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Estrutura do Sermão Barroco

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A montagem argumentativa 
de um sermão
O sermão barroco devia demonstrar uma posição moral por meio de uma 
imagem que, associada a um fato ou a uma citação da Bíblia, pudesse ser 
um símbolo da posição a ser defendida. 
A agudeza e o engenho só se manifestavam caso o autor da argumen-
tação fosse capaz de ilustrar por meio de imagens e metáforas o tema do 
sermão. Vieira era um mestre nesse processo.
No Sermão da sexagésima, pregado na Capela Real de Lisboa, em 1655, 
ele pretende responder a uma pergunta básica: por que não faz fruto a 
palavra de Deus? Com sua argumentação, o jesuíta tenta convencer os 
fiéis de que a culpa é dos pregadores, que, em lugar de desenvolverem 
uma argumentação consistente, preocupam-se em enfeitar a linguagem, 
tornando o texto incompreensível. 
No trecho a seguir, Vieira usa a imagem da árvore como símbolo do 
conceito que procura demonstrar: o sermão precisa desenvolver um único 
tema (uma só matéria), que deve estar em seu início e ao qual deve retornar 
o pregador ao concluir sua argumentação.
[...] Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade 
de discursos, mas esses hão de nascer todos da mesma matéria e continuar 
a acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos? Ora vede: uma árvore 
tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem 
frutos. Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas, porque há 
de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só 
assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão de nascer diversos ramos, 
que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados 
nela; estes ramos não hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os 
discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore 
varas, que são repressão dos vícios; há de ter flores, que são as sentenças; 
e por remate de tudo, há de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há de 
ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há 
de haver varas, há de haver folhas, há de haver ramos, mas tudo nascido 
e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são 
troncos, não é sermão, é madeira. 
Se tudo são ramos, não é sermão, são ma-
ravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são 
verças. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. 
Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. 
Serem tudo frutos, não pode ser; porque não 
há frutos sem árvore. Assim que nesta árvo-
re, a que podemos chamar árvore da vida, há 
de haver o proveitoso do fruto, o formoso 
das flores, o rigoroso das varas, o vestido 
das folhas, o estendido dos ramos, mas 
tudo isto nascido e formado de um 
só tronco, e esse não levantado no ar, 
senão fundado nas raízes do Evangelho: 
Seminare semen. Eis aqui como hão de ser 
os sermões, eis aqui como não são. E assim não é muito que se 
não faça fruto com eles.
VIEIRA, Antônio. Sermões. 12. ed. Rio de Janeiro: 
Agir, 1995. p. 132-133. (Fragmento).
Passos da 
argumentação
A estrutura consagrada 
para os sermões no século 
XVII envolvia quatro passos, 
em que fica clara a preocupa-
ção com as ideias que marca-
ram a corrente conceptista 
do Barroco:
• Exórdio: o orador começa 
a expor o plano a que vai 
submeter-se e as ideias 
que vai defender.
• Invocação: o orador pede 
auxílio divino para expor 
suas ideias.
• Confirmação: desenvolvi-
mento e exposição do tema, 
realçado com alegorias, 
sentenças e exemplos.
• Peroração: conclusão; o 
orador, recapitulando tudo 
o que foi dito, termina com 
um desfecho vibrante para 
impressionar os fiéis e 
estimulá-los a seguirem 
os ensinamentos bíblicos 
apresentados. 
 
ALEIJADINHO. Anjo com 
cálice. Século XVIII. 
Escultura.
Sentenças: frases que contêm 
um pensamento de ordem geral 
e de valor moral; provérbios, 
máximas.
Maravalhas: aparas ou lascas de 
madeira.
Verças: folhas de couve. 
Em sentido figurado: palavreado 
pobre de ideias, oco.
Seminare semen: em latim, 
semear a semente.
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DE MODO QUE HAJA
tudo nascido e fundado em um só tronco (uma só matéria) 
FRUTOS FLORES VARAS FOLHAS RAMOS
EIS AQUI COMO HÃO DE SER OS SERMÕES. EIS AQUI COMO NÃO SÃO.
Se tudo são 
troncos, 
não é sermão, 
é madeira.
Se tudo são 
 ramos, não é 
sermão, são 
maravalhas.
Se tudo são 
folhas, não é 
sermão, são 
verças.
Se tudo são 
varas, não 
é sermão, 
é feixe.
Se tudo são 
flores, não é 
 sermão, é 
ramalhete.
Se tudo são 
frutos, não 
pode ser, porque 
não há frutos 
sem árvore. 
A ÁRVORE DA VIDA DEVE TER
mas tudo isso nascido e formado de um só tronco 
fundado nas RAÍZES
O PROVEITOSO 
DOS FRUTOS
O FORMOSO 
DAS FLORES
O RIGOROSO 
DAS VARAS
O VESTIDO DAS 
FOLHAS
O ESTENDIDO 
DOS RAMOS
UMA ÁRVORE TEM
UM SERMÃO DEVE TER
fortes e sólidas 
porque deve 
ser fundado no 
Evangelho
porque 
deve ter um 
só assunto
diversos, 
nascidos todos 
da mesma 
matéria
cobrem os 
ramos, porque os 
discursos devem 
ser enfeitados 
pelas palavras
condenação dos 
vícios
sentenças finalidade do 
sermão
Observe, no esquema a seguir, como funciona a metáfora da árvore para 
representar o sermão.
RAÍZES TRONCO RAMOS FOLHAS VARAS FLORES FRUTOS
RAÍZES TRONCO RAMOS FOLHAS VARAS FLORES FRUTOS
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Gregório de Matos: o primeiro 
grande poeta brasileiro
Gregório de Matos teve sólida formação cultural. Estudante de Direito em 
Coimbra, lá entrou em contato com a perspectiva humanista que incentivava 
a leitura dos autores clássicos. Ele seguiu os ensinamentos aprendidos com 
esses mestres literários em sua obra. Tornou-se conhecido por sua poesia 
lírica, sacra e satírica.
A poesia lírica
A lírica amorosa de Gregório de Matos retoma temas clássicos, como a 
oposição entre espírito e matéria, para desenvolver sua poesia.
Mesmo com o cuidado na construção de metáforas e na estruturação 
sintática do poema, Gregório de Matos jamais transforma sua poesia em 
um exercício exagerado do artificialismo da linguagem cultista. Por trás 
de suas imagens, sempre é possível identificar o desenvolvimento de um 
raciocínio exemplar.
Pintura admirável de uma beleza
Vês esse sol de luzes coroado?
Em pérolas a aurora convertida?
Vês a lua de estrelas guarnecida?
Vês o céu de planetas adorado?
O céu deixemos; vês naquele prado
A rosa com razão desvanecida?
A açucena por alva presumida?
O cravo por galã lisonjeado?
Deixa o prado; vem cá, minha adorada:
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?
Parece aos olhos ser de prata fina?
Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Catarina.
MATOS, Gregório de. In: WISNIK, José Miguel (Sel. e org.). 
Poemas escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 237.
Seguindo a tradição inaugurada por Shakespeare e Camões de comparar 
a beleza feminina às maravilhas da natureza, Gregório de Matos retoma esse 
tema para desenvolvê-lo segundo os princípios da composição barroca. 
A beleza de Catarina é afirmada por meio de uma estrutura bastante 
regular que identifica os aspectos mais louváveis do Sol, da Lua, do Céu, da 
rosa, da açucena e do mar. Se o ideal clássico de beleza pode ser encontrado 
na natureza, o que dizer de Catarina, que a tudo supera, como expressa o 
paradoxo final: “tudo é nada / À vista do teu rosto”?
A poesia sacra
O que sobressai, na poesia sacra de Gregório de Matos, é o senso de 
pecado, a constatação da fragilidade humana e o temor diante da morte e 
da condenação eterna. Essa faceta de pecador arrependido aparece nospoemas compostos na fase final de sua vida, já que, na juventude, o poeta 
fez várias composições que desafiavam o poder divino. O poema a seguir é 
da fase mais madura do poeta.
Açucena: planta 
procedente da Ásia, 
muito conhecida 
pelas flores alvas e 
perfumadas.
Presumida: vaidosa.
Aljôfar: pérola muito 
miúda. Em sentido 
figurado: gotas de 
água, o orvalho da 
manhã.
Gregório de Matos
A condição social privi-
legiada e os estudos em 
Portugal deram a Gregório de 
Matos a possibilidade de ler 
os principais poetas dos sé-
culos XVI e XVII. Ele conhecia 
a poesia de Sá de Miranda e 
Camões, os mestres portu-
gueses do Classicismo.
Leu, também, a obra de 
Góngora e de Quevedo, auto-
res que definiram as corren-
tes do Barroco. Com Góngora, 
aprendeu o gosto pela ela-
boração da linguagem, pelo 
desdobramento das imagens 
e metáforas no poema. Em 
Quevedo, conheceu o gosto 
pela argumentação racional 
e elaborada que, em alguns 
de seus sonetos religiosos, 
fica bem evidente.
A ESTANTE DE
 Rua Gregório de Matos, 
Pelourinho, Salvador, 2005.
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