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Capítulo 1: Bases das civilizações gregas 
No período que se estendeu do século XII ao século VIII a.C., denominado 
homérico, desenvolveram-se as bases da civilização grega. As origens do período 
homérico remontam ao ano 2000 a.C., quando as primeiras tribos gregas-aqueus1 
passaram a ocupar, gradativamente, a Grécia continental, o Peloponeso e as ilhas do mar 
Egeu. Como resultado desse movimento de ocupação desenvolveu-se no período entre 
1700 e 110 a.C. a Civilização Micênica. A Civilização Micênica, baseada na agricultura 
e artesanato desenvolvidos e na utilização do bronze, era dirigida por uma nobreza de 
nascimento, militarmente organizada, enriquecida pelo saque e pela posse de terra. Era 
em tomo do palácio que girava a organização política, social, econômica, militar e 
religiosa, centralizada pelo rei. Nessa estrutura palaciana a escrita desempenhava papel 
fundamental, era utilizada para fiscalização, regulamentação e controle da vida 
econômica e social. 
A vida rural, fundamental nesse período, baseava-se nos gènê2 e mantinha certa 
independência em relação ao palácio. No entanto, o pagamento de tributos de várias 
espécies era obrigatório. O chefe do gènê tomava-se, após a morte, o seu protetor; o culto 
dos mortos e dos antepassados era uma prática religiosa da família. Por volta de 1200 
a.C., um outro grupo grego - os dórios - passou a ocupar a Grécia, tomando, 
gradativamente, a Grécia continental, o Peloponeso e as ilhas do mar Egeu. As 
transformações produzidas com a invasão dos dórios delimitam o início do período 
homérico. Uma das conseqüências dessa invasão foi o primeiro movimento de 
colonização grega. Fugindo dos dórios, os eólios estabeleceram-se na Eólia e os jônios na 
Jônia, fundando as colônias gregas na Ásia Menor (voltar-se-á a falar dessas colônias no 
período arcaico). 
Um outro conjunto de conseqüências afeta de forma significativa a organização 
político-social e o desenvolvimento técnico. Os dórios organizavam-se política e 
economicamente num regime de génos, enquanto a sociedade micênica estava organizada 
num regime de servidão coletiva, em tomo de um rei com poderes econômicos, políticos, 
militares e religiosos. Foi a organização na forma.de gènê e tribos que passou a 
predominar a partir de então; isso significou a destruição de toda a estrutura palaciana e, 
com ela, o desaparecimento da escrita. Essa reorganização gentílica foi possível, pois 
também os aqueus haviam mantido, em certa medida, tal forma de organização nos 
agrupamentos rurais em tomo do palácio. Os dórios trouxeram ainda um importante 
conhecimento técnico - o do uso do feiro. A difusão do uso do novo metal implicou o 
aprimoramento das armas de guerra e uma grande expansão das forças produtivas, a 
melhoria dos instrumentos de trabalho agrícola e o desenvolvimento do artesanato. 
Esse conjunto de fatores levou, então, à formação de um novo período na história 
da Grécia - homérico que se caracterizou pela substituição da realeza (presente na 
civilização micênica) pela aristocracia. Em lugar de um rei todo-poderoso, desenvolveu-
se durante esse período uma aristocracia que passou a tomar as decisões políticas e 
econômicas. A organização política, que antes girava em tomo do palácio, passou a girar 
em tomo de ágora\ As decisões relativas à vida do grupo passaram a ser baseadas em 
discussões públicas, ainda que delas participasse apenas uma parcela da população - os 
cidadãos. 
Nesse período, as comunidades estavam baseadas numa economia rural, com a 
produção de cereais, óleo, vinha, horticultura e pastoreio. Também a tecelagem, a fiação 
e o artesanato de metal e cerâmica eram atividades econômicas importantes. Eram 
trazidos de fora o metal necessário à produção de instrumentos de trabalho e os escravos, 
conseguidos pela pilhagem e troca na forma de presentes (que, freqüentemente, eram 
revestidos da conotação de compromissos de amizade ou cooperação). 
Da união dos gènê, fratrias e tribos surgiram as cidades como centro de organização 
política. Nelas conviviam diferentes grupos sociais: a aristocracia, os artesãos, os trabalhadores 
liberais (arautos, médicos, etc.), que geralmente mantinham profissões paternas, os pequenos 
proprietários e os trabalhadores sem-terra e sem qualquer profissão especializada. Encontravam-
se ainda escravos. Essa forma de escravidão se caracterizou por ser, naquele momento, patriarcal 
ou doméstica, em que o trabalho escravo era feito lado a lado com seu proprietário. 
 A aristocracia considerava-se descendente dos deuses e conservava cuidadosamente sua 
genealogia como forma de garantir condição privilegiada. No entanto, já começava a ser 
importante também a riqueza, e as propriedades passaram a ser vistas como fonte de poder. A 
cidade grega não era a reunião de indivíduos isolados, mas sim do conjunto de gènê e fratrias que 
a compunham e que nela eram representados nos conselhos e nas assembléias. A organização 
militar também era baseada nos gènê, fratrias e tribos que compunham a cidade. Havia um rei 
escolhido entre os chefes de tribos, gènê ou fratrias, que era elevado a tal posição por apresentar 
a melhor genealogia dentre todos. No entanto, esse rei era um entre outros reis, já que todos os 
chefes também eram reis e também detinham poder sobre aqueles que formavam seu gènos. As 
decisões políticas, militares e econômicas eram tomadas pelos conselhos, geralmente compostos 
dos chefes dos gènê e fratrias, e as decisões mais importantes deviam ainda ser submetidas à 
assembléia à qual compareciam todos os cidadãos que pertenciam à cidade. No entanto, essas 
assembléias ainda não contavam com a participação ativa do povo que a elas comparecia. Nas 
assembléias, de uma maneira geral, o povo mantinha-se calado, e as decisões - já tomadas pelo 
conselho e/ou pelo rei - eram levadas à ágora, primordialmente, para serem ratificadas. 
Assistiu-se, assim, ao surgimento da pólis que, pela sua organização econômica, política 
e administrativa, caracterizou a civilização grega. O processo de surgimento dessa nova forma de 
organização provocou não apenas profundas transformações na vida social, mas também 
alterações fundamentais nos hábitos e nas idéias. Vemant (1981) aponta algumas dessas alterações 
dentre as quais duas podem ser destacadas. A primeira delas refere-se ao reaparecimento da 
escrita, por volta do século IX a.C., com uma função completamente diferente da que tinha 
durante a civilização micênica, quando estava restrita aos escribas e vinculada ao aparelho 
administrativo. 
 A escrita reaparecia, agora, com a função de divulgar aspectos da vida social e política, 
tomando-se assim muito mais pública. Era pública no sentido de atender ao interesse comum e 
no sentido de garantir processos abertos a toda a comunidade, em oposição aos interesses 
exclusivos da estrutura palaciana à qual atendia no período anterior. A segunda dessas alterações 
refere-se à especialização de determinadas funções sociais. Não cabia mais ao rei o comando 
absoluto na tomada de todas as decisões - fossem elas políticas, religiosas, econômicas ou 
militares. As decisões passaram a ser tomadas não mais de maneira absolutamente individual, 
mas dependiam da discussão e do apoio dos conselhos e até da assembléia. 
Dessa forma, as decisões militares, políticas e econômicas passaram a ser vistas como 
fruto de decisões humanas, resultado de discussões e deliberações dos homens e não de um único 
rei divino. Essas características expressavam, já, dois aspectos da tomada de decisão intimamente 
relacionados ao conceito de cidadania, que foi tão fundamental no mundo grego: o caráter humano 
e o caráter público das decisões. Com isso, ampliou-se o controle dos destinos humanos pelos 
próprios homens e o acesso de todos ao mundo espiritual e ao conhecimento, aos valores e às 
formas de raciocínio, permitindo que tudo se tomasse sujeito à crítica e ao debate.Essas 
características só se desenvolveriam plenamente, no entanto, bem mais tarde. É assim que se pode 
compreender o fato de que, ainda nesse momento, as leis eram promulgadas e exercidas por 
aqueles que conheciam a tradição e os mitos e que (por serem aparentados com os deuses) 
interpretavam o presente e deliberavam de acordo com essa interpretação.

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