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Escravismo colonial – Jacob Gorender
 O escravizado e a luta de classes
Gorender propõe uma revisão da interpretação histórica, inclusive da sua periodização, ao defender que a divisão mais aceita, de feudalismo x capitalismo, seja substituída pelo escravismo colonial x capitalismo, pois enquanto o feudalismo pressupõe, de algum modo, uma relação de troca entre senhor e servo, no escravismo colonial, de forma totalmente diversa, houve simplesmente trabalho forçado, sem nenhum tipo de retribuição, de “pagamento”, que possa ser amplamente identificado como prática. Esta proposição, conforme aponta o autor do texto, seria uma fratura na representação predominante que temos de nossa própria história. Por vieses ideológicos, já que nosso latifúndio no fundo jamais foi feudal, a categoria feudalismo serviria para negar nossos conflitos em prol de uma falsa ideia de consenso, enquanto a relação escravizado e escravizador seria já uma forma de oposição de “classes” em que haveria luta? (Se é que se pode falar de “classe” nesse contexto). Neste sentido, em termos metodológicos, não devemos partir, para interpretação histórica, simplesmente do modo de produção como categoria, como se faz frequentemente, pois isto seria reducionista, mas da formação social mais ampla, que inclui sim as relações de produção, mas engloba aspectos políticos, ideológicos etc.? Talvez estas minhas perguntas sejam “leigas”, neste caso. Não tenho certeza de ter chegado ao cerne da questão. Seja como for, de maneira consciente ou não, aceitar a ideia de feudalismo, recusando a proposta de Gorender, seria uma forma de apagamento do protagonismo negro de nossa história e de alguma forma legitimar o horror que foi a escravidão e as sequelas que ela trouxe até os nossos dias? (FLÁVIO)
 Gorender e o movimento interno-externo
Gorender propõe uma análise que parte da materialidade das relações internas para entender nossa formação social, no lugar de “importar” conceitos externos, mesmo que marxistas, e tentar encaixa-los na realidade. Esse é um movimento essencial uma vez que a relação entre o elemento externo– interno levou muitos teóricos a tentarem identificar na formação social conceitos marxistas que simplesmente não cabiam aos fatos. Porém, o Brasil como o estudamos, ou seja, o Brasil após 1500, é um processo histórico que foi impulsionado, desde a chegada dos portugueses, pela necessidade de expansão comercial. Da mesma maneira, quando pensamos a revolução industrial do séc. XIX na Europa, ela foi materialmente sustentada pela exploração do trabalho escravo nas colônias. Sendo assim, mesmo sem a força de trabalho assalariada e extração de mais-valia, o escravismo colonial determinou o capitalismo e vice e versa, de modo que não podemos pensar esses modos de produção de forma desconectada e ainda que o Brasil até este período não tenha sido capitalista ele foi determinado, em certa medida, pela expansão capitalista ao mesmo tempo que deu condições para que ela ocorresse da maneira como ocorreu. É possível pensar uma relação entre estes sistemas, a nível internacional, que combine as especificidades locais e considerando um movimento global? (DÉBORA)
 Gorender e a teoria do desenvolvimento desigual e combinado
Fiquei reflexiva, principalmente na frase “(...) o dominante determinará o caráter geral da formação social”. Esse trecho me levou a fazer uma associação à teoria da Dependência, isso porque me lembrou o “caráter dual da Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado” que pode ser resumido como a fusão de duas leis intimamente relacionadas, são elas (1) distintas proporções no crescimento da vida social e (2) correlação concreta desses fatores desigualmente desenvolvidos no processo histórico. Tendo consciência do nosso referencial teórico na linha de pesquisa “crítica marxista dos direitos sociais”, gostaria de entender como me diferenciar da Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinando preservando a metodologia adotada por Gorender acerca dos processos históricos (ODARA)
GORENDER E A PRIMAZIA DAS FORÇAS PRODUTIVAS
Em algumas passagens do texto, o autor parece expor uma compreensão da história como continuidade evolutiva da sociedade humana, tida um sujeito único, embora cindido em classes. Assim, na p. 22 – “O modo de produção da existência material constitui o fundamento ontológico da sociedade humana.” –, na p. 23 – “Quando falamos em sociedade humana no singular, pensamos no sujeito único e contínuo da história…” – e nas p. 24-25 – “Na acumulação das forças produtivas… está o substrato da continuidade da história e do desenvolvimento do seu sujeito único. Refiro-me à acumulação como a resultante geral do processo universal até hoje…” –, em que pesem as advertências de p. 27-28 contrárias à compreensão a-histórica e apriorística da sucessão estanque de modos de produção. Destacando a passagem da p. 31 – “Qualquer que seja a respeito o julgamento de valor, as direções da história humana, em suas variadas formas, consubstanciam o progresso das forças produtivas, em última análise, a elevação da produtividade social do trabalho e o crescente domínio do homem sobre a natureza.” – pode-se concluir que o autor expõe uma compreensão imbuída de uma “ideologia” do progresso, uma certa crença no contínuo desenvolvimento tecnológico levando ao domínio das forças e recursos naturais? 
GORENDER E A PRIMAZIA DAS FORÇAS PRODUTIVAS
Se sim, como isso pode afetar a sua investigação do modo de produção escravista colonial? Admitindo-se ser possível reconhecer em modos de produção pré-capitalistas conhecimentos que testemunham uma relação mais compreensiva entre natureza e humanidade (p. ex., o conhecimento sobre plantas e animais e seus efeitos no tratamento de moléstias, que são suplantados pelo mercantilização dos fármacos num processo de apropriação pelo capital que expressa não um progressivo domínio sobre a natureza, mas um domínio da humanidade pelo modo de produção capitalista), a posição do autor não poderia ser caracterizada de alguma forma como determinista, ou que se fia principalmente no progresso técnico-industrial como principal fator que leva à contradição das relações de produção com as forças produtivas? Este seria o único movimento que leva à contradição no interior do modo de produção, a partir da evolução das forças produtivas, qual seja o progresso técnico? Se assim for, como se dá a contradição entre forças produtivas e relações de produção no modo de produção escravista colonial? (PEDRO PAULO SODRÉ)
 Questões que remontam a Althusser no debate de método em Gorender
O capítulo introdutório de Escravismo Colonial de Jacob Gorender versa principalmente sobre o debate historiográfico no Brasil e entre duas tradições, a de matrix weberiana e marxista, com especial destaque para Althusser. As duas principais obras de Althusser trabalhadas são “Para Ler O Capital” e “Por Marx” e Gorender busca realizar um debate sobre a proposta de exposição do método materialista dialético na obra marxiana a partir dessas obras. Ao não articular obras mais recentes de Althusser nessa elaboração, a crítica à “má consciência” de Althusser na página 42 não estaria fora de lugar? Em que passo que as formulações elaboradas por Althusser posteriormente, e aprofundadas por Edelman, como exposto na tese do professor Orione, não desenvolveria ainda mais o debate historiográfico iniciado por Gorender? (CAIO)
 Questões que remontam a Althusser no debate de método em Gorender
Jacob Gorender propoe inversão para desobstrução metodológica, apresentando críticas às interpretações que analizam a formação brasileira do período escravocrata “de fora para dentro”, ou seja, partindo de outros aspectos e não do modo de produção escravista, assim cita Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Alberto Passos Guimarães, Nelson Werneck etc.
Partindo do modo de produção escravista, em comparação com a última aula, no que diz respeito a Althusser, tratando de aparelhos ideológicos de estado (AIE) e que “(...) no modo de produçãocapitalista, eles nos convocam diuturnamente a reproduzir na condição de indivíduos sujeitados, ou seja, a condição de sujeitos de direito (...)” (p.120), saindo da visão eurocêntrica que compara capitalismo com feudalismo, mas comparando o capitalismo no Brasil com o escravismo, como poderíamos adaptar a noção de aparelhos ideológicos para o escravismo, ou seja, qual seria a interpelação ideológica do escravo? (BETÂNIA)
 Questões que remontam a Althusser no debate de método em Gorender
Ao tratar do tema da epistemologia nas Ciências Sociais e do estruturalismo presente no pensamento de Louis Althusser, Gorender (1980, p. 36 e seguintes) introduz uma crítica ao pensamento do filósofo francês, que teria concebido uma “história sem historicidade”, “resumida nas variações variações e combinações de uma estrutura autoperpetuante (GORENDER, 1980, p. 36). Segundo Gorender, uma das principais faltas do estruturalismo como um todo é que ele não dá conta de explicar as transições históricas a partir das transformações das forças produtivas (GORENDER, 1980, p. 37). Para aprofundar essa crítica ao estruturalismo, Gorender indica que um equívoco próprio dessa linha de pensamento e da produção de Althusser em particular consiste em isolar parte dos caminhos do método do materialismo histórico dialético e a tornar “apodíctica” (1980, p. 39), isto é: separar o primeiro caminho do método (a ida do concreto real às determinações abstratas) de seu segundo momento (o de partir das abstrações e chegar ao concreto pensado), tomando este segundo caminho como uma necessidade lógica ou autoevidente. Não ficou claro para mim como esse processo de separação ocorreria na obra de Althusser e de que maneira isso implicaria numa concepção de “história sem historicidade”. Também não ficou claro a partir da leitura do texto como essa perspectiva de Althusser está inspirada na epistemologia de Spinoza - que pensa “a substância, o ser total, sob o conceito de estrutura” (GORENDER, 1980, p. 40) e como ambas se relacionam (ou se distanciam, na visão de Gorender) da epistemologia de Marx. (AMANDA)
 Gorender e capital invertido ou capital esterelizado
Uma dúvida que tenho em relação ao Gorender é entender por que, (1) se ele propõe que o escravismo colonial é uma totalidade orâganica própria (GORENDER, p. 164), outro modo de produção com leis próprias e formas sociais diferentes do capitalismo, como se pode falar em “capital invertido” ou “capital esterelizado” (p. 221) na aquisição inicial da força de trabalho escravizada se o capital é uma forma social historicamente localizada no capitalismo? Essa questão me aparece nas “Reflexões Metodológicas” porque (2) ao polemizar com Althusser sobre a questão da transição dos modos de produção ele aponta para as possibilidades da descontinuidade histórica (p. 25) e, já que o capitalismo não era uma consequência lógica do escravismo colonial, tendo em vista que as elites escravistas estavam disputando com a burguesia sobre qual seria o modelo econômico predominante no Brasil, como pode-se falar em capital (mesmo que esterelizado) por parte das elites escravocratas? (3) Elas não teriam outra forma de acumulação de excedentes que não na forma capital? Se não, elas teriam vantagens na transição do modo de produção. Ou é possível entender vantagens econômicas na forma capital quando o valor das mercadorias produzidas no Brasil a partir do trabalho escravo é realizado na venda delas na Europa? (MARIANNA HAUG)
 Gorender e as teorias decoloniais
O Autor coloca que “A desobstrução metodológica impõe a inversão radical do enfoque: as relações de produção da economia colonial precisam ser estudas de dentro para fora, ao contrário do que tem sido feito, isto é, de fora para dentro (tanto a partir da família patriarcal ou do regime jurídico da terra, quanto a partir do mercado ou do sistema colonial). A inversão do enfoque é que permitirá correlacionar as relações de produção às forças produtivas em presença e elaborar a categoria de modo de produção escravista colonial na sua determinação plenamente específica” (p. 21, meu grifo) Gostaria de fazer um paralelo com a atual voga de(s)colonial, a qual apregoa a reivindicação de que só se pode fazer crítica latino-americana à sua maneira. Isso porque a desconsideração sistemática da história da teoria social latino-americana, fazendo uma ligação direta e paradoxal entre tradições teóricas anglo-saxã e francesas, de um lado, e saberes locais não mediados teoricamente, de outro, conduz justamente a pensamentos e as práticas colonialistas e racistas. 
 Gorender e as teorias decoloniais
Diante disso, podemos afirmar que o Autor está neste texto (considerando a primeira edição em 1978) flertando e propondo uma leitura decolonial da teoria geral do escravismo colonial no Brasil? Ou seja, trabalhando a reflexão a fim de romper com os pensamentos e as práticas colonialistas e racistas? Por outro lado, Jacob Gorender deixa claro que: “Com a teoria geral do modo de produção capitalista, Marx não elaborou um modelo – operacional e conveniente -, porém, sistematizou categoriais e leis que, sob formas particulares, se manifestam em todos os países onde o modo de produção capitalista se desenvolveu. Cumprindo notar que o particular não é um exemplo do geral, conforme a desastrosa confusão estabelecida pelo mecanicismo stalinista, porém a existência do geral mais rica de determinações do que o próprio geral”. (p. 45). Desse modo, como encontrar o caminho “correto” de seguir as reflexões de forma material, ou seja, de dentro para fora, mas utilizando as bases “universais” aplicáveis (como a teoria marxista, por óbvio), sem cair em contradições? A verdade é que se tomarmos em comparação com as pretensões iniciais expostas em seu momento fundador, o pensamento de(s)colonial encontra-se hoje como um barco à deriva, sem saber muito bem da onde veio e sem ter muito noção de para onde vai, como afirma o Professor da UFMG David Gomes. Fato é que a escravidão segue sendo nossa herança sociológica mais intensa e mais duradoura. Como dizia Millôr Fernandes: “o Brasil tem um passado enorme pela frente” (MARIANE BRASIL)

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