Buscar

Literatura - Moderna Plus-373-375

Prévia do material em texto

A tradição do Indianismo: 
os símbolos da nacionalidade
“Ouço o canto da América, as diferentes canções 
escuto” (Walt Whitman)
A visão pitoresca de Caminha 
e outros viajantes
A primeira imagem do Brasil que conhecemos foi 
registrada por Pero Vaz de Caminha. Na longa carta 
escrita a D. Manuel, o escriba da frota de Cabral define 
os índios como inocentes, curiosos e, até certo ponto, 
hospitaleiros, pois recebem os portugueses de modo 
acolhedor.
Essa primeira imagem não irá variar muito nos 
relatos de outros viajantes do século XVI. Américo 
Vespúcio, por exemplo, passou por aqui em 1502 e 
registrou, na Carta de Lisboa, as suas impressões 
sobre a terra e o povo.
[...] Essa terra é muito amena e cheia de inúmeras e 
muito grandes árvores verdes, que nunca perdem as folhas; 
todas têm odores suavíssimos e aromáticos, produzem 
muitíssimas frutas, e muitas delas saborosas e salutares ao 
corpo. Os campos produzem muitas ervas, flores e raízes 
muito suaves e boas. Algumas vezes me maravilhei tanto 
com os suaves odores das ervas e das flores e com os sabores 
dessas frutas e raízes, tanto que pensava comigo estar perto 
do paraíso terrestre; [...]
Achamos toda a terra habitada por gente nua, tanto os 
homens como as mulheres, sem cobrir suas vergonhas. De 
corpo, são bem feitos e proporcionados […].
 Não têm nem lei nem fé alguma. Vivem segundo a 
natureza. Não conhecem a imortalidade da alma. Não 
possuem entre si bens próprios porque tudo é comum. 
Não têm fronteiras de reinos ou província; não têm rei 
nem obedecem a ninguém; cada um é senhor de si. Não 
administram justiça, que não é necessária para eles, porque 
neles não reina a cobiça. [...]
Um país paradisíaco cujos habitantes não têm lei 
nem fé. É essa a imagem de Brasil que predomina nos 
textos dos viajantes europeus que por aqui aportam 
no período imediatamente posterior à vinda da frota 
de Cabral.
Um olhar árcade
A bravura dos índios dos romances românticos é 
claramente inspirada pelo poema épico O Uraguai, de 
Basílio da Gama, publicado em 1769. Ao longo de cinco 
cantos, o poeta árcade compõe a história da resistên-
cia dos índios ao ataque português aos Sete Povos das 
Missões. Interessado em condenar os jesuítas, Basílio 
da Gama inaugura a apresentação dos traços heroicos 
dos indígenas, que, pela primeira vez, ganham “voz” 
para denunciar a exploração de que eram vítimas:
 Detalhe de um planisfério francês de 1550, de autor 
desconhecido. A América passa a fazer parte dos mapas.
 CHORIS,!L. Vista da Costa do Brasil oposta à Ilha de Santa 
Catarina. c. 1825. Litografia.
VESPÚCIO, Américo. Novo Mundo: as cartas que batizaram a 
América. São Paulo: Planeta, 2003. p. 184-185. (Fragmento).
354
U
n
id
ad
e 
4
 • 
R
om
an
ti
sm
o
R
ep
ro
du
çã
o 
pr
oi
bi
da
. A
rt
. 1
84
 d
o 
C
ód
ig
o 
P
en
al
 e
 L
ei
 9
.6
10
 d
e 
19
 d
e 
fe
ve
re
iro
 d
e 
19
98
.
I_plus_literatura_cap17_C.indd 354 20/10/10 3:47:25 PM
Nos romances indianistas de José de Alencar, reconhecemos os ecos 
da apresentação de uma natureza vistosa e do encontro entre as culturas 
europeia e ameríndia feitos no poema de Basílio da Gama.
A imagem romântica da exuberância 
Após a chegada da família real, em 1808, e a declaração da Independên-
cia, em 1822, o interesse dos escritores pelo passado pré-colonial brasileiro 
é retomado. Busca-se resgatar a imagem de um povo livre e soberano, de 
uma terra exuberante e incomparável.
O resgate modernista
A imagem idealizada de pátria e de povo é questionada pelos modernis-
tas, que promovem uma “releitura” dos textos quinhentistas e românticos, 
para propor uma visão desmitificada do Brasil e dos índios.
O exemplo mais célebre dessa nova visão é Macunaíma (1928), de Mário 
de Andrade. Macunaíma é o índio indolente, preguiçoso, mais interessado em 
tomar banho com as cunhãs do que em fazer algo de útil para sua tribo. “Herói 
sem nenhum caráter”, ele abre caminho para a desconstrução dos mitos ro-
mânticos e exemplifica a visão antropofágica defendida pelos modernistas: 
como índios antropófagos, deveríamos “comer” da cultura europeia apenas 
o que nos interessasse, em lugar de simplesmente rejeitá-la.
Um olhar documental
Na literatura brasileira contemporânea, alguns romances retratam o 
índio em uma dimensão bem mais próxima do real. É o caso, por exemplo, 
de Quarup (1967), de Antonio Callado.
[...] A nós somente
Nos toca arar, e cultivar a terra,
Sem outra paga mais que o repartido
Por mãos escassas mísero sustento.
Podres choupanas, e algodões tecidos,
E o arco, e as setas, e as vistosas penas
São as nossas fantásticas riquezas.
Muito suor, e pouco, ou nenhum fasto.
Volta, Senhor, não passes adiante.
Que mais queres de nós? [...]
GAMA, Basílio da. O Uraguai. 
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn00094.pdf>. 
Acesso em: 30 jan. 2010. (Fragmento).
[...] Algumas mulheres já estavam acocoradas à porta das malocas, cercadas 
de crianças. Quase todas envelhecidas precocemente, os peitos caídos, mamados 
às vezes por crianças grandes, a sugarem de pé o seio. [...] Já lhe haviam dito e ele 
lera em tantos relatos, como é raro uma índia verdadeiramente bela depois da 
adolescência. [...]
CALLADO, Antonio. Quarup. 12. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 155. (Fragmento).
Outra importante obra que se inscreve na tradição indianista é o romance 
Maíra (1976), de Darcy Ribeiro. Antropólogo, Darcy conhecia intimamente as 
tradições e os costumes dos índios, com quem conviveu por longos perío-
dos. Maíra incorpora esse conhecimento à criação de um mundo ficcional 
no qual o retrato dos índios é feito de modo mais preciso. 
A tradição indianista permanecerá viva na literatura brasileira, enquanto 
houver romances escritos sobre o tema da terra e dos índios.
 AMARAL, T. Ilustração para o livro 
Martim Cererê. c. 1962. Nanquim 
sobre papel, 27 3 20 cm.
Fasto: fausto, luxo.
355
C
ap
ít
u
lo
 1
7 
• 
 r
om
an
e 
in
di
an
is
ta
R
ep
ro
du
çã
o 
pr
oi
bi
da
. A
rt
. 1
84
 d
o 
C
ód
ig
o 
P
en
al
 e
 L
ei
 9
.6
10
 d
e 
19
 d
e 
fe
ve
re
iro
 d
e 
19
98
.
I_plus_literatura_cap17_C.indd 355 20/10/10 3:47:25 PM
CONEXÕES
 Avatar, de James Cameron. 
EUA, 2009. 
Ambientado no futuro, o filme conta sobre expedições enviadas 
por governantes da Terra a outras galáxias, a fim de obter recursos 
já esgotados no planeta. Para que os seres humanos possam sobre-
viver no satélite natural a ser explorado, chamado Lua de Pandora, 
é estabelecida uma conexão entre mentes humanas e corpos hí-
bridos — os avatares — criados a partir de DNA humano e de DNA do 
povo Na’vi, nativos do local. São esses seres que possibilitam aos 
exploradores interagir com o meio ambiente e com os habitantes 
alienígenas. Excelente oportunidade de ver como, apesar da enorme 
distância no tempo, a história da colonização e da ideia de “levar a 
civilização” para os “povos primitivos” se repete.
 O Novo Mundo, de Terrence Malick. EUA, 2005.
O primeiro encontro entre colonizadores ingleses e índios ame-
ricanos, em 1607, é retratado nesta adaptação para o cinema que 
conta o envolvimento amoroso entre John Smith e Pocahontas, a 
princesa índia filha do poderoso chefe Powhatan. O filme procura 
recriar o confronto entre duas culturas profundamente distintas. 
A semelhança entre a história de Pocahontas e a de Iracema, 
personagem de José de Alencar, é muito grande e nos ajuda a 
compreender o sacrifício envolvido em abrir mão do próprio povo 
e da própria cultura em nome do amor. 
 No caminho da expedição Langsdorff, 
de Maurício Dias. 
Brasil, 2000. 
Documentário. Entre setembro e outubro de 1999, uma equipe de 
11 pessoas, a bordo de três botes infláveis, saiu de Porto Feliz, em 
São Paulo, rumo a Santarém, no Pará, refazendo o trajeto da última 
etapa da expedição Langsdorff. Entre os membros da equipe, estava 
a tataraneta do desenhista Hércules Florence, que participou da 
expedição original. 
 As cidades, de Chico Buarque.Rio de Janeiro: BMG, Brasil, 1998.
Em “Iracema voou”, Chico Buarque explora o anagrama contido no nome da personagem e 
do romance indianista de José de Alencar — de Iracema para América — e transforma a heroína 
do século XIX em imigrante ilegal nos EUA. Substitui o cenário idealizado no Romantismo pela 
realidade das grandes cidades de nossos dias, e o enredo romântico se torna uma espécie de 
relatório da vida prática para o século XXI.
 O guarani, de Carlos Gomes.
Assim como a obra literária, O guarani, de Carlos Gomes, obteve bastante êxito no século XIX e 
tornou-se popular até os dias de hoje. A estreia, em 1870, no Teatro alla Scala de Milão, projetou 
o nome de Carlos Gomes no cenário musical internacional e também chamou a atenção dos 
europeus para a produção literária brasileira da época.
Para assistir
Para ouvir
Conteúdo digital Moderna PLUS http://www.modernaplus.com.br
Filme: trecho de Avatar, de James Cameron.
356
U
n
id
ad
e 
4
 • 
R
om
an
ti
sm
o
R
ep
ro
du
çã
o 
pr
oi
bi
da
. A
rt
. 1
84
 d
o 
C
ód
ig
o 
P
en
al
 e
 L
ei
 9
.6
10
 d
e 
19
 d
e 
fe
ve
re
iro
 d
e 
19
98
.
I_plus_literatura_cap17 REIMPRESSÃO.indd 356 2/9/11 6:01:05 PM

Continue navegando