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1 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) A SITUAÇÃO DA TITULAÇÃO DE TERRAS QUILOMBOLAS DO PARÁ E AS CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE TITULAÇÃO THE SITUATION OF LAND TITLES OF QUILOMBOLAS OF PARÁ AND THE CONSEQUENCES OF THE LACK OF LAND OWNERSHIP R. B. T. – Universidade Federal do Pará E. O. P. - Universidade Federal do Pará H. P. S. - Universidade Federal do Pará C. M. A. O. - Universidade Federal do Pará roseanebtavares@yahoo.com.br eltonpereira10@hotmail.com hdasilva@acd.ufrj.br cristinareda@gmail.com RESUMO Comunidades quilombolas são grupos tradicionais fruto da luta antiescravista do período colonial brasileiro. Elas estão distribuídas por quase todo o território brasileiro, sendo que até o momento não existem registros de comunidades apenas nos estados do Acre, Roraima e no Distrito Federal. Ainda que segundo a Constituição Federal de 1988, no Título X, Artigo 68, estas comunidades tenham direito a propriedade de terra, a maioria delas não possui tal titulação; sendo que existem 3.524 comunidades identificadas no Brasil e desse total apenas 207 territórios são titulados. A falta desta titulação tem causado diversos problemas para as populações, principalmente para acesso aos serviços básicos nas áreas de educação, saúde, assistência social, nutrição, entre outros; além dos conflitos gerados com fazendeiros e empresas interessadas nessas terras. O Pará é o estado que mais possui comunidades quilombolas com terras tituladas, cerca de 56 territórios, estando neste estado, no município de Oriximiná, a primeira comunidade quilombola titulada no Brasil. Embora o acesso a esses serviços oficialmente não dependa da titulação, já que estas políticas públicas se constituem em direito de cidadania, compondo o rol da proteção social, a titulação se faz necessária, pois muitas vezes sua ausência é utilizada por gestores locais, como pretexto para manutenção da desproteção social. Este trabalho tem o objetivo de mostrar a atual situação das titulações de terras quilombolas do Pará e as consequências provenientes da falta dessa titulação. A mailto:roseanebtavares@yahoo.com.br mailto:eltonpereira10@hotmail.com http://br-mg6.mail.yahoo.com/yab-fe/mu/MainView?.src=neo&themeName=img-lotus&bn=51_8629&s=0&isFresh=1&bucketId=0&stab=1373626620375 http://br-mg6.mail.yahoo.com/yab-fe/mu/MainView?.src=neo&themeName=img-lotus&bn=51_8629&s=0&isFresh=1&bucketId=0&stab=1373626620375 2 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) pesquisa se baseia em dados coletados em órgãos oficiais do governo como INCRA, ITERPA, IBGE e outros. A metodologia inclui a caracterização dos remanescentes de quilombos quanto ao número de comunidades e a situação em diversas áreas, como saúde, educação, e a realização de um diagnóstico baseado nesses dados. Observa-se que poucas comunidades são tituladas e que a falta dessa titulação trás consequências negativas para as populações quilombolas. ABSTRACT Quilombos are traditional communities originated by runaway slaves during the Brazilian colonial period. Currently they are distributed over almost the entire territory. There are no records of communities only in the States of Acre, Roraima and the Federal District. Although according to the Constitution of 1988, Title X, Article 68, these communities have the right to ownership of their ancestral lands, most of them do not have such titles. There are about 3,524 quilombola communities in Brazil but only 207 territories have official titles. The lack of ownership titles has caused many problems for the quilombolas, in the areas of education, health, welfare, and nutrition, among others, in addition to conflicts generated by farmers and companies interested in these lands. Pará is the state that has more communities with titles, about 56 territories. The land title is important for the community to receive many public benefits. This paper aims to show the current status of the land titles in Pará, and the consequences arising from lack ownership. The research is based on data collected from official governmental agencies such as INCRA, ITERPA, IBGE and other. The methodology includes the characterization of the communities in relation to their number and the situation in several areas, such as health, education and social services, and a diagnosis based on these data. It is shown that few communities have been certificated and that the lack of the land titles causes negative consequences for the quilombola populations. Palavras-chave: Quilombolas, Políticas Públicas, Territórios, Amazônia, Saúde. Key words: Quilombolas, Public Policies, Territories, Amazon, Health. Eixo de inscrição: 5. Comunidades Tradicionais, Resistência/Recriação Camponesa e Agroecologia. OBJETIVO As comunidades Quilombolas são populações tradicionais do Brasil que tiveram o direito a terra garantido através da Constituição Federal de 1988. Em 2003, foi criado um 3 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) decreto, o qual regulamentava o procedimento de titulação de terras, sendo o INCRA o órgão federal responsável por esse procedimento, além dos órgãos estaduais. O objetivo deste trabalho é expor a situação da titulação de terras quilombolas do Pará e as consequências da falta dessa titulação, através da apresentação dos números de comunidades quilombolas do Estado do Pará, da análise dos dados coletados em comunidades, tituladas, como África/Laranjituba, no município de Moju e não tituladas, Comunidade do Mola, em Cametá, além da identificação do impacto potencial da ausência de titulação nas comunidades quilombolas. REFERENCIAL TEÓRICO O Brasil é um país com grande extensão territorial e que possui a maior biodiversidade do mundo, presente na floresta Amazônica, porém pouco se sabe sobre essa riqueza de animais e plantas (MPEG, 2013). É também um país com uma grande diversidade étnica e cultural, pois possui diferentes matrizes étnicas, dentre elas: os negros, os migrantes de várias descendências e os índios (SILVA, 2011). De acordo com o censo (IBGE, 2010), há mais de 190 milhões de habitantes no país, que se autoclassificam como brancos, negros, pardos, amarelos ou indígenas. O estado do Pará está localizado na Amazônia oriental e abriga uma variedade de espécies, detendo assim um potencial científico e econômico (PARÁ, 2013). E de acordo com o censo (IBGE, 2010), o estado possui uma população de 7.588.078 habitantes. Dentre esses habitantes existem os chamados povos e comunidades tradicionais que são considerados, de acordo com o Decreto nº 6.040 de fevereiro de 2007, como grupos de cultura diferenciada, que se reconhecem como tal. Essas populações possuem organização social própria e ocupam e usam o território e os recursos naturais neles disponíveis para sua reprodução cultural, religiosa, econômica, social e ancestral. Seus conhecimentos, práticas e inovações são transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007). Ao estudarmos comunidades tradicionais, é necessário fazer uma análise do conceito de lugar, território e identidade, visto estas definições estão intimamente relacionadas à natureza daquelas comunidades. Estes conceitos são importantes por que para haver a demarcação das terras quilombolas, deve ocorrer primeiramente sua identificação. Partindo do conceito de lugar que Carlos (2007) como sendo um espaço de vivência, onde se tem o corpo como principal referencial; o lugar não pode ser visto se não pela tríade habitante-identidade-lugar. Ainda segundo Carlos: É no lugar que se desenvolve a vida em todas assuas dimensões. Também significa pensar a história particular de cada lugar se desenvolvendo, ou melhor, se realizando 4 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) em função de uma cultura/tradição/língua/hábitos que lhe são próprios, construídos ao longo da história e o que vem de fora... (2007, p. 17). Já território, segundo Lobato Corrêa (1996, p. 252 apud SOUZA; PEDON, 2007, p. 03), é uma relação de pertencimento, não necessariamente como propriedade, mas como caráter de apropriação. Para Haesbaert Costa (1997, p. 39-40 apud SOUZA; PEDON, 2007, p. 04) há a existência de três vertentes de conceito de território. O primeiro conceito seria o de território político, o qual é definido pelo caráter de poder, especialmente o estatal; o segundo conceito é o cultural (ista), o qual é resultante do imaginário, produto da apropriação, e/ou “identidade social sobre o espaço”; e o terceiro conceito é o econômico, que é enfatizado pela desterritorialização, produto do confronto entre classes sociais e da “relação capital-trabalho”. A partir dessa análise destacamos o território cultural (ista), onde a apropriação do espaço não esta ligada somente ao domínio e ao controle político, mas também a uma apropriação e incorporação de uma dimensão simbólica e identitária dos grupos; “é o sentido de pertencer a uma região e/ou território” (COSTA, 1988 p. 25). Estudos de Schimitt et.al. (2003) e Sahlins (1997), onde ambos pesquisaram comunidades tradicionais, indicam a ligação de pertencimento ao território através de sua relação de parentesco e construção de território, que juntos constituem uma identidade. Costa (1997) também destaca a questão do gauchismo e nordestinidade, que são questões de identidade cultural, pois mesmo com desigualdades e com a distância geográfica, se identificam com os valores culturais da região presente em sua memória. Portanto a identidade não é algo dado, mas é sempre processado, que se dá por meio da comunicação com outros atores (diálogo e confronto). “Toda identidade só se torna ativamente presente na consciência e na cultura de sujeitos e de um povo quando eles se veem ameaçados a perdê-la” (BRANDÃO APUD HAESBAERT COSTA, 1988, P. 78). A territorialidade é expressão deste processo no cotidiano dos atores sociais. As comunidades quilombolas são um tipo de comunidade tradicional do Brasil. Elas são fruto da luta antiescravista no século XIX. A Constituição Federal de 1988 no Título X, no artigo 68 garante as comunidades quilombolas o direito ao reconhecimento das terras por eles ocupadas (BRASIL, 1988). O Decreto nº 4.487 de 20 de Novembro de 2003 regulamenta esse procedimento, ou seja, regulamenta a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas (BRASIL, 2003). Esse decreto foi contestado por meio de uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 3239/2004, movida pelo Partido Democrático, ex - Partido da Frente Liberal (SEPPIR, 2013). 5 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) Segundo Trecanni (2006), no Pará, o direito a terra foi fruto do trabalho do movimento negro urbano, que teve como primeira vitória a inserção do artigo 322 na Constituição Estadual (PARÁ, 2011), que diz o seguinte: Aos remanescentes das comunidades de quilombo que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos no prazo de um ano, após a promulgada esta Constituição. O órgão federal competente para essa regulamentação é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o qual iniciou o processo de regularização das terras quilombolas em 1995. Essa competência é somente quando as comunidades estão em terras da União, caso contrário o órgão responsável será sempre o órgão estadual, como ITERPA (Instituto de Terras do Pará), ITERMA (Instituto de Terras do Maranhão), entre outros (INCRA, 2012). O primeiro passo para a titulação de um território quilombola é a certificação, ou seja, o reconhecimento como comunidade quilombola. Essa certificação é emitida pela Fundação Cultural Palmares (FCP). É ela que emite a certificação, atestando que, de fato, trata-se de uma comunidade quilombola. Para dar início a esse processo, as comunidades devem enviar a FCP uma declaração se autoidentificando como quilombola. Até 2003, a FCP também concedia titulações de terras quilombolas, visto que o Decreto nº 3.912 de 10 de Setembro de 2001 lhe atribuía essa competência (BRASIL, 2001). Porém essa competência perdurou por apenas 2 anos (INCRA, 2012). Para que uma comunidade dê início ao processo no órgão competente, ela precisa encaminhar ao órgão uma solicitação de abertura de procedimentos administrativos. Posteriormente, após ter sido certificada pela FCP, o órgão elabora um estudo da área, que irá permitir a confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território. Após a recepção, análises e julgamentos de eventuais contestações, é publicada uma portaria declarando os limites do território. Posteriormente ocorre a regularização fundiária, com desapropriações, se for o caso, e pagamentos de indenização a moradores não quilombolas e a demarcação do território. Por fim, ocorre a concessão coletiva do título. A nível estadual, o ITERPA (Instituto de Terras do Pará), em parceria com o INCRA, também concede titulação de terras a quilombolas que se localizam em terras públicas do estado (INCRA, 2012). Segundo Aldé (2007), esse direito concedido aos quilombolas tem gerado conflitos em especial com os grandes proprietários de terra, os quais buscam resolver o problema a força. Ocorrem ameaças de morte, as plantações são destruídas, animais são roubados, tiros são 6 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) disparados para o alto. Há também a cooptação de moradores, que falam sobre uma suposta intimidação que os obriga a assumir a identidade quilombola. Há ações na justiça contra o INCRA e conflitos até mesmo com outros órgãos do governo, como por exemplo, o IBAMA e ICMBIO, que é responsável pela proteção ambiental. Ocorrem também conflitos internos, visto que a titulação da terra é coletiva e assim é proibido parcelar ou vender o território; logo alguns quilombolas recebem ofertas de compra por parte dos fazendeiros, e assim passam a lutar contra o reconhecimento. Outro entrave para que não ocorra a titulação de terras quilombolas é a falta de informação, visto que há carência de informações sistematizadas sobre número, distribuição e quantidade de terras quilombolas, devido a fragilidades das pesquisas (TRECANNI, 2006). Por trás disso, há um fundo macroeconômico, visto que um estudo estimou que 20% das terras reivindicadas por quilombolas e indígenas são agricultáveis (ALDÉ, 2007). Além dos problemas causados pelos conflitos, tanto as comunidades quilombolas, quanto as demais comunidades tardicionais do Brasil têm sido excluídas do processo democrático e das políticas públicas (DPU, 2010). METODOLOGIA A identificação do número de comunidades quilombolas no Estado do Pará foi realizada através de busca em sites do governo federal, como o do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Fundação Cultural Palmares (FCP) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ITERPA (Instituto de Terras do Pará). Como exemplos analisamos os dados do Projeto de Desenvolvimento Solidário e Sustentável da Comunidade do MOLA/Cametá (PA): Identidade – Direitos – Qualidade de Vida (UNICEF BRZJ/003/11) e do Projeto Corpo Presente:Representações de Saúde entre Quilombolas e Políticas Públicas (CNPq Proc 409794/2006-6). Os dados foram obtidos através de pesquisa de campo, por meio de questionários contendo perguntas sobre saúde, educação, condições de moradia, entre outras (SILVA, 2009; SILVA, H.P; ARROYO, J. C., 2012). As comunidades quilombolas não tituladas escolhidas foram: Mola, Itapocu, Bonfim, Laguinho, Tomásia, Frade e Itabatinga. Elas são conhecidas coletivamente como “Mola”, e estão localizadas no município de Cametá, na região do Baixo Tocantins (SILVA, H.P; ARROYO, J. C., 2012). 7 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) As comunidades tituladas escolhidas para análise foram de África e Laranjituba, localizadas no município de Moju e possuem duas titulações pelo ITERPA, uma do ano de 2001 e outra mais recente de 2008 (SILVA, 2009). RESULTADOS Segundo o MDS (2013), há no Pará 518 Comunidades Quilombolas identificadas, distribuídas em 52 municípios do Estado. Segundo a Fundação Cultural Palmares (2013), desse total de comunidades, 133 são certificadas. E segundo o INCRA (2013a), há 56 territórios titulados, sendo algumas titulações pela FCP e ITERPA, o que corresponde a 118 comunidades. Até o momento existem 28 processos de titulação abertos referentes às comunidades do Estado do Pará (INCRA, 2013b). A tabela I mostra os valores comparativos de comunidades quilombolas no Pará e no Brasil. Tabela I – Número de comunidades quilombolas no Brasil e no Estado do Pará Situação/Local Brasil Pará Identificadas 3.524 518 Certificadas 2.187 133 Tituladas 207* 118 Fonte: Segundo o MDS (2013), FCP (2013) e INCRA (2013). *O valor corresponde a 139 títulos. Nas Comunidades do Mola, com relação a ocupação, aproximadamente 90% da ocupação dos chefes de família é relacionado a trabalhos na agricultura, lavoura e/ou roça (Figura 1). Figura 1: Produção de farinha na Comunidade do Mola – Cametá – PA Fonte: LEBIOS (Ariana Silva) 8 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) Com relação a serviços educacionais nas comunidades do Mola existem apenas duas escolas (uma de 1ª a 4ª série e outra da 1ª a 7ª série), que funcionam apenas em um turno e são multi-seriadas. Sendo que uma dessas escolas encontra-se em precárias condições e possui apenas uma sala de aula. Em função disso muitos quilombolas acabam migrando para os centros urbanos para que possam concluir seus estudos, ou desistem de o fazer. Com relação aos serviços da Política de Assistência Social, o que tem maior alcance nas comunidades é o benefício do Programa Bolsa Família, que complementa a renda de 88,6% das famílias. Além disso, 7,5% recebem aposentadoria e seguro-defeso. Foi constatado que 4,2% das famílias não recebem nenhum auxílio do governo em função da falta de documentação civil. Com relação às condições de moradia e infraestrutura, 96% das famílias habitam em casas de madeira e cobertas com telhas de barro. A energia, que chegou recentemente atende a 64% das moradias. A telefonia é rara, e é somente via celular, sendo que apenas 31,8% dos residentes possui aparelho de telefone celular. Não há banheiros dentro de casa em 82% dos domicílios. Eles encontram-se fora da residência a uma distância que varia de 2 – 50m, são geralmente feitos de madeira ou palha e não tem cobertura. Nas cozinhas, não há esgoto, mas 35% dos banheiros tem encanamento. Alguns residentes não possuem banheiro, então tomam banho no rio ou usam o banheiro de parentes. Cerca de 98% dos sanitários são na forma de fossas escavadas, alguns estão localizados próximos a poços de água para uso doméstico, sendo isso considerado uma situação de risco epidemiológico (BRASIL, 2013). A água utilizada para uso doméstico e para beber é proveniente de poços, caixas d’água e até mesmo dos igarapés. Apenas 6,8% dos informantes fervem ou colocam hipoclorito de sódio na água utilizada para consumo. Não há coleta de lixo e por isso cerca de 88,6% das casas queimam seus resíduos sólidos. As demais enterram, jogam no quintal ou nas matas. Essas condições reduzem a qualidade de vida dessas comunidades e potencialmente aumentam a morbidade por doenças infecciosas. A situação da saúde bucal é agravante, visto que 90% da população tem cárie. Não há serviço odontológico na comunidade. Essa situação, com relação ao alto índice de cáries, deve-se provavelmente ao desconhecimento, a falta de higiene bucal e ao compartilhamento de escovas de dente. A situação da saúde bucal é grave, visto que 90% da população tem cáries e não há serviço odontológico nas comunidades. Cerca de 50% dos residentes tiveram malária nos últimos 5 anos. Há um notável déficit em relação a altura por idade em crianças até 5 anos. A 9 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) epigastralgia1 e a lombalgia2 são relatadas por 40% dos informantes. O álcool é consumido frequentemente por 46% dos entrevistados. Há presença de manchas escuras nos dentes provocadas pelo “fumo de porronca” em 40% dos adultos. 50% das mulheres relataram ter assistência a pré-natal, porém 10% relataram já ter perdido ou abortado um ou mais filhos. 30% dos adultos apresentam pré-hipertensão arterial3 (BORGES, 2010). Foi relatado pelos moradores que não há posto de saúde na comunidade, os serviços dos agentes comunitários de saúde são esporádicos, sendo assim os moradores utilizam remédios caseiros e vão ao posto médico que fica localizado em Juaba, que é um distrito de Cametá, distante das comunidades quilombolas cerca de 2 horas de barco. Nas comunidades África e Laranjituba a produção se baseia na subsistência e na venda de farinha de mandioca, arroz, milho e feijão; além da coleta de frutas. Há um baixo nível de escolaridade, principalmente entre homens e idosos. Não há escolas de ensino médio. Há somente escolas de ensino fundamental (1ª a 4ª e de 5ª a 8ª), que funcionam em sistema modular e/ou seriado. Com relação aos serviços da Política de Assistência Social, mas de 70% das famílias recebem auxílio financeiro do governo, o “Bolsa-família”. Alguns jovens recebem também a “Bolsa-trabalho”. Para alguns essa é a única fonte certe e fixa. Há eletricidade, porém não há nenhum tipo de tratamento de água, esgoto e nem coleta de lixo. A água utilizada é proveniente dos rios e dos poços. As fossas são escavadas. Não há posto de saúde. As doenças mais citadas foram: desnutrição (infantil), “verme”, diarréias, gripe, dermatites e dermatoses, catapora, hipertensão arterial, diabetes, dores lombares, cânceres, gastrite, acidente vascular cerebral (derrame), cefaleias e problemas oculares de vários tipos. Outras também foram referidas como tuberculose, malária, AIDS e acidentes. Não há visitas de médicos ou outros profissionais da saúde. Há somente o trabalho voluntário da Pastoral da Criança, que auxilia as mulheres no período de gestação e após o parto. Não há também atividades educativas sobre saúde. O principal local de atendimento a saúde dessas comunidades (Figura 2) são os postos das sedes dos municípios de Moju e Belém. 1 Epigastralgia: “Dor na região do epigástrio (abdome), que corresponde à localização do estômago” (BRASIL, 2005). 2 Lombalgia: “(...) dor na região lombar, ou seja, na região mais baixa da coluna perto da bacia” (BVS, 2009). 3 Pré-hipertensão: “(...) faixa de pressão arterial pouco acima daquela considerada ideal (...)” (NEVES, Mario Fritsch; OIGMAN, Wille; 2009)”. 10 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIAAGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) Figura 2: Quilombolas de África e Laranjituba Fonte: LEBIOS (Roseane Tavares) Discussão e Conclusões Apesar de ser o estado com o maior número de terras quilombolas tituladas, 77% das comunidades quilombolas no Pará não possuem o seu direito à terra garantido. A questão então, não é simplesmente a existência de uma legislação que garanta os direitos, mas sim a sua implementação. Essa implementação só poderá ser apressada por meio da organização política das comunidades quilombolas e através de ações dos movimentos sociais. Outra questão a ser discutida é com relação aos benefícios que essas comunidades passariam a ter após serem tituladas. Embora os dados apresentados acima, indiquem que não há muita diferença entre as comunidades tituladas e as não tituladas, uma vez que todas carecem de melhor infraestrutura na educação, saúde, saneamento ambiental e acesso a políticas sociais, visto que não possuem escolas de ensino médio e as de ensino fundamental funcionam com infraestrutura precária; não possuem posto de saúde ou acesso fácil a serviços médicos, nem coleta de lixo ou tratamento adequado de água, e tem grande dependência de programas assistenciais, vivendo assim em condição de vulnerabilidade. As comunidades destacadas como exemplo nesta pesquisa, tanto as que possuem titulação quanto as que não possuem, não tem desfrutado dos benefícios que são garantidos de acordo com as leis e políticas que regem os direitos quilombolas. Esta situação é semelhante ao observado em outras comunidades no Pará e em outros Estados, como podemos observar também nas comunidades quilombolas do Amapá, Maranhão e Tocantins, que participam do Projeto Ijé Ófè (UNIPOP, 2010), o qual também tem levantado dados sobre todos os aspectos já citados e comprova que estas comunidades tem vivido na mesma situação, ou seja, em 11 VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA - VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 1a. JORNADA DE GEOGRAFIA DAS ÁGUAS (ISBN 978-85-237-0718-7) condições vulneráveis, carentes de diversos serviços e políticas essenciais a sua qualidade de vida. Apesar de não haver diferenças significativas entre as comunidades investigadas, a titulação e a organização social, sem dúvida fazem parte do caminho para a uma maior inclusão social dos quilombolas. Por isso, é necessário tomar medidas para acelerar os processos de titulação que estão em aberto; criar recursos para que as comunidades que ainda não iniciaram o processo ou até mesmo desconhecem esse direito, possam dar início ao processo de titulação; criar políticas que venham, de fato, a garantir os direitos dessas populações; e também fiscalizar a execução dessas políticas. A titulação é mais uma garantia social para as comunidades, mas, além disso, fortalece a sua autoidentidade, e também diminui os conflitos com os demais interessados nas terras quilombolas, diminuindo a violência no campo e garantindo a perpetuação dessas comunidades. REFERÊNCIAS ALDÉ, Lorenzo. Brasil rural muda de cor. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 3. Nº 27. Dezembro de 2007. BORGES, William Dias. Prevalência da hipertensão arterial sistêmica e determinantes bioantropológicos em populações quilombolas da Amazônia. 74 p. ilust. Dissertação (Mestrado em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia). Belém: UFPA, 2010. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. BRASIL. Decreto Nº 3.912, de 10 de Setembro de 2001. Regulamenta as disposições relativas ao processo administrativo para identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos e para o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a titulação e o registro imobiliário das terras por eles ocupadas. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 10 de setembro de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3912.htm. BRASIL. Decreto Nº 4.887, de 20 de Novembro de 2003. 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