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Os poetas brasileiros da geração de 1945 querem marcar sua identidade poética distanciando-se da imagem de irreverência e engajamento que nasceu com os participantes da Semana de Arte Moderna. Para isso, investem no trabalho com a forma. Esse investimento tomará rumos inesperados ao desdobrar-se em uma opção mais radical: o Concretismo, tendência que explora poeticamente o espaço. Neste capítulo, entenda essas escolhas e o sentido do trabalho com a forma iniciado por essa geração. 1. Descreva como você vê a obra Concreção 5940, identificando seus ele- mentos. 2. Qual é o efeito visual criado pela disposição das faixas de alumínio? A análise atenta da obra sugere um cuidadoso planejamento prévio ff para garantir que ela tenha uma aparência controlada pelo artista. Explique. 3. Relacione o título à obra, considerando que “concreção”, segundo o Dicio- nário Houaiss, é o “ato, processo ou efeito de (se) tornar concreto, sólido, substancial ou real; concretização, substancialização, materialização”. 4. O trabalho artístico com a forma pode assumir diferentes manifesta- ções. Na literatura, ele se traduz pelo cuidado com a escolha e o arranjo das palavras, pela maneira como são usados os sinais de pontuação, pelos recursos empregados na construção dos versos em um poema. Rios sem discurso Quando um rio corta, corta-se de vez o discurso-rio que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralítica. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma, e porque assim estanque, estancada; e mais: porque assim estancada, muda, e muda porque com nenhuma se comunica, porque cortou-se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria. MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999. p. 350-351. © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto. O curso de um rio, seu discurso-rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água para refazer o fio antigo que o fez. Salvo a grandiloquência de uma cheia lhe impondo interina outra linguagem, um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase e frase, até a sentença-rio do discurso único em que se tem voz a seca ele combate. Luiz Sacilotto, 3 maio 1995. Luiz Sacilotto (1924- -2003), paulista de Santo André, cresceu no maior polo industrial do país. Mesmo trabalhando como projetista de esquadrias metálicas, desenvolveu atividade artís- tica paralela. Sua obra teve uma breve fase figurativa, na década de 1940, mas ele logo aderiu ao projeto de arte con- cretista. Participou, em 1952, da exposição Ruptura, realiza- da no Museu de Arte Moderna de São Paulo, sendo um dos signatários do documento de mesmo nome que lançou o Concretismo no Brasil. Fez uso de técnicas e materiais diversos e manteve-se sem- pre interessado em novas experimentações artísticas. Leitura da imagem Da imagem para o texto Discurso: fala fluente, texto associado a um contexto específico. Sintaxe: parte da gramática que estuda as relações entre as palavras em uma frase; no texto, pode ser compreendida como a organização harmoniosa entre partes e elementos. Discorrer: correr em diversas direções, espalhar-se. Metaforicamente significa expor pensamentos através da fala ou da escrita. Grandiloquência: modo afetado e pomposo de falar, rebuscamento. Interina: assageira rovis ria. Enfrasar: termo não dicionarizado. Pela formação da palavra, significa tornar-se frase. Representa, no poema, a religação entre os diferentes poços. 643 C ap ít u lo 2 8 • g er aç ão d e e o on re is m o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap28_C.indd 643 11/11/10 6:03:53 PM a) O poema pode ser dividido em duas partes. Em cada uma, é cons- truída uma imagem do rio. Quais são elas? b) Na primeira estrofe, o fluxo cortado de um rio é comparado a um discurso interrompido. Para desenvolver essa comparação, o poe- ma relaciona um elemento do rio a um elemento do discurso. Que elementos são esses? c) O eu lírico afirma que as palavras isoladas estão mudas. Explique por quê. d) Por que a “água paralítica” é comparada a “uma palavra em situação dicionária”? 5. Podemos identificar, no poema, a presença de metáforas. Qual o sig- nificado metafórico do fluxo do rio, da interrupção do fluxo, da água em poço, da água em fio, da cheia e da seca? Há ainda uma metáfora menos evidente. A água em poço ou a palavra ff estariam sendo comparadas a uma pessoa isolada. Considerando essa possibilidade, o que então significariam o rio, a água em fio, a sentença-rio do discurso único e a seca? 6. Relacione o corte da sintaxe do rio ao combate à seca mencionado no último verso. a) No texto, qual o trecho em que o eu lírico afirma ser lento e difícil resgatar o discurso-rio depois de o rio haver sido interrompido? b) Considerando a possibilidade de as metáforas estarem relacionadas também à atuação das pessoas, explique por que seria difícil resgatar o discurso perdido. 7. O trecho a seguir faz parte de uma entrevista do filósofo Michel Fou- cault. Leia-o e procure identificar a semelhança entre a fala de Foucault e o poema. [...] “Os discursos não são apenas uma espécie de película transparente através da qual e graças à qual enxergamos as coisas, eles não são simplesmente o espelho do que é e do que pensamos. O discurso possui uma consistência própria, sua espessura, sua densidade, seu funcionamento. As leis do discurso existem do mesmo modo que as leis econômicas existem.” [...] Trecho da tradução de entrevista de Michel Foucault ao Le Monde, a s a u li ação de As palavras e as coisas, em 1966. Folha de S.Paulo, Clara Allain, 21 nov. 2004. Considerando o que você já estudou neste livro, explique por que ff o conhecimento do contexto histórico, dos agentes do discurso, do contexto de circulação e do público de uma estética permite identi- ficar melhor a consistência do discurso literário. 8. Na primeira parte do poema, aparecem mais sinais de pontuação que na segunda. Que relação é possível estabelecer entre esse uso da pontuação e o assunto tratado em cada parte? a) Na primeira parte aparecem também verbos flexionados principal- mente em formas nominais (particípio); na segunda, principalmen- te no presente e no gerúndio. Que relação pode ser estabelecida entre essa flexão dos verbos e a ideia central de cada uma das partes? b) Considerando as respostas anteriores, discuta com seus colegas: qual a importância da forma para a construção do sentido desse poema? João Cabral de Melo Neto autografa livro, 1997. João Cabral de Melo Neto (1920-1999) nasceu em Reci- fe, em uma família com impor- tantes ligações literárias: era primo do poeta Manuel Ban- deira e do so i logo il er o Freyre. Passou a infância no interior, em engenhos de açúcar, mas voltou ao Recife quando iniciou os estudos primários. Em 1942, publicou seu primeiro livro, Pedra do sono. Atuou como diplomata em diversas cidades da Euro- pa, mas tinha predileção por Sevilha. Foi eleito para a Aca- demia Brasileira de Letras em 1968. Destacam-se, em sua obra, Psicologia da composi- ção (1947), O cão sem plumas (1950), O rio (1954), Quaderna (1960), Morte e vida severina (1956), A educação pela pedra (1966), Museu de tudo (1975), A escola das facas (1979), Auto do frade (1982), Crime na Calle Relator (1987) e Sevilha andando (1991). 644 U n id ad e 8 • O P s M od er ni sm o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap28_C.indd 644 11/11/10 6:03:54 PM O mundo apósa bomba: indagações e impasses om o im da egunda uerra Mundial a uro a omeçou o len o processo de reconstrução em meio aos destroços humanos e políticos. uerra ria ini iada om a ameaça de uma e a om e nu lear dividiu o mundo em dois blocos: um capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e outro socialista, sob o comando da ex-União Soviética. O Brasil aliou-se aos norte-americanos contra a expansão do comunismo. O Partido Comunista, abrigo de muitos intelectuais, entrou na ilegalidade. s ri ores omo ra iliano amos a el de ueiro orge mado ive- ram suas obras queimadas em praça pública. Alguns foram presos, outros exilaram-se. m os mili ares de em e lio argas. resid n ia assumida elo general uri o as ar u ra. as eleiç es de e lio vol ou ao poder idolatrado pelo povo. Seu mandato, no entanto, não se concluiu. Acua- do por escândalos e pressionado pelo exército, que representava a elite, Vargas optou pelo suicídio. A repercussão popular à sua morte obrigou à convocação de nova eleição, que elegeu Juscelino Kubitschek. No governo JK, o crescimento industrial acelerado desencadeou um crescimento urbano equivalente. Massas humanas deslocaram-se do campo para a cidade à procura de oportunidades, comprometendo a estrutura dos grandes centros. O cenário cultural refletia esse quadro de mudanças. As chanchadas da Atlântida e a criação do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) tornaram conhecidos grandes atores, muitos dos quais ficaram bastante populares: Os ari o rande O elo er onçalves nia arrero ernanda Mon ene- gro almor agas s ara men ionar os mais on e idos. O rádio criava ídolos: Emilinha Borba, Cauby Peixoto, Marlene, Ângela Maria encantavam os ouvintes e conquistavam milhares de fãs. Esse seria, no entanto, um reinado curto, porque, em 1950, o jornalista Assis Chateaubriand trouxe para o Brasil a televisão, que se revelou uma máquina de fazer astros instantâ neos e modificou de modo irreversível o perfil da produção cultural brasileira. Pós-Modernismo: a arte procura novos rumos O on ei o de s modernidade em sido dis u ido or mui os is oria- dores so i logos e r i os de ar e. e modo geral em ora as de iniç es específicas possam variar, há um consenso em relação às linhas funda- men ais ue se aram o Modernismo do P s Modernismo. sso iado ao er odo do im da egunda uerra Mundial o surgimen o do P s Modernismo are e er sido desen adeado ela rise dos valores ue vigoraram a partir do início do século XX. Os conceitos de classe social, de ideologia, de direita e esquerda, de arte, do Estado de bem-estar começam a ruir a e ados elas duas guerras mundiais. O P s Modernismo nas e da ruptura com algumas certezas e definições que sustentavam conceitos do am o so ial ol i o e on mi o es i o e . O que importa, no mundo contemporâneo, é a individualidade extrema. A solidariedade e a busca do bem-estar social são postas em segundo plano. No centro da sociedade, o indivíduo reina absoluto. Nesse mundo, as fronteiras entre ideologias de direita e de esquerda, bem e mal, certo e errado, beleza e feiura tornaram-se pouco nítidas, e os artistas também começaram a questionar os modelos considerados modernos. A impossibilidade de definir o movimento nascido nesse contexto fez com ue os e ri os o assem or a resen lo omo a uilo ue vem de ois s do Modernismo usando a re er n ia ronol gi a omo uma ase mais segura. Manifestação popular por causa da mor e de e lio argas. ma mulher carrega o retrato do ex- -presidente (1954). Ecoam ainda as palavras da carta-testamento dei ada or e lio: u vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte [...]. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para en rar na is ria . 645 C ap ít u lo 2 8 • g er aç ão d e e o on re is m o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap28_C.indd 645 11/11/10 6:03:55 PM