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Esta obra foi fruto do Edital de Pesquisa da Escola Superior Dom Helder Câmara, instituição de ensino que �nanciou o presente livro. A AGRADECIMENTOS gradeço a Deus, pelo dom da vida, pela saúde e pelo privilégio de trabalhar nas nobres missões da difusão do conhecimento e da defesa do interesse público. À família: minha amada Luciana, meus irmãos Fred e Vinícius, bem como os meus tios, pelo amor, amizade e pela inspiração. Aos meus pais (in memoriam), presentes em cada que vez que me lembro do exemplo de suas vidas. Externo minha gratidão por todo o suporte pro�ssional e o apoio institucional ofertados pela Escola Superior Dom Helder Câmara ao longo dos anos, na pessoa dos seus competentes gestores e amigos professores. Por �m, à Procuradora-Geral da Fazenda Nacional, pelos constantes e reconhecidos programas de capacitação, por meio do Centro de Altos Estudos da PGFN e da Escola da AGU. Luciano Costa Miguel ****** Alice, Rafa e Carol, meus dias �cam mais abençoados com vocês por perto, obrigado! Elcio, Jamily e Flávia, meus amados pais e irmã, meu meio século foi melhor com vocês por perto, obrigado! Em plágio ao meu co-autor Luciano, “Externo minha gratidão por todo o suporte pro�ssional e o apoio institucional ofertados pela Escola Superior Dom Helder Câmara ao longo dos anos, na pessoa dos seus competentes gestores e amigos professores e à Procuradora-Geral da Fazenda Nacional, pelos constantes e reconhecidos programas de capacitação, por meio do Centro de Altos Estudos da PGFN e da Escola da AGU.” A Deus, sempre. Elcio Nacur Rezende Q PREFÁCIO uem se importa com o imposto territorial rural (ITR)? Quem se incomoda com o fato de sua missão constitucional (ser um imposto progressivo e desestimular a manutenção de propriedades produtivas) permanecer frustrada durante décadas a �o? Há entre tributaristas brasileiros, inclusive na academia, uma lamentável omissão quanto ao estudo do ITR. Não me re�ro ao conhecimento de quais são, segundo o Código Tributário Nacional e a legislação ordinária, o fato gerador, a base de cálculo e as alíquotas do imposto. Re�ro-me ao conhecimento mais exigente sobre as causas que levam ao fracasso desse tributo enquanto um efetivo instrumento de reforma agrária e erradicação do latifúndio improdutivo. A Lei n.º 9.393/1996, como estabelece alíquotas que variam de 0,03% a 20% em função da área total e do grau de utilização produtiva do imóvel, é aparentemente adequada para instituir a progressividade do ITR e desestimular a manutenção de propriedades produtivas. Mas é só uma aparência. Na verdade, praticamente todos os contribuintes do ITR declaram que seu imóvel tem produtividade máxima1, não recebem �scalização efetiva que possa contrariá-los e, assim, desfrutam sem muita di�culdade das quase irrisórias alíquotas de 0,03 a 0,45% do valor da terra nua. Será mesmo adequado eleger o valor da terra nua – e não o valor total da propriedade, inclusive o das culturas, benfeitorias etc. – como a base de cálculo do imposto? O valor da terra nua é algo teórico, que está fora do mercado, di�cultando sua aferição objetiva. Quando se alia a esse problema o fato de que é o proprietário que declara unilateralmente o valor da terra nua, compreende-se melhor por que a arrecadação do ITR se mantém irrisória por décadas a �o. O agronegócio lucra bilhões e posa de principal responsável pelos aumentos do PIB, o preço da terra agrícola aumenta sensivelmente2, mas a arrecadação do ITR permanece estagnada em míseros 0,02% do PIB3 e não é in�uenciada por esses fatores objetivos. Por outro lado, há o sério problema da falta de de�nição legislativa ou regulamentar de índices e critérios técnicos para considerar que determinada área de produção agrícola é de fato produtiva para �ns de incidência das alíquotas do ITR, aliado à falta de atualização periódica dos índices de lotação da pecuária, que permanecem os mesmos de 40 anos atrás4. Enquanto a legislação do ITR contiver esses buracos e apagões, sua missão de trazer justiça ao campo e desestimular as propriedades improdutivas permanecerá letra morta. Os professores Luciano Costa Miguel e Élcio Nacur Rezende produziram uma obra de referência para o estudo cienti�camente rigoroso e socialmente útil do nosso ITR, comparando-o com impostos imobiliários semelhantes vigentes em Portugal, Espanha, Argentina, Uruguai e Paraguai. Trata-se de uma abordagem nova para a pesquisa do direito tributário, uma abordagem comprometida com a efetiva transformação das políticas e estruturas tributárias comprovadamente inadequadas para cumprir as missões constitucionais a elas conferidas. Utilizando-se da técnica da comparação legislativa entre nações vizinhas ou entre nações de tradições jurídicas e sociais semelhantes, o livro de Luciano Costa Miguel e Élcio Nacur Rezende é extremamente oportuno em sua proposta de vincular o estudo da tributação imobiliária ao direito socioambiental. Seria um desrespeito aos mais de 4 milhões de mortos pela pandemia da covid-19 em todo o mundo deixar de reconhecer que a origem dessa e das outras pandemias das últimas décadas remonta às mudanças no modo pelo qual usamos a terra, expandimos e intensi�camos a agricultura sem preservar o equilíbrio da natureza, aumentando irresponsavelmente o contato entre a vida selvagem, os rebanhos, os animais domésticos, os patógenos e os seres humanos. Os autores da obra percebem e expõem com clareza que a extra�scalidade que se espera do ITR (e hoje não é cumprida) é dupla: por um lado, o imposto deve desestimular a manutenção de propriedades rurais improdutivas; por outro lado, o imposto deve estimular comportamentos ambientalmente saudáveis e sustentáveis. O livro que tenho a honra de prefaciar é uma pesquisa metodologicamente bem elaborada, informativa, esclarecedora e inspiradora, cujo valor é ainda maior em se tratando de um tema tão pouco explorado pela doutrina nacional. Que a publicação dessa obra possa impulsionar um movimento de mobilização social em prol da urgente reforma da legislação do ITR e de outros impostos que impedem a transformação social traçada e querida pela Constituição de 1988. Tributaristas também servem para isso, e tenho fé que cada vez mais, e especialmente nas novas gerações, se prestarão a esse nobre papel. Marciano Seabra de Godoi, Belo Horizonte, julho de 2021. 1 INSTITUTO ESCOLHAS, Imposto Territorial Rural: justiça tributária e incentivos ambientais, 2019, p.15. Disponível em https://www.escolhas.org/wp- content/uploads/2019/04/Imposto_Territorial_Rural_- justi%C3%A7a_tribut%C3%A1ria_e_incentivos-ambientais- RELAT%C3%93RIO.pdf . Acesso em 16 jul. 2021. 2 Vide informações disponíveis em: https://www.assovale.com.br/noticias/1888/preco-da-terra-agricola-subiu-227- em-dez-anos-quase-o-dobro-da-in�acao. Acesso em 16 jul. 2021. 3 BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Receita Federal. Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. Carga Tributária no Brasil 2018, Brasília, 2020, p.14. 4 INSTITUTO ESCOLHAS, op.cit., p.14. A APRESENTAÇÃO presente obra apresenta, inicialmente, um panorama do Imposto Territorial Rural no Brasil e dos Impostos que incidem sobre Imóveis, nos países ibéricos (Espanha e Portugal) e nos demais países que compõem o Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), indicando a sua hipótese de incidência tributária, a base de cálculo e as alíquotas para que se possa, ainda que em relação aos elementos básicos da regra matriz de incidência, ter-se um sólido conhecimento da espécie tributária. A partir desse conhecimento teórico e propedêutico dos referidos impostos imobiliários foi feito um cotejamento da realidade brasileira, dos referidos países do Cone Sul e da Península Ibérica, à luz do Direito Tributário e das suas questões eminentemente extra�scais. Após o leitor ter os conhecimentos elementares e estruturais sobre os impostos em questão, demonstrou-se como o Brasil trata a extra�scalidade tributária do Imposto Territorial Rural no concernente aos in�uxos do socioambientalismo para, posteriormente,fazer o mesmo estudo na realidade espanhola, portuguesa, argentina, uruguaia e paraguaia. Com isso, por meio de uma análise crítica, cotejou-se as seis realidades jurídicas, demonstrando como cada país pertencente a dois continentes distantes, mas com uma história muito próxima, dentro do seu ordenamento legal, doutrina e jurisprudência, trata a extra�scalidade do Imposto sobre imóveis em consideração ao socioambientalismo. Embasado nesse estudo, foi objetivo do presente trabalho demonstrar que o princípio constitucional do desenvolvimento sustentável, sobretudo no concernente à preservação dos espaços rurais, tem na tributação, em especial no Imposto sobre Imóveis, um excelente instrumento para a preservação ambiental e desenvolvimento social, aplicável em qualquer lugar do planeta, o que, efetivamente, foi obtido como resultado �nal. A abordagem do problema foi realizada por meio de uma pesquisa qualitativa, com foco no estudo da bibliogra�a e dos documentos legislativos sobre o tema. O método de pesquisa utilizado foi o jurídico-crítico, partindo-se do raciocínio dedutivo da legislação, doutrina e jurisprudência do Brasil, Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai e, por �m, do Paraguai. Assim, ao �nal, pôde-se concluir que a legislação dos Estados estudados, embora em estágios claramente diferentes e se possa apontar algumas críticas, buscam de forma mais ou menos efetiva utilizar a tributação que incide sobre a propriedade de imóveis como um instrumento de promoção da preservação do ecossistema e de um maior equilíbrio ambiental, instando os particulares, por meio econômico, ao invés de utilizar de forma irracional e insustentável os recursos naturais, preservá-los para as presentes e futuras gerações. SUMÁRIO Capa Folha de Rosto Créditos INTRODUÇÃO 1. PANORAMA DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL NO BRASIL 1.1 DO ENTE COMPETENTE PARA A INSTITUIÇÃO E COBRANÇA DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL 1.2 DO FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL 1.3 DAS IMUNIDADES E ISENÇÕES 1.4 O CONCEITO DE IMÓVEL RURAL 1.5 DO SUJEITO PASSIVO DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL file:///tmp/calibre_5.22.1_tmp_fgt_ts8f/w29xu7uy_pdf_out/OEBPS/Text/capa.xhtml 1.6 VALOR DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL 2. PANORAMA DO IMPOSTO SOBRE IMÓVEIS RURAIS NOS PAÍSES IBERO-AMERICANOS 2.1 PANORAMA DOS IMPOSTOS SOBRE IMÓVEIS NA ESPANHA 2.1.1 Do ente competente para a instituição e cobrança dos Impostos incidentes sobre Imóveis na Espanha 2.1.2 Do fato gerador dos Impostos incidentes sobre Imóveis na Espanha 2.1.3 Das imunidades e isenções dos Impostos sobre Imóveis na Espanha 2.1.4 Do sujeito passivo dos Impostos incidentes sobre Imóveis na Espanha 2.1.5 Valor dos Impostos incidentes sobre Imóveis na Espanha 2.2 PANORAMA DO IMPOSTO SOBRE IMÓVEIS EM PORTUGAL 2.2.1 Do ente competente para a instituição, regulamentação e cobrança do Imposto sobre Imóveis em Portugal 2.2.2 Valor do Imposto sobre Imóveis em Portugal 2.2.2.1 Do aumento em razão de imóveis desocupados em área de pressão urbana 2.2.3 Do fato gerador do Imposto sobre Imóveis em Portugal 2.2.4 Das isenções do Imposto sobre Imóveis em Portugal 2.2.5 Do sujeito passivo do Imposto sobre Imóveis em Portugal 2.3 PANORAMA DOS IMPOSTOS SOBRE IMÓVEIS NA ARGENTINA 2.3.1 Do ente competente para a instituição e cobrança dos Impostos sobre Imóveis na Argentina 2.3.2 Do fato gerador dos Impostos sobre Imóveis na Argentina 2.3.3 Das isenções dos Impostos sobre Imóveis na Argentina 2.3.4 Do sujeito passivo dos Impostos sobre Imóveis na Argentina 2.3.5 Do valor dos Impostos sobre Imóveis na Argentina 2.4 PANORAMA DOS IMPOSTOS SOBRE IMÓVEIS NO URUGUAI 2.4.1 Do ente competente para a regulamentação e cobrança dos Impostos sobre Imóveis no Uruguai 2.4.2 Do fato gerador dos Impostos sobre Imóveis no Uruguai 2.4.3 Das imunidades e isenções dos Impostos sobre Imóveis no Uruguai 2.4.4 Do sujeito passivo dos Impostos sobre Imóveis no Uruguai 2.4.5 Valor dos Impostos sobre Imóveis no Uruguai 2.5 PANORAMA DOS IMPOSTOS SOBRE IMÓVEIS NO PARAGUAI 2.5.1 Do ente competente para a regulamentação e cobrança dos Impostos sobre Imóveis no Paraguai 2.5.2 Do fato gerador dos Impostos sobre Imóveis no Paraguai 2.5.3 Das imunidades e isenções dos Impostos sobre Imóveis no Paraguai 2.5.4 Do sujeito passivo dos Impostos sobre Imóveis no Paraguai 2.5.5 Valor dos Impostos sobre Imóveis no Paraguai 3. UMA ANÁLISE CRÍTICA COMPARATIVA DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL NO BRASIL, E OS IMPOSTOS SOBRE IMÓVEIS NOS PAÍSES IBERO- AMERICANOS 4. A TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL: as suas vantagens e os seus limites 5. O IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL E O SOCIOAMBIENTALISMO NO BRASIL 6. O IMPOSTO SOBRE IMÓVEIS E O SOCIOAMBIENTALISMO NA ESPANHA 7. O IMPOSTO SOBRE IMÓVEIS E O SOCIOAMBIENTALISMO EM PORTUGAL 8. O IMPOSTO SOBRE IMÓVEIS E O SOCIOAMBIENTALISMO NA ARGENTINA 9. O IMPOSTO SOBRE IMÓVEIS E O SOCIOAMBIENTALISMO NO URUGUAI 10. O IMPOSTO SOBRE IMÓVEIS E O SOCIOAMBIENTALISMO NO PARAGUAI 11. ANÁLISE COMPARATIVA DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL NO BRASIL E AS REALIDADES DOS IMPOSTOS RURAIS NOS PAÍSES IBÉRICOS E DO MERCOSUL 12. CONSIDERAÇÕES FINAIS POSFÁCIO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A INTRODUÇÃO literatura econômica sempre identi�cou como um bom tributo aquele que grava uma materialidade imóvel e visível, cuja base imponível não se pode exportar para outras jurisdições e que gera uma arrecadação estável e periódica ao longo do tempo, sem grandes di�culdades em sua gestão. Os impostos incidentes sobre a propriedade imobiliária preenchem vários desses requisitos acima aduzidos e essas suas vantagens o fazem uma fonte potencial de recursos públicos muito valiosa. Contudo, o referido imposto, cobrado pelos países sobre a propriedade territorial, sempre foi permeado por questões jurídicas muito instigantes, não apenas por sua questão �scal, ou seja, pelo raciocínio linear que o Estado deve arrecadar recursos �nanceiros para cumprir com suas �nalidades constitucionais, mas, sobretudo, pelo seu potencial indutivo de comportamentos dos cidadãos e agentes econômicos. Em verdade, o titular de um direito real imobiliário sempre foi, na história moderna da civilização, tributado pelo simples fato de exercer sobre o imóvel o uso, gozo ou disposição, elementos do Direito Civil que, há séculos, de�nem a propriedade ou domínio sobre os bens imóveis. Com efeito, em observância ao brocardo “quem aufere o bônus deve arcar com o ônus”, é razoável que as pessoas que demonstram esse sinal de riqueza (a exploração de direitos sobre os imóveis) arquem, em observância aos princípios tributários da isonomia tributária e da capacidade contributiva, com a arrecadação tributária, como, aliás, ocorre mundo afora, em razão da busca pelos países que adotam um Estado de Direito de uma justa e equitativa distribuição da carga tributária. Todavia, o problema que se analisará nessa obra não é meramente �scal, ou seja, não se buscará demonstrar a obviedade de que o titular de direito real imobiliário deve contribuir com a sociedade por meio do pagamento de impostos de acordo com a sua capacidade econômica demonstrada e, sim, enfocar quão relevante é o seu aspecto extra�scal, em especial, vale dizer, que o imposto real imobiliário deve ser melhor manejado como instrumento de desenvolvimento socioambiental. Em outras palavras, estabelece-se como problema teórico (mas com repercussões práticas), se a preservação ambiental e outras questões sociais podem e devem ter na tributação sobre a propriedade, um instrumento auxiliar no desiderato do desenvolvimento socioambiental sustentável. Assim, pergunta-se se um proprietário que se preocupa com a preservação ambiental deve pagar menos imposto do que um degradador? Aquele que utiliza métodos modernos na agricultura, reduzindo o esgotamento do solo deve ser agraciado com uma redução tributária? O empresário agropastoril que gera empregos e reduz diferenças sociais pode ser bene�ciadocom uma alíquota tributária inferior daquele que, infelizmente, explora ilegalmente a mão-de-obra de um trabalhador em estado de vulnerabilidade? O proprietário consciente que efetiva um desenvolvimento sustentável em seu aspecto mais amplo, poderia ter na tributação um estímulo? Se a resposta para as questões acima for positiva, a pergunta central que remanesce é: as legislações ibero-americanas incentivam de forma efetiva o cumprimento da função socioambiental da propriedade imobiliária por meio dos seus impostos imobiliários? O tema central, portanto, reside na busca de se responder à indagação se a tributação incidente sobre a propriedade imobiliária, principalmente a rural, deve voltar suas atenções aos valores, objetivos e princípios vinculados ao socioambientalismo. E se sim, se as legislações dos países estudados os implementaram. Em consonância com o novo papel promocional que a ciência jurídica se propõe a exercer em nossa sociedade pós- moderna, destaca-se o Direito Tributário Ambiental como elemento equalizador deste suposto antagonismo envolvendo as questões socioeconômicas e ambientais, sobretudo, por meio de uma política tributária extra�scal. Como recorte temático e geográ�co, o presente trabalho foi elaborado a partir da análise da realidade de seis países ibero-americanos, a saber, Brasil, Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai e Paraguai. É evidente que uma análise comparada exige elementos que justi�quem o porquê da eleição. Tal escolha se justi�ca pela reconhecida cultura coletiva comum entre essas nações da península ibérica e da ibero-américa, porquanto partem de um espaço de pensamento que, na sua origem, responde aos mesmos fundamentos e à uma história que se pode reconhecer como muito próxima. Apesar de os dois países europeus estarem em um nível de desenvolvimento socioeconômico bem distinto dos demais países sul-americanos, não se pode esquecer quem somos e tampouco de onde viemos, sob pena de se perder um custo de oportunidade muito alto para uma melhor compreensão da nossa realidade e para a solução dos nossos problemas nacionais. Nessa ordem de ideias, objetiva-se com a pesquisa demonstrar que, embora os impostos sobre a propriedade imobiliária, na maior parte dos países estudados, tenham uma clara função socioambiental, deveriam, em muitos aspectos, ter a sua legislação aperfeiçoada para alcançar, com maior e�cácia, a função que se espera de uma verdadeira função extra�scal socioambiental, induzindo práticas que aliem o desenvolvimento econômico, a preservação ambiental e o respeito ao trabalhador. Para tanto, o texto apresentará um panorama do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural no Brasil (ITR) e os Impostos sobre a Propriedade Imobiliária na Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai e Paraguai, tratando, inicialmente, com a �nalidade propedêutica, de seus aspectos tributários como o ente federativo arrecadador, fato gerador, imunidades e isenções, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota. Posteriormente, elabora-se uma análise comparativa da legislação tributária dos seis países, atentando-se, exclusivamente, para a questão tributária ambiental. O texto apresenta como o imposto sobre a propriedade imobiliária, sobretudo a rural, pode e deve cumprir a sua função socioambiental. Apresenta-se como o imposto é, atualmente, desenhado e aplicado no Brasil, nos países ibéricos e nos Estados que compõem o Mercosul, bem como a legislação de cada país trata o tributo em sua extra�scalidade socioambiental, fazendo-se, a partir disso, uma análise por meio do método comparativo. Com exceção da Argentina e, de certo modo, o Uruguai, que possuem uma legislação que, em regra, demonstra menor preocupação com as questões ambientais, conclui-se, ao �nal, que os demais países analisados, embora tenham em seu ordenamento jurídico impostos sobre a propriedade imobiliária rural, dotados de uma feição social e ambiental, esta ainda se revela um potencial não explorado e merecia, com brevidade, uma reformulação, para que, efetivamente, o titular do real imobiliário seja instado, economicamente, a conferir ao seu imóvel a função socioambiental, para que esta geração e as futuras, possam ter o seu direito fundamental garantido de continuarem vivendo em um meio ambiente “sano” e equilibrado. A 1. PANORAMA DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL NO BRASIL ntes de aprofundar-se no estudo da atual estrutura normativa e funcional do Imposto Territorial Rural no Brasil, é mister esclarecer que a tributação nacional da terra rurais sofreu profundas alterações nos últimos séculos, acompanhando de forma estreita a própria evolução do instituto jurídico da propriedade e a necessidade de melhor regulá-lo. Sobre essa evolução, são muito ricas as informações aduzidas por Bernardo Moreira e iago Duca5: A tributação das terras rurais foi cogitada em período bem remoto da história brasileira. Desde 1832 há registros de pretensões com intuito de se criar o imposto territorial rural, questão essa discutida no Congresso em 1843, gerando intensos debates até a rejeição do projeto em 1850. Não se pode a�rmar que, já àquela época, a criação do imposto sobre as terras tinha como objetivo a racionalização da posse e o uso equilibrado dos terrenos. Acredita-se que o escopo principal seria basicamente a constituição de mais uma fonte de receita tributária para o Estado. Durante a República, a Constituição de 1891, em seu art. 9º, §2º, possibilitou a criação do imposto rural pelos diversos Estados- membros, que passaram a deter a competência exclusiva para a sua instituição. Com o advento da Emenda Constitucional nº 5, em 1961, essa competência foi transferida aos Municípios. Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 10, de 1964, instituiu o sistema que até hoje é adotado, no qual a competência tributária pertence à União, cabendo parcelas da receita aos Municípios em que se situam os imóveis tributados. Com a redemocratização e o advento da Constituição Federal em 1988, foi mantida a competência da União para instituir o imposto sobre a propriedade territorial rural, em seu artigo 153, VI, que assim dispõe: Artigo 153. Compete à União instituir impostos sobre: (…) VI - propriedade territorial rural; (…) § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: I - será progressivo e terá suas alíquotas �xadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, de�nidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel; III - será �scalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia �scal Desde já, na intenção de deixar claro a relevância do tema do presente trabalho, observa-se que parágrafo 4º, supratranscrito demonstra que o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural é, sem dúvida, para muito além de instrumento de arrecadação tributária (função �scal), um meio de o Estado instar a produção rural, ressaltando a importância do princípio da função social da propriedade (função extra�scal socioambiental), insculpido no artigo 5º, XXII, da mesma Constituição. Nesse sentido é que a�rma Hugo de Brito Machado6: A atribuição do ITR à União deveu-se exclusivamente ao propósito de utilizá-lo como instrumento de �ns extra�scais, tanto que sua receita era, na vigência da Constituição anterior, destinada inteiramente aos Municípios, em cujos territórios estivessem os imóveis situados (CF de 1969, artigo 21, § 1º). Atualmente a função predominante do ITR é extra�scal. Funciona esse imposto como instrumento auxiliar do disciplinamento estatal da propriedade rural. E sendo a União responsável por este disciplinamento, é natural que a competência relativamente a esse imposto seja sua, embora o produto da arrecadação pertença aos Municípios. (…) O ITR é considerado um importante instrumento no combate aos latifúndios improdutivos. Por isto, a Lei 9.393, de 19.12.1996, estabeleceu alíquotas progressivas em função da áreado imóvel e do grau de sua utilização Regulamentando as normas tributárias da Constituição da República Federativa do Brasil, o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66) que, embora formalmente seja lei ordinária, materialmente é lei complementar, em observância ao preceito constitucional retro, trouxe as normas gerais do Imposto sobre a Propriedade Territorial nos seus artigos 29 a 31. Não obstante, a Lei Ordinária nº 9.393/96, seguindo as diretrizes da Constituição Federal e as normas gerais do Código Tributário Nacional, instituiu o tributo em questão, delimitando: a hipótese de incidência (na linguagem do legislador, fato gerador), as isenções, o contribuinte, as informações para �ns de arrecadação, a forma de se declarar, a apuração e o pagamento, o procedimento arrecadatório, a administração do valor arrecadado e as consequências do inadimplemento tributário. O objetivo central da presente obra, como dito, não é o estudo aprofundado de todos os elementos caracterizadores do Imposto Territorial Rural, mas, sim, da sua feição socioambiental, mormente, a sua utilização voltada à preservação ambiental. Em outras palavras, a centralidade da presente pesquisa não reside em uma análise estrutural ou meramente formal, mas no aspecto funcional da norma matriz do referido tributo. Não obstante, faz-se necessária uma breve explanação acerca dos principais critérios materiais, pessoais, espaciais e quantitativos que delineiam o imposto em questão. 1.1 DO ENTE COMPETENTE PARA A INSTITUIÇÃO E COBRANÇA DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL Ao prever todos os impostos e distribuir as competências tributárias entre os três níveis da nossa federação, a Constituição Federal do Brasil, na Seção III do Capítulo I, que traz o Sistema Tributário Nacional, dispõe no seu artigo 153, inciso VI, que compete à União instituir impostos sobre a propriedade territorial rural. Portanto, dentro do sistema federativo brasileiro, composto por três esferas, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, pode-se a�rmar que compete ao ente federal, a União, o poder de instituir (competência legislativa) e cobrar (competência administrativa) o imposto que recai sobre a propriedade situada em zona rural. Nesse mesmo sentido, antes do advento da atual Constituição em 1988, o art. 29 do Código Tributário Nacional já dispunha: SEÇÃO I Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural Artigo 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como de�nido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município. E, atendendo aos preceitos constitucionais e do CTN, a Lei Ordinária Federal nº 9.393/96 e o Decreto nº 4.382/02 disciplinam o Imposto Territorial Rural, conferindo à União todos os poderes legislativos e administrativos concernentes à instituição e cobrança desse tributo. Não obstante, dezenas de Instruções Normativas, Atos Declaratórios, Portarias e Resoluções7 regulamentam a tributação desse importante imposto, o que faz concluir que embora a Código Tributário Nacional veicule as suas normas gerais em apenas três artigos, trata-se, inequivocamente, de um tributo complexo e com importantes �nalidades extra�scais. Além disso, não se poderia deixar de mencionar que, com o advento da Emenda à Constituição nº 42, em 2003, que incluiu o art. 153, §4º, III, ao texto constitucional, a União passou a ter a faculdade de delegar aos Municípios da localização dos imóveis rurais a opção de arrecadar e �scalizar o ITR. Trata-se, como se vê, da possibilidade de delegação da Capacidade Tributária Ativa, que é o poder administrativo de gerir a cobrança e �scalização, �cando mantida com a União a chamada Competência Tributária Ativa, que é o poder legislativo indelegável de instituir e regulamentar o referido tributo. A Lei Ordinária Federal nº 11.250/2005 regulamentou a referida delegação da capacidade tributária ativa, estabelecendo alguns requisitos como a impossibilidade de haver qualquer forma de redução do imposto e a necessidade de haver lei municipal prevendo a opção de receber tal delegação. Vale registrar, ainda, que, segundo o disposto no art. 158, II, da Constituição, o município que receber essa delegação passará a receber cem por cento (100%) do valor arrecadado com o ITR, sendo que o município que não exerce essa opção recebe cinquenta por cento (50%). Bernardo Moreira e iago Amoni8 informam que a função �scal e extra�scal do ITR já vinha sendo concretizadas, o que será mais adiante questionado, mas com o advento da referida Emenda Constitucional nº 42, ao mesmo tempo em que manteve para a União a atribuição da competência legislativa de forma a disciplinar o ITR para que o propósito extra�scal pudesse ser efetivado de forma mais ampla possível, também permitiu a delegação da �scalização aos Municípios de forma a obter melhores resultados na efetiva utilização do ITR como instrumento auxiliar na implementação de políticas agrárias e ambientais. Passa-se, pois, ainda que em linhas gerais, a tratar dos demais elementos da regra matriz de incidência do Imposto Territorial Rural no Brasil. 1.2 DO FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL Didaticamente, pode-se a�rmar que fato gerador, para o Direito Tributário, é a ocorrência concreta de uma situação ou fato jurídico que acarreta a obrigação do pagamento de um tributo ou de uma obrigação de fazer ou não fazer perante o �sco. Assim, quando se veri�ca, na prática, a situação descrita abstratamente na lei que obriga determinada pessoa a dar dinheiro ao Estado como forma de pagamento de tributos, tal situação é denominada fato gerador. Com efeito, a lei prevê uma hipótese fática que obriga uma pessoa a comparecer perante o Estado e entregar determinada quantia monetária, ou seja, a lei prescreve a chamada hipótese de incidência tributária, comportamento que uma vez veri�cado, transforma-se em fato gerador tributário, que tem por consequência a obrigação de se pagar tributo. O Código Tributário Nacional, ao de�nir que fato gerador é a “situação de�nida em lei como necessária e su�ciente à sua ocorrência”, opta por dizer que a hipótese de incidência tributária é a descrição de�nida em lei que, uma vez materializada, vale dizer, constatada no mundo concreto, identi�ca-se como fato gerador. Nada obstante, vale informar que ainda remanesce alguma di�culdade em se distinguir o fato gerador da hipótese de incidência, como prescreve Kiyoshi Harada9: Essa expressão fato gerador, empregada pelo CTN, tem merecido violentas críticas por certos setores da doutrina, sob a alegação de que nada gera, a não ser confusão na mente dos juristas. Por isso, preferem a expressão hipótese de incidência ou hipótese tributária para designar a descrição legislativa de um fato, e a expressão fato imponível ou fato jurídico-tributário, ou ainda hipótese de incidência realizada para designar aquele fato concreto, localizado no tempo e no espaço. Todavia, ainda que para efeitos acadêmicos, tal distinção é importante e tem em Geraldo Ataliba, uma importante lição quando a�rma que “Fato Gerador ou Fato Imponível é a materialização da Hipótese de Incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede”10. No mesmo sentido, Eduardo Sabbag11: (…) fato gerador ou ‘fato imponível’, nas palavras de Geraldo Ataliba, é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede. (…) hipótese de incidência é a situação descrita em lei, recortada pelo legislador entre inúmeros fatos do mundo fenomênico, a qual, uma vez concretizada no fato gerador, enseja o surgimento da obrigação principal (…) No que diz respeito ao Imposto Territorial Rural no Brasil, o fato gerador é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como de�nido na lei civil, localização fora da zonaurbana do Município, conforme dispõe a norma geral contida no artigo 29 do Código Tributário Nacional. Nos limites das normas gerais instituídas pelo CTN, a Lei nº 9.393/96 dispõe que a data do fato gerador ocorre no dia 1º de janeiro de cada ano e estabelece outros importantes critérios para delinear os aspectos materiais e espaciais do referido imposto: Artigo 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano. § 1º O ITR incide inclusive sobre o imóvel declarado de interesse social para �ns de reforma agrária, enquanto não transferida a propriedade, exceto se houver imissão prévia na posse. § 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município. § 3º O imóvel que pertencer a mais de um município deverá ser enquadrado no município onde �que a sede do imóvel e, se esta não existir, será enquadrado no município onde se localize a maior parte do imóvel. Para se de�nir o critério espacial do tributo, ou seja, o que seria zona urbana ou rural, para �ns de distinção da incidência do IPTU e do ITR, o art. 32, §1º, do Código Tributário Nacional estabeleceu a necessidade da existência de ao menos duas das cinco melhorias constantes nos seus incisos: Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como de�nido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a de�nida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I - meio-�o ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II - abastecimento de água; III - sistema de esgotos sanitários; IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. Contudo, o art. 15 do Decreto-Lei nº 57/1966, que deve ser obrigatoriamente aplicado segundo precedente vinculante do STJ12, abandona o critério espacial e consagra o critério da destinação/�nalidade dada ao imóvel ao preceituar que: Art 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados. (Revogação suspensa pela RSF nº 9, de 2005) Pela análise do direito positivo, pode-se concluir que a propriedade, o domínio útil e a posse de imóveis, com �nalidade rural, estão sujeitos à incidência, no primeiro dia do ano, do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), ao passo que os imóveis com �nalidades urbanas estarão sujeitos a pagar o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) aos municípios. A Propriedade é instituto jurídico eminentemente do Direito Civil, insculpido no artigo 1.228 da Lei nº 10.406/02 (Código Civil) que prevê que o “proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Portanto, fácil concluir que o proprietário de imóvel rural tem a obrigação de pagar o ITR. Para tanto, em observância ao artigo 1.245 do Código Civil, bem como à Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) que preveem o registro imobiliário como ato constitutivo da propriedade imobiliária, como meio de veri�cação do fato gerador primevo do imposto, qual seja, a titularidade da propriedade rural. Importante ressaltar que se entende que se o proprietário perdeu o direito de usar e gozar de seu imóvel, quer por força injusta eventualmente cometida por particulares, v.g., invasão de algum movimento social, ou por força estatal legítima, ele, ao perder o bônus decorrente da propriedade (uso, gozo e disposição) também, por corolário, perde o ônus do pagamento tributário. Nesse sentido, a sólida jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INEXIGIBILIDADE DO ITR DE IMÓVEL RURAL INVADIDO POR SEM TERRAS. AUSÊNCIA DE FATO GERADOR. AGRAVO REGIMENTAL DA FAZENDA NACIONAL DESPROVIDO. Consoante já decidiu esta Corte, se o proprietário não detém o domínio ou a posse do imóvel, invadido pelos Sem Terra, a sua titularidade, tão- somente, não con�gura fato gerador do ITR (REsp. 963.499/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 14.12.2009; e REsp. 1.144.982/PR, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 15.10.2009). 2. Decisão proferida em conformidade com o parecer ministerial que se mantém. 3. Agravo Regimental da FAZENDA NACIONAL desprovido. (AgRg no REsp 1346328/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 06/02/2017) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ARTIGO 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ITR. IMÓVEL INVADIDO POR INTEGRANTES DE MOVIMENTO DE FAMÍLIAS SEM-TERRA. AÇÃO DECLARATÓRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. FATO GERADOR DO ITR. PROPRIEDADE. MEDIDA LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE NÃO CUMPRIDA PELO ESTADO DO PARANÁ. INTERVENÇÃO FEDERAL ACOLHIDA PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TJPR. INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. PERDA ANTECIPADA DA POSSE SEM O DEVIDO PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO. ESVAZIAMENTO DOS ELEMENTOS DA PROPRIEDADE. DESAPARECIMENTO DA BASE MATERIAL DO FATO GERADOR. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento su�ciente, não caracteriza ofensa ao artigo 535 do CPC. 2. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pací�co de que se aplica o prazo prescricional do Decreto 20.910/1932 para demanda declaratória que busca, na verdade, a desconstituição de lançamento tributário (caráter constitutivo negativo da demanda). 3. O Fato Gerador do ITR é a propriedade, o domínio útil, ou a posse, consoante disposição do artigo 29 do Código Tributário Nacional. 4. Sem a presença dos elementos objetivos e subjetivos que a lei, expressa ou implicitamente, exige ao quali�car a hipótese de incidência, não se constitui a relação jurídico-tributária. 5. A questão jurídica de fundo cinge-se à legitimidade passiva do proprietário de imóvel rural, invadido por 80 famílias de sem-terra, para responder pelo ITR. 6. Com a invasão, sobre cuja legitimidade não se faz qualquer juízo de valor, o direito de propriedade �cou desprovido de praticamente todos os elementos a ele inerentes: não há mais posse, nem possibilidade de uso ou fruição do bem. 7. Direito de propriedade sem posse, uso, fruição e incapaz de gerar qualquer tipo de renda ao seu titular deixa de ser, na essência, direito de propriedade, pois não passa de uma casca vazia à procura de seu conteúdo e sentido, uma formalidade legal negada pela realidade dos fatos. 8. Por mais legítimas e humanitárias que sejam as razões do Poder Público para não cumprir, por 14 anos, decisão judicial que determinou a reintegração do imóvel ao legítimo proprietário, inclusive com pedido de Intervenção Federal deferido pelo TJPR, há de se convir que o mínimo que do Estado se espera é que reconheça que aquele que – diante da omissão estatal e da dramaticidade dos con�itos agrários deste Brasil de grandes desigualdades sociais – não tem mais direito algum não pode ser tributado por algo que só por �cção ainda é de seu domínio. 9. Ofende o Princípio da Razoabilidade, o Princípio da Boa-Fé Objetiva e o bom senso que o próprio Estado, omisso na salvaguarda de direito dos cidadãos, venha a utilizar a aparência desse mesmo direito, ou o resquício que dele restou, para cobrar tributos que pressupõem asua incolumidade e existência nos planos jurídico (formal) e fático (material). 10. Irrelevante que a cobrança do tributo e a omissão estatal se encaixem em esferas diferentes da Administração Pública. União, Estados e Municípios, não obstante o per�l e personalidade próprios que lhes conferiu a Constituição de 1988, são parte de um todo maior, que é o Estado brasileiro. Ao �nal das contas, é este que responde pela garantia dos direitos individuais e Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional Coordenação-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional – CRJ Coordenação de Consultoria Judicial – COJUD Registro nº 0002839/2018 4 sociais, bem como pela razoabilidade da conduta dos vários entes públicos em que se divide e organiza, aí se incluindo a autoridade tributária. 11. Na peculiar situação dos autos, considerando a privação antecipada da posse e o esvaziamento dos elementos da propriedade sem o devido processo de Desapropriação, é inexigível o ITR ante o desaparecimento da base material do fato gerador e a violação dos Princípios da Razoabilidade e da Boa-Fé Objetiva. 12. Recurso Especial parcialmente provido somente para reconhecer a aplicação da prescrição quinquenal. (REsp 963.499/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 14/12/2009) Nessa mesma linha de raciocínio, quando o Estado decide desapropriar um imóvel de um particular e este, em determinada etapa do procedimento judicial ou extrajudicial de perda da propriedade pela desapropriação, perde a posse direta, ou seja, o Estado imite-se na posse, também deixará de ocorrer o fato gerador tributário em desfavor no particular, como reconhece a Receita Federal:13 O ITR incide sobre a propriedade rural desapropriada por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, inclusive para �ns de reforma agrária. Quando a desapropriação for promovida por pessoa jurídica de direito público, o ITR incide sobre o imóvel rural: I - até a data da perda da posse pela imissão prévia ou provisória do Poder Público na posse; II - até a data da perda do direito de propriedade pela transferência ou pela incorporação do imóvel ao patrimônio do Poder Público. O segundo fato gerador do ITR é o “domínio útil” do imóvel rural. Entende-se como titular do domínio útil o en�teuta, vale dizer, aquele que segundo o Código Civil de 1916 (Lei 3.071/16) é atribuído pelo proprietário, chamado de senhorio, o uso e gozo de um imóvel, devendo, em contrapartida, arcar com o pagamento de um valor �xo anual chamado de cânon ou fôro em favor do senhorio, de forma perpétua e transmissível por ocasião de sua morte a seus herdeiros. Embora o atual Código Civil (Lei nº 10.406/02) no seu artigo 2.038 preveja a proibição da constituição de novas en�teuses, existem milhares14 de imóveis do Brasil15 que tem como titulares En�teutas e Proprietários simultaneamente, tanto sob à égide do Direito Público, constando como proprietário as pessoas jurídicas de direito público interno, mormente União, Estados e Municípios, bem como, no Direito Privado, no qual senhorio e en�teuta são pessoas naturais ou de Direito Privado. Nesse quadro, deve-se aqui, informar que, em solidariedade, ambos, em razão de seus direitos reais En�teuse e Propriedade respectivamente, tem a obrigação de pagar o ITR, vez que, como dito, o domínio útil e a propriedade rural, são fatos geradores. A Posse de imóvel rural, instituto também de Direito Civil, assim como a Propriedade e a En�teuse, também é fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. Portanto, nos termos do art. 1.196 do Código Civil aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, em outras palavras, quem usa, goza ou pode dispor de um imóvel rural, deve pagar o ITR. Importa ressaltar que, embora o CTN e a Lei nº 9.393/96 a�rmem que a Posse de imóvel rural a qualquer título é fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e, por consequência qualquer possuidor, v.g., locatário, comodatário, usufrutuário, usuário, habitador, dentre outros, que não possuem animus domini,16 ou seja, sabem que não são donos e tampouco se comportam como se donos fossem, para parte da doutrina e jurisprudência, seus direitos, quer obrigacionais (locação, comodato) ou reais (usufruto, uso, habitação), não acarretam o dever de pagar o imposto. Nas palavras de Leandro Paulsen e José Eduardo Soares17, não são fatos geradores do ITR, nesse sentido: Outros direitos reais menos densos, como o de superfície, o de servidões, o de usufruto, o de uso e o direito do promitente comprador, previstos no artigo 1225, II a VII do Código Civil (Lei 10.406/02), constituem prerrogativas parciais ou temporárias, revelando riqueza em menor grau que a do proprietário, não tendo sido eleitas pela constituição como ensejadoras, por si sós, da instituição de imposto com suporte no artigo 153, VI. Tal questão não é pací�ca, vez que segundo a hermenêutica literal do Código Tributário Nacional, qualquer possuidor, com ou sem animus domini, tem dentre as suas obrigações, a imposição do pagamento do ITR. A Receita Federal, em suas “perguntas e respostas” sobre o imposto no ano de 202018, esclarece: O ITR adota o instituto da posse tal qual de�nido pelo Código Civil. É possuidor a qualquer título aquele que tem a posse plena do imóvel rural, sem subordinação (posse com animus domini), seja por direito real de fruição sobre coisa alheia, como ocorre no caso do usufrutuário, seja por ocupação, autorizada ou não pelo Poder Público. A expressão posse a qualquer título refere-se à posse plena, sem subordinação (posse com animus domini), abrangendo a posse justa (legítima) e a posse injusta (ilegítima). A posse será justa se não for violenta, clandestina ou precária; será injusta se for: I - violenta, ou seja, adquirida pela força física ou coação moral; II - clandestina, isto é, estabelecida às ocultas daquele que tem interesse em tomar conhecimento; III - precária, quando decorre do abuso de con�ança por parte de quem recebe a coisa, a título provisório, com o dever de restituí-la. Conclui-se, portanto, que exercer a propriedade, o domínio útil e a posse, com as observações acima, de imóveis em zona rural, são os fatos geradores do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural no Brasil. 1.3 DAS IMUNIDADES E ISENÇÕES Embora tenha ocorrido o fato gerador, certas situações permitem ao contribuinte que inicialmente deveria pagar o imposto deixar de fazê-lo, impedindo o lançamento do crédito tributário, tais situações são chamadas de isenções. Já as imunidades atuam antes, na própria delimitação da hipótese de incidência do tributo, de forma a impedir a própria ocorrência do fato gerador. Diferencia-se, ainda, imunidade tributária de isenção a partir do critério da base normativa prevista. Caso a Constituição estabeleça um fato jurídico que impede a cobrança do imposto, estar-se-á diante de imunidade, caso uma norma infraconstitucional �xe tal fato jurídico, estaremos diante de isenção. Tal diferença se mostra importante, entre outros motivos, em razão de o Supremo Tribunal Federal ter consolidada sua jurisprudência19 no sentido de que as imunidades tributárias são garantias fundamentais do cidadão, mesmo que não previstas no rol do art. 5º do texto constitucional, e, por conseguinte, constituem verdadeiras cláusulas pétreas, normas constitucionais que não podem ser sequer objeto de deliberação para serem alteradas ou suprimidas pelo legislador constituinte derivado por meio de proposta de emenda à constituição. A Lei nº 9.393/96, em consonância natural com a Constituição Federal, dispõe que é imune à incidência do Imposto Territorial Rural as pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, e o proprietário que não possua outro imóvel. Esclarece a lei que se considera pequenas glebas rurais os imóveis com área igual ou inferior a: I - 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense; II - 50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental e; III - 30 ha, se localizado em qualquer outro município, conforme prevê o artigo 2º. Destarte, por força de norma constitucional, os proprietários, possuidores e en�teutas dos imóveis dentro das dimensões acima e situados nas localidades especí�cas, não são obrigados a pagar o ITR. Vê-se, aqui, o objetivo evidente do Estado de utilizar o ITR como instrumento auxiliar para a efetivação da reforma agrária. Ademais, por força de comando constitucional previsto no artigo 150, os imóveis de propriedade, posse ou domínio útil da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, não constituem fato gerador. Ademais, se pertencerem às Autarquias, Fundações instituídas pelo Poder Público, Instituições de Educação e de Assistência Social sem �ns lucrativos, desde que vinculados às �nalidades essenciais dessas entidades, também são imunes. No tocante às normas jurídicas de isenção, o art. 3º da Lei nº 9.393/06 confere o referido benefício legal aos proprietários, possuidores e en�teutas nos seguintes casos: a. Imóvel rural compreendido em programa o�cial de reforma agrária, caracterizado pelas autoridades competentes como assentamento, que, cumulativamente, atenda aos seguintes requisitos: (i) seja explorado por associação ou cooperativa de produção; (ii) a fração ideal por família assentada não ultrapasse os limites estabelecidos no artigo 2º acima transcrito e (iii) o assentado não possua outro imóvel. b. O conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário, cuja área total observe os limites �xados no artigo 2º acima transcrito, desde que, cumulativamente, o proprietário: (i) o explore só ou com sua família, admitida ajuda eventual de terceiros; (ii) não possua imóvel urbano. c. Os imóveis rurais o�cialmente reconhecidos como áreas ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos que estejam sob a ocupação direta e sejam explorados, individual ou coletivamente, pelos membros destas comunidades Portanto, os proprietários, possuidores e en�teutas que se enquadrarem nas situações legais acima transcritas, estão desobrigados de pagar o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. 1.4 O CONCEITO DE IMÓVEL RURAL Já se sabe que deter a propriedade, posse ou domínio útil sobre imóveis rurais tem por consequência o surgimento da obrigação tributária de recolher o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. Todavia, os critérios de identi�cação de um imóvel urbano ou rural já foi uma questão tormentosa na doutrina e jurisprudência. Vale dizer que a Lei nº 9.393/06 não paci�cou tal questão, pois limitou-se a dispor no § 2º do artigo 1º que “considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município”. Atualmente, o critério no qual se de�ne se um imóvel será rural ou urbano é a sua destinação, ou seja, se o imóvel se prestar às atividades de exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, será considerado rural, independentemente em detrimento do critério da localização. Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: EMENTA PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. IPTU. IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA URBANA DESTINADO À EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE EXTRATIVISTA, AGRÍCOLA, PECUÁRIA OU AGROINDUSTRIAL. NÃO INCIDÊNCIA DO IPTU. PRECEDENTES DO STJ. I - Na origem, trata-se de ação anulatória de lançamento �scal para declarar inexistente a relação jurídica-tributária de incidência de IPTU sobre o imóvel descrito na inicial. Na sentença, julgou-se procedente o pedido. No Tribunal, a sentença foi mantida. II - No tocante à suposta violação do artigo 32, § 2º, do CTN, não assiste razão ao recorrente. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao rito próprio dos recursos especiais repetitivos (REsp n. 1.112.646/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 26/8/2009, DJe 28/8/2009), �rmou a tese (Tema n. 174/STJ) de acordo com a qual, sobre imóvel localizado na área urbana do município, comprovadamente destinado à exploração de atividade extrativista, agrícola, pecuária ou agroindustrial, nos termos do artigo 15 do Decreto-Lei n. 57/1966, não incide Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), mas sim Imposto Territorial Rural (ITR). Aceca do assunto, destaco os seguintes precedentes: AgRg no AREsp n. 259.607/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/6/2013, DJe 17/6/2013 e AgInt no AREsp n. 1.197.346/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 8/5/2018, DJe 15/5/2018. III- A partir da análise do acórdão recorrido, é possível veri�car que a decisão impugnada está em consonância com a tese �rmada por esta Corte Superior, no julgamento de recurso especial repetitivo (REsp n. 1.112.646/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 26/8/2009, DJe 28/8/2009), razão pela qual não merece reforma. Infere-se o exposto do fragmento do voto condutor transcrito a seguir: “Para a incidência do IPTU sobre um imóvel, além do critério espacial previsto no artigo 32 do CTN, deve ser aferida a sua destinação, nos termos do artigo 15 do DL 57/1966. (…) Isto posto, no caso sub judice, veri�ca-se que os apelados comprovaram a exploração de atividade agrícola no imóvel e apresentaram, a �s. 42/66, o pagamento de contribuição sindical rural, a realização de projeto e a execução de plantio de mudas das espécies guanandi e palmeiras (�s. 261), além do recolhimento do Imposto Territorial Rural, relativo ao imóvel. (…) Deste modo, a despeito de se tratar de um imóvel situado em zona de expansão urbana, os autores comprovaram o desenvolvimento de atividade agrícola, sendo, portanto, de rigor manter a r. sentença tal como lançada.” IV - Agravo interno improvido. (REsp 1.377.458/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/06/2019) Nessa ordem de ideias, percebe-se que a recente Súmula nº 626 do STJ20, aprovada em 2018, não superou (overruled) o entendimento já �rmado desde 2009, naquele mesmo Tribunal Superior, no sentido da supremacia do critério da �nalidade/destinação do imóvel sobre o critério da localização/espacial. Em conclusão, pode-se a�rmar que para a veri�cação se um imóvel é rural, caso haja dúvida de sua sujeição ao enquadramento do ITR, se faz necessário averiguar as atividades que são desempenhadas do imóvel e não apenas a lei municipal de zoneamento urbano, vez que essa norma pode de�ni-lo como urbano e, em razão de uma atividade eminentemente rural ali exercida, seu titular ser constrangido a pagar o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. 1.5 DO SUJEITO PASSIVO DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL A pessoa física ou jurídica obrigada a pagar o imposto sobre a propriedade territorial rural é o sujeito passivo do tributo, como de�ne o artigo 121 do Código Tributário Nacional: Artigo 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. A questão é intimamente ligada ao tópico anterior, ou seja, aquela pessoa que se enquadra, juridicamente, como proprietário, en�teuta ou possuidor, nos termos do artigo 31 do Código Tributário Nacional, no dia 01º de janeiro de cada ano. Ressalva-se, pelas razões já expostas, que o proprietário deixa de ser obrigado a pagar o ITR caso sofra, por razões alheias à sua vontade, perda do uso e gozo do imóvel, como em caso de esbulho ou por imissão de posse estatal. Também, como já explicado, o possuidor sem animus domini, ou seja, aquele que tem consciência que não é dono e tampouco se comporta como se dono fosse, também não pode ser considerado sujeito passivo do imposto.Importa ressaltar que existe solidariedade passiva tributária entre o proprietário, possuidor e quem tem o domínio útil (en�teuta), podendo o sujeito ativo (União) escolher livremente de quem deseja cobrar, com base no artigo 124 do CTN: Artigo 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei. Nesse sentido, conforme decisão administrativa da Receita Federal, já se a�rmou que uma escritura de cessão de direitos hereditários não tem o condão de evitar que a União cobre daquele em nome de quem o imóvel está registrado (proprietário), vejamos: Destarte, contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título, sendo este entendido como o que tem a posse plena do imóvel rural, sem subordinação, “cum animus domini”. Portanto, coexistindo titular do domínio e possuidor com ânimo de dono, pode a autoridade administrativa, para eleger o sujeito passivo tributário, optar por um deles, visando a facilitar o procedimento de arrecadação. (Solução de Consulta nº 93 – COSIT) Assim, ressaltando que convenções particulares não podem ser opostas à Fazenda Pública, de nada adianta um documento particular, v.g., estipulando que o locatário, comodatário, ou outro terceiro é o único sujeito passivo do ITR, como forma de evitar a cobrança do imposto. Nesse sentido, se a União quiser cobrar do proprietário/comodante, proprietário/locador, poderá fazê-lo livremente e o contrato de comodato ou locação assinado, não terá força jurídica para evitar a cobrança. Naturalmente, dentro da órbita do direito civil, poderá, após pago o imposto, o locador ou comodante cobrar do locatário ou comodatário, via ação regressiva, o valor que adimpliu perante a União. Portanto, em clara lição, a Instrução Normativa nº 1.582/2015 da Receita Federal assim dispõe: Artigo 5º Denomina-se titular o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor a qualquer título das parcelas que compõem o imóvel rural, em nome de quem é efetuado o cadastramento no Ca�r. § 1º Proprietário é aquele que tem a faculdade de usar, gozar e dispor de parcela que compõe o imóvel rural, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 2º Titular do domínio útil ou en�teuta é aquele a quem foi atribuído, pelo senhorio direto, domínio útil de parcela que compõe o imóvel rural. § 3º Para �ns do disposto nesta Instrução Normativa, possuidor a qualquer título é aquele que tem a posse plena, sem subordinação, também chamada de posse com animus domini, de parcela que compõe imóvel rural. Também importante dizer que os adquirentes, assim como os sucessores de imóveis rurais, são sujeitos passivos por sucessão do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, bem como o espólio, por ocasião da morte do sujeito passivo primevo, nos termos dos artigos 130 e 131, II e III, do Código Tributário Nacional, que trazem as modalidades de responsabilidade tributária por sucessão imobiliária e por sucessão “causa mortis”, respectivamente. Quando o sujeito passivo for pessoa jurídica, pela mesma intenção do legislador do artigo 131, vale dizer, evitar inadimplemento, ocorrer fusão, transformação ou incorporação em de outra ou em outra, haverá obrigação de pagar o imposto até a data do ato que alterou o ato constitutivo, por força do art. 132 do Código Tributário Nacional, que consagra a responsabilidade tributária do sucessor empresarial. 1.6 VALOR DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, como seu próprio nomen iuris deixa claro, incide somente sobre a propriedade territorial, excluindo-se, portanto, a propriedade predial, cuja materialidade econômica é exclusiva de outra exação, o Imposto Predial Territorial Urbano. Em outras palavras, trata-se de imposto cuja base econômica restringe-se aos imóveis por natureza (solo, subsolo, vegetação natural e espaço aéreo), não abrangendo os imóveis por acessão física, como as plantações, construções e benfeitorias. O valor do ITR será apurado aplicando-se sobre o Valor da Terra Nua Tributável (VTNt) a alíquota correspondente prevista no anexo da Lei nº 9.393/06, levando-se em conta a área total do imóvel e o grau de utilização. Critério de modulação de alíquotas previsto expressamente no art. 153, §4º, da Constituição, o grau de utilização é a relação percentual entre a área efetivamente utilizada pela atividade rural e a área aproveitável do imóvel rural, que, diga-se de passagem, irá constituir critério, juntamente com a área total do imóvel rural, para a determinação das alíquotas do ITR. Sinônimo de valor fundiário do imóvel, expressão utilizada no art. 30 do Código Tributário Nacional, o VTNt é alcançado pela multiplicação do VTN pelo quociente entre a área tributável e a área total, consoante art. 10 e 11 da Lei nº 9.393/96. Considera-se Valor da Terra Nua (VTN) o preço de mercado do imóvel rural, entendido como o valor do solo com sua superfície e a respectiva mata, �oresta e pastagem nativa ou qualquer outra forma de vegetação natural, excluídos os valores de mercado relativos a construções, instalações e benfeitorias; culturas permanentes e temporárias; pastagens cultivadas e melhoradas; e �orestas plantadas, observados os seguintes critérios, referidos nos incisos I a III do artigo 12 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993: I - localização do imóvel; II - aptidão agrícola; e III - dimensão do imóvel, conforme informações da Receita Federal.21 As alíquotas são estabelecidas no anexo da Lei nº 9.393/96, com o seguinte quadro: Área total do imóvel (em hectares) GRAU DE UTILIZAÇÃO - GU ( EM %) Maior que 80 Maior que 65 até 80 Maior que 50 até 65 Maior que 30 até 50 Até 30 Até 50 0,03 0,20 0,40 0,70 1,00 Maior que 50 até 200 0,07 0,40 0,80 1,40 2,00 Maior que 200 até 500 0,10 0,60 1,30 2,30 3,30 Maior que 500 até 1.000 0,15 0,85 1,90 3,30 4,70 Maior que 1.000 até 5.000 0,30 1,60 3,40 6,00 8,60 Acima de 5.000 0,45 3,00 6,40 12,00 20,00 A fórmula abaixo22 bem representa como se apura o valor do tributo: Ressalte-se que o valor da terra nua é o preço de mercado da terra nua apurado em 1º de janeiro de cada ano. 5 MOREIRA, Bernardo Motta; AMONI, iago Duca. O Imposto Territorial Rural sobre as áreas destinadas à exploração mineral. In: CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório (coord.). Mineração e Siderurgia: aspectos �nanceiros e tributários. Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2019, p. 309-310 6 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 29. ed. rev. e amplo São Paulo: Malheiros, 2010, p. 346-347 7 7 Instrução Normativa RFB nº 1.877/2019 - Dispõe sobre a prestação de informações .sobre Valor da Terra Nua à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 1.715/2017 - Dispõe sobre a apresentação da Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR) referente ao exercício de 2017. Instrução Normativa RFB nº 1.640/2016 e suas alterações - Dispõe sobre a celebração de convênio entre a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), em nome da União, o Distrito Federal e os municípios para delegação das atribuições de �scalização, inclusive a de lançamento de créditos tributários, e de cobrança relativas ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e altera a Instrução Normativa RFB nº 1.562, de 29 de abril de 2015. Instrução Normativa RFB/ Incra nº 1.581/2015 e suas alterações - Estabelece prazos e procedimentos para atualização do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) e do Cadastro de Imóveis Rurais (Ca�r) que visa propiciar a integração entre esses sistemas cadastrais com a �nalidade de estruturação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR). Instrução Normativa RFB nº 1.578/2015 - Dispõe sobre a apresentação da Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR) referente ao exercício de 2015e dá outras providências. Instrução Normativa RFB nº 1.562/2015 - Dispõe sobre a prestação de informações sobre Valor da Terra Nua à Secretaria da Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 1.506/2014 - Dispõe sobre o pagamento de até 50% (cinquenta por cento) do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) com Títulos da Dívida Agrária (TDA). Instrução Normativa RFB nº 1.467/2014 e suas alterações - Dispõe sobre o Cadastro de Imóveis Rurais (Ca�r). Instrução Normativa RFB nº 958/2009 e suas alterações - Estabelece procedimentos para revisão das Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (DIRPF) e do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR). Instrução Normativa RFB nº 884/2008 e suas alterações - Dispõe sobre a celebração de convênio entre a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), em nome da União, o Distrito Federal e os Municípios para delegação das atribuições de �scalização, inclusive a de lançamento de créditos tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Instrução Normativa SRF nº 438/2004 - Dispõe sobre a prova de regularidade �scal de imóvel rural. Instrução Normativa SRF nº 256/2002 e suas alterações - Dispõe sobre normas de tributação relativas ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e dá outras providências. Ato Declaratório Executivo Cocad nº 8/2017 - Altera o ADE Cocad nº 6, de 08 de agosto de 2017, que estabelece o procedimento simpli�cado de atualização cadastral no Ca�r previsto § 3º do artigo 8º da IN RFB 1.467, de 2014, e dá outras providências. Ato Declaratório Executivo Cocad nº 6/2017 - Estabelece o procedimento simpli�cado de atualização cadastral no Ca�r previsto § 3º do artigo 8º da IN RFB 1.467, de 2014, e dá outras providências. Ato Declaratório Executivo Co�s nº 34/2015 - Institui o modelo de ofício a ser encaminhado pelos municípios e Distrito Federal com prestação de informações sobre o Valor da Terra Nua à Secretaria da Receita Federal do Brasil. Ato Declaratório Normativo Cosit nº 15/2000 - Dispõe acerca da expressão “expropriante” constante dos incisos I e II do § 1º da IN SRF nº 73, de 18 de julho de 2000. Portaria SRF nº 447/2002 - Aprova o Sistema de Preços de Terras. Resolução CGITR nº 2/2019 - Convocação para assinatura de novo Termo de Opção para Celebração de Convênio. Resolução CGITR nº 1/2019 - Altera a Resolução CGITR nº 1, de 24 de setembro de 2018, que aprova o termo de opção, de que trata o § 1º do artigo 10 do Decreto nº 6.433, de 15 de abril de 2008, o termo de renovação e o termo de denúncia de convênio, de que trata o inciso I do artigo 19 da Instrução Normativa nº 1.640, de 11 de maio de 2016. Resolução CGITR nº 1/2018 - Aprova o termo de opção, de que trata o § 1º do artigo 10 do Decreto nº 6.433, de 15 de abril de 2008, o termo de renovação e o termo de denúncia de convênio, de que trata o inciso I do artigo 19 da Instrução Normativa nº 1.640, de 11 de maio de 2016. Resolução CGITR nº 1/2013 - Altera o prazo de execução do Programa Omissos de Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR) relativa a imóveis rurais localizados em Municípios Conveniados, de que trata a Resolução CGITR nº 02, de 1º de março de 2012. Resolução CGITR nº 4/2012 - Altera a Resolução CGITR nº 1, de 13 de maio de 2008. Resolução CGITR nº 3/2012 - Institui o Programa Piloto de Fiscalização do Valor da Terra Nua (VTN) declarado em Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR), incidente em Malha Fiscal, relativa a imóveis rurais localizados em Municípios Conveniados. Resolução CGITR nº 2/2012 - Institui o Programa Omissos de Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR) relativa a imóveis rurais localizados em Municípios Conveniados. Resolução CGITR nº 1/2012 - Aprova o Projeto Portal ITR para Municípios Conveniados (versão 1.0). Resolução CGITR nº 5/2009 - Altera a Resolução CGITR nº 1, de 13 de maio de 2008. Resolução CGITR nº 1/2008 - Aprova o Regimento Interno do Comitê Gestor do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural de que trata o artigo 1º do Decreto nº 6.433, de 15 de abril de 2008. 8 MOREIRA, Bernardo Motta; AMONI, iago Duca. O Imposto Territorial Rural sobre as áreas destinadas à exploração mineral. In: CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório (coord.). Mineração e Siderurgia: aspectos �nanceiros e tributários. Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2019, p. 310 9 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 491 10 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária: Coleção Estudos de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 1996. 11 SABBAG, Eduardo de Moraes. Elementos do Direito Tributário. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 672. 12 Recurso Especial Repetitivo nº 1.112.646/SP, julgado em 26 ago. 2009. 13 SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Perguntas e respostas ITR 2020. Disponível em http://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e- demonstrativos/ditr-declaracao-do-imposto-sobre-a-propriedade-territorial- rural/perguntas-e-respostas-itr/perguntas-e-respostas-itr-2020-versao-1-0- 14082020.pdf/view:. Acesso em: 22 abr. 20 14 FIGUEIREDO, Ivanildo. A reforma (radical) dos terrenos de marinha. Disponível em: http://www1.redegestao.com.br/cms/opencms/desa�o21/artigos/planejando/dica /0338.html Acesso em: 17 abr. 2020 15 Para aprofundamento do estudo da En�teuse recomenda-se a leitura da Tese de Doutorado de Paulo Henriques da Fonseca, intitulada “Além do feudo e do burgo: a en�teuse como instituto mutante, suas possibilidades e limites” disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/18086. Acesso em: 17 abr. 2020 16 A própria Receita Federal na Instrução Normativa 256, de 2002, no seu artigo 4º, § 4º, sinalizou que, em algumas situações especí�cas, como do arrendatário, comodatário, parceiro de imóvel rural explorado por contrato de arrendamento, comodato ou parceria, embora possuidores, não se sujeitam ao pagamento do ITR. 17 PAULSEN, Leandro; MELO SOARES, José Eduardo. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2013, p. 191-192 18 SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Perguntas e respostas ITR 2020. Disponível em http://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e- demonstrativos/ditr-declaracao-do-imposto-sobre-a-propriedade-territorial- rural/perguntas-e-respostas-itr/perguntas-e-respostas-itr-2020-versao-1-0- 14082020.pdf/view:. Acesso em: 22 abr. 20 19 Entre outros julgados, conferir: ADI 939/DF, ADI 3.105/DF e ADI-MC 2.247/DF. 20 Súmula nº 626 do STJ: “A incidência do IPTU sobre imóvel situado em área considerada pela lei local como urbanizável ou de expansão urbana não está condicionada à existência dos melhoramentos elencados no art. 32, § 1º, do CTN”. 21 Disponível em: http://www.cadastrorural.gov.br/cartilha-de- orientacoes/perguntas-e-respostas-itr-2019 Acesso em 23 abr. 20 22 Disponível em: http://sistemafamato.org.br/portal/index.php Acesso em 23 abr. 20 A 2. PANORAMA DO IMPOSTO SOBRE IMÓVEIS RURAIS NOS PAÍSES IBERO-AMERICANOS Europa e a América do Sul apresentam diversos cenários sobre os impostos que recaem sobre a propriedade imobiliária, razão pela qual optou-se, em razão de um melhor corte temático, por analisar somente países que guardem maior identidade histórico-cultural e/ou maior proximidade geográ�ca com o Brasil, para, ainda que super�cialmente, relatar o cenário tributário no concernente à questão socioambiental. Nesse sentido, a escolha do presente trabalho foi por analisar, além do Brasil, outras cinco nações ibero-americanas com um estreito laço sanguíneo, religioso e histórico de colonização, a começar pelas antigas metrópoles Espanha e Portugal para, logo em seguida, analisar os nossos vizinhos e antigas colônias do Cone Sul Argentina, Uruguai e Paraguai. Já que se optou por iniciar o estudo pelos países europeus da península ibérica, importante, antes, ressaltarque Portugal e Espanha, além de serem regidos por suas legislações nacionais, são Estados-membros da União Europeia, órgão supranacional que tem sofrido um processo de esverdeamento e exerce algumas competências tributárias e ambientais por meio do direito comunitário europeu, aplicável por meio de seus tratados internacionais e diretivas. Conquanto a União Europeia não possua uma Constituição formalizada, seus tratados constitutivos gozam, na prática, de uma posição similar a um texto constitucional, ante as suas características formais (posição hierárquica) e materiais (organização política e direitos fundamentais). Devido à crescente atuação legislativa da União Europeia, em matéria ambiental, aliada ao princípio da preempção23, pode-se a�rmar que os seus Estados-membros não possuem, atualmente, muitos domínios de atuação ambiental24. Contudo, em que pese o movimento centrífugo das competências ambientais junto à União Europeia, o tema especí�co da tributação ambiental ainda tem sido objeto de tratamento legislativo autônomo pelos seus Estados-membros, com clara discrepância entre as reformas �scais verdes implementadas. Tal fato, deve-se à exigência, pelos diplomas legislativos2526, de unanimidade entre os Estados-membros, no âmbito do Conselho da União Europeia, para franquear àquele organismo supranacional o tratamento vinculante de questões tributárias, fato este que tem limitado a coordenação centralizada das políticas tributárias, e, praticamente, obstaculizado qualquer harmonização das políticas públicas relacionadas à tributação ambiental. Postura diversa do direito comunitário europeu, nos países ibero-americanos do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), as políticas tributárias com �nalidade ambiental também têm �cado sob total autonomia dos seus Estados-membros, já que a referida entidade supranacional não fez maiores demonstrações de preocupação com a tutela ambiental. E mesmo que tivesse feito, é preciso lembrar que essa entidade nem de perto alcançou o nível de integração e harmonização do sistema jurídico do bloco europeu. Sobre o tema, vale o registro de que o Tratado de Assunção, datado de 1991, sequer incluiu em seu artigo 1º o tema do meio ambiente no rol de diretrizes fundamentais da comunidade do cone sul. Afora algumas tentativas de �xação de metas ambientais em reunião ocorrida em 1992 em Las Lenãs, Argentina, o que se tem de mais concreto, conforme lembra Paulo Lyrio Pimenta27, é somente uma previsão na Declaração de Canela, emitida nesse mesmo ano, que ressalta que “as transações comerciais devem incluir os custos ambientais causados nas etapas produtivas sem transferi-los às gerações futuras”, com a �nalidade de preservação da livre concorrência intrabloco por meio da inibição do chamado dumping ambiental. Feita essa breve introdução ao Direito Comunitário Europeu (União Europeia) e do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), passa-se à análise dos impostos incidentes sobre imóveis na Espanha e Portugal. 2.1 PANORAMA DOS IMPOSTOS SOBRE IMÓVEIS NA ESPANHA De início, importante deixar registrado que, na Espanha, existe um Imposto especí�co que recai sobre a propriedade territorial, mas também, um Imposto sobre o Patrimônio, incidindo sobre todo o conjunto de bens de uma pessoa física, inclusive os imóveis rurais. Para melhor compreendê-los, necessário antes que seja analisado o sistema tributário espanhol a partir da sua Carta Constitucional. A Constituição da Espanha28 trata do sistema tributário nos dispositivos abaixo, assim expostos em tradução livre29: Artigo 31.29 1. Todos contribuirão com o apoio dos gastos públicos de acordo com a capacidade econômica usando um sistema tributário justo inspirado nos princípios de igualdade e progresso que, em nenhum caso, terá alcance con�scatório. 2. O gasto público realizará uma distribuição equitativa dos recursos públicos, e sua programação e resposta a eles atenderão aos critérios de e�ciência e economia. Artigo 87 3. A lei orgânica regula as formas de exercício e requisitos da iniciativa popular para a apresentação de propostas de lei. Em qualquer caso, serão necessárias ao menos 500.000 assinaturas credenciadas. A referida iniciativa não prosseguirá em questões de direito administrativo, tributário ou internacional ou em relação à prerrogativa de isenção. Artigo 133 1. O poder original para estabelecer os impostos corresponde exclusivamente ao Estado, por lei. 2. As comunidades autônomas e as comunidades locais poderão estabelecer e exigir impostos, de acordo com a Constituição e as leis. 3. Qualquer benefício �scal que afete os impostos estaduais deve ser estabelecido por lei. 4. As administrações públicas somente podem contrair obrigações �nanceiras e fazer despesas de acordo com as leis. Artigo 134 2. Os Orçamentos Gerais do Estado terão caráter anual e incluirão todas as despesas e receitas do setor público estadual e registrarão a quantia de benefícios �scais que afetem os impostos estaduais 7. A Lei do Orçamento não pode criar impostos. Poderá modi�cá-los é necessário uma lei tributária substantiva com esta previsão. Observa-se na Constituição da Espanha que, ao contrário da brasileira, apenas se preocupou em tratar de questões eminentemente principiológicas no que concerne ao Direito Tributário, sequer elencando as espécies tributárias e, muito menos, dividindo as suas competências entre os entes públicos. O artigo 31 consagra os princípios da universalidade, da obrigatoriedade do pagamento e da capacidade contributiva, da igualdade e da proibição ao con�sco, ao prescrever que todos são obrigados, dentro de sua capacidade econômica a pagar os tributos, sem, contudo, serem privados de seus bens por meio da tributação. Ademais, informa que a gestão tributária deve buscar e�ciência e economia nos gastos públicos. O artigo 87, que trata da iniciativa popular na produção legiferante, exclui normas tributárias do rol de leis que podem iniciar-se diretamente por expressão da vontade do povo. Ao que tudo indica, tal restrição se deve ao caráter técnico e reconhecidamente complexo que envolve o tema da tributação. O artigo 133 estabelece que cabe ao Estado a iniciativa, via lei, para instituir impostos, reservando às comunidades autônomas e locais instituir e cobrar impostos somente de acordo com a Constituição e leis. Também dispõe que somente pode ser instituído benefício �scal estadual por meio de lei. Por �m, o artigo 133 ainda impõe que a Administração Pública somente pode contrair obrigações �nanceiras e fazer despesa com observância da lei. Ressalte-se, assim, que o referido artigo fez, de forma contundente, uma homenagem exemplar ao Princípio da Legalidade, ao exigir previsão legal, portanto, ampla vontade democrática, para a regulação da matéria tributária e �nanceira estatal. O artigo 134 da Constituição da Espanha aborda questões de Direito Financeiro, impondo o caráter anual aos orçamentos gerais do Estado, determinando que todas as despesas e receitas do setor público estejam previstas. Outrossim, proíbe que a Lei de Orçamento institua ou modi�que a lei tributária. Para além do Direito Constitucional positivado, o Tribunal Constitucional espanhol, também, com certa rotina, julga questões envolvendo o meio ambiente, como pode ser observado nos excertos abaixo do ano de 201930, traduzidos de forma livre: “Pleno. Sentença 134/2019, de 13 de novembro de 2019. Questão de inconstitucionalidade 2560-2019. Elaborado pela Primeira Seção da Sala Contencioso-Administrativa do Superior Tribunal de Justiça da Extremadura, a respeito do art. 11.3.1 b), segundo parágrafo, da Lei 15/2001, de 14 de dezembro, sobre o ordenamento territorial e territorial da Extremadura, na redação dada pela Lei 9/2011, de 29 de março, e única disposição adicional desta última lei. Competências de proteção ambiental e urbanismo: nulidade dos preceitos legais que permitem a transformação urbana de terrenos integrados na rede Natura 2000. Pleno. Sentença 116/2019, de 16 de outubro de 2019. Recurso de inconstitucionalidade