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R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 177 C ap ít u lo 8 • A ci vi liz aç ão á ra be e o s re in os a fr ic an os O Reino de Gana O primeiro reino saheliano de destaque e o mais antigo foi o de Gana, a Terra do Ouro, onde predomi- nava a etnia soninque. Seu desenvolvimento precede no tempo a islamização, que ocorreu com mais vigor a partir do século XI. O poder de Gana vinha do con- trole das minas e dos entroncamentos do comércio caravaneiro. O ouro, o mais importante dos produtos vindos da região subsaariana, era explorado nas ricas zonas auríferas de Bambuk e Buré, nos territórios dos atuais Gana, Costa do Marfim, Mali e Senegal. Em troca obtinha-se o sal, produto trazido das salinas do Saara e indispensável para a sobrevivência dos habitantes da África tropical, tanto por suas pro- Fonte: SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 297. A cultura islâmica A expansão do Império Árabe no Magrebe, a parte noroeste da África, dinamizou o comércio tran- saariano. O sentido da conversão islâmica, contudo, tornou-se menos intenso no Sahel do que havia sido no norte. Divulgado por meio de mercadores, mas também por funcionários, letrados e intelectuais, em Gana o islã se tornou presente pela conversão de ministros e assessores do gana (o dirigente maior) e pelo uso da escrita árabe por parte da burocracia e da administração do Reino. Nesses termos, o islã e sua cultura significaram mais um elemento capaz de adicionar poder, fortalecer e centralizar a autoridade do gana. O sentido político da islamização do Reino também transparecia na formação de uma unidade envolvendo tuaregues, malinques, fulas, songais, mandes e outros povos. Com o islã, instituiu-se um código de leis comum a todos, a charia, uma mesma cultura e língua, a árabe, e a ideia de serem todos irmãos em Maomé [doc. 3]. Reinos e impérios do Sahel séculos DOC. 2 • oma ar bica. Produto silvestre coletado, sobretudo, em áreas da Senegâmbia e da Mauritânia, tal como o mel, a cera e a borracha. • Sorgo. Planta da família das gramíneas, semelhante ao milho, muito cultivada na África, na Índia e na China. • Milhete. Variedade de milho de grãos pequenos. • mbar. Resina fóssil muito utilizada na fabricação de ornamentos. • Alm scar. Perfume obtido a partir de uma substância secretada de plantas e animais. DOC. 3 Crianças aprendem a ler o Alcorão, século XX, África Ocidental Francesa, próximo ao território do antigo Reino de Gana. Postal feito a partir de foto de Edmond Fortier (1862-1928). Casa das Áfricas, São Paulo. Impérios ou reinos Área de influência islâmica até o século XVI M AR VERM ELHO OCEANO ÍNDICO OCEANO ATLÂNTICO Rio Níger Ri o Co ng o Rio Nilo Rio Senegal MAR MEDITERRÂNEO Á F R I C A DESERTO DO SAARA IMPÉRIO DO MALI ÍNDIA ARÁBIA Meca REINO DE GANA REINO DE SONGHAI REINO DE BORNO REINO DE KANEM ESTADOS HAUÇÁS ETIÓPIA Timbuctu Rio Volta EGITO Aksum Madagascar Melinde Mombaça Quíloa Benin Djenné Gao Ifé Igbo-Ukwu LÍBIA REINO IORUBA REINO DE BENIN Rio Níger ÍNDIA ARÁBIA 1.030 km priedades conservantes quanto por seu valor como moeda de troca. O comércio do ouro e do sal, bem como o de outros produtos, como a goma arábica, o sorgo, o milhete, o âmbar, o almíscar, as peles e o marfim, era bastante antigo, sendo conhecido desde o século II, com a introdução do camelo e das caravanas, que possi- bilitaram as viagens pelo deserto. Por meio dessas rotas, as culturas do Sahel começaram a se interessar pelo mundo de fora, fornecendo ao Mediterrâneo e ao mundo árabe seu mais valioso e cobiçado produto: o ouro. Assim, séculos antes da exploração dos metais preciosos na América pelos europeus, os povos do Sahel já mantinham contato com ideias, mercadores e religiosos vindos do norte. HIST_PLUS_UN_C_CAP_08.indd 177 19.08.10 15:33:14 R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 178 U n id ad e C • A Id ad e M éd ia : O ci de nt e e O ri en te O mpério do Mali O poder do Império do Mali, território do grupo linguístico malinque ou mandinga, sucedeu o de Gana. O Império do Mali floresceu entre os séculos XIII e XVI, governado por dirigentes chamados de mansas, alguns deles famosos por suas peregrinações a Meca e a Medina. No Mali, a islamização parece ter sido mais completa. As viagens dos mansas reuniam numerosas caravanas, que levavam grande quantidade de mercadorias e presentes e serviam para fortalecer a diplomacia dos mansas e do Reino. Elas também visavam equiparar a autoridade dos governantes do Mali à dos demais dirigentes do mundo árabe, espe- cialmente quando recebiam sua mais alta honraria: o título de Al Hajj. A representação iconográfica dessas peregri- nações aparece nos primeiros atlas e portulanos europeus, elaborados no século XIV, que trazem informações sobre a África Ocidental e nos quais a imagem do dirigente maliano é associada à sua esplendorosa riqueza em ouro. Um dirigente de destaque foi Mansa Musa, que go- vernou o Mali entre 1312 e 1337, e a quem se atribui, além de uma maior islamização da sociedade, a expansão do Império, a reorganização das províncias governadas por emires e, por fim, a conquista das importantes cidades de Ualata, Timbuctu, Takedda e Gao [doc. 4]. Alguns dos mansas tiveram seus feitos registrados tanto nos relatos dos eruditos árabes quanto na tradi- ção oral difundida na região e recentemente compilada pelo historiador senegalês Tamsir Djibril Niane em sua obra Sundjata, ou, a epopeia mandinga [doc. 5]. Nela, o autor apresenta Sundjata, o herói fundador, colocando- -se acima das diversas chefaturas mandingas e expan- dindo os limites do Reino em direção a Gana. • mir. Título de nobreza historicamente utilizado nos países islâmicos do Oriente Médio e da África. DOC. 4 Mansa Musa e sua peregrinação feita entre 1324 e 1325 O Atlas catalão, de 1375, foi feito por Abraão e Jahuda Cresques, judeus da Espanha. Os escritos que nele aparecem são do escritor árabe Al-Umari (1300- -1384). Ele relata a peregrinação de Mansa Musa pelas cidades de Tagaza, Tuat, Cairo, Meca e Medina, uma viagem descrita como fantástica e repleta de ouro e de presentes. “Este senhor negro é aquele muito melhor senhor dos negros de Guiné. Este rei é o mais rico e o mais nobre senhor de toda esta parte, com abundância de ouro na sua terra. Embaixo do globo de ouro que o imperador Mansa Musa segura na mão direita está a representação da cidade de Tumbuctu.” In: DAVIDSON, Basil. Os impérios africanos. In: História em Revista (1300-1400). A era da calamidade. Rio de Janeiro: Abril Livros/Time-Life, 1992. p. 149. Atlas catalão [detalhe], de Abraão e Jahuda Cresques, 1375. Biblioteca Nacional da França, Paris. HIST_PLUS_UN_C_CAP_08.indd 178 19.08.10 15:33:15 R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 179 C ap ít u lo 8 • A ci vi liz aç ão á ra be e o s re in os a fr ic an os DOC. 5 A epopeia mandinga “Sou griot. Meu nome é Djeli Mamadu Kuyatê, filho de Bintu Kuyatê e de Djeli Kedian Kuyatê, mestre na arte de falar. Desde tempos imemoriais estão os Kuyatês a serviço dos príncipes Keita do Mandinga: somos os sacos de palavras, somos o repositório que conserva segredos multisseculares. A arte da palavra não apresenta qualquer segredo para nós; sem nós, os nomes dos reis cairiam no esquecimento; nós so- mos a memória dos homens; através da palavra, damos vida aos fatos e façanhas dos reis perante as novas gerações. Recebi minha ciência de meu pai DjeliKedian, que a recebeu igualmente de seu pai; a história não tem mistério algum para nós; ensinamos ao vulgo tudo que aceitamos transmitir-lhe; somos nós que detemos as chaves das doze portas do Mandinga. [...] Ensinei a reis a história de seus ancestrais, a fim de que a vida dos antigos lhes servisse de exemplo, pois o mundo é velho, mas o futuro deriva do passado.” NIANE, Tamsir Djibril. Sundjata, ou, a epopeia mandinga. São Paulo: Ática, 1982. p. 11. As cidades-irmãs: Djenné e Timbuctu Entre as cidades sahelianas, destacaram-se as de Djenné e Timbuctu, que se desenvolveram na região do médio Níger, próximas ao delta interior formado pelo curso do rio e numa região de solo fértil em ra- zão do regime de cheias e vazantes. As duas cidades tiveram suas histórias interligadas pelos constantes e muito antigos contatos mercantis. Djenné, a mais antiga das cidades, originou-se por volta do século III a.C. Seus moradores praticavam a agricultura, a criação de bois e, desde cedo, o co- mércio. A importância comercial de Djenné cresceu principalmente com a islamização, no século XIII. A cidade converteu-se em poderosa praça mercantil do comércio de ouro em direção aos mercados do norte. Entre os mercadores que passavam por ela, predo- minavam soninques, malinquês, wangaras e diulas, grupos especializados na atividade comercial. Timbuctu, a cidade-irmã de Djenné, teve um papel relevante nas trocas mercantis, congregando po- pulações de mercadores berberes, árabes e judeus vindos da África do Norte, do Oriente Médio e do Saara. A fundação de Timbuctu é atribuída a grupos de tuaregues que ali se estabeleceram no início do século XII. Seus moradores aprenderam com seus parceiros e vizinhos de Djenné a arte de construir casas, mesquitas e edifícios públicos [doc. 6]. Além de serem pontos de encontro para os que via- javam de canoa pelos rios ou de camelo pelo deserto, a importância das cidades sahelianas se devia ao fato de constituírem metrópoles políticas e centros cul- turais. Timbuctu era especialmente notável por suas numerosas oficinas de produção artesanal, como também por ser um dos mais importantes centros intelectuais do Sahel. Na cidade, destacavam-se as escolas corânicas e a universidade de Sankore, que reunia comunidades de letrados e sábios e as mais significativas obras do conhecimento desenvolvido pelo mundo árabe da época. A cidade chegou a ter uma população permanente de cerca de 70 a 80 mil habitantes, além dos mercadores em trânsito. • Griot. Nas sociedades africanas, fortemente marcadas pela tradição oral, o griot era a pessoa responsável por transmitir a tradição histórica, atuando como cronista, poeta e músico. DOC. 6 Mesquita às margens do Rio Níger, postal feito a partir de foto de Edmond Fortier (1862-1928). Casa das Áfricas, São Paulo. HIST_PLUS_UN_C_CAP_08.indd 179 19.08.10 15:33:16