palavras como rosto, mãos, coração e retrato ou outras que tenham sentido para os alunos. A partir disso, explorar a estrutura de um poema, quem é a autora, sobre o que ela escreve, utilizar diferentes recursos (letras móveis, computador, entre outros). Depois de um trabalho de exploração do poema, ainda é possível explorar a oralidade, solicitando aos alunos o reconto do poema (SÃO PAULO, 2010). Você observou como pode ser interessante o trabalho com poemas na EJA? O mesmo vale para poesias e músicas. O terceiro exemplo de gênero textual é o trabalho com rótulos. Neste caso, o pro- fessor pode fazer uma seleção de rótulos de diferentes produtos ou solicitar para que cada aluno leve o rótulo de um produto que utiliza em sua casa para a sala de aula. Essa estratégia é interessante, pois terá uma variedade de rótulos a serem explorados. Albuquerque e Leal (2013) acrescentam que o docente pode trabalhar https://www.escritas.org/pt/t/1505/retrato UNIDADE 3 120 outras palavras correspondentes a marcas ou nomes dos produtos por meio de um bingo de palavras. No quesito oralidade, pode ser promovida uma discussão sobre as características dos rótulos (apresentação gráfica, função), bem como a lista de ingredientes (caso tenha), validade e outras informações composicionais. Caro(a) aluno(a), pontuei três possibilidades de trabalho com gêneros textuais e algumas sugestões de como iniciar este trabalho. Elas podem ser modificadas e aperfeiçoadas. O objetivo aqui não é findar as discussões sobre essa temática que é tão rica e abrangente, mas despertar o seu interesse em buscar novas perspectivas de trabalhar com gêneros textuais (carta, poema e rótulo), considerando a realidade dos alunos e perceber se faz sentido trabalhar com eles ou não, bem como instigá-lo a buscar outros gêneros textuais que sejam coerentes nas turmas de EJA (charges, lista de compras, anúncios em classificados, bilhetes, receitas, notícia jornalística etc.). Portanto, a ideia não é oferecer modelos ou receitas prontas, pois são inefi- cientes, mas que você possa analisar criticamente acerca dessa temática e caso venha atuar na educação de jovens e adultos possa desenvolver práticas pedagógicas que efetivamente contribuam na formação de um sujeito integral, explorando a diver- sidade de atividades que estejam de acordo com a realidade dos alunos. E, com essas reflexões, finalizamos nossa terceira unidade. Espero que contri- buam para que você se aproprie de conhecimentos necessários para atuação do pedagogo na Educação deJovens e Adultos. Isso implica conhecer o perfil dos estudantes desta modalidade de educação, entender quais as dificuldades que já enfrentaram e quais suas perspectivas em relação ao processo de aprendizagem depois de um período distante da escola. Período que para os mais jovens pode ser alguns poucos anos, mas para outros, décadas longe dos bancos escolares. Compreender quem é o sujeito que está hoje na EJA permite práticas docentes que consideram as vivências desses indivíduos, e promovam o crescimento pes- soal e profissional, exercendo sua cidadania em diferentes contextos. Enfim, o trabalho desenvolvido em turmas de EJA passa pelo processo de alfabetização e letramento e, como vimos no decorrer da unidade, são processos que devem caminhar juntos, levando o aluno a dominar o código escrito e ser capaz de atribuir sentido ao que lê e escreve. A partir disso, convido você a escolher um gênero textual e elaborar uma proposta de trabalho para uma turma do Ensino Fundamental (anos iniciais), considerando a alfabetização e o letramento do es- tudante da EJA, bem como a diversidade de faixa etária e vivências desses alunos. Bons estudos! 121 1. Analise a situação a seguir: Pedro tem 19 anos e deixou de frequentar a escola em 2014, quando tinha 15 anos, depois de 3 reprovações no 7º ano do Ensino Funda- mental. Ele começou a faltar às aulas para se reunir com um grupo de amigos que fizera no seu bairro. Ao final do ano letivo, não conseguiu aprovação e o mesmo aconteceu nos dois anos seguintes, sendo que no último ano que tentou refazer o 7º ano considerou o pior, pois além de considerar a escola “chata”, não se sentia bem na sala de aula com os colegas, pois era o maior da turma. Esses fatores contri- buíram para que Pedro desistisse da escola regular e, em 2019, aos 19 anos buscou oportunidades de trabalho para ajudar nas despesas da casa, mas enfrentou gran- des dificuldades. Percebeu que a maioria dos empregos exigia no mínimo o Ensino Médio. Pensando nisso, procurou uma escola perto de sua residência que ofertava a Educação de Jovens e Adultos para concluir a Educação Básica. Agora, verifique o gráfico a seguir: Descrição da Imagem: O gráfico apresenta o número de alunos matriculados na educação de jovens e adultos no ano de 2019, tendo como critério a faixa etária. São 130.580 alunos com 60 anos ou mais, 215.431 alunos de 50 a 59 anos, 512.617 alunos de 30 a 39 anos, 979.600 alunos de 20 a 29 anos e 1.054.985 alunos com menos de 20 anos. Fonte: Adaptado de Inep (2020). / Disponível em: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/matriculas-na-educacao-de- -jovens-e-adultos-cai-3-3-milhoes-de-estudantes-na-eja-em-2019/21206 . Acesso em: 26 fev. 2021 . http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/matriculas-na-educacao-de-jovens-e-adultos-cai-3-3-milhoes-de-estudantes-na-eja-em-2019/21206 http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/matriculas-na-educacao-de-jovens-e-adultos-cai-3-3-milhoes-de-estudantes-na-eja-em-2019/21206 http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/matriculas-na-educacao-de-jovens-e-adultos-cai-3-3-milhoes-de-estudantes-na-eja-em-2019/21206 122 A partir do estudo de caso e do gráfico apresentado, analise as alternativas a seguir e assinale a correta: f) Considerando o gráfico, Pedro faz parte do grupo que representa a minoria dos alunos que está matriculada hoje na Educação de Jovens e Adultos, pois o maior número de alunos que estão nesta modalidade de educação é formado por es- tudantes com mais de 40 anos. g) Uma das motivações que fica evidente no relato de Pedro ao buscar a EJA é a valorização social, ou seja, Pedro objetiva concluir o Ensino Médio, etapa da Educação Básica que interrompeu os estudos para sentir-se valorizado em sua comunidade e no contexto familiar. h) A principal motivação de Pedro correlaciona-se ao que muitos alunos que estão na EJA almejam, ou seja, a inserção no mercado de trabalho. A qualificação profis- sional é um aspecto fundamental para muitos alunos jovens e adultos que estão nesta modalidade de ensino. i) A partir da experiência de Pedro na Educação Básica, podemos inferir que até o último ano que frequentou o ensino regular, atribuía sentido à escola. Entendia sua função social, mesmo afirmando que a escola era “chata”. Por isso mesmo, Pedro se enquadra no 2º maior grupo de matrículas na EJA, conforme o gráfico apresenta. j) A partir do relato de Pedro, podemos inferir que a falta de motivação em dar continuidade aos estudos na escola regular contribuiu na sua evasão, sendo o principal motivo a falta de incentivo da família. Assim, como Pedro, alunos do 1º e 2º grupos do gráfico que totalizam 1.567.602, evadiram da escola regular pelo mesmo motivo. 2. O letramento e a alfabetização são dois termos distintos, mas que não podem ser trabalhados na educação de jovens e adultos de forma separada. Para Soares (2020) alfabetização e letramento no processo de aprendizagem da língua escrita são simul- tâneos, indissociáveis e interdependentes. O sujeito elabora seus conhecimentos a respeito do sistema alfabético e ortográfico da língua escrita a partir de situações de letramento. SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2020. Analise as situações que representam propostas didáticas que trabalham na pers- pectiva da alfabetização e letramento na EJA. 123 I - A professora Raquel atua em uma sala de alfabetização de jovens e adultos em um centro urbano. 95% de seus alunos é composto de jovens com menos de 20 anos. Para explorar os gêneros textuais, escolheu trabalhar com a temática “cartas”, levando o acervo de cartas de sua mãe. Para explorar a escrita dos alunos, escreveu alguns trechos de cartas no quadro e solicitou que os alunos copiassem no caderno. II - No início do semestre, o professor Carlos começou a trabalhar com alunos da EJA. Para motivá-los no que se refere ao processo de aprendizagem, fez um levanta- mento dos principais assuntos de interesse dos alunos. A música foi mencionada pela maioria dos estudantes. Notou a predominância de um determinado estilo musical. A partir deste levantamento inicial, Carlos trabalhou ao longo da semana músicas que eram de conhecimento dos alunos, explorando o sistema de escrita e contextualizando com as vivências dos alunos. III - Na turma de Ensino Fundamental da EJA em que o professor Edson atua, há uma diversidade de idade. São alunos entre 18 e 75 anos, o que é um grande desafio. Para contemplar todos os alunos, o professor Edson propôs a seguinte atividade: levou para sala de aula 5 nomes de jogos eletrônicos atuais, explicou as características dos jogos eletrônicos e personagens. Reuniu os alunos em dupla, seguindo o critério de idade, ou seja, jovem com jovem, adulto com adul- to e idosos com idoso. Feita a organização das duplas, solicitou que os alunos criassem um jogo eletrônico. IV - A professora Camila trabalha no Ensino Fundamental com alunos da EJA. A turma é formada, prioritariamente, por alunos entre 40-50 anos de idade. Na última se- mana, percebeu que os alunos estavam conversando sobre as notícias políticas divulgadas por diferentes meios de comunicação e que impactaram o país. A pro- fessora Camila, aproveitou o interesse dos alunos e levou para sala de aula jornais impressos para explorar este gênero textual. Iniciou a aula lendo a manchete de uma notícia, após, leu a notícia e fez alguns questionamentos, problematizando o conteúdo da reportagem e instigando os alunos a participarem com suas opiniões. Depois, reuniu os alunos em grupo para a realização de uma atividade escrita. Está correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) II e III, apenas. c) II e IV, apenas. d) I, II e III, apenas. e) I, III e IV, apenas. 124 3. Os alunos que frequentam a educação de jovens e adultos atualmente têm diferentes perspectivas quanto ao ensino, ou seja, asmotivações que levam os indivíduos a vol- tarem estudar são diversas. Em turmas de alfabetização, muitos almejam conquistar a autonomia para fazer uso da leitura e escrita em situações do cotidiano, como anotar um recado e identificar o número do ônibus. A partir do exposto, analise os depoimentos a seguir: “Eu me matriculei na EJA para aprender a ler e escrever e não depender de ninguém para ler as receitas culinárias. Sou cozinheira e muitas vezes não consigo entender as receitas” (Antônia, 58 anos). “Eu quero aprender a ler e escrever porque preciso ficar o tempo todo perguntando as coisas para os outros” (Lúcia, 42 anos). Elaborado pela professora (2021). Considerando o contexto e os depoimentos apresentados, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas. I - I. Os dois depoimentos indicam uma característica em comum, qual seja, o desejo de aprender a ler e escrever para, consequentemente, conquistar a autonomia no meio em que estão inseridas. Aprender a ler e escrever sem depender da ajuda de outros é algo importante para essas pessoas. Porque II - II. A autonomia na perspectiva dos alunos em turmas de alfabetização de jo- vens e adultos está atrelada ao desenvolvimento de práticas de leitura e escrita complexas. Entendem que precisam ao final do primeiro mês de aula dominar o sistema alfabético sem cometer erros ortográficos para produzirem redações de temas relevantes em âmbito mundial. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta. a) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II é uma justificativa correta da I. b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa. d) A asserção I é uma proposição falsa e a II é uma proposição verdadeira. e) As asserções I e II são proposições falsas. 4O Currículo da EJA e o Papel do Professor Dra. Suzi Maria Nunes Cordeiro Me. Fernanda Regina Cinque de Brito Me. Marcia Maria Previato de Souza Olá, caro(a) aluno(a), agora que você já conhece o histórico da modalida- de da EJA, suas políticas e bases teóricas, bem como o perfil dos alunos, que tal conhecer a organização curricular dos anos iniciais do Ensino Fundamental para jovens e adultos? Convido você a refletir, agora, sobre a organização e aprendizagem dos conteúdos escolares na educação de jovens e adultos, para compreender os limites e possibilidades no processo de ensino e de aprendizagem. Também vamos explorar os currículos e as perspectivas para uma educação emancipatória, a fim de identificar as necessidades da formação de jovens e adultos. Para finalizar, conheceremos o papel do professor nessa modalidade de ensino e o sistema avaliativo na prática pedagógica, para reconhecer as práticas docentes nos processos de ensino e avaliação. UNIDADE 4 126 Marli é professora da rede pública há 10 anos. Ela tem uma vasta experiência no ensino regular, com crianças do ciclo de alfabetização. Esse ano passou em um concurso para trabalhar na EJA, porém, está com muita dificuldade de adequar as atividades para esse novo público. Ela sente que o currículo parece não estar adequado e não sabe como proceder. Então, deseja avaliar todo o conteúdo progra- mático da Educação de Jovens e Adultos, mas não sabe por onde começar. E agora? Os conteúdos elencados para se trabalhar na EJA passam pelo mesmo proces- so do ensino regular, visto que a modalidade é composta por Ensino Fundamental e Médio. A diferença é que em vez de cursar as referidas etapas na infância, o sujeito as frequenta na juventude ou vida adulta, o que demanda uma nova pers- pectiva do professor, para não ter abordagens infantis, como utilizar músicas e atividades de animais e demais aspectos associados ao mundo da criança. Sabendo que os conteúdos da EJA passam pelo mesmo processo de seleção do ensino regular, por onde Marli poderia começar a pesquisar sobre eles? In- vestigue na internet os documentos curriculares que amparam a elaboração dos conteúdos programáticos da Educação de Jovens e Adultos. A partir da sua experiência, faça uma lista com cinco documentos que você encontrou e que estejam relacionados com a elaboração dos currículos da EJA, anotando em seu diário de bordo e reflita sobre as semelhanças e diferenças existentes nos currículos da Educação de Jovens e Adultos em comparação com o currículo do Ensino Fundamental e Médio para crianças e adolescentes. UNICESUMAR 127 Segundo os dados do IBGE de 2021, atualmente o Brasil possui uma população estimada em mais de 213 milhões, dos quais cerca de 176 milhões são pessoas com 15 anos ou mais. Considerando a estimativa atual, do público de jovens e adultos, você sabe qual é a porcentagem de brasileiros que são analfabetos? E a quantidade considerada de analfa- betos funcionais? Desafio você a fazer essa pesquisa e, ainda, a descobrir essas taxas em seu estado ou município. Fonte: Brasil (2019; 2021). PENSANDO JUNTOS Vimos, em discussões anteriores, um pouco sobre a alfabetização de jovens e adul- tos e a importância do letramento neste processo. Mas será que a EJA se resume apenas à alfabetização desses alunos? Com certeza esse é um papel fundamental em nosso país, onde ainda temos milhões de brasileiros analfabetos ou considerados analfabetos funcionais. Contudo, o currículo da modalidade de Educação de Jovens e Adultos vai para além e tem como pressupostos teóricos e contextos de influência os encontros internacionais de Educação, que norteiam as ações político-pedagó- gicas nacionais. Dessa forma, vamos refletir sobre essas influências na Formação de jovens e adultos a partir da reforma da Educação de 1990. UNIDADE 4 128 A taxa de analfabetismo no Brasil está relacionada com o público da Educação de Jovens e Adultos, visto que para o levantamento desses dados são consideradas pessoas acima de 15 anos de idade e que não sabem ler e escrever (BRASIL, 2019). Essa população que está fora das escolas de ensino regular demandam políticas que assegurem seu retorno ao processo de escolarização, que nessa faixa etária ocorre por meio da modalidade EJA. Por isso, conhecer esses números é impor- tante para nosso papel enquanto cidadãos e professores, pois devemos alertar a sociedade da necessidade de se preocupar com a Educação e mobilizá-la para a valorização e investimento nesta área. Mas, como? Elucidando os impactos que a falta de escolarização causa no indivíduo e no coletivo. O indivíduo que não possui uma educação escolar de qualidade tende a não compreender as formas de relação social existentes em todos os setores, como Figura 1- Taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais de idade (2019) Descrição da Imagem: Há um mapa do Brasil com as regiões destacadas em cores diferentes, ao lado te- mos, representando a taxa de analfabetismo em porcentagem por regiões, um gráfico em barras com as se- guintes informações: Brasil - 6,6%, sudeste: 3,3%, sul: 3,3%, centro-oeste: 4,9%; norte:7,6%; nordeste: 13,9%. UNICESUMAR 129 a relação com seus familiares, vizinhos, chefes, entre outros. Isso ocorre porque pode não (re)conhecer seus direitos e deveres, o que o deixa em uma situação de vulnerabilidade social (GOLDEMBERG, 1993). Infelizmente, neste contexto, temos outras pessoas que, perante melhores condições, têm acesso à educação es- colar, mas utilizam seus conhecimentos para se aproveitarem de quem não o teve. As relações de poder entre empregador e empregado é um exemplo, ainda mais em um contexto de reforma do trabalho em que deixa os acordos entre essas duas partes mais livres. Vejamos: se o empregado não tem os conhecimentos básicos de seus direitos, pode sair prejudicado nessa relação, caso o empregador queira estabele- cer um contrato que favoreça a si e não garanta as condições adequadas de trabalho, salário digno e outros direitos do trabalhador. Ou, ainda, inserir demandas que sobre- carregam a função do empregado,caso ele não tenha conhecimento de seus deveres. Esse é apenas um exemplo, mas ainda temos as questões que podem ocorrer em outros setores da sociedade, tais como, na própria Educação, em que o sujeito se sente envergonhado de voltar a estudar ou de reivindicar seu acesso à escola, por não saber que se trata de um direito social e, por isso, não retorna à escola (AJALA, 2011). Ou, ainda, quando não recorre ao Ministério Público para exigir vagas nas escolas para seus filhos que estão sem matrícula; remédios necessários para sua sobrevivência retirados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os quais não conse- guiria pagar e outros tantos serviços e direitos que se referem a sua vida particular. Como se tudo isso não fosse o suficiente para compreendermos a relevância da Educação de Jovens e Adultos, ain- da temos os impactos da não escola- rização para o coletivo. Isso acontece porque quanto mais pessoas analfa- betas absolutas ou funcionais, menos pessoas ativas na sociedade teremos. Quando conseguem ocupar algum cargo, ainda assim, essas pessoas fi- cam sem condições de ajudarem no sustento da família, o que nos leva a uma das maiores preocupações da humanidade: a falta de alimentação adequada ou inexistente (COSTA; CORREA, 2014). UNIDADE 4 130 Isso mesmo, caro(a) aluno(a), a falta de escolarização também está relacionada à fome, sobretudo em nosso país que possui uma riqueza de alimentos e suas produções. Dessa forma, o sujeito que não conclui a Educação Básica tem maior dificuldade de empregabilidade e maior risco de não se alimentar adequada ou minimamente. Por isso, muitos documentos da Educação, a nível global e nacional, têm como um dos objetivos erradicar o analfabetismo e buscar a redução da pobre- za. Um exemplo é a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, elabora- da a pedido da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), durante a Conferência Mundial sobre Educação para Todos - Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, em Jomtien, na Tailândia, em 1990 (UNESCO, 1990). Logo no artigo 1º do referido documen- to, que trata sobre satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, vemos a menção à educação de jovens e adultos: “ 1. Cada pessoa - criança, jovem ou adulto - deve estar em con- dições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e ati- tudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo. 2. A satisfa- ção dessas necessidades confere aos membros de uma sociedade a possibilidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de respeitar e desenvolver sua herança cultural, lingüística e espiritual, de promo- ver a educação de outros, de defender a causa da justiça social, de proteger o meio-ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais, políticos e religiosos que difiram dos seus, assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos humanos comumente aceitos, bem como de trabalhar pela paz e pela solidariedade internacionais em UNICESUMAR 131 um mundo interdependente. 3. Outro objetivo, não menos fun- damental, do desenvolvimento da educação, é o enriquecimento dos valores culturais e morais comuns. É nesses valores que os in- divíduos e a sociedade encontram sua identidade e sua dignidade. 4. A educação básica é mais do que uma finalidade em si mesma. Ela é a base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes, sobre a qual os países podem construir, sistematica- mente, níveis e tipos mais adiantados de educação e capacitação (UNESCO, 1990, p. 1-2 - grifos no original). O artigo mostra que para que o sujeito esteja em condições de aprender, primeiro, deve ter as demais necessidades satisfeitas, o que envolve alimentação e saúde. Isso se torna um ciclo, pois, para que haja essa condição, o sujeito e sua família precisam ter uma estabilidade social que vem perante uma boa educação. E não para por aqui. O documento ainda salienta em diversos trechos a educação para todos, que inclui de forma expressa a educação de jovens e adultos, sendo necessário universalizar a Educação Básica e melhorar sua qualidade, tomando as medidas necessárias para ser equitativa e reduzir as desigualdades sociais (UNESCO, 1990). A alfabetização de jovens e adultos é mencionada como fundamental para o sujeito e para a sociedade como um todo: “ As necessidades básicas de aprendizagem de jovens e adultos são diversas, e devem ser atendidas mediante uma variedade de siste- mas. Os programas de alfabetização são indispensáveis, dado que saber ler e escrever constitui-se uma capacidade necessária em si mesma, sendo ainda o fundamento de outras habilidades vitais. A alfabetização na língua materna fortalece a identidade e a heran- ça cultural. Outras necessidades podem ser satisfeitas mediante a capacitação técnica, a aprendizagem de ofícios e os programas de educação formal e não formal em matérias como saúde, nutrição, população, técnicas agrícolas, meio-ambiente, ciência, tecnologia, vida familiar - incluindo-se aí a questão da natalidade - e outros problemas sociais (UNESCO, 1990, p. 4). Considerando o exposto, o Brasil assumiu um compromisso com a agenda inter- nacional de colocar em prática os princípios da Educação para todos ao longo da década de 1990, a fim de melhorar a qualidade da educação escolar e da vida dos UNIDADE 4 132 cidadãos. No que tange à educação de jovens e adultos, uma das metas era reduzir em 50% o número de analfabetos acima de 15 anos, no Brasil. Com o início do século XXI todos os compromissos deveriam estar em prática para formação do cidadão, para atuação na sociedade deste novo século (UNESCO, 1990). Os pactos da Conferência de Jomtien foram reforçados em 1993, na Confe- rência de Nova Delhi, Índia, que deu continuidade nos debates sobre educação para todos, reunindo, desta vez, os nove países mais populosos e que estavam enfrentando dificuldades para alcançar a meta de universalização da Educação Primária: Indonésia, China, Bangladesh, Brasil, Egito, México, Nigéria, Paquistão e Índia. Todos concordaram com a data-limite para o cumprimento das metas, sendo o ano de 2000 (UNESCO, 1993). Para tanto, deveriam ampliar a oferta de vagas na escola elementar, bem como os programas de alfabetização de adultos (RABELO; SEGUNDO; JIMENEZ, 2009). Em 1997 foi realizada a pedido, também, da Unesco, a V Conferência Inter- nacional sobre Educação de Adultos (V CONFINTEA), em Hamburgo, na Ale- manha. Mais compromissos foram firmados, referentes à Agenda para o futuro com a discussão sobre “Educação ao longo da vida”. Nesse contexto, a reflexão foi em torno da formação do cidadão não apenas para sua alfabetização, que apesar de ser fundamental para a educação ao longo da vida, não é exclusividade na educação de jovens e adultos, visto que precisamos pensar neste sujeito como alguém que aprende dentro e fora da escola e que continua a aprender mesmo após concluir seus estudos na Educação Básica. Em outras palavras, deve-se con- siderar a formação pessoal, para a cidadania, para atuação na economia e na sua melhoria de qualidade de vida (UNESCO, 1997). É interessante verificarmos como todo esse contexto impactou nas políticas brasileiras e ditou o ritmo da Reforma da Educação na década de 1990. Como você pode notar, caro(a)aluno(a), a cobrança maior de organismos internacio- nais, como a Unesco, é na universalização da educação, chamada de elementar ou primária neste período, e que hoje definimos, no Brasil, como Educação Bá- sica. Isso para países em desenvolvimento, que na época estavam endividados, com crise econômica e uma grande população à beira do caos devido ao grande número de pessoas na linha da pobreza e extrema pobreza. A educação esco- lar viria como condição inegável para que esses países continuassem seus acor- dos internacionais, empréstimos no Banco Mundial, como forma de garantir o pagamento de dívidas externas à medida que sua população tivesse condições UNICESUMAR 133 Quer saber um pouco mais do contexto nacional que levou o Brasil a aderir aos acordos internacionais para a Edu- cação? Acesse nosso podcast. Nesse contexto político internacional da década de 1990, as séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série, até então), receberam mais atenção na reforma educacional em nosso país, visto que estavam intimamente ligadas aos preceitos de alfabetização e aumento de matrículas. Contudo, você considera que, nas po- líticas, para que haja educação escolar com qualidade no ensino, deve-se pensar em toda a engrenagem? Isto, pois, as evidências políticas nos mostram que houve reformas isoladas, etapa por etapa, mas, na verdade, nós sabemos que se trata de um complexo maior, não é mesmo, caro(a) aluno(a)? Ao pensar em uma reforma na Educação, como não considerar todos os níveis, as etapas e as modalidades em um mesmo sentido de mudanças? Tem como realizar uma reforma visando a qualidade só em uma etapa e excluir os impactos que ela causa nas demais? Ou, ainda, que a não reforma das outras partes pode prejudicar a primeira? Pois bem, foi isso que aconteceu na década de 1990. O foco foi para a etapa do Ensino Fundamental, anos iniciais, enquanto a formação dos professores em nível Superior ficou à margem, assim como as demais etapas da educação elementar (Educação Infantil, Ensino Fundamental nos anos finais e Ensino Médio) e suas modalidades, em que se encontra a EJA. O resultado foi de uma parcialidade no cumprimento das metas estabelecidas nos encontros internacionais. Ao resgatarmos os estudos da época, com foco na Educação de Jovens e Adul- tos, vemos que os objetivos e metas estabelecidos não foram cumpridos no Brasil. Haddad e Pierro (2000, p. 39), por exemplo, realizaram algumas análises sobre as ações do Estado na agenda nacional da educação para todos e avaliaram os mínimas de se formar para o mercado de trabalho, atuar girando a economia, os lucros, bem como tivessem melhores condições de saúde e qualidade de vida (SOUZA; KERBAUY, 2018). : https://vimeo.com/553401351/1fe078013c UNIDADE 4 134 resultados obtidos até então. Os autores concluíram que “[...] não houve uma am- pliação significativa das oportunidades educacionais para a população brasileira jovem e adulta [...]”, o que consequentemente levou o país a não atingir em 2000 a redução do analfabetismo, que deveria chegar a cerca de 9 milhões para atingir a meta de diminuir em 50% os casos. Vejamos, a seguir, uma tabela que evidencia a taxa de analfabetismo ao longo dos anos no Brasil: População de 15 anos ou mais analfabeta Ano Total Analfa- beta Taxa de Analfabetismo 1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 9.728 17.564 23.648 30.188 40.233 53.633 74.600 94.891 119.533 6.348 11.409 13.269 15.272 15.964 18.100 19.356 18.682 16.295 65,3 65,0 56,1 50,6 39,7 33,7 25,9 19,7 13,6 Tabela 1: Quadro sobre analfabetismo no Brasil - 1900/2000 Fonte: Adaptado de Haddad e Pierro (2000, p. 30) e Brasil (2000a). Percebemos que, ao longo do século, a porcentagem de analfabetos comparado a população existente foi diminuindo, mas o contingente de pessoas que não sabem ler e escrever aumentou. Pelo tamanho da nossa população e as escolhas políticas que envolvem as tomadas de decisões para erradicação do analfabetismo, os pas- sos foram curtos e ineficazes, sobretudo ao longo da década de 1990 (HADDAD; PIERRO, 2000). Chegamos em 2000 com 13,6% da população acima de 15 anos, analfabeta. Segundo o Censo do IBGE (2000), essa porcentagem correspondia a mais de 16 milhões de jovens e adultos (BRASIL, 2000a). Na sequência da agenda internacional sobre a educação para todos, tivemos em Dakar, no Senegal, a Cúpula Mundial de Educação, em 2000, onde ocorreu o Fórum de Dakar – Educação para todos, reunindo 180 países com o objetivo de reafirmar a educação como um direito fundamental para todos(as) e a chave para um desenvolvi- mento sustentável. O compromisso assumido pelos países partícipes da Conferência UNICESUMAR 135 de Jomtien, ocorrida dez anos antes, foi restabelecido como uma condição indispen- sável para os países que desejassem ter uma sociedade participativa e uma economia efetiva no século XXI. Neste documento é salientado que a Educação é um direito fundamental e propulsor do desenvolvimento sustentável, da paz e da boa relação entre os países. Também ficou estabelecido um novo prazo para o cumprimento das metas de educação para todos, que seria 2015 (UNESCO, 2000). Foi a partir desta conferência que o Brasil iniciou as políticas mais voltadas para a EJA. Mesmo que a Constituição Federal de 1988 já tivesse mencionado a Educação de Jovens e Adultos de forma indireta no artigo 208, pelo inciso I, que garante a Educação Básica gratuita inclusive para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria e que a LDBEN de 1996 já tivesse estabelecido na seção V sobre sua oferta; pouco tinha sido realizado para a prática desta modalidade à população, o que incluiria: organização curricular por meio de diretrizes; leis próprias para investimentos; financiamento da educação de jovens e adultos para construção de escolas adequadas, compra de materiais didáticos necessários, formação e contratação de professores etc. (BRASIL, 1988; 1996a). Infelizmente, o que havia sido feito até então sobre a questão de investimento foi o contrário, pois, por meio da Emenda Constitucional nº 14, de 1996, o artigo 60 da Constituição definiu com base na LDBEN (1996) que o financiamento da educação por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), somente seria realizado nos 10 anos de vigên- cia desta emenda, para o ensino fundamental regular, deixando de fora a modalidade de EJA e inviabilizando os investimentos para suas políticas (BRASIL, 1996a; 1996b). Somente em 10 de maio de 2000 tivemos a primeira Diretriz sobre a Educação de Jovens e Adultos, elaborada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e com base nos preceitos ressaltados na V Confintea (1997), mencionada em pa- rágrafos acima. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (DCN, 2000) já traziam a modalidade como uma reparação social; uma importante formação do sujeito privado de um direito de todos(as); a necessidade de uma alfabetização de adultos com letramento; bem como a função social de equalizar as oportunidades entre gêneros e classes (BRASIL, 2000b). Além da declaração de Hamburgo, a referida Diretriz também mencionou o Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, de 1996, outro documento elaborado a pedido da Unesco, a fim de orientar os países signa- UNIDADE 4 136 tários sobre a Educação para o novo século. Apesar de o título do documento ser “Educação: um tesouro a descobrir”, ficou mais conhecido como Relatório Delors, por ter sido redigido e liderado pelo político francês Jacques Delors. Os quatro pilares da Educação são mencionados, sendo: aprender a aprender; aprender a fazer; aprender a ser e aprender a conviver (UNESCO, 1996). Um dos dizeres do Relatório Delors que foi citado nas Diretrizes de 2000, foi: “ Uma educação permanente, realmente dirigida às necessidades das sociedades modernas não pode continuar a definir-se em relação a um período particular da vida_ educação de adultos, por opo- sição à dos jovens, por exemplo _ ou a uma finalidade demasiado circunscrita _ a formação profissional, distinta da formação geral. Doravante, temos de aprender durante toda a vida e uns saberes penetram e enriquecem os outros (UNESCO, 1996, p. 89). Com base no exposto, alguns esforços começaram a ser realizados para efetivar a modalidade de EJA na prática e todo esse contexto culminou na elaboração dos currículos ao longo das décadas de 2000 e 2010, chegando à forma como conhecemos atualmente. Novas Diretrizes foram elaboradas após a de 2000. Ti- vemos Pareceres e Resoluções ao longo dos anos que atualizaram as mudanças na EJA, organizaram a forma de ensino, demais aspectos pedagógicos, bem como as operações quanto às matrículas e outros assuntos burocráticos. Ao observarmos os relatórios ao fim do prazo que o Brasil tinha, juntamente com outros países, para alcançar a meta de melhorar o nível de alfabetização de adultos em 50% da população acima de 15 anos de idade, verificamos a seguinte constatação: “ [...] é particularmente desafiador para os países mais populosos do Hemisfério Sul, caso do Brasil. Por isso mesmo, ao lado de outras nações, o Brasil integra a iniciativa E-9 11, que tem por finalidade construir uma agenda especial para os países onde vivem cerca de 70% dos jovens, adultos e idosos analfabetos do mundo. Muitos passos foram dados nesta direção. Os desafios, entretanto, perma- necem. [...] A educação de jovens e adultos no País é oferecida em estabelecimentos regulares de ensino pela rede pública e privada, mediante iniciativas governamentais e não governamentais, assim UNICESUMAR 137 como de programas especiais. No âmbito das redes públicas esta- duais e municipais de ensino há modelos diferenciados de oferta de EJA: tanto existem turmas de Alfabetização, Ensino Fundamental e Ensino Médio em escolas da rede, como em unidades próprias de EJA, com opções diversificadas e abertas concebidas para este públi- co. Outras iniciativas são de natureza distinta e ofertadas através de alternativas especiais, como algumas das ações tratadas no Objetivo 3, caso do Proeja e Projovem (BRASIL, 2014a, p. 36-37). Dessa forma, vemos que a meta não foi alcançada e é comum para a apresentação dos dados, vermos os gráficos indicando apenas a porcentagem de analfabetos, mas não os números em milhares, observe a figura 2: Figura 2: Gráfico sobre a taxa de analfabetismo da população de 15 ou mais anos de idade, no Brasil 2001 - 2012 / Fonte: Brasil (2014a, p. 37) Descrição da Imagem: O gráfico mostra a diminuição do analfabetismo da população de 15 anos ou mais, no Brasil, a partir de 2001 com 12,4% dessa população analfabeta, passando em 2002 a 11,9; 2003 com 11,6; 2004 com 11,5; 2005 com 11,2; 2006 com 10,5; 2007 com 10,1; 2008 com 10,0; 2009 com 9,7; 2011 com 8,6 e 2012 com 8,7%. Apesar de vermos novamente uma porcentagem diminuindo ao longo do tempo, o número de brasileiros na faixa etária pesquisada era mais de 13 milhões de pessoas acima de 15 anos de idade, analfabetas. Ou seja, em 12 anos o Brasil conseguiu efetivar a alfabetização de cerca de 3 milhões de brasileiros desde o ano de 2000, que possuía mais de 16 milhões de analfabetos (BRASIL, 2012; BRASIL, 2014a). O Relatório de Educação para todos no Brasil: 2000-2015 foi elaborado pelo Ministério da Educação e apresentado no Fórum Mundial de Educação de 2015, em Incheon, na China. A partir deste encontro ficou estabelecida a nova agenda UNIDADE 4 138 internacional para “Educação 2030: rumo a educação de qualidade inclusiva e equi- tativa à educação ao longo da vida para todos”. Nessa nova declaração afirmou-se que a educação deveria ser pensada de forma a envolver todas as pessoas, sem qual- quer natureza de exclusão, visando de forma “[...] ousada e ambiciosa [...]” as metas para a educação até o ano de 2030 sem deixar “[...] ninguém para trás” (UNESCO, 2015, p. 1). Ao que se refere a educação de jovens e adultos temos a seguinte meta: “ [...] garantir que todos os jovens e adultos, especialmente as meninas e as mulheres, alcancem níveis de proficiência em habilidades básicas em alfabetização e matemática, que sejam relevantes e reconhecidos, adquiram habilidades para a vida e tenham oportunidades de apren- dizagem, educação e formação na vida adulta (UNESCO, 2015, p. 2). Agora, os países membros dessa agenda estão se organizando, a cada ano, para alcançarem as metas internacionais e internas, de acordo com suas necessidades, realidades e políticas. Como as expectativas tanto da agenda para 2030, quanto dos resquícios de metas não alcançadas anteriormente, o Brasil estabelece, desde então, as políticas internas para conseguir atingir os objetivos com a educação escolar, incluindo a EJA. Tivemos ao longo deste percurso documentos essenciais para as melhorias na educação ofertada aos jovens e adultos, tais como o atual Plano Nacional de Educação (2014-2024) e a Base Nacional Comum Curricular (2018), ambos com objetivos de universalizar o acesso à educação escolar e promover um ensino de qualidade nas escolas (BRASIL, 2014b; 2018). Por isso, precisamos refletir sobre como ficará o currículo nessas novas décadas, para tanto, convidamos você a verificar os documentos mais influentes do currículo vigente. Para você se aprofundar nas políticas realizadas ao longo das décadas passa- das (de 1990 até 2020), preparamos um infográfico com as principais ações do Estado ou dos governos e suas implicações para a Educação de Jovens e Adultos: ■ Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003): Apesar de prever “Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, provendo-lhes as competências fundamentais requeridas para plena participação na vida econômica, social, política e cultural do País, especialmente as necessidades do mundo do trabalho” (BRASIL, 1993, p. UNICESUMAR 139 37) e “[...] ampliar o atendimento de jovens e adultos de modo a oferecer oportunidades de educação básica equivalente ao ensino fundamental para 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de subescolarizados”, não teve força de lei, por isso foi engavetado (BRASIL, 1993, p. 42). ■ Lei nº 9.394 de 1996: Foi elaborada sob as orientações internacionais da Educação para todos, que institui a década da educação, com objetivo de servir a Reforma do Estado, obedecendo a Constituição Federal de 1988, e estabelece em seu artigo 87 que “É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei”. E, agora, com força de lei, em seu parágrafo 1º apresenta que: “A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos” (BRASIL, 1996a). ■ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos de 2000: Elaborada dez anos após a Conferência mundial de educação para todos e depois de quatro anos da implementação da LDBEN (1996), as diretrizes da EJA traz de forma completa o panorama, os desafios e os encaminhamentos para a modalidade. Dentre as questões mais relevantes, destacamos: “A flexibilidade curricular deve significar um momento de aproveitamento das experiências diversas que estes alunos trazem consigo como, por exemplo, os modos pelos quais eles trabalham seus tempos e seu cotidiano”. A partir disto, as instituições de ensino devem se atentar às especificidades do currículo da EJA para contemplar as experiências de vida de seu alunado e, também, tornar o ambiente e seu acesso mais flexível em diferentes aspectos “[...] tipificação do tempo mediante módu- los, combinações entre ensino presencial e não–presencial e uma sintonia com temas da vida cotidiana dos alunos, a fim de que possam se tornar elementos geradores de um currículo pertinente” (BRASIL, 2000b, p. 61). ■ Plano Nacional de Educação(PNE) de 2001: Estabeleceu 26 objetivos e metas só para a Educação de Jovens e Adultos, sendo a primeira: “Esta- belecer, a partir da aprovação do PNE, programas visando a alfabetizar 10 milhões de jovens e adultos, em cinco anos e, até o final da década, erradicar o analfabetismo”. E como vimos ao longo das discussões, isso não foi alcançado (BRASIL, 2001, p. 50). UNIDADE 4 140 ■ Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária (Projovem): É um programa de 2005 voltado para jovens entre 18 e 24 anos de idade que tenham concluído a quarta série e não tenham concluído a oitava série do ensino fundamental; bem como não tenham vínculo empregatício. Tem como objetivo a “[...] elevação do grau de escolaridade visando à conclusão do ensino fundamental, qualificação profissional, voltada a estimular a inserção produtiva cidadã e o desenvol- vimento de ações comunitárias com práticas de solidariedade, exercício da cidadania e intervenção na realidade local” (BRASIL, 2005, p. 2). O programa está em vigência na atualidade. ■ Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Edu- cação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja): Também foi criado em 2005 com o objetivo de oferecer uma educação profissional e técnica de nível médio para jovens e adultos. Por meio do Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006, o programa passou a ser na- cional e abrange “[...] os cursos e programas de educação profissional: I - formação inicial e continuada de trabalhadores; e II - educação pro- fissional técnica de nível médio” (BRASIL, 2006a). O programa está em vigência na atualidade. ■ Emenda Constitucional nº 53/2006: Essa nova redação instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). O inciso II da nova redação do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) foi alterado e em seu parágrafo 4º dispõe que a distribuição dos recursos do Fundo para a EJA, consideradas a totalidade das matrículas do Ensino Fundamental, será de: 1/3 das matrículas no primeiro ano, 2/3 no segundo ano e sua totalidade a partir do terceiro ano (BRASIL, 2006b). ■ Plano Nacional de Educação de 2014: O atual PNE, com vigência até 2024, apresentou dentre suas 24 metas, algumas diretas e outras indiretas, à EJA, como vimos em discussões de seções anteriores. Assim como em 2001, temos uma meta sobre universalização e erradicação do analfabetismo para pessoas acima de 15 anos, como destaca a meta 9. ■ Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2018: Sendo uma estra- tégia de melhoria da educação escolar para várias metas, incluindo as relacionadas à EJA, a BNCC teve sua implementação em 2017 para a http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5840.htm UNICESUMAR 141 Educação Infantil e Ensino Médio e em 2018 a versão final contemplou, também, o Ensino Médio. Esse documento tem como objetivo definir os conteúdos mínimos para todas as etapas da Educação Básica, ajudando na elaboração dos currículos escolares, o que impacta a modalidade em discussão, visto que utiliza a mesma base e conteúdo. Caro(a) aluno(a), agora que você já está por dentro de todo o contexto histórico e político da Educação de Jovens e Adultos, bem como já conhece as bases teó- ricas que norteiam as discussões desta modalidade importante para nosso país, é chegado o momento de discutirmos as práticas que direcionam a educação escolar deste grupo. Por isso, vamos explorar a organização e aprendizagem dos conteúdos escolares na EJA. A construção do currículo escolar da EJA não é diferente do ensino regu- lar. Isso porque trata-se dos mesmos conteúdos, modificando apenas a forma como será colocado em prática, ou seja, algumas metodologias e atendendo às especificidades da modalidade que já foram apresentadas anteriormente, mas vamos resgatar ao longo das novas discussões. Os currículos que vemos sendo trabalhados por docentes e discentes no chão da escola, passam por um longo processo de planejamento escolar, que se inicia a nível nacional. Por meio das políticas educacionais federais (leis, resoluções, documentos normativos, entre outros) os currículos vão se tornando mais específicos em cada esfera: estadual, municipal e institucional. Vejamos a figura 3. UNIDADE 4 142 Dessa forma, podemos compreender que por meio de cada instância o currículo é, aos poucos, elaborado, até que se chega à instituição de ensino, onde também tem sua construção específica. Mas, vamos entender cada parte, começando pela esfera federal. Como vimos em momentos anteriores, a EJA está prevista na Cons- tituição Federal de 1988 como direito à educação escolar para aqueles que não tiveram acesso na infância e/ou adolescência. Quando falamos em currículo, é no artigo 210 que temos a seguinte garantia: “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Em outras pala- vras, a União é responsável pela elaboração de leis e documentos que garantam os conteúdos mínimos que serão trabalhados em todo o país, logo, devem compor o currículo escolar (BRASIL, 1988). A Constituição Federal (CF) além de prever a elaboração de uma base co- mum curricular, estabelece como dever do Estado a criação do PNE: Figura 3: Construção dos currículos escolares / Fonte: Elaborado pela autora (2021). Descrição da Imagem: : : A figura mostra um triângulo dividido em camadas que representam, de cima para baixo, a construção dos currículos escolares que se inicia a partir das decisões da Constituição Federal de 1988 e se normatizam por meio de leis específicas da Educação como a 9.394/96 e a 13.005/14 e suas portarias, resoluções e decretos, como o Parecer CNE/CEB nº 6/2010, a nível federal, bem como o documento da BNCC (2018). Depois o currículo passa para as esferas estadual e municipal para serem elaborados, até que se chega a cada instituição escolar. UNICESUMAR 143 “ Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de du- ração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manuten- ção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públi- cos das diferentes esferas federativas que conduzam a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (BRASIL, 1988). Esse artigo configura sobre o PNE desde a versão original. Apenas com a CF (1988) já seria suficiente o cumprimento da lei, porém, como vimos em discussões pas- sadas, o plano nacional de 1993 não teve muita notoriedade e empenho para ser implementado e suas metas cumpridas, pois afirmava-se que ainda não tinha força de lei. Dessa forma, apenas a partir de 1996, com a exigência da Lei nº 9.394/96, o plano nacional de educação passou a ser respeitado e em 2009, com a emenda constitucional nº 59, tivemos inserção da condução que o documento deveria ofer- tar, sendo, a erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento escolar; qualidade do ensino e formação para o mercado de trabalho, ideais que implicam diretamente na formação do aluno da EJA, como estudamos em seções anteriores e nos aprofundaremos em breve (BRASIL, 1993; 1996a; 2009). Você notou que o artigo 210 da CF (1988) se refere ao currículo do Ensino Fundamental? Pois bem, já na LDBEN (1996), que é a lei específicada Educação, temos uma ampliação dessa responsabilidade, que diz: “ Art. 9º A União incumbir-se-á de: I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; [...] IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a as- segurar formação básica comum (BRASIL, 1996a). UNIDADE 4 144 O inciso I do artigo 9º da LDBEN (1996) nos apresenta uma responsabilidade importante da União, que é a elaboração do PNE já mencionado. No inciso IV explicita-se que a responsabilidade da União é compartilhada com as demais ins- tâncias (estaduais e municipais) e contempla todas as etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio). Isso garante que em todo o território nacional os estudantes recebam uma educação mínima de qualidade, pois independentemente da região, todos os alunos devem aprender os conteúdos estabelecidos neste currículo base. Como já salientado, caro(a) aluno(a), esses conteúdos mínimos a que se refere ao Ensino Fundamental e Médio é tanto para o ensino regular quanto para a modalidade de EJA. Pela LDBEN (1996) ser completa à Educação, vemos mais artigos que dire- cionam à elaboração dos currículos escolares: “ Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) § 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil (BRASIL, 1996a). No artigo 26 da Lei 9.394/96 fica evidente a necessidade de o currículo passar a cada instância e ser complementado para não ficar apenas com os conteúdos mí- nimos e, ao mesmo tempo, ter a atenção a cada diversidade (regional, econômica, identitária etc.). Os conteúdos mínimos são obrigatórios e todos os currículos devem seguir a exigência do parágrafo 1º do referido artigo, mas, não significa e não deve conter apenas os elementos básicos, para não ter um caráter empobre- cido ou deficitário na formação dos alunos. Como forma de complementar as instruções da elaboração dos currículos e para dar suporte legal nas ações de cada instância sobre a qualidade da educação escolar, às políticas para erradicação do analfabetismo e à formação dos alunos de diferentes níveis, etapas e modalidades, a Lei nº 13.005 de 2014, atual PNE, traz as metas e estratégias respectivas para nossa Educação (BRASIL, 2014b). Como UNICESUMAR 145 já foram destacadas as metas para EJA em outros momentos de nossas conversas, vamos explorar aqui as estratégias que impactaram em seu currículo atual. Com o objetivo de alcançar a meta 9 do PNE (2014-2024) sobre a erradicação do analfabetismo e redução de 50% do analfabetismo funcional, o plano estabele- ce como estratégias: “9.6) realizar avaliação, por meio de exames específicos, que permita aferir o grau de alfabetização de jovens e adultos com mais de 15 (quinze) anos de idade”. Para que isso seja possível a nível nacional, é necessário que se tenha um currículo mínimo em todo o país, para cobrar de todos os alunos, por meio da avaliação, o que de fato foi estudado por todo o grupo da EJA (BRASIL, 2014b). Seguir um currículo comum é necessário para que todos tenham acesso à mesma educação escolar que o Estado oferta e de forma qualitativa. Além disso, o currículo comum é utilizado para elaboração de provas de larga escala, como já acontece no ensino regular com a Prova Brasil e com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Na EJA, a proposta é ter uma avaliação de larga escala semelhante e partindo da BNCC (2018), que identifique a qualidade da educação da referida modalidade, com dados que possam nos ajudar a (re)pensar as políticas para alfabe- tização deste público (BRASIL, 2014b). Também é estratégia do PNE (2014-2024): “ 9.12) considerar, nas políticas públicas de jovens e adultos, as ne- cessidades dos idosos, com vistas à promoção de políticas de erra- dicação do analfabetismo, ao acesso a tecnologias educacionais e atividades recreativas, culturais e esportivas, à implementação de programas de valorização e compartilhamento dos conhecimentos e experiência dos idosos e à inclusão dos temas do envelhecimento e da velhice nas escolas (BRASIL, 2014b). Isso impacta o currículo da EJA na medida em que devemos pensar, para além dos conteúdos mínimos, a sua relação com os alunos, sobretudo os idosos men- cionados. As tecnologias são exemplos, pois os adultos de forma geral não podem ser alfabetizados ou ter as demais aprendizagens escolares de forma avulsa da tec- nologia tão presente em nossa sociedade atualmente, inclusive em suas vidas. De forma específica com os idosos, a recreação e a cultura esportiva se faz necessária pelas necessidades do grupo etário em estimular suas funções cognitivas e habi- lidades sociais para a melhoria da qualidade da aprendizagem e da saúde mental. UNIDADE 4 146 Pensando na formação do jovem e do adulto de forma específica, para atender a meta 10 sobre as matrículas na EJA de forma integrada à educação profissional, o PNE (2014-2024) estabelece como algumas de suas estratégias: “ 10.6) estimular a diversificação curricular da educação de jovens e adultos, articulando a formação básica e a preparação para o mundo do trabalho e estabelecendo inter-relações entre teoria e prática, nos eixos da ciência, do trabalho, da tecnologia e da cultura e cidadania, de forma a organizar o tempo e o espaço pedagógicos adequados às características desses alunos e alunas; 10.7) fomentar a produção de material didático, o desenvolvimento de currículos e metodologias específicas, os instrumentos de avaliação, o acesso a equipamentos e laboratórios e a formação continuada de docentes das redes públicas que atuam na educação de jovens e adultos articulada à educação profissional; 10.8) fomentar a oferta pública de formação inicial e con- tinuada para trabalhadores e trabalhadoras articulada à educação de jovens e adultos, em regime de colaboração e com apoio de entidades privadas de formação profissional vinculadas ao sistema sindical e de entidades sem fins lucrativos de atendimento à pessoa com deficiên- cia, com atuação exclusiva na modalidade (BRASIL, 2014a). É comum e esperado que se pense, para o currículo da EJA, os aspectos inerentes ao mercado de trabalho, visto que o público a partir dos 15 anos de idade, em que começam a frequentar a modalidade, já estejam pensando em atuação pro- fissional ou mesmo já se encontram inseridos neste meio e precisam da formação para melhores condições de trabalho, remuneração e qualidade de vida. Deixar de Aqui, abrimos espaço para uma discussão que permeia não só o currículo teórico, mas a prática em sala de aula, que será o tema de nossas conversas futuras, mas para deixar você com mais curiosidade sobre o assunto, gravamos um vídeo a respeito das formas de aprender nas diferentes idades da vida jovem e adulta. Ficou curioso(a)? Acesse: https://vimeo.com/554278377/1afa2570bc UNICESUMAR 147 pensar na qualificação desses alunos para sua (re)inserção no mercado de traba- lho também é um erro, visto que, diferentemente da infância, em muitos casos, há preocupação com a sobrevivência na sociedade (contas a pagar, moradia, gastos com alimentação e outros suprimentos básicos). Por todo esse contexto, alinhar a educação elementar, como alfabetização, ao ensino contínuo, ao longo da vida, seja por meio de cursos profissionalizantes, tec- nológicosou superiores é fundamental para uma boa formação na EJA. As estraté- gias do Estado são diversas, assim como suas possibilidades, podendo ocorrer por meio da construção de escolas próprias para jovens e adultos com toda estrutura necessária, em parceria com empresas do sistema S (SENAI, SESI etc.) ou demais privadas. A partir das políticas implementadas para alcançar cada meta, o currículo das instituições de ensino vai sofrendo variações para atender as demandas nacio- nais, estaduais, municipais e internas (de cada escola e seus partícipes). As Diretrizes Curriculares e Operacionais da Educação de Jovens e Adultos (Resolução CNE/CEB nº 3, de 15 de junho de 2010) apresentam em seus textos a organização da modalidade para sua oferta e realização, mas quando se trata de apresentar o currículo na forma de conteúdo, resume-se a reportar à LDBEN (1996) a necessidade de seguir a base comum curricular, que não estava em ela- boração na década de 2000, em que saiu o Parecer CEB nº 11/2000, que também já mencionamos (DCN de 2000). Por isso, está em discussão um novo parecer que contará em seu texto a BNCC (2018). Mas enquanto o documento não é ho- mologado, vamos destacando os aspectos operacionais da EJA e depois veremos sobre os conteúdos diretamente na Base (BRASIL, 2000b; 1996b; 2010; 2018). Para que cada escola possa estruturar seu currículo, é necessário que sejam definidos os aspectos operacionais, ou seja, qual é a faixa etária do público-alvo da Educação de Jovens e Adultos? Com qual idade se inicia nesta modalidade? Qual é a carga horária para cada etapa? Por isso a Resolução CNE/CEB 3/2010 institui as Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos as- pectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso na EJA; cer- tificação nos exames e a realização por meio da Educação a Distância (BRASIL, 2010). Preparamos um quadro-resumo sobre esses aspectos, com as principais informações contidas nos artigos da referida Resolução: UNIDADE 4 148 Tema Artigo Carga horária da EJA O artigo 4º versa sobre a EJA presencial, devendo se orga- nizar quanto a duração da seguinte forma: “[...] I - para os anos iniciais do Ensino Fundamental, a duração deve ficar a critério dos sistemas de ensino; II - para os anos finais do Ensino Fundamental, a duração mínima deve ser de 1.600 (mil e seiscentas) horas; III - para o Ensino Médio, a duração mínima deve ser de 1.200 (mil e duzentas) horas”. Já no caso da oferta de EJA pela EaD, permitido apenas para os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, o artigo 9º preconiza que “[...] I - será de 1.600 (mil e seiscentas) horas, nos anos finais do Ensi- no Fundamental, e de 1.200 (mil e duzentas) horas, no Ensino Médio”. Idade mínima para cada etapa O artigo 5º estabelece que “[...] será considerada idade mínima para os cursos de EJA e para a realização de exames de conclusão de EJA do Ensino Fundamental a de 15 (quinze) anos completos”. Já em relação ao Ensino Médio, o artigo 6º visa como “[...] idade mínima para matrícula [...] e inscrição e reali- zação de exames de conclusão de EJA do Ensino Médio 18 (dezoito) anos completos”. Certificação Segundo o artigo 7º “[...] a certificação decorrente dos exames de EJA deve ser competência dos sistemas de ensino. § 1º Para melhor cumprimento dessa compe- tência, os sistemas podem solicitar, sempre que neces- sário, apoio técnico e financeiro do INEP/MEC para a melhoria de seus exames para certificação de EJA”. Quadro 1: Principais diretrizes operacionais da EJA / Fonte: Brasil (2010, p. 1-3). Com base nessa configuração, cada instituição pode se preparar para pensar em seus alunos, currículos e na forma de ofertar a EJA. A partir dessas questões buro- cráticas já delineadas, é que se passa a organizar o currículo voltado aos conteúdos, metodologias e demais aspectos. Antes de adentrarmos nestes elementos da identi- dade institucional, faremos a análise da BNCC (2018) e seus conteúdos mínimos. Esse documento se tornou o ponto focal de muitas discussões da Educação Básica, visto que é em torno dele que as novas políticas se constituirão nos pró- UNICESUMAR 149 ximos anos. Como a EJA se constitui de duas etapas da Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio), as expectativas para essa modalidade são de que a Base Nacional Comum Curricular de 2018 também atenda às suas demandas. Ainda falamos de expectativas pois, apesar de o documento ter sido aprovado, em sua versão final, no dia 14 de dezembro de 2018, para todas as etapas e modalidades, a projeção era de que em 2022 todas as escolas já estivessem atuando com suas normativas (BRASIL, 2018). Contudo, sabemos que o quadro educacional, so- bretudo no Brasil, sofreu grandes reviravoltas devido à pandemia da Covid-19, que contribuiu para o atraso de algumas medidas práticas para implementação da Base a partir de 2020. Para compreendermos um pouco mais sobre os passos a partir da aprovação da BNCC (2018), vejamos o organograma a seguir. Figura 4: Principais ações a serem desenvolvidas a partir da BNCC (2018) Fonte: Todos pela Educação (2019, p. 9). A (re)elaboração dos currículos a partir da Base foi realizada durante os anos de 2018 e de 2019 na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, visto que sua estruturação já havia sido aprovada em 2017. Dessa forma, as instituições de EJA também elaboraram junto às secretarias estaduais e municipais de Educação, seus currículos institucionais. Já no Ensino Médio, como a aprovação da Base foi no final de 2018, as escolas tiveram o ano de 2019 para repensá-los e muitas continuariam o debate em 2020. Mesmo com toda a parte teórica do currículo UNIDADE 4 150 finalizada, as instituições que ofertam a última etapa da Educação Básica, preci- sam verificar as formas como tudo será colocado em prática, pois o diferencial do Ensino Médio a partir da Base envolve questões de infraestrutura também. Para compreendermos, vejamos na BNCC (2018) as competências e habili- dades exigidas para cada etapa até a conclusão do estudo. Temos as competências gerais da Educação Básica e em cada componente curricular as competências específicas, bem como as habilidades de cada conteúdo programático. NOVAS DESCOBERTAS Convido você a ler a parte introdutória da BNCC (2018), que apre- senta os marcos históricos e legais de sua elaboração, bem como, os conceitos de competências e habilidades, já trabalhados em dis- ciplinas anteriores e que você pode se aprofundar. Leia também as 10 competências gerais da Educação Básica e saiba o que os alunos precisam saber fazer ao fim desse nível de Educação, inclusive os egressos da EJA. Acesse: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_ EF_110518_versaofinal_site.pdf Fonte: Brasil (2018). Trabalhar por meio de habilidades e competências é importante na sociedade atual, em que vamos preparar um sujeito que deve ser mais ativo e com fins de mudá-la cada vez para melhor. Dessa forma, mais do que saber os conteúdos, os conceitos e contextos das ciências, os alunos, sobretudo da Educação de Jovens e Adultos, precisam saber como aplicá-los na prática, quando e para quê. Isso exige uma mudança no papel do professor, como veremos em discussões futuras. Por ora, precisamos compreender que a BNCC (2018) não é o currículo, pronto e acabado, mas, sim, o pilar principal dos documentos atuais. Dessa forma, ela traz em seu texto: a) os conteúdos mínimos a serem trabalhados em cada série/etapa em seus componentes curriculares, alinhados com o meio em que o sujeito está inserido; b) as reflexões para a construção de um currículo interdisciplinar; c) as discussões sobre as metodologias que devem ser adotadas pelas escolas, considerando suas necessi- dades e especificidades, complementando o currículo mínimo com as demandas de sua microssociedade; d) a necessidade de “[...] selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e tecnológicos para apoiar o processo de ensinar e aprender”; e)os estímulos para aquisição e preparação de materiais e espaços pedagógicos que UNICESUMAR 151 possibilitem ao aluno praticar os conteúdos e ao professor ensinar com diferentes métodos, desde que cuidando, também, da formação continuada dos docentes; por fim, f) a discussão sobre um processo de ensino consciente, de forma que haja uma avaliação diagnóstica das ações de cada integrante (BRASIL, 2018, p. 17). “ Essas decisões precisam, igualmente, ser consideradas na organi- zação de currículos e propostas adequados às diferentes modalida- des de ensino (Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação a Distância), atendendo-se às orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2018, p. 17). A BNCC (2018), dessa forma, atende tanto o ensino regular quanto às modalida- des, como a EJA. Pensando em todas as questões ressaltadas, a Base se estrutura da seguinte forma para o Ensino Fundamental e Médio: I - Ensino Fundamental, possui as áreas do conhecimento e seus componentes curriculares: Figura 5: Áreas do conhe- cimento e componentes curriculares do Ensino Fundamental Fonte: Brasil (2018, p. 27). Descrição da Imagem: A figura apresenta as áreas de conhecimento do Ensino Fundamental e seus respecti- vos componentes curriculares (Linguagens - Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa; Matemá- tica - Matemática; Ciências da Natureza - Ciências; Ciências Humanas - Geografia e História; e Ensino Religioso). UNIDADE 4 152 Descrição da Imagem: A figura apresenta as áreas de conhecimento do Ensino Médio e seus compo- nentes curriculares (Linguagens e suas Tecnologias - Língua Portuguesa; Matemática e suas Tecnolo- gias - Matemática; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas), bem como os itinerários como Formação técnica e profissional. Cada área de conhecimento tem suas competências específicas, assim como cada componente curricular (antigas disciplinas), que devem ser alcançadas por meio do processo de ensino e de aprendizagem. Dentro de cada componente curricular vemos, separados pelos anos (1º ao 5º nos anos iniciais e do 6º ao 9º nos anos finais), as Práticas de Linguagem (no caso da Língua Portuguesa) ou as Unidades Temáticas (nos demais componentes), que correspondem aos temas que darão origem aos objetos de conhecimento (conteúdos) e suas habilidades correspon- dentes. Por fim, cada habilidade adquirida dará subsídios para que uma ou mais competências sejam desenvolvidas. Ao passarmos para a última etapa da Educação Básica, vemos que: II - En- sino Médio, possui as áreas do conhecimento, dois componentes curriculares e mais os itinerários: Figura 6: Áreas do conhecimento, componentes curriculares e itinerários do Ensino Médio / Fonte: Brasil (2018, p. 469). UNICESUMAR 153 Assim como no Ensino Fundamental, cada área de conhecimento e cada com- ponente curricular tem suas competências específicas, que devem ser alcançadas por meio do processo de ensino e de aprendizagem. O que modifica é que para cada competência separa-se por Campos de Atuação (no caso da Linguagem) ou Habilidades (nas demais áreas), que correspondem às habilidades que devem ser adquiridas por meio do ensino de cada conteúdo programático. Da mesma forma que no Ensino Fundamental, cada habilidade adquirida dará subsídios para que uma ou mais competências sejam desenvolvidas. Pensando na realidade do jovem e do adulto, é muito importante compreen- dermos cada uma das aplicações desses conceitos. Para ilustrarmos, usaremos como exemplo uma das competências e habilidades da Língua Portuguesa e, outra, da Matemática, por serem os componentes curriculares obrigatórios em todas as etapas e modalidades. A fim de ficar mais perto de nossa atuação e rea- lidade, vamos analisar nos anos do ciclo de alfabetização: LÍNGUA PORTUGUESA – 1º E 2º ANOS Competência Geral da Língua Portuguesa Apropriar-se da linguagem escrita, reconhecen- do-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social. Prática de Linguagem Leitura/escuta (compartilhada e autônoma) Objeto de Conheci- mento Decodificação/Fluência de leitura Habilidade Ler palavras novas com precisão na decodifica- ção, no caso de palavras de uso frequente, ler globalmente, por memorização. UNIDADE 4 154 MATEMÁTICA – 1º ANO Competência Geral de Matemática Compreender as relações entre conceitos e procedimentos dos diferentes campos da Matemática (Aritmética, Álgebra, Geometria, Estatística e Probabilidade) e de outras áreas do conhecimento, sentindo segurança quanto à própria capacidade de construir e aplicar conhecimentos matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseverança na busca de soluções. Unidade Temática Grandezas e medidas Obbjeto de Conhecimento Sistema monetário brasileiro: reconhecimento de cédulas e moedas Habilidade Reconhecer e relacionar valores de moedas e cédulas do sistema monetário brasileiro para resolver situações simples do cotidiano do estudante. Quadro 2: Componentes curriculares e as exigências da BNCC (2018) Fonte: Brasil (2018, p. 87; 98-99; 267; 281; 284). O currículo da EJA deve ser constituído pensando da seguinte forma: Qual é o sujeito que a instituição pretende formar? Para qual sociedade? Temos aqui uma visão de mundo e de Homem, um objetivo, uma função social e uma missão escolar. Depois, as questões se tornam cada vez mais complexas: Como preparar os alunos para essa formação esperada? E assim nos deparamos com as metodologias de ensino que essa escola vai escolher para seguir e conseguir trabalhar com os conteúdos. Por fim, temos: Por que ensinar dessa forma? Para que ensinar esses conteúdo? Por que isso é im- portante para esses alunos? Para que eles vão utilizar? Todas essas respostas formam a identidade da escola e se ela não as tem de forma evidente, pouco poderá fazer para mudar a vida do aluno para melhor. Como salientamos em vários momentos, a EJA é a oportunidade e esperança de mudança para muitos que querem uma qualidade de vida melhor. UNICESUMAR 155 Utilizando os exemplos do quadro 2, a BNCC (2018) já nos apresenta o objetivo de todos os conteúdos. Quando trabalhamos com leitura e escrita no 1º ano, série de alfabetização também na EJA, precisamos considerar o que vamos ensinar de leitura e de escrita; para que vamos ensinar e como. Mas se anali- sarmos as informações do quadro, essas respostas já estão na própria Base, pois o que eu vou ensinar de leitura é a decodificação, ou seja, a transformação dos símbolos (letras, acentos e pontuações) em significados, bem como a fluência na leitura, que vem com o tempo e com a prática. Dessa forma, os alunos da EJA vão desenvolver a habilidade de “[...] ler palavras novas com precisão na decodificação, no caso de palavras de uso frequente, ler globalmente, por memorização” (BRASIL, 2018, p. 99). E para quê? Para que possam “[...] apro- priar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada [...]”, como vemos na Compe- tência elencada para Língua Portuguesa (BRASIL, 2018, p. 87). O mesmo deve ocorrer nos demais componentes curriculares, como a Ma- temática. O que devemos ensinar? Em nosso exemplo, dentro de Grandezas e medidas temos muitas opções, inclusive o sistema monetário brasileiro (cédu- las e moedas). Dessa forma, o aluno da EJA precisa desenvolver a habilidade de “[...] reconhecer e relacionar valores de moedas e cédulas do sistema monetário brasileiro para resolver situações simples do cotidiano” (BRASIL, 2018, p. 284), tais como poder fazer uma compra no mercadode forma autônoma. Se já temos o que ensinar, resta-nos o “para que” e o “como”. Se já não fosse suficiente o aluno ter autonomia para comprar o que precisa, é necessário que ele reconheça nosso sistema monetário para que compreenda “[...] as relações entre conceitos e pro- cedimentos [...], sentindo segurança quanto à própria capacidade de construir e aplicar conhecimentos matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseve- rança na busca de soluções” (BRASIL, 2018, p. 267). Você concorda? E você deve estar se perguntando, mas e o “como”? Isso, também, será discutido mais à frente. Esses conhecimentos e essa leitura da BNCC (2018) são fundamentais para que se construa um currículo passível de conhecimento científico, metodologia consistente com a realidade, oportunidades de aprendizagem e, assim, possa ser aplicado na prática pelo processo de ensino e de aprendizagem com qualidade. UNIDADE 4 156 Vemos que a “ [...] BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica, uma vez que tais aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de decisões que caracterizam o currículo em ação. São essas decisões que vão adequar as proposições da BNCC à realida- de local, considerando a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e as características dos alunos (BRASIL, 2018, p. 16). Por isso, é a partir da BNCC (2018) que cada Secretaria Estadual de Educação, educadores e demais partícipes elaboram os currículos estaduais. Depois, repas- sam para as Secretarias Municipais de Educação que realizam as mesmas ações e, por fim, chegam até as escolas. Cada instituição de ensino, em sua etapa, reúne o corpo docente para estruturar os aspectos pedagógicos, tais como os conteúdos diversificados, a organização dos conteúdos em Planos anuais, de onde, por fim, os professores vão elaborar seus planos de aula, a última etapa de todo o plane- jamento escolar, porém, a mais importante. O currículo vai para além dos conteúdos, pois envolve todas as ações políticas e pedagógicas da comunidade escolar (alunos, professores, familiares, vizinhos da escola etc.) e por isso é elaborado o Projeto Político-Pedagógico (PPP) que apre- senta a identidade daquela instituição de ensino, a visão de mundo, de Homem e de sociedade que possui e (se) quer transformar. Mas, diante de todo esse planejamento escolar, após a consolidação do currículo, o que precisamos ter em mente é que o papel do professor é fundamental para que se cumpra as políticas, a qualidade da educação e o processo de ensino e de aprendizagem de forma eficiente e eficaz. Neste contexto, qual é o papel do professor da EJA? É o que veremos à frente. UNICESUMAR 157 Muitas perguntas ficaram em aberto nos parágrafos anteriores, não é mesmo? Isso porque separamos um momento especial para falarmos sobre a atuação do professor na EJA e, aqui, preencher tais lacunas: Como é a atuação do professor na EJA? Qual é seu papel perante todo o currículo que vimos até aqui? Como ensinar jovens e adultos? Você está preparado para essas novas descobertas? E teremos muitas mais, pois agora vamos conhecer o papel do professor na EJA e o sistema avaliativo. Para termos uma compreensão linear do processo, daremos continuidade nas discussões a partir do currículo finalizado. Quando o professor se depara com o início do ano letivo, todos os aspectos político-pedagógicos estão finalizados. Dessa forma, seguindo a distribuição que a instituição estabelece para trabalhar com os conteúdos, o professor deve elaborar seu plano de aula, um instrumento fundamental e indispensável para uma atuação eficiente e eficaz no processo de ensino, bem como a garantia de um processo de aprendizagem com qualidade. Sabendo que o plano de aula tem como elementos básicos: a) faixa etária a que se destina; b) disciplina; c) conteúdos; d) objetivos; e) métodos e; f) avaliação, o professor da EJA vai considerar a sua turma (faixa etária, conhecimentos prévios, experiências etc.); a disciplina que irá ministrar, que no caso dos anos iniciais do Ensino Fundamental, assim como no ensino regular, é o mesmo professor, regente, para quase todas as disciplinas (com exceção da Educação Física e Arte em alguns casos). Os conteúdos já estão dispostos no Plano anual e, dessa forma, para seu plano de aula, o professor deve organizar o início, o meio e o fim do seu processo de ensino e da aprendizagem dos alunos. Para tanto, deve pensar nos métodos que serão aplicados: vai ser uma aula expositiva? Uma roda de conversa? Vai ter uso de materiais visuais, auditivos e/ou sinestésicos? E assim por diante. Essas escolhas vão definir como ocorrerá o processo de ensino e de aprendizagem. Por fim, ocorre a avaliação, que deve ser justa e colher dados de todo o processo, não só dos alunos, mas, também, do contexto de aprendizagem e das formas de ensinar, o que inclui os métodos do professor e sua organização. Como se trata de muitos elementos, vamos explorar a priori os métodos de ensino na EJA, visto que os demais elementos (perfil de aluno, disciplinas, con- teúdos e objetivos), já compreendemos em discussões anteriores. Assim como, também, já aprendemos sobre o referencial teórico que perpassa a modalidade e que tem origem nos pensamentos filosóficos de Paulo Freire e sua Pedagogia Libertadora, se lembra? Pois bem, esse detalhe não pode ser esquecido, pois inde- UNIDADE 4 158 pendentemente da metodologia adotada pela escola e os métodos utilizados pelo professor, a formação do sujeito da EJA precisa ser humanizada, emancipadora e libertadora (FREIRE, 2005). Existem diversas tendências pedagógicas que você certamente já estudou aqui no curso. Essas tendências possuem fundamentos filosóficos, que compreendem a sociedade de uma determinada maneira e visam reproduzi-la ou modificá-la e, a partir dessa visão, criam um ideal de formação pela educação. Como vimos em discussões anteriores, a Pedagogia Libertadora, por exemplo, pertence à tendên- cia progressista, que objetiva mudar a sociedade. Paulo Freire, com sua famosa frase, versando que educação muda as pessoas e as pessoas mudam a sociedade, o mundo, elucida a Educação de Jovens e Adultos, em que há uma esperança por parte dos alunos nessa mudança pessoal e coletiva. Mas sua teoria não é a única para embasar as metodologias de ensino na EJA (FREIRE, 1979). A Pedagogia Histórico-Crítica também é muito utilizada, inclusive pertence à corrente progressista, possuindo a mesma base filosófica da Pedagogia Liber- tadora, sendo a Teoria do Materialismo Histórico, de Karl Marx (*1818-1883†) e Friedrich Engels (*1820-1882†). Dermeval Saviani elaborou essa teoria peda- gógica como uma crítica aos modelos de ensino que não consideram a história e as mudanças sociais para formar o cidadão de uma nova sociedade e acabam reproduzindo formas de ensinar ultrapassadas, prejudicando a aprendizagem dos alunos (SAVIANI, 1991). A partir dessas concepções mais participativas do sujeito na educação esco- lar, muitas escolas optam por uma destas duas teorias progressistas. De forma a respeitar essa identidade e visão institucional, o professor na elaboração do seu plano de aula, deve considerar os encaminhamentos metodológicos para forma- ção do cidadão na EJA. Contudo, as escolhas dos métodos são de exclusividade do professor, mediante, obviamente, discernimento nas formas de ensinar, pertinente ao grupo e ao conteúdo, bem como das estratégias utilizadas. No quadro 3, temos alguns exemplos que podem ser trabalhados com jovens e adultos: MÉTODOS ESTRATÉGIAS Expositivo Utilização de vídeos, filmes, documentários, slides, gêneros tex- tuais para ilustração, demonstração e/ou explicação. UNICESUMAR 159 Elaboração conjunta Conversação, estimulando os alunos a trocarem ideias e expe- riências; realização de seminários; debates sobre filmes, séries, reportagens etc. PesquisaProjetos, trabalhando por determinado período por temáticas; uso de metodologias ativas que promovam a materialização do conteúdo por meio de experiências e/ou elaborações/cons- truções; realização de feira de ciência sobre alguma temática estudada, para apresentação à comunidade externa. Quadro 3: Exemplos de métodos e estratégias utilizados com alunos da EJA Fonte: Elaborado pela autora (2021). Muitos são os métodos possíveis de serem utilizados e eles ainda se subdividem quando falamos de forma específica sobre algum ensinamento, tal como a alfa- betização. Podemos utilizar a maioria dos que conhecemos e utilizamos com as crianças, contudo, não devemos infantilizar o processo, como escolher um filme ou música infantil, trabalhar com linguagem infantilizada ou algo nesse sentido. Para exemplificarmos, vejamos a figura 7. Figura 7: Exemplo de atividade de al- fabetização / Fonte: Elaborado pela autora (2021). Descrição da Imagem: A figura apresenta uma atividade com o enunciado “Vamos completar com o que se pede”. Tem o desenho de uma girafa e a palavra embaralhada dentro de um balão simbolizando o pensamento do animal. Ao lado da girafa constam alguns quadros em que se pede para completar com a resposta de “Que animal é este?” e a quantidade total de letras. Abai- xo, solicita-se para inserir, em três quadros apenas, as vogais. Por fim, pede-se para inserir a quantidade de vogais na palavra. MÉTODOS ESTRATÉGIAS UNIDADE 4 160 Observando essa atividade, você diria que é adequada para a alfabetização de jovens e adultos? Como você se sentiria, na condição de um adulto analfabeto, recebendo essa atividade? Muitos se sentem menosprezados por terem a sensa- ção de estarem sendo comparados com crianças ou mesmo pelo professor não reconhecer que o adulto tem determinados conhecimentos. Nada impede que trabalhemos, enquanto professores de EJA, com o lúdico, mas há uma diferença entre a ludicidade e a infantilização. Segundo Juchem (2018, p. 4) “O Lúdico não diz respeito somente a situações de brincadeiras simbólicas, ele constitui-se de cultura e a própria cultura possui um caráter lúdico. Além da brincadeira outras situações culturais são considera- das lúdicas e estimulantes [...]”. Podemos citar como exemplos a literatura e até a contação de histórias, que para os adultos se torna interessante se considerarmos os materiais adequados à sua faixa etária. Ouvir música, praticar esportes, jogar algo interessante e realizar atividades ao ar livre também é prazeroso para os jovens e adultos. Devemos usá-los como ferramentas para desmistificar a apren- dizagem por meio de tentativas e erros em que se escreve e se apaga até acertar. Algumas pessoas têm traumas da época de escola que na EJA precisamos ajudar a superar. O lúdico pode apresentar um novo visual da aprendizagem, com oportunidades prazerosas de conhecer algo novo e (re)estabelecer o vínculo com esse processo. Sem contar que, especificamente no caso de idosos, são necessários os momentos de recreação que o lúdico propicia, para uma melhor qualidade de sua saúde mental e, assim, uma boa aprendizagem. “ No lúdico o idoso não é mais do que é na realidade, permitindo-lhe o aproveitamento de todo o seu potencial. Nele o idoso toma iniciativa, planeja, executa, avalia. Enfim, ele aprende a retomar decisões, a introje- tar o seu contexto social na temática [...]. Ele aprende a se reeducar. [...] abre um espaço para a apreensão de significados de seu contexto e ofe- rece alternativas para novas conquistas [...] (KISHIMOTO, 2009, p. 35). Dessa forma, há uma abstração do “tem que aprender” e a diversão fica em primei- ro plano, por consequência, efetivam-se as aquisições de conhecimentos. Sendo assim, caro(a) aluno(a), como poderíamos reelaborar a atividade da figura 7, para jovens e adultos? Talvez se no lugar de trabalharmos com animais, como a girafa, UNICESUMAR 161 utilizássemos palavras do cotidiano adulto, poderíamos aproximar esse público da atividade. Também é possível trabalhar com gêneros textuais do mundo dos jovens e adultos (músicas, poesias, literaturas, notícias etc.), que são ricos em produções para extrair letras, palavras e frases, além de poder ser um ponto de partida das explicações e/ou atividades. Vejamos, como exemplo, o trabalho a partir de um gênero textual muito co- mum na vida adulta: notícia. Os adultos são grandes consumidores de notícias, seja por mídias televisivas, rádio ou por jornal impresso. No caso de adultos que ainda não dominam o código da escrita, o consumo fica por conta da televisão ou rádio, correto? Então, por que não levar o jornal da semana para trabalhar com os assuntos mais repercutidos e, também, o processo de alfabetização? Figura 8: Jornal / Fonte: Elaborado pela autora (2021). Descrição da Imagem: A figura apresenta um jornal com notícias sobre o aumento no preço das frutas, enquanto a variedade nos mercados diminuiu. Apresenta-se destaques como “Pera é a fruta mais em conta” e “As frutas disponíveis no mercado são pera, maçã e banana”, com a apresentação de imagens ilustrativas da fruta pera e da seção de frutas de um mercado, respectivamente. UNIDADE 4 162 Trabalhando com o jornal, estamos considerando o universo de conhecimento que o adulto possui, pois ele não é uma folha em branco a ser preenchida, mas, sim, um sujeito que tem experiên- cias, conhecimentos prévios e que é informado. Continuando com o exemplo acima, cujo assunto do jornal é o aumento do preço das frutas, podemos refletir, caro(a) aluno(a), qual adulto não se preo- cupa com o preço dos alimentos, não é mesmo? A partir dessa rea- lidade, podemos preparar uma aula que trabalhe com o conteúdo pedagógico, a partir da realidade do aluno e ir além, trabalhando outras questões por meio da problematização e da conversação: Por que há aumento no preço dos alimentos? Só aqui podemos abordar sobre o clima, a economia, a política etc. O que devemos fazer diante desses aumentos? Com essa questão proporcionamos a partilha de conhecimentos, experiências, culturas, entre outras questões. E após todas as explorações pertinentes sobre o assunto, podemos trabalhar com a alfabetização no sentido estricto, reti- rando da notícia as palavras a serem (de)codificadas. Para tanto, temos as possibilidades de realizar um processo de alfabetização sintético (das partes para o todo) ou global (do todo para as partes). Essa escolha vai depender do método de ensino que o professor melhor domine e, também, do método que melhor se ade- que ao processo de aprendizagem do seu aluno. O importante é que ambos sejam realizados dentro da perspectiva do letramento como citado em discussões anteriores. Como vimos no exemplo do jornal, é possível por meio da conversação do gênero textual a exploração do assunto, sua interpretação, aquisição de conceitos e do uso do gênero, da leitura e do próprio conhecimento adquirido. Considerando que na EJA utiliza-se mais o método de Paulo Freire, citamos como esse processo de alfabetização poderia ocorrer a partir da notícia: UNICESUMAR 163 Temos nesta figura o exemplo de um processo de alfabetização a partir do letra- mento, com um método global. Isso porque o contexto, a palavra e as relações desta já foram exploradas por meio da conversação e, agora, considerando o que já vimos sobre o método de Paulo Freire, temos a exploração de uma palavra geradora que começa com a apresentação de sua escrita em CAIXA ALTA, passa pelas partes até chegar nas unidades menores, no caso as vogais. Por fim, após esse momento expositivo, o professor pode realizar atividades em grupo e/ou individuais para fixação dos conteúdos e aprendizagens, avaliações continuadas ou demais intenções pedagógicas que não sejam infantilizadas. Figura 9: Método Paulo Freire de alfabetização / Fonte: Elaborada pela autora (2021). Descrição da Imagem: A figura mostra o ciclo do método de alfabetização de Paulo Freire a partir de uma palavra retirada danotícia do Jornal explorado: PERA. Sendo: 1. Apresentação da palavra: PERA Preço, inflação, qualidade, necessidade, utilidade (...). 2. Escrita da palavra: PERA. 3. Escrita da palavra com sílabas separadas: PE-RA. 4. Apresentação da família fonêmica de cada sílaba: PA-PE-PI-PO-PU; RA-RE-RI-RO-RU. 5. Ficha das descobertas e apresentação das famílias fonêmicas: PAPO - RARA; PARA - RIPA; PURA - RAPA. 6. Apresentação das vogais: A - E - I - O - U. UNIDADE 4 164 Perceba, caro(a) aluno(a), que como se trata de uma atividade de alfabetização, a fonte está toda em caixa alta, ou seja, todas letras de imprensa maiúscula. Há um comando: “Leia o trecho”, que deve ser inserido mesmo que o sujeito ainda não es- teja alfabetizado, pois devemos sempre incentivar, ao menos, a tentativa de leitura. O trecho que consta no texto base foi retirado da notícia previamente explorada e fala sobre a alta no preço das frutas, a pouca variedade nos mercados e um proble- ma social que advém desse contexto, sendo a falta de opções para muitas famílias. Novamente, o cuidado de ofertar a autonomia ao sujeito e instigar a necessidade de leitura. Para tanto, um trecho curto e em caixa alta. Como se trata de uma turma de alfabetização, será necessária a leitura pelo professor, mas é importante incentivar a tentativa de leitura previamente. Por fim, as questões que deverão ser resolvidas. Em nosso exemplo há dois modelos de atividade: a primeira é uma coletiva, que pede a discussão do grupo de alunos para solução de problemas que muitas vezes eles mesmos já se depararam; a segunda é uma atividade individual de registro, que pede ao aluno que escreva quem em sua casa gosta de pera, que segundo a notícia é a fruta mais barata, e o que faria se estivesse no lugar das famílias da reportagem. E agora, caro(a) aluno(a), você pode estar se questionando: mas como eles fa- rão a escrita, se ainda não estão alfabetizados? Pois bem, aqui deve ficar evidente Figura 10: Exemplo de atividade de alfabetização para adultos / Fonte: Elaborada pela autora (2021). Descrição da Imagem: A figura mostra uma atividade que apresenta um trecho da notícia explorada no jornal e abaixo uma atividade coletiva, que pede uma discussão dos alunos em grupo e uma atividade individual que solicita a escrita UNICESUMAR 165 a intenção do professor com as atividades de escrita nas turmas de alfabetização com adultos, ou seja, mostrar a necessidade de escrever, para que serve a escrita e como escrever. Para isso, é necessário passar pela experiência da tentativa de escrita. Dessa forma, não devemos esperar que o aluno escreva tudo certo, mas, sim, que faça as tentativas e a partir delas nos mostre suas hipóteses de escrita e nos possibilite a mediação para que a tentativa se torne a cada dia uma construção mais sólida, chegando à escrita alfabética, como vimos em discussões anteriores. Isso nos faz relembrar da significância do objetivo da aula, saber o que eu espero que meu aluno aprenda e desenvolva, para então escolher os métodos de ensino adequados, para atingir ao objetivo da aula, seja na explicação dos con- teúdos ou na prática dos alunos com a aprendizagem. Se meus objetivos devem levar à uma formação crítica, reflexiva, humanizada, emancipadora e libertadora, o meu processo de ensino deve ter esse viés, as oportunidades que proporciono aos meus alunos para aprendizagem, por meio das atividades, também. Com base no exposto, caro(a) aluno(a), você concorda que o papel do pro- fessor deve ser o de mediar as ações docentes e discentes para a promoção da aprendizagem e do desenvolvimento pleno do sujeito? Para que isso aconteça, além do domínio de conteúdo, metodológico e da clareza do ponto de partida e de chegada com suas ações e dos alunos, o professor também deve saber a re- levância da EJA e promover o ensino de qualidade da melhor maneira possível. Para finalizarmos, depois de todo esse percurso, ainda precisamos, enquanto professores, avaliar todo o planejamento e os processos de ensino e de apren- dizagem. Fazer uma avaliação justa é necessária para que a qualidade da educação escolar continue. Quando falamos em avaliar o todo, é, de fato, considerar o amplo planejamento escolar, desde as esferas maiores, como as políticas por trás dos docu- mentos norteadores que implicam na ação docente: as políticas educacionais estão cumprindo com seu papel? São suficientes? Atendem as demandas da sociedade, da escola, dos professores e dos alunos? O que fazer perante essas respostas? Se é o professor quem está na primeira fila da execução de toda política pedagógica, somente ele pode dizer o que é ou não pertinente para a Educação. Tanto para identificar os problemas, quanto para oferecer soluções. No caso dos currículos: os conteúdos correspondem às demandas da sociedade e dos alunos? O que deve ser modificado ou acrescentado? O que deve permanecer? Como isso impacta na vida dos alunos e sua aprendizagem? Sem um currículo adequado, não adianta boas políticas e dedicação do professor. UNIDADE 4 166 Só então, após a análise desses pré-caminhos, é que podemos olhar de forma justa para o processo de ensino e de aprendizagem que ocorre em sala de aula, na relação professor-aluno e aluno-aluno. A avaliação não é apenas da aprendizagem, não é uma mera atribuição de nota e não deve ser punitivo. Uma boa avaliação, além de considerar o que já foi citado, coleta dados que permitem o professor analisar se a metodologia está adequada, se os métodos utilizados foram facilitadores da aprendizagem, se o aluno de fato adquiriu os conhecimentos, habilidades e competências esperados e como; se não, por quê? O que mais precisa ser estimulado? Quais conteúdos ainda precisam ser trabalhados? Quais atividades precisam ser realizadas para desenvolver o que é preciso? São muitas perguntas cujas respostas são ainda maiores. De acordo com a Resolução CNE/CEB 3/2010, a avaliação da aprendizagem, especificamente, deve ser contínua, processual e abrangente, com autoavaliação e ava- liação em grupo. Em outras palavras, precisamos diversificar as formas de avaliação, a fim de que em diferentes momentos e contextos possamos recolher o máximo de informações possíveis e que nos ajude a ajudar o aluno a ter o que lhe é um direito constitucional: educação de qualidade (BRASIL, 2010). Caro(a) aluno(a), espero que você tenha se deparado com vários conhecimen- tos novos e que a cada leitura desperte mais o gosto em saber sobre os detalhes da EJA e as formas de atuação nesta modalidade tão fascinante. Finalizamos mais uma discussão, mas esta não para por aqui, pois precisamos de uma formação sólida para atuação na Educação, não é mesmo? Dessa forma, como fica a formação de professores que atuam na modalidade voltada para jovens e adultos? Essa será nossa última temática juntamente com a abordagem da formação do aluno egresso. Agora que você já sabe quais são os documentos que embasam a elabora- ção de um currículo escolar, foi possível perceber que os conteúdos advêm, atualmente, na BNCC (2018) e perpassa pelos currículos mais específicos, até chegar nas instituições da EJA. Esse mesmo documento apresenta as habilida- des e competências mínimas que os alunos devem desenvolver. Dessa forma, que tal se aventurar a elaborar um objetivo para alunos jovens e adultos sobre o seguinte conteúdo: Decodificação e Fluência de leitura. Para tanto, oriento que você inicie com um verbo, indicando o que os alunos deverão desenvol- ver de habilidade a partir dessa aprendizagem (decodificação/fluência na leitura) e para que essa habilidade/aprendizagem é importante. Ao longo das discussões compreendemos sobre alguns conceitos e processos importantes que ocorrem na elaboração do currículo da EJA e na ação docente e discente. Para ajudar na fixação deles, o que acha de fazer um mapa conceitual? A partir das palavras abaixo, escreva o que você se lembra dos seguintes conceitos/ processos: a) áreas do conhecimento; b) objetosde conhecimento; c) habilidades; d) competências e; e) avaliação. 5Perfil Docente na EJA: Conhecimentos Necessários Dra. Suzi Maria Nunes Cordeiro Me. Fernanda Regina Cinque de Brito Me. Marcia Maria Previato de Souza Olá, caro(a) aluno(a), chegamos às nossas últimas descobertas jun- tos, mas a formação não para por aqui, correto? Para esse último momento, preparamos uma conversa especial, a formação docente para atuação na EJA. Dessa forma, vamos iniciar com a exploração do perfil do professor da EJA na atual sociedade, a fim de identificar os conhecimentos necessários para uma boa atuação. Depois, veremos sobre a Andragogia e a Neuroeducação, para compreender as formas de aprendizagem de adultos e como facilitá-las. Por fim, conheceremos as contribuições do lúdico e das tecnologias na EJA, a fim de utilizá-las como recursos essenciais. UNIDADE 5 170 Ao longo do curso de Pedagogia aprendemos sobre as formas de aprendizagem em diferentes fases da vida. Na infância e na adolescência esses aspectos são mais destacados, logo, vemos que passamos por estágios de desenvolvimento e em cada um temos as aprendizagens mediadas pelos professores e demais relações sociais. E na vida adulta, como ocorre esse processo de aprendizagem? Será que passamos por diferentes fases de desenvolvimento após os 18 anos? É comum e correto ouvirmos que a aprendizagem está presente em todas as fases da nossa vida. Independentemente da idade, estamos aprendendo algo. Os grandes nomes das teorias de desenvolvimento e da aprendizagem enfatizam mais a infância e a adolescência, tal como vemos nas teorias de Lev Vygotsky e Jean Piaget, porém, seus conhecimentos também são aplicados aos adultos e idosos, com determinadas especificidades. Considerando que você, caro(a) aluno(a), está neste momento em processo de aprendizagem, que tal fazer uma autoanálise das formas como você aprende? Você consegue identificar quais são os melhores métodos de aprendizagem que você utiliza? A partir da autorreflexão proposta, escreva no Diário de Bordo ao menos duas formas de aprendizagem que você identificou e, ao longo das leituras, compare com as formas que apresentaremos. UNICESUMAR 171 Chegamos às nossas últimas discussões sobre a modalidade de Educação de Jo- vens e Adultos. Agora que você já sabe sobre os percursos históricos, políticos e pedagógicos da EJA, bem como o perfil dos alunos e as formas de trabalho do professor, é importante saber sobre o perfil profissional necessário para a atuação docente nesta modalidade. Por isso, vamos explorar sobre o perfil docente para EJA e a sociedade atual. Assim como recorremos às legislações vigentes para identificar as exigências para formação dos alunos da EJA, também precisamos pesquisá-las para desco- brir sobre o perfil docente esperado e necessário na sociedade atual. Dessa forma, vamos iniciar pela lei maior da Educação e depois, de forma específica, perpassar pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos. Ao pesquisarmos sobre a formação de professores na Lei nº 9.394/96, veri- ficamos no artigo 62 que a princípio deve ocorrer a nível superior. O parágrafo primeiro afirma que “A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério” (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009). Dessa forma, deve-se ficar evidente nos currículos de graduação em licenciaturas que a formação inicial não é suficiente para atuação profissional, devendo o professor procurar por sua formação continuada com o apoio do Estado, conforme mencionado (BRASIL, 1996). UNIDADE 5 172 Além disso, outros parágrafos do artigo 62 enfatizam sobre essa necessidade de formação inicial e continuada para atuação do professorado: “§ 4º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios adotarão mecanismos facilitadores de acesso e permanência em cursos de formação de docentes em nível superior para atuar na educação básica pública” (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) (BRASIL, 1996). Esse parágrafo em específico está em consonância com as polí- ticas de valorização do magistério, que exige a formação de professores em nível superior, e complementando, temos o parágrafo seguinte: § 5º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios incentivarão a formação de profissionais do magistério para atuar na educação básica pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educação superior (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) (BRASIL, 1996). No que tange a formação continuada, a LDBEN (1996) ressalta em seu artigo 62-A, em parágrafo único, que “Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação” (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013). Sendo necessário que cada instituição escolar e Se- cretaria de Educação zelem em parceria com o Estado pela formação continuada dos professores (BRASIL, 1996). Com base na mesma Lei, vemos que a valoriza- ção do professor continua por outros meios, como o disposto: Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos ter- mos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional con- tinuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - piso salarial profissional; IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação UNICESUMAR 173 do desempenho; V - período reservado a estudos, planeja- mento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condi- ções adequadas de trabalho (BRASIL, 1996 - grifo nosso). Assim, a formação continuada é um direito do professor e faz parte de sua valo- rização, assim como o período reservado aos estudos dentro de sua carga horária de trabalho. Tão importante quanto a remuneração profissional e as adequadas condições de trabalho é a formação docente, que garante a qualidade da educação escolar, mediante a oferta do próprio Estado. Perante o exposto, caro(a) aluno(a), ao finalizar esse curso de graduação, é importante que seus estudos não parem por aqui, pois para que a sua prática seja consistente, com base em uma boa teoria e que de fato possa colocar seus conhecimentos pedagógicos em prática, é necessário um contínuo aprender e aplicar, até porque a sociedade, as demandas e ações pedagógicas se modificam constantemente e o professor não pode ficar obsoleto. A união eficiente da teo- ria e da prática, chamada de práxis, também depende da formação continuada. Segundo Konder (1992, p. 115): “ [...] a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afir- mam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para po- derem alterá-la, transformando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática. O sentido que queremos extrair dessa citação é que não é possível o professor agir sem uma teoria que sustente suas ações e justifique sua pedagogia, da mesma forma que apenas ter ou ficar na teoria não traz resultados eficientes para o alu- no, para o professor e para a sociedade. Ao escolher apenas um dos lados ou ao afirmar que “na prática a teoria é outra” ou, ainda, alegar que age sem uma teoria que o sustente, o professor está fadado ao fracasso, levando consigo o fracasso escolar e a responsabilidade pela falta de qualidade da Educação. UNIDADE5 174 Neste momento, caro(a) aluno(a), você está na formação inicial em Pedagogia, correto? Você consegue identificar, com base nas leituras realizadas até aqui, esses conhecimentos exigidos pelas DCN da EJA? Desafio você a elencar os conhecimentos adquiridos nas uni- dades anteriores e relacionar com os incisos do artigo 17 supracitado. PENSANDO JUNTOS Nessa mesma vertente, Freire (2013, p. 38) afirmava que “[...] a formação do edu- cador deve ser permanente e sistematizada, porque a prática se faz e refaz”. Sendo a sociedade dinâmica, a educação escolar que a atende é dinâmica, logo, não tem como o docente ser estático. A formação inicial do professor, em graduação, prepara-o para escolher a porta que quer abrir em sua atuação. Vejamos, por exemplo, a Pedagogia, em que o egresso pode atuar como pro- fessor regente, pedagogo, gestor escolar ou ainda em outras áreas didáticas em ambientes não formais (classe hospitalar, organizações não governamentais, museus etc.). É esse panorama que se apresenta ao acadêmico. Como cada área apresenta especificidades, realidades e desafios diferentes, para cada porta que o egresso escolher abrir, há uma especialização a ser realizada, justamente para amparar sua práxis de forma direcionada à área escolhida da Pedagogia. No que se refere a atuação na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, as DCN (2000) enfatizam que: Art. 17 – A formação inicial e continuada de profissionais para a Educação de Jovens e Adultos terá como referência as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental e para o ensino médio e as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores, apoiada em: I – ambiente institucional com organização adequada à proposta peda- gógica; II – investigação dos problemas desta modalidade de educação, buscando oferecer soluções teoricamente funda- mentadas e socialmente contextuadas; III – desenvolvimento de práticas educativas que correlacionem teoria e prática; IV – utilização de métodos e técnicas que contemplem códigos e linguagens apropriados às situações específicas de aprendi- zagem (BRASIL, 2000, p. 3 - grifos nossos). UNICESUMAR 175 Conforme explicitado pelo artigo 17 das DCN (2000), para atuação na EJA o professor deve ser graduado em cursos de licenciatura que atenda às Diretrizes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, visto que apesar de ser uma modali- dade a Educação de Jovens e Adultos, trabalhará com conteúdos, metodologias e métodos de ensino voltados ao currículo destas etapas. Ou seja, da mesma forma que um graduado em Pedagogia pode lecionar para os anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) esse docente também recebe a habilitação para atuar nos anos iniciais do Fundamental na modalidade de EJA. Já para atuação nos anos finais, bem como no Ensino Médio da EJA, o professor deve ser formado em licenciaturas específicas, por exemplo: em Letras para lecionar a disciplina de Língua Portuguesa, em Matemática para atuar com a disciplina de matemática e assim sucessivamente (BRASIL, 2000). Como mencionamos a formação em Pedagogia para atuação nos anos ini- ciais da EJA, vejamos o que diz as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia (DCN, 2006) sobre essa formação acadêmica: Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: I - atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária; [...] III - fortalecer o de- senvolvimento e as aprendizagens de crianças do Ensino Funda- mental, assim como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria; IV - trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de UNIDADE 5 176 sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo; V - reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas, emocionais, afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas; VI - ensinar Língua Portuguesa, Mate- mática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desen- volvimento humano; VII - relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comu- nicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens signi- ficativas; VIII - promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e a comunidade; IX - identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investiga- tiva, integrativa e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de exclusões sociais, étni- co-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras; X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, esco- lhas sexuais, entre outras; XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área educacional e as demais áreas do conhecimento [...] (BRASIL, 2006, p. 2 - grifos nossos). Há outras exigências das DCN (2006) para egressos de Pedagogia e que se apli- cam ao perfil docente e atuação na EJA, contudo, fizemos um recorte das mais significativas para explorarmos. Como vemos na citação, ao mencionar sobre o público frequente do Ensino Fundamental “que não tiveram oportunidade na idade própria”, bem como os sujeitos em “diferentes fases do desenvolvimento humano” e nas modalidades, inclui-se a atuação na EJA. Neste espaço é necessário que, seguindo as diretrizes dos demais incisos, o professor da EJA, formado em Pedagogia, saiba relacionar o processo de ensino com os diferentes aspectos da aprendizagem que envolve a cognição, aspectos socioemocionais, dentre outros. Sendo este o professor regente da turma, seu trabalho refere-se a todas as disci- plinas e por isso a atuação interdisciplinar é requerida, como forma de garantir a qualidade do ensino e uma aprendizagem mais qualitativa (BRASIL, 2006). UNICESUMAR 177 Sobre essas questões, Fer- nandes e Gomes (2015) en- fatizam que o professor que utiliza métodos de ensino adequados na EJA, garante uma aula de qualidade que proporciona ao aluno per- ceber sobre os benefícios de continuar a frequentar o processo de escolarização, evitando a evasão. O conhe- cimento da interdisciplina- ridade ajuda nessa aula de qualidade porque possibilita a discussão de um tema por diferentes aspectos (políti- cos, educacionais, econômi- cos, sociais, filosóficos etc.), o que incita cada aluno a ver o objeto de estudo pelo prisma que melhor lhe atrai e/ou já conhece, ao mesmo tempo que tem contato com outros pontos de vista. Ao encontro dessa discussão, Gadotti (2010, p. 65) explicita que “o objetivo fundamental da interdisciplinaridade é experimentar a vivência de uma realidade global, que se inscreve nas experiências cotidianas do aluno, do professor e do povo [...]”. Assim, podemos partir de um ponto comum com os alunos e ir além, para um conhecimento cientificamente acumulado e sistematizado, articulando “[...] saber, conhecimento, vivência, escola, comunidade, meio ambiente e etc. É o objetivo da interdisciplinaridade, que se traduz, na prática, por um trabalho coletivo e solidário [...]”. Por isso, o professor deve articular seus conhecimentos teóricos e práticos para transformar sua aula em momentos de construções de aprendizagens. Continuando com os incisos do artigo 17 das DCN (2006) da Pedagogia, vemos que o professor, também na EJA, precisa articular os conteúdos curri- culares com a sociedade atual e as tecnologias em que estamos imersos. Os problemas da sociedade, a realidade de cada aluno e as transformações sociais não podem ser ignorados na educação escolar, incluindo para jovens e adultos. Por isso, Ens (2006, p. 12-13) salienta que UNIDADE 5 178“ [...] na sociedade globalizada se convive, simultaneamente, com a inovação e a incerteza. Por isso, a educação dos seres humanos se torna mais complexa, e a formação do professor, também, passa a assumir essa complexidade. Para superar a dicotomia entre ensino e pesquisa, teoria e prática, e possibilitar a constru- ção de uma práxis dinamizada pela iniciativa, pelo envolvimen- to do futuro professor em projetos educativos próprios e fun- damentados, torna-se necessário reconhecer tal complexidade. Não é porque os alunos da EJA não são, em maioria, nativos digitais, que vamos excluir as tecnologias dos processos de ensino e de aprendizagem, pelo contrário, é neste exato contexto que devemos utilizar de tecnologias da informação, co- municação, educação, sociais e as demais para inseri-los na sociedade atual, uma vez que essa é nossa realidade para relações sociais, de trabalho e de convivência. Por outro lado, como já mencionamos nos perfis dos alunos da EJA, atualmente não temos apenas idosos e adultos nas classes, mas, também, adolescentes que, apesar de não frequentarem a escola ou não finalizarem os estudos, fazem uso dessas tecnologias. Esse panorama exige que o docente da EJA também tenha conhecimentos tecnológicos para utilização eficiente e eficaz em sala de aula, mas veremos mais sobre essa questão em discussões futuras (BRASIL, 2006). Por fim, faz parte do perfil profissional implícito nos incisos do artigo 17 das DCN (2006) o conhecimento do professor sobre as diferentes realidades, naturezas e a diversidade que temos em nossa sociedade. Isso porque, na classe, sobretudo da EJA, recebemos essa pluralidade social, devido às diferentes razões que levam o sujeito a não frequentar a escola na infância e/ou adolescência (BRASIL, 2006). Não é à toa que exploramos sobre o perfil dos alunos da EJA, pois deve estar evidente que nessas classes haverá grupos que são marginalizados pelos sistemas e, por isso, não conseguem finalizar a escolarização: classe social abaixo da média; grupos étnicos, de gêneros e culturas que sofrem com a discriminação e/ou o preconceito; pessoas com necessidades educacionais especiais; pessoas com dificuldades socioemocio- nais ligadas ao processo de escolarização e ex-presidiários. Por esse complexo exigido na formação do professor da EJA é que Fernandes e Gomes (2015) consideram essencial o perfil de um docente pesquisador e ético, pois para lidar com as diferenças a ética é necessária, não apenas pelo respeito ao aluno diretamente, como também consta no inciso I do artigo 17 das DCN (2006), mas, também, pelo respeito a sociedade que precisa de um sujeito com UNICESUMAR 179 Para Freire (2005, p. 67) a educação de jovens e adultos deve ser pautada em uma ação docente reflexiva, “se o momento já é o da ação, esta se fará autêntica práxis se o saber dela resultante se faz objeto da reflexão crítica”. A práxis pedagógica é essencial na EJA para transformação social e autotransformação, seja do professor ou do aluno. EXPLORANDO IDEIAS qualidade na formação, o que depende da compreensão de cada escola e pro- fessor sobre as necessidades daquele sujeito. Por sua vez, para que se tenha esse conhecimento das necessidades individuais e coletivas dos alunos da EJA, é ne- cessário a pesquisa, em que voltamos a falar da práxis, da formação humanizada, da formação para criticidade, emancipação e reflexão. Fernandes e Gomes (2015, p. 7) também explicitam que “embora não possuam co- nhecimentos formais, os docentes da EJA precisam levar em conta as vivências e saberes discentes, propondo metodologias adequadas e coerentes com a realidade destes alunos. Torna-se necessário valorizar os saberes populares, como também as experiências que esses alunos carregam [...]”, conforme vimos em discussões anteriores. Ao encontro desse pensamento, Freire (2013, p. 161) acrescentava que “a prática educativa é tudo isso, afetividade, alegria, capacidade científica e domínio técnico a serviço da mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje”. Portanto, para a atuação docente, cabe ao professor decidir como agir. Nesse sentido, para que se obtenha uma qualidade na educação pelas mãos do professor, é preciso oferecer os instrumentos básicos para tomada de decisão, sendo um deles a formação continuada. Sobre ela, a lei 13.005 de 2014, que dis- pões sobre o Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024), apresenta a meta 16: “ Formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cen- to) dos professores da Educação Básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos(as) os(as) profissionais da Educação Básica, formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contex- tualizações dos sistemas de ensino (BRASIL, 2014). UNIDADE 5 180 A partir das metas de melhoria da qualidade da Educação Básica, que também impactam a EJA, houve a reelaboração dos currículos escolares a partir da imple- mentação da BNCC (2018), como explorado em discussões anteriores. Mas com essa reestruturação curricular, a formação de professores também sofre impactos e há necessidades de novas formações (continuadas), aos professores já em atua- ção. Por isso, a Resolução CNE/CP nº 1, de 27 de outubro de 2020, dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica, atendendo, também, o previsto na meta 16 do PNE (2014-2024) (BRASIL, 2014; 2018; 2020). Vejamos no quadro a seguir as dez competências gerais exigidas para os do- centes, que também faz parte do perfil do professor da EJA, que devem ser tra- balhadas nos cursos de formação continuada: COMPETÊNCIAS GERAIS DOCENTES 1. Compreender e utilizar os conhecimentos historicamente construídos para poder ensinar a realidade com engajamento na aprendizagem do estudan- te e na sua própria aprendizagem, colaborando para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática e inclusiva. 2. Pesquisar, investigar, refletir, realizar análise crítica, usar a criatividade e buscar soluções tecnológicas para selecionar, organizar e planejar práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas. 3. Valorizar e incentivar as diversas manifestações artísticas e culturais, tanto locais quanto mundiais, e a participação em práticas diversificadas da pro- dução artístico-cultural para que o estudante possa ampliar seu repertório cultural. 4. Utilizar diferentes linguagens - verbal, corporal, visual, sonora e digital - para se expressar e fazer com que o estudante amplie seu modelo de expressão ao partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em di- ferentes contextos, produzindo sentidos que levem ao entendimento mútuo. UNICESUMAR 181 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comu- nicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas docentes, como recurso pedagógico e como ferramenta de formação, para comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, re- solver problemas e potencializar as aprendizagens. 6. Valorizar a formação permanente para o exercício profissional, buscar atualização na sua área e afins, apropriar-se de novos conhecimentos e expe- riências que lhe possibilitem aperfeiçoamento profissional e eficácia e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania, ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7. Desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações cien- tíficas para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns, que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental, o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, com-preendendo-se na diversidade humana, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com estas, desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos estudantes. 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazen- do-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza, para promover ambiente colaborativo nos locais de aprendizagem. 10. Agir e incentivar, pessoal e coletivamente, com autonomia, responsabili- dade, flexibilidade, resiliência, a abertura a diferentes opiniões e concepções pedagógicas, tomando decisões com base em princípios éticos, democráti- cos, inclusivos, sustentáveis e solidários, para que o ambiente de aprendiza- gem possa refletir esses valores. Quadro 1: Competências gerais docentes / Fonte: Adaptado de Brasil (2020, p. 8). COMPETÊNCIAS GERAIS DOCENTES UNIDADE 5 182 Considerando o exposto, precisamos estar minimamente preparados para a atua- ção na EJA, para iniciarmos os trabalhos docentes após finalizarmos a graduação. Mas é perante a realidade da sala de aula, que vamos nos deparar com as comple- xidades, desafios e tomadas de decisões, que nos colocarão em ação. Alinhando a teoria com a prática, o professor é capaz de buscar o aperfeiçoamento da sua profissão na formação continuada, seja em cursos de extensão, cursos comple- mentares das Secretarias de Educação ou a nível superior pela pós-graduação. O que não pode é ficarmos acomodados aos conhecimentos básicos. Continuando as discussões sobre essa formação do professor da EJA, agora com observações da prática em sala de aula, convido você a analisar as pesquisas sobre o processo de aprendizagem na adolescência e na vida adulta, os impactos dos anos fora da escola e as necessidades educacionais desse público, visto que fazem parte do saber docente para atuação na modalidade em questão. Vamos lá? Ao longo das unidades anteriores verificamos sobre o perfil do alunado da EJA, o processo e os métodos de alfabetização de adultos, as avaliações possíveis na modali- dade e verificamos as similaridades e diferenças do processo de ensino para crianças. Com esses estudos vimos que algumas questões não se destoam; porém, muitas es- pecificidades devem ser levadas em consideração por estarmos lidando com jovens e adultos. Nesse ínterim, algumas dúvidas surgem, como: será que adultos e crianças aprendem da mesma forma? Será que há dificuldades de aprendizagem na vida adul- ta? Como ocorre o processo de aprendizagem na adolescência e com adultos e idosos? Para essas e outras questões, vamos retomar algumas discussões e explorar de forma pontual sobre as aprendizagens na vida adulta, por isso, veremos sobre a Andragogia e as contribuições da Neuroeducação para EJA. Você já ouviu sobre Andragogia? Sabe o que é? Vamos iniciar por esse con- ceito, então. Segundo Litto e Formiga (2009), o termo Andragogia tem origem no grego: andros – adulto e agogus – guiar, conduzir. Essa palavra foi utilizada pela primeira vez pelo professor alemão Alexander Kapp, em 1833. Contudo, ao revi- sarmos as literaturas sobre o tema, Malcolm Shepherd Knowles (*1913-1997†), professor de adultos, norte-americano, é quem se destaca como figura central da disseminação da aprendizagem de adultos nesta perspectiva. Para Knowles (1980) a Andragogia vem como forma de entender como o adulto aprende, visto que, diferentemente da criança, está em uma fase de desenvolvimento UNICESUMAR 183 Descrição da Imagem: Diagrama com um círculo ao meio que leva o título “Andragogia” e, ao seu redor, outros seis balões com os seguintes pressupostos: Necessidade de saber: O adulto deve saber as seguintes respostas - por que devo aprender? Quais os benefícios? Qualidade de vida? Melhoria no desempenho profissional? Quais são as consequências no caso de não aprender? Autoconceito: Devemos levar em consideração que o adulto é um ser independente e autodirecionado que se vê como responsável e quer ser visto e tratado como capaz de tomar as próprias decisões. Experiência: O adulto tem experiências que devem ser levadas em consideração, pois levam à aprendizagem. Os métodos de ensino e de aprendizagem, portanto, devem envolver tais conhe- cimentos. Prontidão para aprender: Se mostrarmos como os novos conhecimentos podem ajudar o adulto a solucionar problemas da vida real e a desempenhar seus papéis sociais, o engajamento se torna efetivo. Figura 1 - Pressupostos básicos da Andragogia / Fonte: Knowles (1980). humano permeado de experiências, maturidade física, cognitiva e emocional. Por isso, ele salienta alguns pressupostos básicos da aprendizagem do aluno adulto: UNIDADE 5 184 Ainda na perspectiva andragógica de Knowles (1980), há sete fases sequenciais e progressivas de um ciclo de aprendizagem de adultos: 1. Criação de um clima favorável à aprendizagem - é necessário que o am- biente, o professor e o aluno estejam preparados para o processo de ensino e de aprendizagem; 2. Estabelecimento de uma estrutura organizativa que permita a participa- ção do adulto no planejamento - na perspectiva do autor, o adulto como consciente de suas ações deve participar inclusive da elaboração das aulas, para expressar suas necessidades de aprendizagem, tornando a aula mais significativa; 3. Diagnóstico das necessidades de aprendizagem - é por meio do contato professor-aluno que se identifica as reais necessidades de aprendizagem no início, como o ponto de partida para as discussões e aquisições de conhecimentos; 4. Formulação dos objetivos das aprendizagens - se de um lado o professor tem em seu planejamento os objetivos de ensino, da aula e da formação desse sujeito, o aluno, por outro lado, tem seus objetivos de aprendizagem, que precisam ser levados em consideração, visto que são dois processos que ocorrem em consonância, interligados; 5. Conceção de um desenho ou roteiro de atividades - a finalidade aqui é a participação do aluno no seu processo de aprendizagem; 6. Operacionalidade efetiva das atividades - de forma que o aluno possa estar ativo no processo de aquisição de conhecimento; 7. Reavaliação do diagnóstico de necessidades de aprendizagem - como se fosse uma autoavaliação e/ou uma avaliação diagnóstica, em que se identifica as necessidades que ainda se apresentam. UNICESUMAR 185 A Andragogia de Knowles (1980) é pautada em uma responsabilização maior do adulto em seu processo de aprendizagem, ainda que com a colaboração mediada do professor. Segundo Carvalho (2016, p. 82), a perspectiva andragógica de Mal- colm Knowles mostra que “[...] a aprendizagem envolve mudança e se concretiza com a aquisição de hábitos, conhecimento e atitudes. Essas mudanças permitem que os indivíduos façam ajustes pessoais e sociais”. Dessa forma, qualquer mu- dança de comportamento seria um reflexo da aprendizagem. O autor ainda salienta que a diferença no processo de aprendizagem entre crianças e adultos, na perspectiva andragógica, não se refere apenas ao currículo adaptado, como as atividades, mas, também, ao processo de seleção dos currícu- los. Com as crianças o professor define os conteúdos, a ordem, a forma, o nível de complexidade, avalia as possibilidades e determina os métodos de ensino. Já com adultos, “[...] o aprendiz é sujeito ativo do seu próprio aprendizado, pois é um ser consciente e reflexivo, que possui autonomia cognitiva, afetiva e volitiva, com motivação orientada para aquisição de conhecimentos voltados especificamente para aperfeiçoamento pessoal e o incremento laboral [...]”, ou seja, o adulto é ca- paz de dizer o que é necessário para sua formação e de que forma pode aprender melhor (CARVALHO, 2016, p. 83). Em consonância, Lindman (1926, p. 8) enfatiza que “[...] na educação de adultos o currículo é construído em função da necessidadedo estudante. Todo adulto se vê envolvido com situações específicas de trabalho, de lazer, de família, da comunida- de, etc. - situações essas que exigem ajustamentos”. A partir de suas experiências e realidades é que os conteúdos são introduzidos no processo de aprendizagem. Sua realidade torna-se, portanto, o ponto de partida das aprendizagens, mas no meio do caminho se insere conteúdos científicos que se somam ao conhecimento prévio. UNIDADE 5 186 É importante compreendermos que a Andragogia não é um método de ensino ou uma Teoria Pedagógica, como vimos na Pedagogia Libertadora e na Pedagogia Histórico-Crítica. Ela é vista como uma ciência que pretende ensinar o adulto a aprender (OSÓRIO, 2013). Por isso, vemos que sua centralidade está na autonomia do adulto e suas experiências como centro do processo de aprendizagem. A partir da Andragogia, o professor pode utilizar de diferentes métodos de ensino, mas, colocando o adulto como ser ativo nas tomadas de decisões de sua aprendizagem. Segundo Back (2018), colocar o aluno de forma ativa no processo de aquisi- ção de seus conhecimentos científicos, desde o planejamento das aulas, contribui para o desenvolvimento da autonomia, colaboração e autogestão da aprendi- zagem, que são requisitos fundamentais na sociedade atual para progressão de carreira. Contudo, devemos tomar um cuidado para não reverter a teoria contra nós, [futuros/as], professores(as). Os conteúdos programáticos são previamente selecionados dentro do plane- jamento escolar, que se inicia lá na BNCC em esfera nacional, como vimos em discussões anteriores, se lembra? (BRASIL, 2018). Dessa forma, os conteúdos já chegam prontos na escola e podem ser enriquecidos à medida que os alunos, juntamente com a equipe pedagógica, definem o currículo escolar, dentro de uma gestão democrática. A partir disso, o professor continua planejando a aula com base nesses conteúdos científicos. O aluno, que já participou da seleção de conteúdos específicos para enriquecer o currículo, volta à atividade no momento de colaborar com o professor no seu planejamento no que tange aos métodos de aprendizagem, as formas de trabalho pedagógico e as atividades de sala de aula. É importante esse destaque para que a autonomia do aluno no processo de escolarização da EJA não seja confundida como a total tomada de decisões pelos discentes, dando a impressão de que só aprendem o que querem. Quer saber um pouco mais sobre o papel do professor e do aluno dentro da perspectiva andragógica? Dê o play. https://vimeo.com/563326659/0dcacc6599 UNICESUMAR 187 A Andragogia possui como viés de abordagem a aprendizagem do aluno adulto, in- dependentemente do nível e da modalidade. Ela apresenta alguns aspectos que pre- cisamos, enquanto professores, nos atentar na formação do sujeito, os quais vamos explorar. O primeiro, como mencionado anteriormente, é a autorresponsabilidade. Por ser um sujeito que já trabalha, já tem vida própria, relações sociais e de- mais experiências, o adulto tende a ter domínio de si e do que faz, logo, precisa se sentir parte incluída no processo de aprendizagem como ser ativo. O professor de alunos adultos precisa promover essa participação ativa de maneira colaborativa e não dominada por eles, pois no processo de ensino e de aprendizagem ambos são importantes e necessários, mas é o docente quem domina os conteúdos e as metodologias, por isso, é ele quem conduz o trabalho (KNOWLES, 1980). Dessa forma, ensinar o aluno a aprender, trabalhar com atividades participativas, em grupo, com discussões, conversas, análises, pesquisas, leituras, investigações e au- toavaliações, são caminhos que contribuem para a responsabilidade, autonomia e senso de pertencimento do sujeito no processo de aprendizagem. O segundo aspecto que o professor precisa ter cuidado é relacionado ao pen- samento prático. É muito comum na vida adulta buscarmos soluções de como resolver as situações de maneira prática (rápida e eficaz), pois as questões coti- dianas muitas vezes dependem de ações. Porém, a vida não vem com um manual de instruções, correto? E como já exploramos, a prática deve estar aliada com a teoria, por isso, a práxis é fundamental. Dessa forma, um grande desafio aos professores de alunos adultos é lidar com a intolerância à teoria e a busca pelas “receitas” prontas e acabadas. É preciso fazer com que o aluno compreenda que a teoria é tão importante quanto a prática e é por meio dela que teremos as ações corretas diante de cada situação (KNOWLES, 1980). Por isso, trabalhar de forma imersiva, com situações-problema, estudos de caso e atividades que relacionem a vida real com os conteúdos é importante, seja para ajudar o aluno a compreender a práxis, seja para ele aprender de forma significativa a teoria e a prática. Outro ponto de atenção com alunos adultos é o fato de serem menos abertos a mudanças, o que em alguns casos os tornam resistentes. As experiências que por um lado são importantes e devem ser consideradas como ponto de partida, podem, também, deixar o aluno mais enrijecido com aspectos da vida. Essa rigi- dez se torna um problema para a aprendizagem se o aluno não estiver disposto a UNIDADE 5 188 olhar por novas perspectivas, o que deixa o processo de aprendizagem mais difícil (KNOWLES, 1980). Por isso, as atividades com experimentação, estudos de casos e análises de estudos comprovados cientificamente são essenciais. Você já deve ter ouvido falar que com o passar dos anos aprendemos de forma mais lenta e temos uma curva descendente a partir dos 30 anos de ida- de. Será que isso é verdade? Para saber sobre os processos neuropsicológicos ligados à cognição, peço que continue a leitura até o fim das nossas discussões, mas já posso adiantar que na fase adulta, a velocidade com que internalizamos a aprendizagem não é a mesma da infância e adolescência, mas em compensação o nível de apreensão é maior (KNOWLES, 1980). A partir disto, o professor deve proporcionar momentos de integração do aluno com o conhecimento, a fim de que ele não apenas memorize os conceitos e contextos, mas coloque em prática o que sabe e desenvolva as habilidades e competências. Novamente a experiência vem como ponto de alerta para o professor de alu- nos adultos, pois ainda que a iniciativa não venha do docente, em algum momen- to os alunos vão relatar alguma experiência em relação ao conteúdo. Dessa forma, não é coerente com a postura esperada que o professor simplesmente ignore esses conhecimentos prévios, ainda que sejam de senso comum (KNOWLES, 1980). Trabalhar com relato de casos, conversar com os alunos sobre os conhecimentos prévios e problematizar sobre suas vivências é importante com esse público. Isso ajuda a motivar o aluno, pois agrega valor à aprendizagem, fazendo-o perceber que os conhecimentos da sala de aula fazem sentido para sua vida pessoal, pro- fissional e acadêmica. Tanto a motivação quanto a multifunção (vida familiar, pessoal, trabalho etc.) também são aspectos a serem considerados na Andragogia. Por fim, outro destaque é a alta expectativa do aluno em relação ao processo de aprendizagem. De forma geral, o esperado por esse público é que a educação lhe ofereça melhor qualidade de vida, emprego e até resultados imediatos. Por isso, é importante salientar desde o início do processo os caminhos que serão percorridos, professores e alunos; os benefícios da educação e a forma como os trabalhos serão conduzidos (KNOWLES, 1980). UNICESUMAR 189 NOVAS DESCOBERTAS Título: Andragogia e educação profissional Autor: Pablo Bes Editora: Sagah Os desafios docentes são diversos, como podemos observar pela An- dragogia, mas aqui também vimos as formas de lidar com maior facilidades. Para fortalecer esses conhecimentos, mais leituras e pesquisas são necessárias e por isso, indico o livro “Andragogia e educação profissional”, de Pablo Bes, que está disponível em “Minha Biblioteca”. Acesse pelo seu Studeo e confira! Continuando nossaexplanação sobre as especificidades no processo de apren- dizagem para adultos, veremos, agora, de uma outra perspectiva, para aprofun- dar mais a nossa práxis pedagógica. Com a ajuda da Neuroeducação podemos compreender algumas dificuldades de aprendizagem que podem surgir neste grupo, bem como, saber de que forma ajudar os alunos e como potencializar os conhecimentos, habilidades e competências que os mesmos já possuem. Para iniciar a discussão na ótica da Neuroeducação, vamos destacar breve- mente do que ela trata. Esse é um campo científico recente derivado da transdis- ciplinaridade de grandes áreas: Neurociência e Educação, principalmente, mas, também, tem contribuições da Psicologia. Enquanto a Neurociência se ocupa em estudar o sistema nervoso (funcionamento, estrutura, desenvolvimento e eventuais alterações), analisando cérebro, medula espinhal e nervos periféricos, a Educação é o campo que compreende o processo de desenvolvimento contínuo nos diferentes aspectos (cognitivos, sociais, emocionais, entre outros), cuja Ciên- cia responsável pelos seus estudos dos processos de ensino e de aprendizagem é a Pedagogia. Dessa combinação de conhecimentos emergiu a Neuroeducação, que visa estudar os mecanismos cerebrais envolvidos na aprendizagem, a fim de ajudar os professores a facilitar o processo de ensino e de aprendizagem pelas vias neurológicas e psicoemocionais, para tanto, também é preciso contar com os estudos da Psicologia (FERREIRA, 2020). UNIDADE 5 190 Quer conhecer um pouco mais do histórico da Neuroedu- cação e a relação com a EJA? Acesse nosso podcast! Podemos encontrar estudos que abordem o tema pela denominação de Neu- roaprendizagem, contudo, a forma legitimada na literatura científica é Neuro- ciência Cognitiva, que, segundo Souza e Benathar (2019, p. 97), “[...] foca seu estudo nas capacidades mentais do ser humano (pensamento, aprendizagem, inteligência, memória, linguagem, percepção)”. Por isso, podemos utilizar ambos os termos, mas se trata de uma mesma Ciência. Sempre que precisarmos com- preender os aspectos neuropsicológicos envolvidos na aprendizagem é para este campo que vamos recorrer. As autoras também salientam que “[...] as experiências sensoriais estimulam a aquisição do conhecimento, por exemplo, um aroma, uma música, um sabor são experiências” que se iniciam pelas vias do sentido e são conduzidas até o cérebro para seu processamento (SOUZA; BENATHAR, 2019, p. 97). Por isso, é impor- tante na educação de jovens e adultos o trabalho com as múltiplas inteligências, o que facilita alcançar as diferentes formas de aprendizagem. Antunes (2015) nos mostra que apesar de todos termos essas inteligências, elas não nascem prontas, mesmo que os fatores genéticos influenciem nosso de- senvolvimento, pois elas também dependem dos estímulos que recebemos ao longo da vida, dentro e fora da escola. Por isso, todos possuem essas múltiplas inteligências, incluindo os adultos que mesmo fora da escola desenvolveram-nas por meio de suas relações sociais, de trabalho, entre outras formas. O professor que trabalha considerando-as, ajuda a potencializar as inteligências que seus alu- nos já possuem e proporciona um maior desenvolvimento das demais. Vejamos, a seguir, um quadro que sintetiza essas múltiplas inteligências e como o professor pode trabalhar com alunos adultos: https://vimeo.com/563328803/b6db015e3c UNICESUMAR 191 INTELIGÊNCIA CARACTERÍSTICAS TRABALHO COM ADULTOS LINGUÍSTICA O pensamento por meio das hipóteses, reflexões críticas e/ou sentimentais, são re- correntes. Podemos ver isso em escritores, dramaturgos, entre outros, como Clarice Lispector e demais pessoas que gostam de se expressar pelas linguagens oral e/ou escrita. Atividades que envolvam descrever situações, po- dem contribuir para o de- senvolvimento linguístico; bem como relacionadas à escrita de gêneros do cotidiano (listas, recei- tas etc.) até outras mais rebuscadas como poesia e demais produções. Jogos que envolvam expressão também ajudam. LÓGICO- MATEMÁTICA Busca por operações men- tais estimuladoras da lógica em tudo; trabalha as ha- bilidades de classificação, comparação e dedução. É o que vemos de maneira bem evidente em pessoas como Albert Einstein ou outras não tão conhecidas, mas que possuem muita facilidade com raciocínio lógico. Trabalhar com jogos de análises como gamão, xadrez, games específicos; bem como resolução de situações-problemas, pro- porciona o estímulo dessa inteligência. ESPACIAL Facilidade em identificar lugares, formas, orientação espacial; representam bem por meio de mapas, gráficos, diagramas, metáforas, usam bem a imaginação e cons- troem por meio de fantasias. São exemplos os navegado- res antigos, como Vasco da Gama e demais pessoas que possuem boas orientações do lugar onde estão e que ocupam. Por ser bem abstrata, é importante o trabalho por meio de literaturas, improvisos (como o sujeito inventar o final de uma história), debates, ima- gens, exercícios de ante- cipação de cenas ou finais de filme, entre outros. UNIDADE 5 192 MUSICAL Identificar, com facilidade, tons, notas, melodias, ritmos, timbre, frequências e agru- pamentos de sons. Pessoas como Ed Motta e outras que possuem facilidades de discriminação auditiva, são exemplos. Atividades que envolvam canções, sons instrumen- tais e diversos, podem contribuir para o desen- volvimento da atenção voltada aos sons, ritmos e outros elementos musi- cais. CINESTÉSICA CORPORAL Tato aprimorado, sensibili- dade olfativa, visual, auditiva e capacidade do paladar. Envolve habilidades com o corpo e os sentidos. São exemplos pessoas como Ana Botafogo e demais que se expressam pelo corpo e suas habilidades sensoriais. Trabalhar com jogos, como adivinhações por meio dos sentidos, espor- tes e formas de expres- sões corporais podem potencializar a inteligência cinestésica corporal. NATURALISTA Apresenta fascínio por questões da natureza, uma aprendizagem de compara- ção, dedução, classificação, análises e sínteses. Tal como Charles Darwin e demais pessoas que têm necessida- de de contato com elemen- tos da natureza de forma geral apresentam. Atividades que envolvam o contato com a terra, com a natureza, aguçando a curiosidade do sujeito, como: observar relevos, animais, comportamentos da natureza; pensar sobre as questões do tempo, clima, espaço etc.; realizar passeios; praticar jogos. PESSOAL Pode ser intrapessoal: que se autoconhece muito bem; ou interpessoal: capacidade de entender o outro. Trabalho com autoima- gem, autoavaliação; sen- timentos, pensamentos, partilhas e demais ações eu-outro. Quadro 2: Característica de cada inteligência e possíveis atividade pedagógicas Fonte: Adaptado de Antunes (2015). INTELIGÊNCIA CARACTERÍSTICAS TRABALHO COM ADULTOS UNICESUMAR 193 Para um bom professor, todo conhecimento é importante, pois melhora sua prática em sala de aula. Dessa forma, as contribuições da Neurociência são significativas, incluindo para EJA. Quando falamos em dificuldades ou em potencializar a apren- dizagem, devemos recorrer a esse campo de estudo para facilitar o processo de ensino e garantir a qualidade na aprendizagem. Na Educação de Jovens e Adultos devemos ter em mente que estamos lidando com alunos que não tiveram o processo de escolarização adequado na infância e na adolescência. Não é por acaso que o processo de alfabetização deve ocorrer na infância e que a cada etapa de ensino há conhecimentos específicos para serem adquiridos. Basta retomarmos as grandes teorias do desenvolvimento humano para compreendermos essa lógica. Quando Piaget (1999) escreveu sobre os estágios de desenvolvimento na in- fância e preconizou sobre a necessidade de se trabalhar com o concreto, o “eu” e o corpo com crianças de 2 a 6 anos, por exemplo, ele estava pautado em um conhecimento científico que nos mostra uma fase de desenvolvimento em que essas criançasiniciam conquistas que se tornam ações como: caminhar; falar; rea- lizar jogos simbólicos; utilizar diferentes linguagens, até chegar à imagem mental. Dessa forma, em aspectos neuropsicológicos, ainda, não é possível exigir que a criança esteja lendo e escrevendo, concorda? Pois ela está desenvolvendo as habi- lidades e competências necessárias para compreender o código escrito que deriva de outras linguagens que ela está dominando aos poucos, como a linguagem oral. Com base no mesmo autor, vemos que já a partir dos 7 anos de idade, a criança começa a ter um raciocínio mais abstrato, que a princípio tem o apoio de elementos concretos, como quando utilizamos material dourado para se trabalhar as operações matemáticas mais básicas e aos poucos vão sendo retirados porque já se desenvolve o pensamento lógico-matemático. Esses pensamentos abstratos, também facilitam a aquisição da (de)codifica- ção (PIAGET, 1999). A partir deste contexto, esse sujeito continua, em cada idade, fase da infância, adolescência e em cada etapa escolar, se desenvolven- do em diferentes aspectos (cognitivo, social, emocional, físico, entre outros). UNIDADE 5 194 Sobre as contribuições da alfabetização, por exemplo, desde a infância, de forma sadia, respeitando as fases de desenvolvimento, Fragoso (2019) enfatiza que o ato de ler e escrever reforça habilidades fundamentais como memória verbal e visual, consciência fonológica, habilidades visomotoras, entre muitas outras que impli- cam em nossa vida em sociedade. Como já discutimos em momentos anteriores, a aprendizagem é possível e acontece em qualquer idade, logo, os jovens e adultos que não passaram por esse processo de escolarização e, sobretudo, de alfabeti- zação na infância, são capazes de aprender na fase adulta. Isso é inegável, pois a plasticidade neural contribui para que continuemos a aprender e nos desenvolver. “ O termo plasticidade sináptica refere-se às respostas adap- tativas do sistema nervoso frente aos estímulos percebidos. A maioria dos sistemas no cérebro são plásticos, ou seja, são modificados com a experiência, o que significa que as sinapses envolvidas são alteradas por estímulos ambientais captados por alguma modalidade de percepção sensorial (MOURÃO- -JÚNIOR; OLIVEIRA; FARIA, 2011, p. 21). Isso significa que o adulto que começa a estudar e se alfabetizar provoca novas sinapses que reestruturam física e cognitivamente seu cérebro e funcionamento, sendo capaz de estimular mais áreas antes não tão ativadas e desenvolver novas habilidades e competências. Por outro lado, não podemos negar a importância desses processos ocorrerem na idade planejada, considerando os estágios de de- senvolvimento; bem como, devemos levar em consideração, até para ajudar esses sujeitos, que há implicações, na vida adulta, da não escolarização na infância. UNICESUMAR 195 Mas e quando essa aquisição de conhecimentos não ocorre? Estudos mostram que pes- soas não alfabetizadas na infância apresentam maior dificuldade de interpretação, lingua- gem e comunicação. PENSANDO JUNTOS Voltando a Piaget (1999), vemos que a partir dos 12 anos o sujeito está em um estágio de operações intelectuais abstratas, ou seja, consegue imaginar, calcular e pensar de forma geral sem o auxílio do concreto. Por isso, vemos muitos adultos que mesmo sem saber ler e escrever os números, realizam cálculos mentais per- feitamente. Apesar de o autor classificar as fases até os 18 anos de idade, é possível identificar essas características das operações intelectuais abstratas para as idades seguintes. Isso nos ajuda a compreender como podemos pensar em nossas aulas de alfabetização a partir de ideias mais abstratas, como ao utilizar os métodos globais, que partem do todo para as partes, se lembra? Bem como, podemos compreender sobre as fases de desenvolvimento da escrita pelas quais os adultos passam de um ponto de partida diferente da criança, como vimos em discussões anteriores. Na visão piagetiana, a aquisição de conhecimentos ocorre sempre que há uma assimilação de novas informações, que causam um desequilíbrio cognitivo me- diante conflitos com as informações já existentes, até que se tenha a acomodação de novas estruturas cognitivas. E isso, caro(a) aluno(a), ocorre em todos os estágios de desenvolvimento e em todas as idades. É por meio de cada informação nova, que você repensa com base em conhecimentos prévios e a partir de então surgem novas ideias e aprendizagens, não é? Assim é, também, com os alunos da EJA. Em avaliações neurológicas pode-se identificar menor ativação de áreas cerebrais relacionadas a aspectos da interpretação, linguagem e comunicação do que em adultos alfabetizados. Contudo, também há comprovações de que, para com- pensar, as áreas cerebrais relacionadas à memória afetiva, estratégias baseadas em vivência, são mais frequentes em adultos não alfabetizados (MORAES, et al., 1979; CASTRO-CALDAS et al., 1998; KOSMIDIS et al., 2004). Isso evidencia que há diferentes aprendizagens e a partir delas cada cérebro vai se formando e configurando para novas aprendizagens. Novamente vemos a importância de aliar as experiências aos processos de aprendizagem escolar. UNIDADE 5 196 É partindo do que o aluno já sabe, já vivenciou ou já experimentou que o professor vai proporcionar às assimilações com as novas informações, conflitos cognitivos e aquisição de novos conhecimentos. Esse processo se torna, então, fa- miliar. Outro autor conceituado que também trata de teorias do desenvolvimento e da aprendizagem é Vygotsky (1991), cujos estudos também se aplicam a jovens e adultos. Na perspectiva vygotskyana, o sujeito possui conhecimentos que não são sistematizados (cientificamente organizados) e que podem ser o ponto de partida para as aprendizagens escolares. Para Vygotsky (1991), a cada nova aprendizagem, nosso Nível de Desenvolvimento Real aumenta e, consequentemente, nosso Ní- vel de Desenvolvimento Potencial se amplia. Em sua Teoria Histórico-Cultural, é a mediação que o professor, por exemplo, realiza entre o sujeito e o objeto de estudo na Zona de Desenvolvimento Proximal, que propicia a transição de um nível para outro. Assim, a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, sendo possível um devido ao outro. Se mesmo assim, o aluno apresenta dificuldades de aprendizagem, o professor precisa identificar a origem. Por isso, devemos saber que a aprendizagem ocorre sim em todas as idades, mas as dificuldades, também, e quando se trata de educação de jovens e adultos na modalidade em questão, devemos reconhecer que a origem da dificuldade pode estar relacionada com a falta de escolarização na infância. Springer et al. (2005) afirmam que a escolaridade possui influências na me- mória. Rozenfeld (2007), nesse mesmo sentido, cita várias pesquisas mostrando que quanto maior a escolaridade, menor o risco de doenças como o Alzheimer. Em alguns desses estudos, segundo Springer et al. (2005), vemos que idosos com baixa escolaridade, podem apresentar memórias mais fragilizadas, devido à falta de estimulação ao longo da vida para ativar com mais frequência as regiões ce- rebrais responsáveis pelas tarefas cognitivas, tais como as citadas nos estudos de Moraes et al. (1979); Castro-Caldas et al. (1998) e Kosmidis et al. (2004). Considerando todo o exposto, quando um adulto inicia o processo de esco- larização sem ter passado pela alfabetização na infância, podemos ter um sujeito com dificuldades de aprendizagem por diversos motivos, seja porque as habili- dades prévias não foram desenvolvidas ainda (atenção, memória, consciência fonológica etc.) ou por outras questões internas ou externas ao sujeito. UNICESUMAR 197 As causas das dificuldades escolares não se diferem na infância, adoles- cência ou vida adulta, pois, quando falamos em fatores internos, conside- ramos: aspectos emocionais (se está bem, se está confortável nessa situa- ção, se está preocupado ou com vergonha etc.); psicológicos (há traumas? Quaissão os sentimentos e lembranças envolvidas?); neurobiológico (pos- sui algum transtorno como Déficit de Atenção, Hiperatividade, Autismo… ou dificuldade de aprendizagem relacionada a Dislexia, Discalculia, entre outras? Tem alguma patologia que influencia nos aspectos cognitivos?). Já os fatores externos são: sociais (relação aluno-aluno e professor-aluno) e pedagógicos (currículo, adaptação e metodologias). É por meio das conversas com os alunos, as queixas de suas dificuldades e as avaliações pedagógicas contínuas que o professor poderá identificar se as causas são internas ou externas e a partir de então, providenciar os encaminhamentos necessários, seja com a ajuda multidisciplinar, pedagógica ou com novas formas de se trabalhar em sala de aula. A mediação docente se faz da mesma forma que na infância e na adolescência, ou seja, o professor continua sendo responsável pelo processo de ensino, o aluno continua precisando aprender a aprender para dominar o processo de aquisição de conhecimentos e a escola e equipe de apoio continuam dando o suporte para que os processos ocorram de forma satisfatória. Dessa forma, caro(a) aluno(a), fica evidente que é o professor quem melhor sabe sobre as formas de ensinar e as metodologias adequadas para o processo de ensino e de aprendizagem. Para tanto, ele pode utilizar dos conhecimentos na Neurociência Cognitiva para deixar suas aulas mais eficientes aos alunos jovens e adultos. Agora, resta-nos saber como o professor pode trazer para a prática da sala de aula, meios que favoreçam tanto os conhecimentos prévios dos alunos, quanto a aquisição de novos conhecimentos ligados à sociedade atual, de uma forma interessante para o público da EJA. Por isso, convido você para nossas discussões finais. UNIDADE 5 198 Finalizando nossas descobertas sobre a atuação do professor na EJA, precisamos conhecer formas mais atrativas de se trabalhar os conteúdos científicos, com jovens e adultos. Dessa forma, por que não utilizar a ludicidade? Além disso, considerando que nossa sociedade é tecnológica e os currículos preveem o ensino por meio de ferramentas da tecnologia educacional, como podemos aliar tudo de forma enriquecedora aos nossos alunos? É o que veremos a seguir: o lúdico e a tecnologia nas salas da EJA. A começar pelo lúdico, você deve estar se perguntando: será que dá certo trabalhar com o lúdico em uma sala de jovens e adultos? Bom, caro(a) aluno(a), tudo vai depender de uma série de combinações: a) qual é a intenção do lúdico na sua aula? b) os recursos selecionados se aplicam ao conteúdo trabalhado? c) os recursos selecionados estão coerentes com a faixa etária do grupo? Se todas as respostas forem positivas, então há grandes chances da aula com o lúdico ser um sucesso. Isso porque o lúdico está presente em nossas vidas em todas as idades e é algo necessário. Conforme já salientado em momentos anteriores, o lúdico não é apenas o brincar, mas, também, as atividades prazerosas que realizamos. Na vida adulta encontramos o lúdico na literatura, na música, nos jogos e di- versas atividades. Na Educação de Jovens e Adultos elas são importantes porque ajudam a (re)estabelecer vínculos com a aprendizagem. Infelizmente a cada faixa etária o lúdico se torna menos frequente nas escolas, sobretudo quando se disse- minam discursos de que brincar é “coisa” de criança. Na verdade, a ludicidade deve sempre estar alinhada com a aprendizagem, em qualquer idade. Isso porque a arte, a música e a literatura ajudam a desmistificar o processo de aprendizagem como algo que só ocorre por meio de tentativas, erros e acertos; também retiram a falsa ideia de que para aprender é preciso decorar. Vygotsky (1999, p. 117) afirmava que “ [...] o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proxi- mal da criança. No brinquedo, a criança sempre se compor- ta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desen- volvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento. UNICESUMAR 199 Já na vida adulta, se substituirmos o brinquedo/brincar pelos jogos e as artes, tam- bém veremos essa aproximação do sujeito com seu desenvolvimento e aprendiza- gem. O lúdico vem como forma de motivar, dar nova oportunidade de conseguir algo (conhecimentos, habilidades, conquistas, aprendizagem etc.), impulsionando o processo de aprendizagem de forma leve, quase imperceptível (VYGOTSKY, 1999). Precisamos entender a aprendizagem, não apenas como aquisição de conteúdos científicos como conceitos e contextos, mas, também, como promoção das potenciali- dades tão importante quanto a necessidade de aprender para superar as dificuldades. Dessa forma, o lúdico ajuda com o trabalho de ambas propostas, pois enquanto joga, analisa uma música ou conhece novas artes, o adulto utiliza habilidades e competên- cias já desenvolvidas para realizar as atividades cognitivas. Ao passo que se diverte e aprende, também, se desenvolve de forma que supera determinadas dificuldades. Por isso, ao trabalharmos com a alfabetização de adultos é interessante uti- lizarmos diferentes gêneros textuais e apresentar novas histórias que aumen- te seu repertório vocabular e estimule a leitura de obras literárias de sua fai- xa etária. Quem é que não tem uma música ou estilo musical preferido, não é mesmo? Então, trabalhar com a letra de uma música só traz benefícios ao estabelecermos uma relação com o conteúdo. O mesmo acontece com jogos, ao serem introduzidos nas aulas para se trabalhar determinados conhecimentos e ainda proporcionar o desenvolvimento global. Ramos et al. (2017, p. 269) enfatizam que jogos como o da memória exigem e/ou trabalham com habilidades básicas do nosso dia a dia, como planejamento, tomada de decisão e resolução de problemas. Por ser um jogo que apresenta varia- das temáticas, número de peças e complexidade de resolução, pode ser utilizado com adolescentes e adultos para se trabalhar um conteúdo relacionado à imagem que se forma ou, ainda, por meio de uma construção dos alunos, pode-se pedir que eles elaborem o jogo relacionado à temática da aula. Lembra que mencionamos sobre a necessidade de o professor identificar a origem da dificuldade de aprendizagem do seu aluno adulto? Pois bem, como vi- mos há diferentes possibilidades, o que inclui o déficit de aprendizagem derivado da própria falta de escolarização ao longo dos anos. Por isso, pode ser necessário que o docente também prepare aulas que ajude o sujeito a desenvolver as habili- dades necessárias para então adquirir os conhecimentos curriculares. Novamente o jogo pode ser utilizado em parceria com o objetivo da aula, o conteúdo e, ainda, UNIDADE 5 200 ajudar o aluno a continuar seu desenvolvimento. De acordo com Adona e Vargas (2013, p. 11), um dos jogos populares que mais proporcionam o desenvolvimento de habilidades cognitivas é o quebra-cabeça: “ [...] percebe-se a importância dos quebra-cabeças no desenvol- vimento físico, neurológico, psicomotor, capacidade de concen- tração, noção espacial, percepção visual e aumento de conhe- cimento sobre diversos assuntos. Alguns estudiosos afirmam, inclusive, que este brinquedo auxilia também em processos de amadurecimento e resolução de questões de cunho psicológico. Para o uso de jogos em sala de aula com adultos, o professor precisa apenas ter de forma lúcida os objetivos de sua aula e pensar em meios dele estar relacionado com o conteúdo programático, para que não fique apenas o jogo pelo jogo. Da mesma forma é com o uso das artes, seja uma literatura, uma música, análise de obras de arte e outros instrumentos diferenciados que devem proporcionar prazer no momento da aprendizagem, para que se cumpra o papel lúdico. E em relação ao uso das tecnologias em sala de aula na EJA? Mais do que um recurso interessante, as tecnologias sefazem necessárias na educação de jovens e adultos, visto que estamos formando um grupo de pessoas que querem ser (re) inseridas na sociedade, que por sua vez, é tecnológica. Seria injusto nos preocu- parmos apenas com a alfabetização, o letramento, a numeracia e a aprendizagem de conteúdos programáticos desses sujeitos, sem pensarmos dentro de uma rea- lidade tecnológica. Segundo Maurício (2014, p. 1631): “ [...] as práticas pedagógicas podem estar articuladas às tecno- logias digitais, em qualquer modalidade de ensino, e princi- palmente na Educação de Jovens e Adultos. Esses sujeitos há tanto tempo afastados do processo de escolarização precisam bem mais de meios tecnológicos, já que são oriundos de uma geração que não dispunha das mídias digitais em seus proces- sos formativos e cotidianos. UNICESUMAR 201 OLHAR CONCEITUAL Dentre as competências gerais para a Educação Básica, espera-se muito dos alunos em relação às tecnologias. Por isso, destacamos a seguir o que a BNCC (2018) apresenta sobre o assunto e que se aplica também a EJA: Essas expectativas fazem parte de uma formação para a sociedade tecnológica, portanto, o sujeito deve ser capaz de se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhe- cimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. Fonte: Brasil (2018, p. 9). A tecnologia tem o papel de integrar o sujeito com o restante da sociedade, seja pelas mídias digitais, redes sociais ou demais tecnologias do nosso cotidiano, por isso, é necessário que o professor trabalhe com elas em suas aulas com jovens e adultos. Uma das possibilidades, inclusive, é incentivar os alunos a montarem grupos de bate-papo, de estudo, por meio de recursos tecnológicos; criar fer- ramentas de pesquisa e de estudo como blogs, páginas na internet, vlogs, entre outras possibilidades que os insira nessa realidade virtual, também. UNIDADE 5 202 Caro(a) aluno(a), os benefícios do uso das tecnologias na Educação de Jovens e Adultos são muitos, assim como a necessidade de se trabalhar com elas. Para tan- to, voltamos a falar do perfil do professor da EJA, que precisa ter o contato com as tecnologias desde a sua formação inicial, pois apenas com sólidos conhecimentos tecnológicos é que será possível trabalhar com essa ferramenta em sala de aula. Por fim, o papel do professor na EJA não é pequeno, sua importância e res- ponsabilidade é grande e para tanto é preciso uma boa formação que se estende ao longo da vida. Por isso, apesar de nossas discussões finalizarem aqui, seus estu- dos e pesquisas, não devem se findar, combinado? Esperamos que você continue se aprofundando nesse tema e se encante com a EJA a cada leitura e descoberta. Agora que você já conhece as formas de aprendizagem dos adultos e viu a importância de trabalharmos com o lúdico e/ou com as tecnologias, desafio você a ensinar um adulto a aprender uma palavra ou conceito novo por meio de um desses recursos: jogos ou internet. Observe como é fácil, para nós, aprendermos algo cujos conhecimentos prévios já estão bem consolidados e podemos até re- presentar em jogos ou por meio de pesquisas, porém, é difícil ensinar o outro a chegar onde chegamos e mais, é difícil aprender quando os conhecimentos prévios ainda não são dominados. Esperamos com essa ação que você perceba a importância da EJA e a necessidade de continuar em formação ao longo da vida. Como vimos, caro(a) aluno(a), é muito importante que o adulto seja responsável pela sua aprendizagem, dessa forma, é necessário que o professor proporcione momentos de interação aluno-aluno; aluno-professor, de forma que participem da elaboração da aula e o sujeito faça sua autoavaliação. Dessa forma, gostaría- mos que você fizesse, por meio de um mapa da empatia, uma autoavaliação dos conteúdos apreendidos e listasse abaixo o que aprendeu nesta unidade, como aprendeu e o que precisa melhorar em seu processo de aprendizagem: 204 UNIDADE 1 1. Espera-se que nesta unidade o aluno tenha compreendido o percurso da educação de jovens e adultos no Brasil, considerando as mudanças e iniciativas que ocorre- ram no intuito de promover a escolarização dos jovens e adultos e garantir o direito à educação. A seguir, algumas sugestões de propostas que foram elaboradas com este objetivo: UNIDADE 2 1. Para resolver essa questão o aluno deve interpretar as imagens e recordar das discussões sobre as fases do trabalho com o método de Paulo Freire. A figura apre- senta um TIJOLO e ao lado a família silábica la-le-li-lo-lu, que corresponde a 3ª família fonêmica da palavra em questão. Para representar o passo 1 deveria constar a palavra TIJOLO. Para representar o passo 2 deveria constar a palavra separada por sílabas: TI-JO-LO. Para representar a ficha das descobertas, do passo 7, deveria constar todas as famílias fonêmicas. Por fim, para representar o final do passo 7, correspondente a escrita de novas palavras, deveria constar uma nova a partir das sílabas das famílias fonêmicas descobertas: LOJA, por exemplo. 205 2. Para resolver essa questão o aluno deve interpretar o enunciado, comparando com, e analisando, cada alternativa para classificar como certa ou errada. Para tanto, deve se recordar das discussões sobre métodos de ensino na EJA e suas características mais marcantes. O caso de Maria nos mostra algumas evidências sobre o método que, sim, foi empregado, sendo este o de Paulo Freire, caracterizado pela problematização das palavras geradoras. Seu método divide-se em 3 partes: investigação do universo de vocabulário dos alunos; tematização (de)codificação de palavras ou temas que surgiram em discussões e/ou vocábulo do aluno e; problematização que proporciona o resgate da discussão inicial, com uma visão, agora, mais crítica. Por fim, o fato de iniciar os estudos aos 71 anos não é empecilho para o aprender que não tem idade. 3. Para responder essa questão o aluno deve analisar as assertivas comparando-as entre si e a citação do enunciado, para avaliar se são verdadeiras ou falsas de acordo com a concepção da Pedagogia Libertadora. Nesta perspectiva, o diálogo, elemento funda- mental na relação professor/aluno, na linguagem do educador, na relação educador/ educando, deve servir de base na mediação em relação ao conhecimento, como vemos na própria citação ao mencionar o diálogo como busca de conteúdos problematizadores, compartilhamento das descobertas, definindo as atividades e os temas geradores como ponto de partida para a decodificação das sílabas e, principalmente, a decodificação do mundo. E, sim, o método freireano, como vimos nas discussões, trabalha com a práxis por meio das palavras geradoras, o que justifica o fato de os diálogos proporcionarem discussões sobre as palavras e ir além da (de)codificação. Dessa forma, o diálogo tor- na-se fundamental por refletir sobre o contexto do sujeito para sua libertação, o que ocorre por meio das conversas e palavras geradoras. UNIDADE 3 1. Letra C. Esta alternativa está correta porque o relato evidencia o objetivo de Pedro voltar a estudar, ou seja, qualificação para sua inserção no mercado de trabalho. Al- ternativa A. Incorreta, pois conforme dados apresentados no gráfico, Pedro faz parte do grupo de alunos que representa a maioria e não a minoria das matrículas na EJA, ou seja, alunos com menos de 20 anos e não 40 anos de idade. Alternativa B. Incor- reta porque o relato de Pedro não apresenta quaisquer indícios sobre a motivação de buscar a EJA como valorização da imagem social. O motivo que o levou a buscar a EJA foi a qualificação para inserção no mercado de trabalho. Alternativa D. Incorreta porque o relato de Pedro não indica a compreensão sobre a função social da escola. Para ele, a escola não fazia sentido. Além disso, Pedro se enquadra no maior grupo de matrículas na EJA em 2019. Alternativa E. Incorreta porque, apesar de Pedro não ter motivação para continuar os estudos, o relato não permite inferir a falta de participaçãoda família como principal motivo de evasão de Pedro. Também é incorreta, pois não podemos afirmar que todos os alunos de até 29 anos matriculados na EJA evadiram da escola pelo mesmo motivo. A soma dos dois grupos também está incorreta. 206 2. Alternativa C (II e IV corretas). Afirmativa I. Incorreta, porque a escolha do gênero textual não fez sentido para uma turma com alunos tão jovens, podendo gerar des- motivação. Solicitar para copiar trechos de cartas e escrever cartas aos colegas não indicam prática de escrita e leitura reais à realidade dos alunos. Afirmativa II. Correta porque o professor teve como ponto de partida um assunto que os alunos tinham familiaridade e, a partir disso, explorou o sistema de escrita. Afirmativa III. Incorreta porque o professor não levou em conta na hora de planejar sua aula a diversidade de alunos. A temática da aula não promove a participação de todos os alunos, visto aqueles com mais idade, pois possivelmente não possuem familiaridade com os jogos eletrônicos. O critério utilizado para formar as duplas também não contribui para a troca de experiências. Afirmativa IV. Correta porque a professora aproveitou os conhecimentos prévios dos alunos sobre as notícias e explorou o gênero textual, envolvendo práticas de alfabetização e letramento. 3. A alternativa C. A asserção I é uma proposição verdadeira porque a partir dos depoi- mentos é possível perceber o desejo de aprender a ler e escrever e, consequente- mente, não depender de outras pessoas. A asserção II é uma proposição falsa, pois a autonomia na perspectiva dos estudantes de turmas de alfabetização é conquistar a autonomia de atividades consideradas pela maioria das pessoas como simples. A contextualização apresenta indícios disso, ou seja, aprender a ler e escrever para ter autonomia em situações simples do cotidiano e não elaborar textos de temáticas em âmbito mundial. UNIDADE 4 207 UNIDADE 5 1. Sugestões de respostas: 208 UNIDADE 1 AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. BEZERRA, Ana Lucia da Silva. Educação de jovens e adultos na modalidade a distância: contribuições e desafios na perspectiva do aluno. 2016. 148f. Dissertação (Mestrado em Edu- cação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. BRASIL. Constituição política do império do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 31 out. 2020. ______. Decreto nº 1.331-a, de 17 de fevereiro de 1854. Disponível em: https://www2.camara. leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaoorigi- nal-115292-pe.html. Acesso em: 31 out. 2020. ______. Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/ legin/fed/decret/1824-1899/decreto-7247-19-abril-1879-547933-publicacaooriginal-62862-pe. html. Acesso em: 31 out. 2020. ______. Constituição da república dos estados unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 7 nov. 2020. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Casa Civil 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 nov. 2020. ______. Decreto-lei nº 4.958, de 14 de novembro de 1942. Institui o Fundo Nacional do Ensino Primário e dispõe sobre o Convênio Nacional de Ensino Primário. Disponível em: https://www2. camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4958-14-novembro-1942-414976-publi- cacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 7 nov. 2020. ______. Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/ legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3029-9-janeiro-1881-546079-publicacaooriginal-59786-pl. html. Acesso em: 18 dez. 2020. ______. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acres- centa § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anual- mente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de for- ma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaooriginal-115292-pe.html https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-7247-19-abril-1879-547933-publicacaooriginal-62862-pe.html https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3029-9-janeiro-1881-546079-publicacaooriginal-59786-pl.html 209 ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/ emc59.htm. Acesso em: 12 nov. 2020. ______. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996. Mo- difica os Arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília, DF, 1996b. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc14.htm. Acesso em: 13 nov. 2020. ______. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Na- cional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm. Acesso em: 6 nov. 2020. ______. Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967. Provê sobre a alfabetização funcional e a educação continuada de adolescentes e adultos. Disponível em: https://www2.camara.leg. br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5379-15-dezembro-1967-359071-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 7 nov. 2020. ______. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692. htm. Acesso em: 7 nov. 2020. ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Casa Civil 1996a Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l9394.htm. Acesso em: 12 nov. 2020. ______. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providên- cias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 dez. Brasília, DF: Casa Civil 1996c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9424.htm#:~:text=Dis- p%C3%B5e%20sobre%20o%20Fundo%20de,Transit%C3%B3rias%2C%20e%20d%C3%A1%20 outras%20provid%C3%AAncias.. Acesso em: 14 nov. 2020. ______. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desen- volvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei n o 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Brasília, DF: Casa Civil 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2007/lei/l11494.htm. Acesso em: 14 nov. 2020. ______. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov. 210 br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12796.htm#art1.