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E-Book - Apostila ANÁLISE DO DISCURSO E-Book - Apostila Esse arquivo é uma versão estática. Para melhor experiência, acesse esse conteúdo pela mídia interativa. E-Book - Apostila INTRODUÇÃO À ANÁLISE DE DISCURSO Inicie sua Jornada Neste estudo você terá contato com a Análise de Discurso (doravante AD), seus principais conceitos e noções, seus princípios teóricos e metodológicos, e o modo como, no Brasil, essa teoria ganhou algumas especificidades, diferenciando-se da AD francesa. Nosso objetivo é que você possa, a partir das questões aqui discutidas, ter uma visão geral dessa disciplina que atualmente compõem os estudos dos mais variados campos de investigação e pesquisa. Esperamos, ainda, que as reflexões aqui levantadas possam auxiliá-lo em seu percurso acadêmico e profissional, uma vez que a perspectiva discursiva permite um trabalho singular com a língua e o discurso, o que permite aos sujeitos estabelecer uma relação menos ingênua com as questões da linguagem em geral. A AD é uma disciplina que tem como gesto fundador os estudos realizados na França, no final da década de 1960, pelo filósofo Michel Pêcheux e um variado grupo de professores e pesquisadores que, reunidos em torno desse autor, realizaram diferentes pesquisas, investigações e análises para pensar aquilo que Maldidier (2003, p.15) chamou de “aventura teórica”. 2-140 E-Book - Apostila Embora por questões práticas falaremos neste encontro sempre em uma teoria pecheuxtiana, gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que as noções e procedimentos da AD foram se delineando a partir de uma elaboração teórica coletiva. De acordo com Maldidier (2003, p.16), Michel Pêcheux “amava o trabalho comum. Ele escreveu bastante com amigos, com colaboradores.” Nesse sentido é importante destacar que a teoria do discurso nasce pela força do trabalho da figura de Michel Pêcheux, mas não se reduz ao seu pensamento, sendo, assim, a expressão de uma discussão teórica que, na França de 1960, estava fortemente marcada por variados interesses de pesquisadores que dialogavam com esse autor. Desse trabalho conjunto em uma aventura do discurso, surgem reflexões sobre a relação dos sujeitos com a língua e também com outros campos de saberes que nos auxiliarão a refletir sobre suas noções fundamentais, a partir de 5 aulas: na aula 1, estudaremos sua origem na França e no Brasil; na 2 a língua e o discurso; na 3 sobre as condições de produção (doravante CP), formações imaginárias e sujeito discursiva; na 4 sobre formação ideológica (doravante FI) e formação discursiva (FD) e, para finalizar, na aula 5, apresentaremos os conceitos de interdiscurso, intradiscurso e memória discursiva. Desejamos a você, um ótimo estudo e muitas reflexões produtivas. Desenvolva seu Potencial A AD E SEUS FUNDADORES: CONTEXTO HISTÓRICO 3-140 E-Book - Apostila Michel Pêcheux, líder do grupo de fundadores da AD, inicia a escrita de suas reflexões com dois textos assinados com um pseudônimo: Thomas Herbert. O primeiro deles, “Réflexions sur la situation théorique des sciences sociales, spécialement de la psychologie sociale” [Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais, especialmente da psicologia social], foi publicado em 1966 em “Cahiers pour Analyse"[Cadernos para análise], revista do círculo de epistemologia École Normale Supérieure em Paris [Escola Normal Superior de Paris]. O segundo texto, publicado na mesma revista, em uma edição de 1968, intitulava-se “Remarques pour une théorie générale des idéologies” [Anotações para uma teoria geral das ideologias].Em 1969, é publicado o primeiro livro do autor, intitulado “L'Analyse automatique du discours” [Análise automática do discurso], doravante AAD69, e, aparentemente, segundo Henry (2010) não havia nada em seu livro que remetia às questões que o autor trazia nos dois primeiros artigos publicados. Vemos, portanto, que os primeiros textos de Michel Pêcheux possuem um teor crítico, que colocava questões para a psicologia e às ciências sociais, ao mesmo tempo em que, em seu livro, ocupou-se do desenvolvimento de um método específico de análise: o método automático. Mas o que seria, então, a AAD69? Segundo Henry (2010, p.17) Pêcheux embora fosse um filósofo de formação era alguém apaixonado pelas máquinas, pelas ferramentas, pelos instrumentos e pelas técnicas. “E ele não é um filósofo qualquer, mas sim um filósofo convencido de que a prática tradicional da filosofia, em particular no que tange às ciências, está desprovida de sentido ou é, no mínimo, um fracasso.” (HENRY, 2010, p.17). 4-140 E-Book - Apostila Nesse contexto, com sua análise automática do discurso o autor buscou construir um instrumento que permitia pensar sobre a utilização empírica dos instrumentos, porque alguns tipos de utilização eram dominantes e não outros. Ou seja, com sua análise automática do discurso ele não apenas produziu reflexões importantes para sua posterior teoria do discurso, como também fez uma forte crítica ao modo como as ciências sociais de sua época se servia dos instrumentos e, consequentemente, uma forte crítica às ciências sociais em si mesmas. Era, não apenas o estabelecimento de uma teoria, de um instrumento, mas um modo de pensar a ciência na sua relação com o político (Henry, 2010).Da obra AAD69 achamos importante destacar aspectos que serão importantes para um definição de discurso, adotada pelos analistas em geral, como por exemplo: Discurso, Condições de Produção, Sujeito, Formações Imaginárias, estão fortemente presentes nesse primeiro livro do autor e serão abordadas mais detalhadamente no decorrer desta unidade. O que é importante destacarmos nesse tópico é o fato de que as reflexões de Pêcheux sobre o discurso nascem dessa preocupação do autor com uma crítica aos procedimentos teóricos e analíticos das áreas de atuação às quais ele pertencia e, simultaneamente, de sua tentativa de formalização de uma teoria do discurso através de procedimentos automáticos.Vale destacar que naquele período a análise de conteúdo era predominante nas ciências sociais e que Pêcheux demonstrava uma profunda preocupação com os rumos que as análises de textos vinham tomando. Desse modo, a AAD69 visava “obter resultados empíricos, de maneira a propor uma alternativa teórica e metodológica à análise de conteúdo” (GADET; LEON; MALDIDIER; PLON, 2010, p. 55). Esse questionamento é, portanto, um modo de colocar questões ao campo da linguística e ao modo como ela se constituiu como uma ciência e como um estudo centrado no funcionamento da língua deixa questões não respondidas ao estudo dos textos, que não podia até então se constituir como um objeto científico, uma vez que o objeto da linguística é exclusivamente a língua.A inclinação pela qual a linguística constituiu sua cientificidade deixou descoberto questões sobre o texto, a partir de uma análise meramente conteudista, a partir de questões como: a) “O que quer dizer este texto?”; b) “Que significação contém este texto?” e c)"Em que o sentido deste texto difere daquele de tal outro texto?"(PÉCHEUX, 2010, p. 61). Nesse contexto, será de fundamental importância a mudança de perspectiva que o autor propõe deslocando aquilo que seria uma análise do texto por ele mesmo, sobretudo uma análise do texto como um produto acabado, e uma análise que viria a pensar o texto em seu processo de produção discursivo, chamando a atenção, então, para as “circunstâncias” dos discursos, que o autor chamará de Condições de Produção e que na teoria linguística da época era representada pelas noções de contexto ou situação (PÊCHEUX, 2010, p. 73). Foi nesse panorama que o texto passa a ser interpretado a partir da seguinte pergunta: “Como esse texto significa?”.Foi nesse panorama francês que ocorreu o gesto fundador da AD e é importante ressaltar ainda que essa disciplina assim constituída se institucionalizouna França de forma mais ou menos marginal, designando- se como uma disciplina de entremeio (relação que a AD estabelece com outras disciplinas, pois é a partir dessa relação que ela se constitui), ou seja, a AD fazia sua crítica às disciplinas já institucionalizadas (como já dito anteriormente), a partir de três campos de estudos: a linguística, o marxismo e a psicanálise. Trata-se de uma disciplina de entremeio porque 5-140 E-Book - Apostila “[...] não acumula conhecimento meramente, pois discute seus pressupostos continuamente. [...]. [....]. Levando a sua crítica até o limite de mostrar que o recorte de constituição dessas disciplinas que constituem essa separação necessária e se constituem nela é o recorte que nega a existência desse outro objeto, o discurso, e que coloca como base a noção de materialidade, seja linguística seja histórica, fazendo aparecer uma outra noção de ideologia, possível de explicitação a partir da noção mesma de discurso e que não separa linguagem e sociedade na história. (ORLANDI, 2007, p. 23-25). q J Nesse sentido, surgem no interior da teoria discursiva uma forma singular de pensar a relação entre a língua, o sujeito, a história, produzindo um deslocamento que, segundo Orlandi (2007, p.23) "resulta sobretudo do trabalho produzido sobre a noção de ideologia”. Michel Pêcheux irá explorar melhor todas as suas reflexões sobre língua, discurso e ideologia em um segundo livro, esse mais conhecido e mais estudado no Brasil, intitulado “Les Vérités de la Palice”, traduzido para o português sob o título “Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio”. No decorrer das reflexões aqui realizadas você terá oportunidade de acompanhar um pouco mais sobre o modo como a AD trabalha com todas essas noções. Agora que você já teve uma noção bem inicial das primeiras reflexões e trabalhos sobre a AD na França, vejamos de que modo a teoria é abordada no campo brasileiro. Segundo destaca Orlandi (2009) em nota na introdução à edição brasileira da obra Semântica e Discurso a Análise de Discurso no Brasil hoje se desenvolve sob diferentes perspectivas e autores que se diferenciam entre si. Se, nos anos de 1960, ano de surgimento de uma teoria discursiva na França, as referências teóricas que influenciaram a disciplina “giravam em torno do estruturalismo filosófico, da questão da ideologia e da leitura dos discursos” políticos (ORLANDI, 2012, p.14), tendo sobretudo como conjuntura política a crise das esquerdas, no Brasil a entrada da AD se dá sob outras bases. 6-140 E-Book - Apostila No Brasil a entrada da perspectiva discursiva pecheuxtiana se dará no contexto dos anos 70, cujo o cenário principal é a ditadura militar e é nesse contexto que a pesquisadora Eni Orlandi, em volta com as questões políticas e acadêmicos de um período ditatorial, entra em contato com a obra de Michel Pêcheux e, a partir da relação que estabelece com ela, abre um campo de estudos para pensar o discurso na academia brasileira, a partir de aulas e publicações nas quais apresenta noções e conceitos dessa disciplina. Segundo a pesquisadora, naquele período os linguistas brasileiros “não aceitam que uma forma de conhecimento materialista sobre a linguagem, que ignora o positivismo, se forme contraditoriamente no seu interior” (ORLANDI, 2012, p. 22). Vemos assim que a entrada da AD pecheuxtiana no Brasil, nos anos 70, não ocorreu sem resistências, anos 70, pois a pesquisadora e professora Eni Orlandi insiste, mesmo no contexto de uma ditadura que não dava trégua e por isso era preciso ensinar AD, pois nas suas palavras. Nas palavras da autora “Era preciso acenar que o sentido podia/pode ser outro” e que “[...] sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo” (ORLANDI, 2012, p. 17). Certamente , ao longo dos anos essa teoria se disseminou, produziu deslocamentos e a própria denominação Análise de Discurso so0freu seus deslocamentos e, no Brasil, se desenvolve na relação com outros autores que não Michel Pêcheux, como o filósofo Michel Foucault, Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau e outros que se alinham a uma perspectiva de discurso mais próxima do pensador Mikhail Bakhtin. Hoje, podemos afirmar que a AD no Brasil considera a Linguística nas suas análises, mas também a História, a Filosofia, a Sociologia e a Psicanálise e diferentes arquivos de análises que perpassam do verbal ao não verbal, do discurso político, ao dos sem-terra, grevistas, religiosos, jurídicos científico e cotidiano. O) SAIBA MAIS Para saber mais sobre os textos iniciais de Michel Pêcheux sugerimos que você leia o texto “Os fundamentos teóricos da “análise automática do discurso” de Michel Pêcheux, escrito por seu colega de pesquisa Paul Henry, no livro intitulado “Por uma análise automática do discurso”, organizado por Françoise Gadet e Tony Hak, outros dois membros do grupo que se reunia em torno do autor. Essa obra reúne alguns trechos do livro de Michel Pêcheux e alguns artigos de pesquisadores de seu grupo, que se dedicam a explicar e a demonstrar análises realizadas a partir do instrumento de análise automática elaborado por Pêcheux. Fonte: as autoras. INDICAÇÃO DE FILME 7-140 E-Book - Apostila A. + NÓS QUE AQUI ESTAMOS, “POR VOS ESPERAMOS ** Um filme de Marcelo Mosagão. 8-140 E-Book - Apostila Nós que aqui estamos, por vós esperamos. Ano: 1999 Sinopse: Um filme brasileiro, cujo título foi inspirado em uma placa instalada na frente de um cemitério, produzido pelo gênero documentário que, sob a direção de Marcelo Masagão, resume os principais acontecimentos ocorridos no mundo durante o século XX, abordando de forma ficcional, criativa e também fatos reais - retratos, filmes e outros registros audiovisuais, apresentam a biografia de personagens importantes e também homens e mulheres que, escondidos, nunca fizeram parte da história documentada, mas fi zeram história, para refletirmos não só esse século de grandes acontecimentos - duas grandes guerras, quebra da bolsa em 1929, Freud e o inconsciente, Einstein e sua física, Saussure e sua teoria da língua, Marx e a divisão de classes, a viagem para a lua, etc - mas também nos direciona a uma reflexão entre a linha tênue que separa a vida da morte. Um longa-metragem de encher os olhos e que vale a pena assistir. Comentário: Um filme interessante para fazer uma análise de discurso, aplicando não só os conceitos fundantes, mas também os desdobramentos da teoria, nos últimos anos. A J PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: LÍNGUA E DISCURSO Iniciamos nosso percurso apresentando as principais questões que fundamentam as reflexões iniciais da teoria da AD, bem como, alguns teóricos franceses que contribuíram para a sua ancoragem na sociedade francesa de meados do século XX, sem deixar de mencionar também, os desdobramentos da teoria em solo brasileiro. Entretanto, é preciso avançar pelos conceitos teóricos específicos para que você comece a compreender tanto a metalinguagem, quanto a aplicabilidade da mesma em gestos de análises. Tomando o direcionamento de apresentação e definição dos conceitos que participam da sua fundação e ainda continuam nas pesquisas atuais, não poderia fugir de duas ferramentas básicas para a AD: a língua e o discurso. Por se tratar de termos que fazem parte de diferentes campos de saberes, para desenvolvê-los, retomamos autores que trabalham com a teoria e lidam diariamente com os mesmos, à luz da AD. Pêcheux (2009) reflete e ressignifica a concepção saussuriana de língua, enquanto noção de sistema que se opõe à fala. Saussure, ao desconsiderar a função da língua e considerar seu funcionamento, no desenvolvimento da teoria, deixou uma porta aberta para que ela fosse pensada de forma multifacetada. Assim, a língua é uma base em funcionamento, onde os processos discursivos (produção de efeitos de sentido) são construídos pelo animal humano socialque fala/escreve como se houvesse somente uma língua, mas ao considerá-la no entremeio de outro campos científicos - a história, por exemplo, percebe- se que ela é “[...] [...] o lugar material onde se realizam estes efeitos de sentido” (PÉCHEUX & FUCHS, 1997, p. 172). 9-140 E-Book - Apostila Nesse sentido, a língua, apesar de ser uma só para o materialista, idealista ou revolucionário vai funcionar conforme a posição daquele que vai colocá-la em funcionamento e isso, justifica a nossa afirmativa, pautado em Pêcheux (2009) que tais personagens não possuem o mesmo discurso. Por isso, a língua é fluída, ou seja, ela está sempre em movimento, vai além das suas regras e não se deixa imobilizar (ORLANDI, 2009). A língua não tem limites e muito menos se apresenta como um sistema perfeito e unidade fechada nela mesma e, por conta disso, ela está sempre sujeita a falhas e sempre afetada pela incompletude e pela exterioridade. Para a AD, a língua é opaca. A língua é a condição de possibilidade do discurso. Isto significa que este é diferente da língua, embora se utilize das suas leis internas para se concretizar e, nesse sentido, conforme salienta Orlandi (2001), etimologicamente, remete à ideia de curso, movimento, palavra em movimento nos (e pelos) sujeitos. É justamente desse aspecto que a AD vai se ocupar, enquanto proposta epistemológica que Pêcheux (1969) articula com as Ciências Sociais (História, Sociologia e Filosofia), a Linguística, a teoria do Discurso e a Psicanálise. Portanto, não devemos pensar o discurso enquanto mera transmissão de informações, mas como a produção de um efeito de sentidos entre os locutores, conforme salienta Pêcheux (1997) ou seja, como algo que se produz na relação entre os sujeitos e está para além de uma análise simplista da língua, vindo a ser definido como “[...] um processo social cuja especificidade está no tipo de materialidade dessa base, a materialidade linguística, já que a língua constitui o “lugar material" em que se realizam os efeitos de sentido. Daí que a forma da interpretação - leia-se: da relação dos sujeitos com os sentidos - é historicamente modalizada pela formação social em que se dá, e ideologicamente constituída (ORLANDI, 1996, p. 146-147). q J O que se depreende das afirmativas aqui elencadas é que o discurso é o objeto teórico, conceitual e operacional da AD, mas que para ser efetivado enquanto prática analítica dos pesquisadores, precisa estar atrelada a outros componentes como, por exemplo, a própria língua e está social e à história. E assim por diante, pois não é possível pensá-lo isolado. 10 - 140 E-Book - Apostila EU INDICO Em tempos de eleição para a reitoria de uma universidade, há uma faixa encorajando estudantes e servidores a votarem. Um leitor afetado pelo conteúdo vai pensar: “o que essa faixa (texto) quer dizer?”. Um leitor com noções sobre o discurso, sabendo que a língua é opaca e está afetada pela exterioridade, vai analisar: “como esse discurso significa"? e pelas condições de produção do modo como a campanha está ocorrendo, ele vai refletir sobre a possibilidade de coação e ameaça, no processo eleitoral. Um efeito de “voto de cabresto”. Fonte: Orlandi (2001a). Adaptado pelas autoras. CONCEITOS FUNDAMENTAIS: CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS DISCURSOS, FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS E SUJEITO DISCURSIVO E no mar do discurso é preciso avançar por outros conceitos para que sejamos capazes de compreender essa teoria e seus riscos dada às especificidades do modo pluridimensional em que ela foi pensada por seus fundadores. Por isso, se faz necessário compreendermos os conceitos básicos que compõem o rol da teoria da AD, pois esta, apesar das ressignificações que vão sendo reformuladas para atender às necessidades de análise de cada pesquisador, sempre há um retorno às questões fundantes da mesma e a partir dessa compreensão estabelece seu gesto de leitura e de análise. Vamos avançar e refletir sobre dois conceitos essenciais para iniciar um projeto pautado por esta teoria: as condições de produção do discurso (doravante CP), as formações imaginárias e o sujeito discursivo. Antes, porém, é preciso não esquecer de sempre lembrar que estamos lidando com uma teoria que produz sentidos (veja: produz) e eles não são fixos, mas oscila no (im)possível da língua e na posição daquele enuncia. Por isso, retomamos Pêcheux (1997) para sairmos da empiricismo que o termo CP nos leva a pensar como algo idêntico à situação, pois embora não se possa negar suas aproximações de similaridades conceituais, o autor se apropria do esquema informacional (modelo comunicativo) de Roman Jakobson - emissor, receptor, referente, canal, código e mensagem. Esta é pensada por Pêcheux, não mais como uma simples mensagem, ou seja, uma transmissão de informação de um emissor A, para um receptor B, mas como um discurso, ou seja, um “' efeito de sentidos' entre entre os pontos A e B” (PÊCHEUX, 1997, p. 82). 11-140 E-Book - Apostila Dentro da teoria da AD, o que isso significa? Significa que as CP de um discurso (a produção de um efeito) incluem o contexto social, histórico e ideológico, ou seja, não é possível analisar somente as circunstâncias (a situação propriamente dita) de enunciação entre dois (ou mais) locutores físicos e em um contexto imediato permeado pelo aqui e o agora, mas como lugares que estão representados no processo discurso e denomina-se como formações imaginárias, ou seja, “[...] o lugar que A e B se atribuem cada um a sie ao outro, a imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro” (PÉCHEUX, 1997, p. 82). Ademais, a CP constituem tais discursos, a partir de mecanismos de antecipação que coloca o locutor no lugar do outro, para ouvir suas próprias palavras, pois " Esse mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo, ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte. Este espectro varia amplamente desde a previsão de um interlocutor que é seu cúmplice até aquele que, no outro extremo, ele prevê como adversário absoluto (ORLANDI, 2001 a, p 39). Nu J Resumidamente: As condições de produção implicam o que é material (a língua sujeita a equívoco e a historicidade), o que é institucional (a formação social, em sua ordem) e o mecanismo imaginário. Esse mecanismo produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro de uma conjuntura sócio-histórica. Temos assim a imagem da posição sujeito locutor (quem sou eu para lhe falar assim?), mas também da posição do sujeito interlocutor (quem é ele para me falar assim, ou para que eu lhe fale assim?), e também a do objeto do discurso (do que estou lhe falando, do que ele me fala?) (ORLANDI, 2001 a. p. 40). q J 12 - 140 E-Book - Apostila De acordo com a autora, todo esse mecanismo também vem permeado por relações de força constitutiva da própria estruturação da sociedade que demarcam nossos lugares no discurso, pois o discurso do lugar do professor e do aluno, do juiz e do réu produz efeitos de sentidos, hierarquicamente, com valores diferentes, ou seja, não necessariamente, mas, na maioria da vezes, os discursos do professor e do juiz valem mais do que o do aluno e do réu. Tais conceituações fazem parte das formações imaginárias e, reforçando, ela se caracteriza como algo que não trata de pessoas físicas em situações empíricas, mas que funcionam no discurso como se fosse projeções o qual subsidia os analistas do discurso a deslocar do lugar ocupados por pessoas físicas para a posição, ou seja, posição ocupadas por sujeitos discursivos. Falar sobre o sujeito do discurso também requer um deslocamento da concepção de indivíduo de carne e osso e dono do seu dizer. pois conforme os preceitos de Pêcheux (2009), para a AD, o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia que com sua força material e sua capacidade de produzirevidências se torna a condição para constituir o indivíduo em sujeito. Portanto, é nesta relação que entre sujeito e ideologia que os sentidos vão sendo produzidos, metaforicamente, como um aceite involuntário de um recrutamento obrigatório. Sobre esta questão o autor nos diz que a ideologia “[...] 'recruta' sujeitos entre os indivíduos e que ela os recruta a todos” (PÉCHEUX, 2009, p. 144), como se fossem voluntários forçados, ou seja, como indivíduos que “[...] recebem como evidente o sentido do que ouvem e dizem, lêem ou escrevem [...] (PÉCHEUX, 2009, p. 144). N É nesse jogo discursivo que a ideologia atua e “[...] fornece as evidências pelas quais “todo mundo sabe' o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc. evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado 'queiram dizer o que realmente dizem" e que mascaram, assim, sob a “transparência da linguagem [...] (PÉCHEUX, 2009.p. 146). PENSANDO JUNTOS 13 -140 E-Book - Apostila Pêcheux nos provoca ao desenvolver a teoria do sujeito do discurso, como um indivíduo interpelado. Você concorda que essa interpelação é sempre passiva? Será que em algum momento esse sujeito resiste? Pense sobre isso, a partir da situação política e econômica do Brasil e os movimentos atuais da classe trabalhadora, contra a reforma da previdência. Fonte: as autoras. CONCEITOS FUNDAMENTAIS: FORMAÇÃO IDEOLÓGICA E FORMAÇÃO DISCURSIVA Na aula anterior, foram apresentadas as reflexões sobre as CP, formações imaginárias e o sujeito discursivo enquanto componentes básicos pertencentes ao arcabouço dos conceitos fundamentais e tradicionais da AD. Cabe salientar que, embora os mesmos estejam sendo apresentados em tópicos segmentados e os analistas tendem a desenvolver suas análises, a partir de gestos que priorizam alguns desses componentes, embora todos são considerados no momento do desenvolvimento analítico, porque estão imbricados um no outro. Nessa articulação, acrescentamos, nesse momento, a Formação Ideológica (FI) e a Formação Discursiva (FD) para compor o quadro teórico da disciplina. Para iniciar, retomamos o assujeitamento do indivíduo para lembrar que é pela ideologia que ele é colocado na posição de um “sempre-já-sujeito” (PÉCHEUX, 2009, p. 140), pois essa posição ocorre por meio da interpelação da ideologia que, em outras palavras a “[...] consiste em fazer com que cada indivíduo (sem que ele tome consciência disso, mas, ao contrário, tenha a impressão de que é senhor de sua própria vontade) seja levado a ocupar seu lugar em um dos grupos ou classes de uma determinada formação social (BRANDÃO, 2004, p. 47). q J 14 - 140 E-Book - Apostila No entanto, para ocupar tais lugares determinados, sem ter consciência de que é constantemente interpelado a fazer isso naturalmente, é preciso que haja a reprodução dessa naturalização, garantida pelas instituições públicas, privadas, do terceiro setor (filantrópicas/ONGS) e quarto setor (organizações sem fins lucrativos e que tem por objetivo gerar impacto positivo). Momento que é preciso pensar por meio de Althusser (2008) para dizer que tais instituições são subdivididas em: Aparelhos Ideológicos de Estado (AIEs) Escola, igreja, associação de bairro, partido político, sindicatos, disseminadores de informações, etc). Aparelho Repressor do Estado (ARE) Forças armadas, polícias e prisões. A junção dos AIEs e do ARE garantem a reprodução das relações de produção, respectivamente, pela ideologia e pela repressão (não são estanques. Há ideologia no ARE e repressão sutil nos AlEs). Pêcheux (2009), a partir da releitura dessas concepções althusserianas, estabelece o todo complexo das formações ideológicas, a partir da seguinte tese sobre o sentido: “[...] o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc., não existe “em si mesmo” (isto é, em sua sua relação transparente com a literalidade do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas, isto é, reproduzidas (PÉCHEUX, 2009, p. 146). 15 - 140 E-Book - Apostila E o autor, nas suas elucubrações, reafirma a sua teoria, resumindo a mesma tese, repetindo que "[...] as palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam” (PÉCHEUX, 2009, p. 146). Ou seja, tais posições, que são ocupadas pelos sujeitos que, ao serem conduzidos sem se darem conta, produzem sentido em referência às Fls. A base de compreensão da FI está em Pêcheux & Fuchs (1997), especificamente, quando afirmam que as relações de classes se caracterizam pelo afrontamento de posições no interior dos AIEs, que colocam em jogo, as práticas associadas aos lugares ocupados nas referidas posições que não caracterizam o jeito de ser de cada indivíduo. É a ideologia se materializando na explicação que chega à tese de que os indivíduos, interpelados em sujeitos, se organizam em formações que mantêm entre si tipos de relações de antagonismo, aliança ou dominação. É a partir desse momento, que os autores definem a FI como “[...] um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem 'individuais' nem 'universais' mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras” (PÉCHEUX & FUCHS, 1997, p. 166). Momento em que se faz necessário afirmar que tais Fls comportam, como um de seus componentes, uma (ou várias) formações discursivas (FD) que se define como “[...] aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc) (PÉCHEUX, 2009, p. 147). Voltemos com o intuito de afirmar que a FD intervêm na FI, ou seja, elas estão intricadas e, nesse caso, as palavras, expressões e proposições recebem o sentido da FD que se deriva das CP do discurso e que representa, na e pela linguagem, as Fls correspondentes. Por meio de Pêcheux (1997) é preciso mencionar, dentro de tais conceitos que são os centros das reflexões da AD, que a teoria discursiva não permaneceu estanque (e ainda continua em movimento mantendo o legado de Pêcheux de que é preciso ousar se revoltar) e, em se tratando de FD, não poderia deixar de salientar que ela não é um espaço estrutural fechado e homogêneo (e isso justifica as FDs no plural), ou seja, ela é invadida por elementos que vêm de outras FDs, fornecendo-lhes evidências discursivas pelo pré- construído, ou seja, “[...] “aquilo que todo mundo sabe” [...]" (PÉCHEUX, 2009, p. 158) e não questiona por ser universal e evidente em um contexto situacional. Em outras palavra é a matéria prima do sujeito que enuncia por meio de uma FD dominante e é nesse espaço que corresponde a "[...] 'um sempre-já-aí' da interpelação ideológica que fornece-impõe a 'realidade' e seu 'sentido' sob a forma de universalidade (o 'mundo das coisas)” (PÉCHEUX, 2009, p. 151) que entraremos no campo de interdiscurso. E) atenção 16 - 140 E-Book - Apostila A teoria da AD funciona por meio de um objeto de análise. Observe os enunciados: 1) Sem-terras invadem fazenda usada em suposto esquema em Ribeirão. (jornal de grande circulação). 2) Sem-terras ocupam área em Santa Catarina. (site do MST). Análise: Superficialmente os dois enunciados tratam da ação do MST. Porém os efeitos de sentidos produzidos são diferentes em “invadir” e “ocupar”. Nas CP do enunciado “invadem”, o sujeito, inconscientemente, é interpelado a ocupar uma posição que não se identifica com a FD (o que pode e deve ser dito) sobre o MST e produz um efeito que negativiza o movimento como invasores que atacam a propriedade privada.No segundo enunciado, o sujeito, por estar afetado pela FD do MST, pois escreve para o site e, portanto, pode e deve apoiá-lo, enuncia “ocupar”, produzindo um efeito de aceitação e defesa da ação do movimento, diante de áreas improdutivas, justificando a ação de ocupar (e não invadir). Fonte: Fernandes (2005), adaptado pelas autoras. INDICAÇÃO NA WEB Apresentação: para que você possa ampliar seus conhecimentos sobre a AD, sugerimos a Enciclopédia Audiovisual de AD. produzida pelo Laboratório Arquivos do Sujeito (LAS), sob a coordenação da Prof” Dr" Bethania Mariani, anexo à Universidade Federal Fluminense (UFF). 17 - 140 E-Book - Apostila AULA 5: CONCEITOS FUNDAMENTAIS: INTERDISCURSO, INTRADISCURSO E MEMÓRIA DISCURSIVA Na reflexão desenvolvida sobre Fis e FDs, aprendemos que nas CP de um discurso e a partir da posição ocupada pelo sujeito que enuncia, a(s) FD(s) determinam o que esse sujeito pode e deve dizer e que ela apresenta em seu interior diferentes discursos. Fato que nos leva a pensar que toda FD “[...] circunscreve a zona do dizível legítimo definindo o conjunto dos enunciados possíveis de serem atualizados em uma dada enunciação a partir de um lugar determinado” (BRANDÃO, 2004, p. 93). É nessas possibilidades de entrelaçamento de diferentes discursos produzidos em torno de uma temática que entra o interdiscurso que, para a AD, significa a “presença de diferentes discursos, oriundos de diferentes lugares sociais, entrelaçados no interior de uma formação discursiva” (FERNANDES, 2005, p.61). Esses outros discursos que vão permeando o dizer do sujeito em uma posição dada, segundo Orlandi (2001 a) sinaliza que não somos donos do que estamos enunciando, ou seja, ele não é uma propriedade particular e sempre é retomado por meio de já-ditos em outro lugar e que vão sendo ressignificados nas CP e na FD que vai autorizar esse sujeito a dizer uma coisa (e não outra). Tais reflexões sobre o interdiscurso foram bebidas na fonte teórica de Michel Pêcheux, especificamente quando ele afirma que “f..] o próprio de toda formação discursiva é dissimular, na transparência do sentido que nela se forma, a objetividade material contraditória do interdiscurso, que determina essa formação discursiva como tal, objetividade material essa que reside no fato de que “algo fala” [.] sempre “antes em outro lugar e independentemente”, isto é sob a dominação do complexo das formações ideológicas (PÉCHEUX, 2009, p. 149). NU J 18 - 140 E-Book - Apostila Retomando Orlandi (2001 b), o interdiscurso está dentro do plano de constituição dos sentidos e se caracteriza como irrepresentável, mas capaz de calçar o que pode e deve ser dito por um sujeito determinado pelo social e pela história, pois é pelo/no interdiscurso que o sujeito é afetado pelo mundo e seus discursos, por meio de um plano de formulação dos sentidos, ou seja, pelo fio de um discurso interior apresentado pelo sujeito que, nesse caso, denomina-se intradiscurso. Dessa forma “[...] pode-se bem dizer que o intradiscurso, enquanto “fio do discurso” do sujeito, é a rigor, um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma “interioridade” inteiramente determinada como tal “do exterior”. [...] diremos que a forma-sujeito (pela qual o “sujeito do discurso” se identifica com a formação discursiva que o constitui) tende a absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso. [...] (PÉCHEUX, 2009, p. 154). A J O sujeito, dentro dos limites da FD que o domina, o que equivale a dizer que há sentidos que jamais poderão ser produzidos, se utiliza de uma rede de discursos disponíveis (interdiscurso sobre um determinado tema e o atualiza (intradiscurso) na sua formulação. Resumindo: o interdiscurso é a apropriação de discursos já-ditos sobre um determinado assunto e que se ressignificam como intradiscurso em sequências discursivas enunciados pelo sujeito, em uma FD determinada. Nesse ponto, nos valemos de Indursky (2011) para tratarmos da noção de repetibilidade como ponto de observação de que os discursos pré- existem ao discurso do sujeito que enuncia (intradiscurso) que. sob o efeito do esquecimento dessa pré-existência, pensa ser a origem do que está sendo dito, mas, como afirma Brandão (2004), ele está simplesmente retomando, redefinindo, reatualizando, transformando, ou mesmo, esquecendo, rompendo e denegando um já- dito. É nesse jogo discursivo em que a repetibilidade se efetiva que podemos trazer para a discussão, mais um conceito denominado como memória discursiva. Diante da complexidade da teoria discursiva, nos adiantamos, por meio de Pêcheux (1999) que não estamos tratando de uma memória individual e psicologista (lembrar ou recordar de alguém, por exemplo), mas de uma memória social que, na produção discursiva faz circular formulações alhures. 19 - 140 E-Book - Apostila Dessa forma, a memória discursiva se configura “[...] face a um texto que surge como acontecimento a ler” sob uma ação de restabelecimento de “implícitos”, “remissões”, “elementos citados e relatados”, etc .E o autor diante dessa reflexão, lança um questionamento sobre onde localizar tais implícitos, uma vez que eles “estão presentes por sua ausência”, na leitura de uma sequência (PÉCHEUX, 1999, p. 52). É nesse processo, onde ocorrem diferentes funcionamentos discursivos de retomada/ repetição/regularização e efeitos de paráfrase que podem tanto manter o mesmo, como desmoroná-lo. A memória discursiva, diante de um acontecimento novo, se configura “[...] sob o 'mesmo” da materialidade da palavra abre-se então o jogo da metáfora, como outra possibilidade de articulação discursiva... Uma espécie de repetição vertical, em que própria memória esburaca-se, perfura-se antes de desdobrar- se em paráfrase” (PÊCHEUX, 1999, p. 53). O autor, apresenta a memória discursiva a partir da concepção de que ela não é plena e muito menos homogênea, como um espaço que se desdobra e se desloca, ou seja, não há memória sem exterior. QUADRO RESUMO Embora pareçam sinônimos, o interdiscurso e a memória discursiva são conceitos que se diferenciam. O interdiscurso significa tudo o que já foi dito sobre um determinado assunto, comportando todos os sentidos reunidos (Ex: tudo o que já foi dito sobre o tema “tortura”, durante o regime político militar brasileiro). A memória discursiva é a existência histórica de enunciados inscritos no interior de uma FD que produzem somente os sentidos autorizados ou esquecidos pela posição ocupada pelo sujeito (Ex: quem vai discursivizar sobre a “tortura” é um general que fez parte do exército ou um cidadão que se opôs ao regime, foi preso e torturado). O que eles estão autorizados a dizer e a não dizer? Fonte: Indursky (2011). Adaptado pelas autoras. APROFUNDANDO Abordaremos a respeito das condições de produção dos discursos: língua, formações imaginárias e interdiscurso. Pêcheux (1997, p. 83) elabora um esquema para explicar as formações imaginárias, a partir do modelo comunicativo de Roman Jakobson gue tem como propósito a transmissão de uma mensagem. 20 - 140 E-Book - Apostila No entanto, Pêcheux propõe substituir a mensagem pelo discurso, afirmando não se tratar da transmissão de informação entre A e B mas, da produção de efeitos de sentidos entre Ae B. Observe o esquema apresentado no quadro: Figura 1 - Quadro das Formações Imaginárias Pa Expressão que des- Questão implícita suja «res- | igna as formações | Significação da expressão posta» subentende a formação imaginárias imaginária correspondente. Imagem do lugar de A parao | «Quem sou eu para lhe falar x ( la (A) sujeito colocado em À assim?» la (Bj Imagem do lugar de A parao | «Quem é ele para que eu lhe sujeito colocado em B fale assim» Imagem do lugar de B parao | «Quem sou eu para que ele me & ( lb (B) sujeito colocado em B fale assim?» Ib (A) Imagem do lugar de A parao | «Quem é ele paraque ele me sujeito colocado em B fale assim» A ( la (Rj «Ponto de vista» de A sobre R | «De que lhe falo assim» a ( Io (R) «Ponto de vista» de Bsobre R | «De que ele me fala assim» Fonte: Pêcheux (1997, p. 82) 21- 140 E-Book - Apostila O discurso, a partir do quadro de formações imaginárias, produz condições para o emissor antecipar as representações que faz dos receptores de seu discurso pelo mecanismo de antecipação, pois é por meio dele que se compreende quais são as formações imaginárias que estão em jogo, em um determinado texto e também qual é a relação estabelecidas com discursos anteriores, ou seja, com o interdiscurso.Os sentidos produzidos em um texto só poderão ser compreendidos quando desloca da análise do seu conteúdo e da visão de língua homogênea e transparente, pois essa, para a AD, é heterogênea e um mesmo conteúdo pode produzir diferentes efeitos de sentidos, conforme suas CP, ou seja, usamos a língua para produzir sentidos.No que concerne a textualidades contemporâneas como hashtags, por exemplo, percebemos que elas se constituem de diferentes materialidades, pois são textos híbridos que ocorrem a partir do imbricamento de diferentes materialidades significantes como imagens, escrita e sons. Outro fator que determina as CP das textualidades contemporâneas é o fato de serem digitais ou circularem na internet (em rede). Ao analisar a hashtags iilstoÉMachismo que circulou no Twitter e no Facebook, durante o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, consideramos que ela funcionou como resposta aos discursos machistas muitas vezes naturalizados em capas.Um exemplo foi da revista semanal brasileira IstoÉ, cuja edição de 2 de abril de 2016, trazia em sua capa, uma imagem “enfurecida” de Dilma com o seguinte título: “As explosões nervosas da presidente” e, no seu interior, a matéria referente à capa era intitulada “Uma presidente fora de si”. Ao observar as CP imediatas da produção/circulação da hashtag ttlstoÉMachismo, observamos que a mesma foi produzida no mesmo dia do lançamento da revista, como forma de reação contrária à publicação que orienta para um sentido de que a Presidenta estaria perdendo o controle, na dimensão psicológica mesmo, diante da instalação de um processo de impeachment contra ela. Pensando as relações imaginárias pelas CP sócio-histórica e ideológicas: a imagem que A (IstoÉ) faz de B (leitor) é a imagem que a revista atribui a seus leitores e qual a imagem ela considera que seus leitores atribuem ao referente, no caso, Dilma Rousseff e, nesse caso, por se tratar de um veículo de imprensa, destinado a “informar”, o foco recai no referente, sendo importante compreender os lugares de A e B na sua relação com o processo de antecipação.Portanto, no jogo de formações imaginárias o elemento dominante não recai sobre o emissor ou o receptor, mas sim sobre o referente, ou seja, A antecipa a imagem que B faz de R decidindo “de que lhe fala assim”. Desse modo, À opera com uma antecipação da imagem de B e da imagem que B faz de R, o que lhe permite falar assim de R (no caso de Dilma Rousseff).A relação com o interdiscurso está no fato de o discurso da psicologia, psiquiatria, atravessar o discurso jornalístico, pois no nível da formulação o sujeito escolhe operar com o discurso médico com vistas a produzir uma análise das condições psicológicas de Dilma, usando um discurso de autoridade, por meio de uma evidência produzida no texto, ou seja, de que “todo mundo sabe que Dilma Rousseff está descontrolada”. É na hashtag *lstoÉMachismo e nas CP de textos digitais em rede que se operam com o excesso da sua circulação, atingindo não só os supostos leitores da revista IstoÉ, mas também uma gama heterogênea de sujeitos que vão produzir outras relações imaginárias, de modo que a imagem construída para Dilma Roussef, sofrerá deslizamentos de sentidos e dará, ao mesmo tempo, uma imagem da revista materializada na hashtag fiIstoÉMachismo. 22 - 140 E-Book - Apostila PÊCHEUX, Michel; FUCHS, Catherine. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p. 159-250. Novos Desafios Faremos agora um retorno pelo percurso que desenvolvemos com o objetivo de situar você e também motivá-lo a um mergulho um pouco mais profundo sobre este campo de saber que tem como objetivo refletir sobre os acontecimentos sociais, por meio do discurso. Afinal, como o grande mestre Michel Pêcheux deixou no seu legado teórico, as mesmas palavras e expressões podem ter o mesmo (ou outros) sentido(s), haja vista tudo vai depender da posição-sujeito daquele que enuncia. Sendo assim, precisamos investir em uma relação menos ingênua com a língua e seus desdobramentos/funcionamentos nas nossas relações sociais para compreendermos além que está exposto e por vieses já cristalizados que induzem a interpretar de uma forma única, geralmente com o intuito manter as coisas devidamente encaixadas.Por isso, reiteramos a importância do acesso à teoria da AD para que sejamos capazes de sair do mesmo, mediante outros gestos de escuta e leitura, amparados por dispositivos teóricos específicos. Por isso, na aula 1, apresentamos a você a base de fundação da teoria no turbulento contexto francês da década de 60 e seus principais teóricos, especialmente, o inquieto filósofo e apaixonado por máquinas e questões da língua Michel Pêcheux. Inquietude que atingiu também pesquisadores brasileiros que se interessaram pela AD, como a linguista Eni Orlandi e tantos outros não mediram esforços para deixarem suas marcas, apesar de um regime que calava a voz daqueles que ousavam se manifestar. 23-140 E-Book - Apostila E assim prosseguimos, estabelecendo recortes para atender aos limites de páginas pré- determinadas, tal como fizemos na aula 2, ao abordar como a língua é teorizada na AD, ou seja, com a qualidade (e não defeito) de não ser transparente, pois é na sua opacidade que o (des)limite é ultrapassado, em dobraduras que a fazem funcionar produzindo sentidos entre os locutores e para sermos analistas competentes é preciso ousar pelas trilhas teóricas da AD e refl etir, assim como ocorreu na aula 3, sobre conceitos fundantes como as CP, para entender que os fatos ocorrem sempre mediados por questões histórica e sociais (e não sem motivo) que nos obriga a compreender, atrelados ao lugares (não físicos) compreendido pelas Fls que o indivíduo (sempre, mas não sem resistência) interpelado em sujeito do seu discurso deve ocupar, ao enunciar palavras sempre fi liado a um conjunto de FDs que, projetada pela FI dadas, vão determinar o que ele pode e deve dizer, conforme estudamos na aula 4.Mas o discurso vai além do que enunciamos aqui e agora, por meio de uma posição-sujeito subordinada às CP e FDs, pois dentro desse quadro básico fundante que alicerça a teoria do discurso, há também o interdiscurso, conforme vimos na aula 5, que signifi ca um conjunto de dizeres já ditos anteriormente, sobre um determinado tema como, por exemplo, violência e suas causas e consequências. Diante desse tema, coloca-se tudo o que já foi dito na pauta, mas é o sujeito que vai elencar, no intradiscurso (na sua formulação), conforme a sua posição e a FD que o domina o que vai ser por ele repetido ou mesmo esquecido e é nessa repetibilidade que a memória discursiva atua e se confi rma na fato de que todo dizer já foi dito. VAMOS PRATICAR? Chegou o momento de testar o conhecimento adquirido até aqui! Para isso, por favor, participe da autoatividade que preparamos especialmente para você. São apenas 4 questões 4. A Análise de Discurso (AD) é uma disciplina que se originou a partir de 24 - 140 E-Book - Apostila uma relaçãoconsiderada como de entremeio e tem o discurso como seu objeto de análise. Sobre os aspectos fundantes da AD, assinale a alternativa correta. a) A A D é uma disciplina que se originou no contexto social e histórico francês da década de 60, do século passado, a partir de um grupo de pesquisadores entre os quais, apresentamos Michel Pêcheux. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! b) A obra denominada Análise Automática do Discurso, de 1969 (AAD/69) de Michel Pêcheux, tinha como propósito implementar análises de texto, a partir de uma metodologia conteúdista. Resposta Incorreta: Continue tentando! c) Diante de um texto, perguntas como: “que quer dizer este texto?"“que significação contém este texto?” e “em que o sentido deste texto difere daquele outro texto?” são elementares para se fazer uma análise discursiva. Resposta Incorreta: Continue tentando! 25 - 140 E-Book - Apostila d) Afirmar que a AD é uma disciplina de entremeio significa que ela O se estabelece a partir de uma relação crítica com outras disciplinas, entre as quais, as mais importantes são: matemática, gastronomia e oceanografia. Resposta Incorreta: Continue tentando! e) A À D também é estudada no Brasil e a entrada da teoria no país (e) ocorreu no início da década de 70, em plena ditadura militar, por meio da promulgação do Ato Institucional 5 (Al-5) do General Costa e Silva. Resposta Incorreta: Continue tentando! 2. À AD é uma disciplina que se configura por meio de pressupostos teóricos e fundantes específicos e é por deles que o analista desenvolve seu gesto de análise ao se utilizar de uma metalinguagem específica da teoria discursiva. Leia as assertivas e assinale a alternativa correta que se 26 - 140 E-Book - Apostila refere tanto aos pressupostos teóricos, quanto aos conceitos fundantes. i Michel Pêcheux elege a língua como um componente essencial da teoria discursiva, concebendo-a como uma base de funcionamento que vai além dela mesma, por ser afetada pela incompletude e exterioridade. il As CP, por ser um conceito fundamental para a AD, vai além da mera situação/circunstância propriamente dita a partir, da inclusão de aspectos sociais, históricos e ideológicos no processo de análise. iii Pensar sobre as formações imaginárias significa ultrapassar os lugares físicos ocupados por locutores para chegar a lugares discursivos ocupados pelo mesmo indivíduo que ora é professor, ora é pai ou, até mesmo, aluno. iv. Um analista de discurso somente desenvolve pesquisas a partir de um indivíduo consciente e dono do seu dizer, ou seja, pessoas com deficiência mental são desconsideradas da teoria discursiva. (a) a) As assertivas |, Il, Ill e IV estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! Q b) As assertivas |, Il e Ill estão corretas. 27 -140 E-Book - Apostila Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! c) As assertivas Il, Ille IV estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! d) As assertivas | e Il estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! e) As assertivas Ill e IV estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! 3. Pêcheux (2009, p. 147) ao afirmar que a Formação discursiva (FD) é “[...] aquilo que numa formação ideológica 28 - 140 E-Book - Apostila dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc”, apresenta uma das ferramentas de análise que compõem os conceitos fundamentais da AD. Sobre a FD e seus efeitos em uma análise, leia as assertivas, observe se é verdadeira ou falsa e assinale a alternativa correta. i Já que a FD determina o que pode e deve dizer. podemos afirmar que um indivíduo, em uma posição- sujeito de religioso e afetado pela FD religiosa que defende a vida em qualquer circunstância, não pode defender o aborto diante dos fiéis adeptos de sua religião. il Já que a FD determina o que pode e deve dizer, podemos afirmar que um indivíduo, em uma posição- sujeito de professor e afetado pela responsabilidade de ensinar todo o conteúdo do currículo pode incentivar os alunos a faltarem às aulas e não estudarem para prova. iii A firmar que uma Fl comporta uma ou várias FD(s), compreende-se que o sujeito ao discursivizar sobre um tema vai produzindo efeitos de sentidos que não se pautam somente uma FD, pois ela é invadida por outros discursos que justificam sua heterogeneidade. iv. Quando um membro do MST diz que vai invadir uma área de terra com plantação de soja, por ela ser 29 - 140 E-Book - Apostila extensa e pertencente a um único dono, é cabível uma análise que se justifica no fato de que o sujeito está posicionado e afetado por uma FD favorável ao movimento. (a) a) As assertivas | e Il são verdadeiras e as Ille IV são falsas. Resposta Incorreta: Continue tentando! Q b) As assertivas |, Il são falsas e as Ille IV são verdadeiras. Resposta Incorreta: Continue tentando! OQ c) As assertivas | e Ill são verdadeiras e as Ile IV são falsas. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! OQ d) As assertivas | e IV são falsas e as Ile Ill são verdadeiras. Resposta Incorreta: Continue tentando! 30 - 140 E-Book - Apostila 5) e) As assertivas |, Ile Ill são falsas e a IV é verdadeira. Resposta Incorreta: Continue tentando! 4. O analista de discurso ao desenvolver uma análise amparada pelo conceito fundamental da memória discursiva, precisa antes estabelecer diferenças conceituais e de efeito prático entre interdiscurso e memória. Sobre os dois conceitos apresentados, bem como, suas diferenças e similaridade, leia as assertivas, complete as lacunas e assinale a alternativa correta. i 0/a ln pode ser considerado/a como um mecanismo de análise da AD que significa um conjunto de enunciados possíveis (já-ditos) que podem ser atualizado/as. ii D izer que algo sempre fala em outro lugar e independentemente é uma característica do/da -000-—-—nnn———— que se confi gura para a AD 31-140 E-Book - Apostila como algo irrepresentável. lil 2. no processo de análise significa retomar, ressignificar ou mesmo esquecer e apagar dizeres já-ditos no interior de uma FD que vai determinar a posição-sujeito. iv. Um a das características da memória discursiva é que elanãoé (a) a) Interdiscurso, interdiscursiva, memória discursiva, heterogênea. Resposta Incorreta: Continue tentando! [b) b) Memória discursiva, interdiscursiva, memória discursiva, homogênea. Resposta Incorreta: Continue tentando! [C) c) Interdiscurso, memória discursiva, memória discursiva, homogênea. Resposta Incorreta: Continue tentando! OQ d) Interdiscurso, interdiscursiva, memória discursiva, homogênea. 32-140 E-Book - Apostila Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! (e) €) Interdiscurso, memória discursiva, memória discursiva, heterogênea. Resposta Incorreta: Continue tentando! REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2º ed. rev. Campinas, Editora da Unicamp, 2004. FERNANDES, Claudemar Alves. Análise do Discurso: refil exões introdutórias. Goiânia: trilhas urbanas, 2005. GADET, Françoise; LÉON, Jacqueline; MALDIDIER, Denise; PLON, Michel. Apresentação da conjuntura em linguística, em psicanálise e em informática aplicada ao estudo do texto na França, em 1969. In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas:Editora da Unicamp, 2010, p. 39-58 HENRY, Paul. Os fundamentos teóricos da “análise automática do discurso” de Michel Pêcheux (1969). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed.. Campinas: Editora da Unicamp, 2010, p. 11-38 INDURSKY, Freda. A memória na cena do discurso. In: INDURSKY, Freda; MITTMANN, Solange; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (Orgs.). Memória e história na/da análise do discurso. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2011, p. 67-89. ADRIANO. Juliana. Sem Terra ocupam área em Santa Catarina. Disponível em: <http:/www.mst.org.br/2017/05/21/sem-terra-ocupam-area-em-santa-c atarina.html.> Acesso em 26 maio 2017. MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso: ler Michel Pêcheux hoje. Tradução de Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes, 20083. 33-140 E-Book - Apostila ORLANDI, Eni P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólica Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001a. ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso e texto: formação e circulação de sentidos. Campinas: Pontes, 2001b. ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação, autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5. ed.. Campinas, SP: Pontes, 2007. ORLANDI, Eni Puccinelli. Nota à edição brasileira, uma questão de coragem: a coragem da questão. In: PÉCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afi rmação do óbvio. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi... et tal. 4º. Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2009, p. 7-8. ORLANDI, Eni Puccinelli. Língua brasileira e outras histórias: discurso sobra a língua e o ensino no Brasil. Campinas, SP: Editora RG, 2009. ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso em análise: sujeito, sentido e ideologia. Campinas, SP: Pontes, 2012. PÊCHEUX, Michel; FUCHS, Catherine. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p. 159-250. PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p. 159-250. PÊCHEUX, Michel. Papel da memória. ACHARD, Pierre et tal. Papel da memória. Traduzido por José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999, p. 49-57. PÊCHEUKX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi... et tal. 4º. Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. PÊCHEUKX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Bethânia S. Mariani et tal. 3. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 2010, p. 59-158. TOLEDO, Marcelo. Sem-terra invadem fazenda usada em suposto esquema em Ribeirão. Disponível em: < http:/www1.folha.uol.com.br/poder/2017/02/1861690-sem-terra-invad em-fazenda-usada-em-esquema-de-corrupcao-em-ribeirao.shtml>. Acesso em 26 maio 2017. DISCURSO E TEXTO 34 - 140 E-Book - Apostila Inicie sua Jornada Olá, prezado(a) aluno(a), Neste estudo, iremos tratar de uma questão que permeia a nossa vida em sociedade, ou seja, o discurso e o texto enquanto componentes da teoria da linguística denominada AD que, por meio de teóricos da área, darão subsídios para você iniciar um percurso científico pelos estudos do texto para além do senso comum e, por isso, precisamos desvendar os mistérios que serão estudados em quatro aulas. A primeira aula - texto e discurso - irá situar você sobre como o texto é teorizado sob uma concepção teórica que coloca em xeque o tradicional tripé que sustenta a produção textual por meio de um começo, um meio e um fim. Para tanto, utilizaremos dos conceitos básicos e elementares da AD que dão sustentação teórica para se pensar o texto como discurso. Na segunda aula - produção textual - desenvolvemos uma reflexão sobre o modo como o texto é produzido por um indivíduo que ao ocupar a posição sujeito-autor, somente produzirá um texto mediado pelas CP em que o mesmo deverá ser produzido, conforme a FD que determina o que ele pode e deve escrever. Na terceira aula - texto e textualização -, à luz da AD, voltaremos a refletir sobre o texto enquanto um componente que une os discursos sobre um determinado tema e a textualização que é o processo de unificação de um conjunto de discursos a ser “costurado” pelo sujeito-autor. 35-140 E-Book - Apostila Na quarta aula - a ordem do discurso e a organização textual - iremos discutir com você sobre os dizeres que são autorizados a serem ditos ou escritos ou mesmo interditados por um sujeito-autor que, conforme sua posição e a FD a que está filiado, será determinado a enunciar ou silenciar os discursos dispersos que serão “unificados” pelo efeito de organização. Convidamos você aluno(a), a iniciar a leitura desta aula e esperamos que ela seja bastante proveitosa e que atinja o objetivo proposto, bem como, seja capaz de instigar e provocar você a aceitar o desafio de continuar refletindo sobre e por meio dessa corrente teórica denominada AD. Sucesso e bons estudos! Desenvolva seu Potencial Na unidade |, você teve acesso aos conceitos teóricos básicos que norteiam as pesquisas da AD de linha francesa e, diante das infinitas possibilidades que os acontecimentos sociais nos oferecem como ferramentas de análise, esta aula se dedica à compreensão reflexiva do texto, pois este, nesta concepção teórica e por intermédio de Orlandi (1996) deve ser pensado como algo multidimensional que, na sua materialidade, não se define como uma superfície plana e uma espécie de chapa linear. Mas antes, é preciso retomar Pêcheux (1997), especificamente sua afirmação de que os estudos anteriores ao desenvolvimento da ciência lingúística, cuja origem é marcada com o Curso de Lingúística Geral, de Ferdinand de Saussure, estudavam a língua por meio de textos e gramáticas. Atualmente, não há muitas diferenças, quanto aos instrumentos de estudos, a não ser no modo como são norteadas as perguntas de análise, pois se pensarmos a língua pela análise de conteúdo, as perguntas a serem feitas são: a. De que fala este texto”; b. Quais são as idéias principais contidas neste texto”: c. Este texto está em conformidade com as normas da língua na qual ele se apresenta?; Ou a. Oqueo autor quis dizer?. 36 -140 E-Book - Apostila Tais perguntas são um ponto de crítica do autor para iniciar uma reflexão sobre o texto, a partir da teoria discursiva, pois o que tínhamos sobre os estudos da língua era um meio a serviço de um fim, a saber, a compreensão do texto. No entanto, foi por meio das reflexões de Saussure que a língua passa a ser pensada como sistema, deixa de ser compreendida como portadora da função de exprimir sentido para ser o objeto o qual a ciência pode descrever ofuncionamento (metáfora do jogo de xadrez). As consequências desse deslocamento é de suma importância para os estudos linguísticos, na conjuntura histórica e social do início do século XX, mas deixou a descoberto algumas questões relevantes que não passaram despercebidas por Pêcheux. Nesta perspectiva teórica, o texto é um bólido de sentidos que parte em inúmeras direções, em múltiplos planos significantes, sendo, pois a partir dessa concepção que começamos a ressignificar nosso conhecimento prévio sobre o texto. Dessa forma, pensar em originalidade diante de qualquer texto, em suas múltiplas formas (imagético, sonoro, verbal, etc) é mera ficção, pois ele é peça resultantedo compromisso das diferentes posições sujeitos e FDs que, no dizer do autor, não pode tomar qualquer direção, pois há um regime de necessidade a ser obedecida, vindo da exterioridade. Esta se compreende pelo fato de que todo discurso remete a um outro discurso e os sentidos são sempre referidos a outros sentidos (conforme estudamos na unidade |, sobre o primado do interdiscurso e memória discursiva). Exterioridade que em Pêcheux (2009) reside no fato de que algo sempre fala antes, em outro lugar e independentemente, colocando em xeque a originalidade e singularidade da produção textual, bem como, apresentando-o como um mosaico (ou rede) de discursos que se imbricam sob a determinação de um escritor-autor. Esta concepção ressignifica (ou mesmo anula) o que temos já dado como pressuposto em relação ao texto, pois “[...] do ponto de vista de sua apresentação empírica, é um objeto com começo, meio e fim, mas que, se o considerarmos como discurso, reinstala-se imediatamente sua incompletude. [...] o texto, visto na perspectiva do discurso, não é uma unidade fechada - embora como unidade de análise. ele possa ser considerado uma unidade inteira - pois ele tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginários), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação), com o que chamamos sua exterioridade constitutiva (o interdiscurso: a memória do dizer (ORLANDI, 2007, p. 54). 37 -140 E-Book - Apostila Essa concepção que marca o texto como heterogeneidade (e não como homogeneidade) é interpretada pela autora como atravessado por várias FDs e necessitam ser compreendidos pelo leitor (mesmo sem ter essa noção de forma explícita) no que se refere ao seu funcionamento, bem como, o modo como os sentidos são produzidos. Nessa perspectiva, não se interessa pela organização do texto, mas o que ele se organiza, na sua heterogeneidade constitutiva, pela natureza da sua materialidade - imagem, grafia, som - e das linguagens - oral, escrita, científica, literária, descritiva, etc -, nas diferentes posições dos sujeitos (aqui, um sujeito-autor). É por essas premissas que, no processo de produção textual, não produz somente um discurso, mas vários, por meio das diversas FDs que compõem o texto como uma unidade que permite ao analista, o acesso ao discurso, por meio das trilhas (ou pistas) que o materializa na sua estruturação. Em outras palavras O texto [.] é a unidade de análise afetada pelas condições de produção. [...] é o lugar da relação com a representação física da linguagem: onde ela é som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. É o material bruto (ORLANDI, 2007, p. 60). QUADRO RESUMO Paula, uma aluna sabida, fez a seguinte pergunta ao professor Joel: - Paula: que autor é esse que a Análise de Discurso teoriza ? - Professor Joel: autor é uma das posições assumidas pelo sujeito no discurso, afetada pela exterioridade, ou seja, pelas condições sociais, históricas e ideológicas e pelas exigências de coerência, não-contradição e responsabilidade. O autor assume a função social de organizar e assinar uma determinada produção escrita, dando-lhe aparência de unicidade. Fonte: Ferreira, 2001. Adaptado pelas autoras. 38 - 140 E-Book - Apostila O texto é o material bruto a ser lapidado pelo analista que não o considera ponto de partida e, muito menos, como ponto de chegada, pois quando se pensa o texto pela via da AD, não há como detectar sua origem, seu fim e sua unidade definitiva. Essa concepção lógica do texto que o dimensiona e o regula é desconsiderada pela teoria da AD que o ressignifica enquanto lugar que a língua funciona sem apego às questões sobre sua originalidade e unidade definitiva. Como diz a autora, em uma ordem prática N “[...] não é sobre o texto que falará o analista, mas sobre o discurso. Uma vez atingido o processo discursivo que é o que faz o texto significar, o texto ou os textos particulares analisados desaparecem como referências específicas para dar lugar à compreensão de todo um processo discursivo do qual eles - e outros que nem mesmo conhecemos - são parte (ORLANDI, 2007, p. 61) Nu J Nesse sentido, a AD direciona o analista a refletir sobre o texto, enquanto algo queproduz sentidos a partir de uma exterioridade que se inscreve refletido nele mesmo, ou seja, é o próprio texto que produz as pistas discursivas constitutivas na sua materialidade, diferentemente da tarefa de análise conteudista que se situa a análise a partir de “[...] algo lá fora” (idem, p. 55). Por isso a pergunta que norteia o analista do discurso em seu trabalho é “como esse texto se significa?”. Questionamento que refletirá a historicidade do texto em sua materialidade que, no dizer de Orlandi (2001) é o acontecimento do texto como discurso, ou seja, o trabalho dos sentido nele, ou seja, filiação teórica da AD, o texto não é definido pela sua extensão, pois tanto pode ter uma única letra ou mesmo várias palavras, enunciados, páginas, etc, pois segundo a autora a vogal “O” escrita em uma porta e a vogal “A” escrita em outra porta, em um estabelecimento público como um bar. uma salão de eventos, etc apresenta uma unidade de sentido para a situação específica, vindo a significar 39-140 E-Book - Apostila “f.] em nossa memória, o fato de que em nossa sociedade, em nossa história, a distinção masculino/feminino é significativa e é praticada socialmente até para distinguir lugares próprios (e impróprios...) Por isso esse “O” tem seu sentido: tem sua historicidade, resulta em um trabalho de interpretação (ORLANDI, 20014, p. 69). NU J A afirmação da autora é um indício de que a AD atua em regiões menos visíveis e menos óbvias do texto, mas relevantes para aqueles que refletem sobre a sociedade e suas nuances, por meio dos vestígios deixados na composição textual, enquanto unidade de análise que vai além do dado linguístico com suas marcas e organização. Tais concepções nos remete à compreensão de que olhar o texto como discurso, significa que ele não se fecha e que está relacionado com as FDs e estas com a ideologia, valendo a orientação da autora de que a AD “[...] não está interessada no texto em si como objeto final de sua explicação, mas como unidade que lhe permite ter acesso ao discurso” (idem, p. 72). Esse é o percurso que o analista deve percorrer, buscando as CP dos sons, das letras, dos espaços, das dimensões do texto e buscar compreender como os sentidos são produzidos. O) SAIBA MAIS Agora que você já sabe que o texto é um conjunto de discursos que se juntam pelas mãos de um sujeito-autor, vale a pena ler um pouco mais para saber como se configura a produção textual, por meio da teoria discursiva e alguns modelos de análises. Sugerimos a leitura da obra “Cidade dos Sentidos”, da prof” Eni Puccinelli Orlandi, publicado em 2004, pela Editora Pontes. Trata-se de uma obra importante, pois ela considera várias materialidades como texto: poesia, música, narrativa, pichação, grafite, entrevista, tatuagem, a (des)organização urbana, etc. Fonte: elaborado pelas autoras. N J 40 - 140 E-Book - Apostila PRODUÇÃO TEXTUAL Iniciamos nossa reflexão pensando nas diversas condições de produção em que um texto pode ser produzido: publicidade, campanha política, agradar ou ofender alguém, rir ou chorar por meio de uma poesia, atender aos requisitos da instituição escolar, a tatuagem, o grafite, o canto, a dança, etc. Enfim, independente da situação, estamos sempre produzindo texto e é por conta disso que iremos traçar um percurso de compreensão sobre os mecanismos da sua produção, a partir de reflexões concebidas pela AD. Já que o texto pode ser metaforicamente compreendido como um mosaico de pequenas peças (neste caso, palavras, sons, imagens, gestos) que se juntam, vão produzindo sentidos e estão em constante movimento, precisamos retomar alguns conceitos da AD,apresentados na unidade |, e aplicá-los na construção de um texto. Estamos pensando no texto enquanto materialidade discursiva produzida por um indivíduo interpelado em sujeito pela ideologia (PÉCHEUX. 2009) que. diante das condições de produção e a posição autor ocupada por ele, produz “seu” texto nos (des)limites das FDs, ultrapassando fronteiras delimitadas, dentro do quadro fixo que compõe as regras já postas para se produzi-lo. Concepção que significa o deslocamento de um pré-construído cristalizados nas aulas tradicionais de produção textual de que todos sabem o que é um texto pelo fato de o mesmo fazer parte da nossa vida cotidiana e acadêmica. Por isso, ao pensar sobre o processo de produção textual por este viés teórico temos que refletir sobre esse sujeito discursivo designado como um sempre já sujeito que se tenta ocultar na evidência do dever a ser cumprido, diante do empreendimento de produção textual, pois, nessa concepção, o indivíduo não é o senhor da sua morada (neste caso: não é o senhor do seu texto), mas aquele que ocupa posições de reprodutor de vários discursos que vão sendo costurados, ou mesmo amarrados em pequenos nós, metaforicamente comparado a uma rede, na tentativa de formar um todo e cumprir com o objetivo proposto (ensinar, convencer, criticar, elogiar, etc). Como afirma Gallo (1995), embora se pense o texto limitado a um começo, meio e fim, o sentido depende de quem escreve (posição sujeito-autor) e de quem lê (posição sujeito- leitor). justificando a premissa de que jamais se pode considerar um texto como de direção e efeito único (sentidos previsíveis). Há uma mão dupla, um vai-e-vem ininterruptos que, na maioria da vezes, a escola esquece de trabalhar (qual o efeito desse esquecimento?), pois as aulas de produção textual estão baseadas na premissa conteudista direcionadas pela pergunta “o que o autor quis dizer” e na tentativa de expressar ideias e pensamentos deste autor, sem o posicionamento crítico daquele que lê. Devemos ir além disso, pois como afirma Lagazzi (2006, p. 85) essa concepção de produção textual dos anos 60 e 70 do século XX já não satisfaz aqueles que, afetado, pelos movimentos da conjuntura social, começa a pensar o texto “[...] como um espaço de possibilidades relacionais” e a escrita “[...] como um processo envolvendo a sociedade”. Então, se faz necessário rever conceitos, pois a língua, na concepção teórica discursiva, vai além de um sistema que a concebe por ela mesma e nela mesma, ou seja, ela é opaca e, na sua incompletude e equivocidade, sempre escapa de efeitos postos e cristalizados. Na visão da autora, este aspecto é fundamental para pensarmos esse sujeito que escreve, ao ser interpelado como autor, pois é na sua relação com a língua colocada em funcionamento no momento da produção textual que a AD 41-140 E-Book - Apostila N “[..] recusa a relação direta e natural entre forma e conteúdo, recusa a oposição entre denotação e conotação. [...]. Essa abordagem da língua não vai privilegiar a informação ou o conteúdo, e nem vai considerar que o que se quer dizer já está estabelecido antes de ser formulado (LAGAZZI, 2006, p. 88). J Esse gesto de se conceber a produção textual que começa a vigorar a partir da década de 60, do século passado, denomina-se como abordagem materialista do texto, justamente porque se compreende a língua a partir da materialidade que vai se configurando no momento da sua produção. É nesse ponto que retomamos a concepção foucaultiana para pensarmos a escrita enquanto uma regularidade que “[...] está sempre a ser experimentada nos seus limites, estando ao mesmo tempo sempre em vias de ser transgredida e invertida; a escrita desdobra-se como um jogo que vai infalivelmente para além das suas regras, desse modo as extravasando” (FOUCAULT, 1977, p. 35). A possibilidade que a AD consegue subsidiar por meio de suas reflexões teóricas, abre um campo para tecermos críticas sobre a produção textual na escola que mantém o campo fértil para a colheita do sentido único, direcionado pelo professores assujeitados ideologicamente pelo imaginário escolar que mantém um caminho baseado na direção unívoca, de mão única. É preciso ressignificar essa condição produzida no chão da escola por meio de uma reflexão teórica e prática que passe longe do senso comum. Indursky (2006), ao questionar se o texto pode ser simplesmente definido como uma soma de frases, abre possibilidades para pensarmos pelo viés teórico da AD que nos possibilita ultrapassar tais limites pelas noções de sujeito, autor, CP, ideologia, sentido, FD e os demais componentes fundantes da AD. Em posse de tais conceitos podemos ir além da frase, pois segundo ela a língua não se constitui de palavras ou de frases independentes, maos em discurso contínuo, seja ele um enunciado constituído de apenas uma palavra, ou uma obra de dez volumes, um monólogo ou uma discussão política (HARRIS, 1963, apud INDURSKY, 2006, p. 67). 42-140 E-Book - Apostila Segundo a autora, é nesse ponto que ocorre um deslocamento da concepção saussuriana de língua enquanto componente enclausurado em um sistema, pois percebe-se que os aspectos sociais, históricos e culturais passam a fazer parte do texto que, ao considerar suas condições de produção, se transforma em discurso, ultrapassando seus elementos internos, mobilizando sua exterioridade e seus sujeitos- autores afetados pelo inconsciente e historicamente identificados às FDs. Sobre isso cabe ressaltar que há dizeres que regem a escrita desse sujeito que, na posição de autor, é considerado descentrado e " age sob a ilusão de estar na origem de seu dizer, mas que de fato, precisa imergir no interdiscurso para poder dizer, pois aí reside o repetível, a memória discursiva que lhe permite dizer. Ou seja: para o sujeito da análise do discurso, imergir no interdiscurso é a condição necessária para poder dizer, para poder produzir um texto. Esta é a natureza da exterioridade e do que se chama de condições de produção (INDURSKY, 2006, p. 69). A J A ideia lançada pela autora reafirma que a produção de um texto está atravessada por outros discursos dispersos nele, mobilizando posições-sujeitos e suas vozes anônimas que determinam a tessitura do texto que, para a AD, só pode ser pensado como um espaço discursivo heterogêneo sob um efeito de sentido que está simbolicamente fechado pelo trabalho discursivo do autor que apaga sua dispersão na ilusão de um efeito origem. PENSANDO JUNTOS Você encontrou duas folhas no lixo e nelas estão escritas as letras “H” e “M”. Em um barzinho e em meio a boa conversa, você procura um banheiro e se depara com duas portas: em uma está escrito a letra “H” e na outra, “M”. Em qual situação, as letras "H” e “M” são textos? Fonte: elaborado pelas autoras. 43-140 E-Book - Apostila TEXTO E TEXTUALIZAÇÃO Até o momento, foi apresentado a você uma reflexão sobre o texto à luz da teoria discursiva e isso significa que assumimos uma posição diante da interpelação contratual da produção de um material que tem como objetivo refletir sobre a teoria linguística da AD, diante das outras concepções teóricas que foram deixadas de lado: linguística textual, teoria da enunciação, semiótica, etc. Sabemos que há uma infinidade de temáticas que tem como mote a língua e o texto, pois ambos são importantes ferramentas de reflexão, haja vista sua presença diária na vida dos sujeitos sociais e isso justifica a importância em estar sempre sendo o motivo de questionamentos críticos, por meio de outros campos de saberes. Pensando o texto como um conglomerado de discursos que o sujeito-autor unifica em limites estabelecidos pela ilusão do tripé começo, meio e fim representado graficamente pelo ponto final, é nessas condições que tratamos também da textualização enquanto ferramenta de produção textual que trabalha com a língua consideradacomo não transparente e que se desdobra diante de várias franjas que vão produzindo gestos de interpretação, no modo como o discurso se textualiza e no trabalho do sujeito interpelado pela função-autor. Para Indursky (2006), o trabalho de textualização é metaforicamente compreendido com a profissão de costureira que pega os pedaços de tecidos e vai unindo um ao outro, ou seja, o sujeito diante de vários recortes discursivos, trazidos do interdiscurso, vai produzindo um efeito-texto, organizado, simbolicamente fechado e ilusoriamente completo, como se não houvesse beiradas. É nesse trabalho que o sujeito-autor se constitui ao produzir um efeito de homogeneidade do texto que se produz, como se fosse a 44-140 E-Book - Apostila “[...] origem de seu autor, apagados os vestígios de sua interdiscursividade e demarcando-se de todos os outros textos, [...]. Ou seja, o efeito-texto resulta da ilusão de que tudo o que devia ser dito foi dito, nada faltando e nada sobrando. Assim, ele se apresenta ilusoriamente dotado de começo, meio e fim. O efeito-texto apresenta-se, desse modo, como uma peça de linguagem completa, acabada, fechada. E o sujeito-autor necessita destas duas ilusões - completude e fechamento - tanto para dizer como para concluir seu dizer (INDURSKY 2006, p. 73). A J A autora, em um outro trabalho questiona esse efeito ilusório de fechamento, retomando a questão da heterogeneidade que é cabível em um item que tem como objetivo refletir sobre a textualização. O ponto principal aqui é destacar que nessa “costura” realizado pelo sujeito-autor ressoam palavras outras, ditas anteriormente, de outros sujeitos que na ordem do já-dito, o repetível vai compondo a tarefa da textualização, unindo o disperso por meio de formações discursivas amigáveis ou antagônicas que vão compondo o texto que, segundo Indursky (2001) é a materialidade linguística pela qual se tem acesso ao discurso. Nesta perspectiva, o que menos interessa é saber como o sujeito-autor vai organizar o texto, pois, para a AD o que está em jogo "T[...] é o modo como o texto organiza sua relação com a discursividade, vale dizer, com a exterioridade e o modo como organiza internamente estes elementos provenientes da exterioridade para que produzam o efeito de um texto homogêneo” (INDURSKY, 2007, p. 28). Essa exterioridade faz parte do processo de textualização por meio das relações interdiscursivas que possibilita ao sujeito-autor, dentro das CP estabelecidas, utilizar-se de uma rede de formulações e ir compondo o texto para além do seu suporte material. Fato que fornece subsídios para pensar que não há texto independente da prática da sua produção ou reprodução, conforme salienta Gallo (2008, p. 43) e é nessa linha de pensamento que a textualização é concebida enquanto prática que fixa fragmentos pela escrita, pois “[...] não se tem jamais um texto em si (como objeto). O que se tem é um fragmento determinado, estabilizado, resultado de um trabalho, um funcionamento: a prática de sua produção”. 45 - 140 E-Book - Apostila Como estamos tratando do texto por meio da teoria discursiva e, como já sabemos, ele não é linear, é preciso, então, considerar que a textualização trabalha com fragmentos disponibilizados pela materialidade linguística que, pela ação da função-autor, estabelece limites e organiza seus sentidos. Entretanto, é no efeito-texto que se tenta conter a dispersão dos sentidos, produzindo um (im)possível fechamento que, apesar dessa engrenagem, não escapa totalmente da dispersão, durante a prática da textualização, ou seja, embora se produza o texto afetado pela ilusão do sentido único e do efeito-fecho marcado pelo ponto final, o efeito de fim e o esgotamento dos sentidos se constitui como algo meramente ilusório de um sujeito na sua posição-autor. Orlandi (1996), ao tratar dessa temática, afirma que há uma relação do sujeito com o texto e deste com o discurso que é inserido em uma FD determinada que vai produzir a impressão de unidade, transparência e completude, pois EN “T.] as várias posições do sujeito podem representar diferentes formações discursivas no mesmo texto. É preciso, no entanto, ressaltar que a relação entre as diferentes formações discursivas no texto podem ser de muitas e diferentes naturezas: de confronto, de sustentação mútua, de exclusão, de neutralidade aparente, de gradação, etc (ORLANDI, 1996, p. 57). J Tais afirmações são convidativas a uma viagem pelo túnel do tempo, onde encontraremos com Pêcheux (1997) e sua afirmação de que é impossível analisar um discurso como um texto com sequências linguísticas fechadas sobre si mesma e norteadas por perguntas conteudista como, por exemplo, “o que este texto quer dizer?”. Para deslocarmos da linha do contéudo para a da AD, é preciso reformular a pergunta para “como este texto se significa?”, na nossa textualização, ou seja, no nosso trabalho de costureira das palavras. 46 - 140 E-Book - Apostila De acordo com infográfico publicado pelo portal 61, em 05 de dezembro de 2016, o Pisa - nível básico de 2015, que aponta a porcentagem de estudantes brasileiros abaixo do nível básico. As três áreas avaliadas foram ciências, com 56,6%, leitura, com 50,99%, e matemática com 70,25%. Alunos interpelados em sujeitos-autores analisaram o gráfico como um discurso e pelas relações interdiscursivas produziram um texto refletindo sobre as condições de produção da educação no Brasil, valorização do tecnicismo, diferenças entre escolas públicas e privadas, do centro e da periferia e a desvalorização financeira e moral dos professores. Fonte: http://g1.globo.com/educacao/noticia/brasil-cai-em-ranking-mundial-de-educacao- em-ciencias-leitura-e-matematica.ghtml. Acesso em: 18 maio 17. Adaptado pelas autoras. A ORDEM DO DISCURSO E A ORGANIZAÇÃO TEXTUAL Ao retomar Pêcheux (1997) nos deparamos com reflexões sobre componentes teóricos discursivos que nos auxiliam a compreender o modo como um texto se organiza, pois é nele que o discurso se materializa por meio da língua, produzindo efeitos de sentidos entre os lugares ocupados por indivíduos interpelados em sujeitos. É dessa forma que estamos tratando o texto, utilizando-se de uma teoria que escapa da composição clássica aplicada na escola que busca compreendê-lo dentro de uma sequência lógica, bem como, na busca pelo o que o autor quer dizer no seu gesto de escrita, ou seja, nessa perspectiva, o texto é analisado apenas nas suas relações internas. Os componentes teóricos da AD produzem uma ruptura a essa praxis, ao considerar as CP sociais e históricas do texto e o sujeito-autor inscrito em posições vinculadas à FDs que o determinam. Entretanto, tais conceituações do arcabouço teórico da AD não significam que o texto é produzido “de qualquer jeito”, pois é pelas CP e na posição de autoria que a ordem do seu discurso é determinada, bem como, o modo como sua produção será organizada. Pensamos a ordem do discurso por meio de Foucault (2004) e o fato de que o texto é um conjunto de discursos já acontecidos, ditos e escritos ordenados pelas CP e pelo modo como o sujeito pode e deve escrever, pois em toda sociedade 47 -140 E-Book - Apostila “f.] a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (IDEM, 2004, p. 9). J Por isso, a produção textual comunga com a forma desigual e de classes divididas que estrutura a sociedade capitalista neoliberalista, de modo que, o sujeito ao se posicionar como autor, assina uma espécie de contrato que, mediante a FD a qual está filiado, o autoriza a escrever sobre alguns fatos, tentando delimitar os gestos de interpretação do leitor, enquanto interdita outros, pois épor meio da interdição velada que, inconscientemente, “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (FOUCAULT, 2004, p. 9). Mas o discurso está longe da definição da transparência e neutralidade, pois há palavras proibidas que precisam ser controladas e delimitadas pelo sujeito-autor que faz da língua a sua ferramenta de trabalho que juntam as palavras em unidades coerentes. Mera ficção de organização da desordem e o controle dos discursos, pois segundo o autor, não são todas as regiões do discurso que são igualmente abertas e penetráveis. Ora, o texto é produzido sob o manto de um ritual que impõe seus autores a ocupar determinada posição e a formular enunciados determinados, marcados pela ilusão de ser a fonte do dizer, mas que são produzidos por descontinuidades que se cruzam, se ignoram e se excluem ou mesmo transgridem ou invertem. Nesta concepção, Foucault (1997) afirma que escrita desdobra-se como um jogo que vai infalivelmente para além das suas regras, extravasando-as, bem como, determinando qual é o lugar que o sujeito deve ocupar e quais regras devem obedecer e apagar-se nessa desordem de discursos. Segundo Indursky (2001), é nesse emaranhado que a proposta teórica da AD ultrapassa uma linguística da língua, com indivíduos empíricos, considerando a organização para além das relações: a. Contextuais permeadas por questões culturais, políticas, econômicas, etc; b. Textuais que relacionam vários textos entre si; c. Intertextuais que direcionam a uma espécie de origem possível, ou seja, uma releitura de outros textos como se fosse uma espécie de apropriação de outro texto a fim de promover uma transformação ou assimilação. 48 - 140 E-Book - Apostila No entanto. para a autora que tem suas pesquisas fundamentadas pela teoria da AD, o repetível (memória discursiva) é da ordem de um já-dito que remete o dizer de outros sujeitos, em outros discursos e outros espaços, inscritos em FDs amigáveis ou antagônicas. Vale dizer que esse já-dito que se organiza na composição da tessitura do texto é o interdiscurso, ou seja, outros discursos ditos alhures, produzindo um efeito de homogeneidade no seu efeito de organização já determinada por regras impostas pelo discurso pedagógico. Na concepção da autora a “[.] as relações interdiscursivas aproximam o texto de outros discursos, remetendo- a a redes de formulações tais que já não é possível distinguir o que foi produzido no texto e o que é proveniente do interdiscurso. [...] o texto, nessa perspectiva, possui sua materialidade linguística, mas não se reduz a ela. Em função dessas diferentes relações que o texto pode estabelecer com a exterioridade, ele vai além de seu porte material (INDURSKY, 20071, p. 29). q J Esta concepção reforça que o texto é uma junção de discursos dispersos que se entrelaçam em FDs diversas, mobilizando posições-sujeitos-autores diferentes e, pelo fato de pensar no modo como diferentes discursos se organizam no texto, questões sobre o espaço discursivo heterogêneo arrumado por um sujeito-autor são retomadas mobilizando discursos pela relação interdiscursiva e os organiza, dando-lhe configurações de texto em um espaço discursivo heterogêneo estruturado por ele que vai tecendo e produzindo um efeito de unidade organizada de sentido, enquanto são apagadas as marcas da sua procedência. Nesse momento, une-se o disperso pela textualização, por uma espécie de costura que reúne diferentes alteridades e as tornam imperceptíveis. É preciso referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido pelas CP em que o sujeito-autor, no seu trabalho de organização dos discursos, modela os sentidos preexistentes como fonte originária, ou seja, ele pensa ser o dono desse emaranhado de sentidos que lança no seu texto. Sentidos que para a autora “[...] “são” o que seu autor pretendeu que fossem, absolutamente “seus” e “transparentes” e como tal, se cristalizam, não podendo nunca serem outros, produzindo o “efeito de evidência”. Em sua ilusão, tais sentidos são estáveis, nunca derivam, nem podem deslizar” (INDURSKY, 2001. p. 33). 49 - 140 E-Book - Apostila E) atenção Na produção textual, o sujeito em posição-autor é afetado pela FD dominante, irá garimpar discursos sobre o tema a ser apresentado. Estamos nos referindo às relações interdiscursivas que ele utiliza, pois ao formular os enunciados pensa ser o criador absoluto do seu dizer, por estar afetado pela ilusão da originalidade. Um fato que a AD explica pela teoria dos dois esquecimentos, denominados como número um e dois. Este ocorre no nível pré-consciente e consciente em que o sujeito seleciona um enunciado (e não outro) para compor o seu texto. O primeiro é o que nos interessa, pois ocorre em nível do inconsciente e o sujeito pensa ser a origem de um jádito, por não poder se encontrar no exterior da FD que o domina. Exemplo: o sujeito-autor que escreve para uma revista interpelada pela ideologia capitalista neoliberal, não vai defender e apoiar as manifestações populares da classe trabalhadora contra o arrocho salarial nos seus textos, publicados na referida revista. Fonte: Pêcheux (2009). Adaptado pelas autoras INTERTEXTO E INTERDISCURSO Entre os estudiosos da linguagem, especificamente quando se ocupam da linguística textual e também tem acesso à teoria da AD, é comum a geração de dúvidas entre intertexto e interdiscurso, tanto por apresentar um certo grau de similaridade na sua nomenclatura, quanto por apresentarem propostas conceituais aplicáveis ao texto, na sua multimodalidade. Por isso, a referida aula tem como propósito estabelecer a diferença básica entre eles, pois um trata das relações entre uma diversidade de textos que se agrupam em um texto e o outro de uma diversidade de discursos que, pela memória discursiva, serão agrupados no texto, pelo sujeito-autor. 50 - 140 E-Book - Apostila Recorrendo a Koch e Elias (2014), vamos compreender que, dentro da perspectiva teórica da linguística textual, um texto é constituído, a partir da recorrência a um ou vários textos e aqui também nos deparamos com questões voltadas ao sentido, de um modo diferente ao modo como a AD o concebe, pois para o texto fazer sentido é preciso que autor e leitor, na sua competência, reconheçam a presença de outro(s) texto(s), durante a escrita e a leitura. Nesse trabalho braçal do autor que, pela sua capacidade mental, vai incorporando e unificando vários textos no seu texto que ocorre a intertextualidade explícita com citação marcada da fonte de onde foi retirada ou mesmo uma intertextualidade implícita, ou seja, sem a ocorrência da citação expressa da fonte, onde foi retirada. Nesse caso, ocorre uma espécie de “[...] manipulação que o produtor do texto opera sobre texto alheio ou mesmo próprio [...]” (KOCH e ELIAS, 2014, p. 93) como estratégia de produção textual. Vamos a um exemplo de intertextualidade que lembra um escândalo de corrupção no meio político, ocorrido em 2005 e amplamente divulgado pelos meio de comunicação de massa, em que o assessor de um deputado, foi presos com dólares na cueca e esse fato foi motivo para a produção de outros textos, a partir do caso do dólar na cueca: Figura 2 - Quadro 1: Um exemplo de intertextualidade O cantor Paulinho da Viola canta uma música cuja letra diz:"Dinheiro na mão é vendaval 1) | navida de um sonhador [..] e no texto que aborda o caso de corrupção, a intertextua- lidade ocorreu do seguinte modo:"Dinheiro na cueca é vendaval” Há um poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado no meio do caminho que diz:“no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho [.]'e um outro intitulado E agora José. Ambos foram utilizados no texto produzido para anun- ciar o caso, da seguinte maneira:“tinhaum raio-x no meio do caminho, e agora José”. 2) Fonte: Koch e Elias (2014). Adaptado pelas autoras 51-140 E-Book - Apostila Já nos referimos sobre o interdiscurso em outros momentos desse material, mas é importante retomar, nesse contexto de estabelecimento de diferenciação em relação a um outro conceito muito utilizado e discutido pelos pesquisadores da linguística textual, pois segundo Indursky (2006, p. 70), "[...] o interdiscurso é o lugar onde residem múltiplos sentidos, produzindo por vozes anônimas [...], ou seja, é por meio de relações interdiscursivas que se aproximam o texto a outros discursos. Veja: no intertexto, ocorre a aproximação de um texto com outros textos; já no interdiscurso, ocorre a aproximação (ou mesmo a relação) de um texto com vários discursos. Utilizando-se do exemplo 1, especificamente, o enunciado “Dinheiro na cueca é vendaval”, diante da teoria da AD, o analista não irá considerar a sua relação com outro texto, no caso a letra da música pecado capital, cantada por Viola, mas a uma rede de formulações que considerará, entre outras coisas, as CP de produção desse enunciado, a posição do sujeito que enunciou e a FD que determina/autoriza enunciar desse modo (e não de outro), remetendo a uma seleção da repetibilidade (memória discursiva) sobre os possíveis discursos já enunciados (interdiscurso) sobre corrupção, sistema político brasileiro, justiça burguesa, divisão de classes, no Brasil, as penas de prisão são direcionadas a um grupo (e não outros), etc. Não há como negar que uma linha divisória um pouco tênue, entre as duas definições e, nesse caso, é a posição teórica fundamentada do analista que o capacitará, diante de qualquer objeto de análise, a desenvolver uma pesquisa competente, independente se pelo viés do intertexto ou pelo interdiscurso. INDICAÇÃO DE LIVRO Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos d e Eni Puccinelli Orlandi é a melhor leitura para complementar seu aprendizado nesta aula. 52 - 140 E-Book - Apostila Eni P. Orlandi DISCURSO E TEXTO formulação e circulação dos sentidos 5º Edição 53 -140 E-Book - Apostila Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos Autor: Eni Puccinelli Orlandi Editora: Pontes Sinopse:Afinal o que é um texto? A referida obra apresenta reflexões desenvolvidas pela autora sobre as diferentes modalidades textuais (verbal e não-verbal), a partir das concepções teóricas da Análise de Discurso. Fugindo da concepção clássica do texto, apresentada pela sistema de educação tradicional nas aulas de ensino de língua e produção textual, Orlandi ressignifica o texto, ao incorporar nele elementos que compõem sua produção, como as condições que determinam sua constituição, formulação e circulação, por meio do sujeito-autor que unem discursos pelas relações interdiscursivas e vai desmistificando a concepção de texto, ao considerar não só a escrita linear tradicional, mas também as novas tecnologias de escrita que se deslocam ao longo da história, como a tatuagem, o outdoor, o grafite, a pichação, etc. Ela analisa diversas materialidades e seus diferentes percursos que produzem efeitos de sentidos, na formação social em que a língua, na sua opacidade, se permite funcionar, no e pelo texto, por diferentes percursos. Vale a pena ler a obra. A J APROFUNDANDO Vamos falar a respeito da wikipédia e a linguagem hiper (textual): uma proposta de trabalho. As aulas de leitura e produção textual ganharam dinâmica diferenciada com a emergência dos ambientes colaborativos e é este espaço que será analisado, por meio do verbete aluno, para discutir a produção textual no Wikipédia. Será focalizado, sobretudo, a não transparência da língua e a produção de efeitos de sentidos pelos pressupostos teóricos da AD francesa, pois ela permite o trabalho com os sentidos materializados no processo de construção criativa e aberta de tais ambientes que tem como proposta a construção de uma enciclopédia, na qual usuários e leitores podem editar e colaborar “livremente” na produção de verbetes (termo ou palavra), melhorando ou aprimorando constantemente sua definição. Acreditamos que o sistema wiki pode ser explorado também nas aulas de língua, desde que não seja visto como simples ferramenta, mas, também, como uma nova forma de gerar e produzir conhecimento, que possibilita, de quebra, ampla e diferenciada interação entre os alunos envolvidos nas atividades com esse ambiente. Na perspectiva discursiva, a língua não é considerada um mero “instrumento de comunicação” que serve para “transmitir informações”, ela é vista como um objeto simbólico, através do qual o homem se relaciona com o mundo que o rodeia. Dessa forma, o trabalho com a leitura e produção textual, a partir desta perspectiva teórica, deve considerar a linguagem como algo que está constitutivamente relacionado à memória e à historicidade, uma vez que é pelo funcionamento destas que podemos atribuir sentidos aos textos e discursos que circulam em nossa sociedade. 54 - 140 E-Book - Apostila O verbete aluno será compreendido a partir do momento em que considerarmos a relação sócio-histórica e ideológica em que eles são produzidos, ou seja, o sentido está diretamente relacionado às CP específicas do ambiente que analisaremos o qual funciona sobre o imaginário de que, por ser colaborativo e aberto, é um sistema potencialmente democrático porque permite tudo dizer, divulgar, circular e armazenar sem que exista um ponto central de controle cerceando documentos, conteúdos e sistemas elaborados. É justamente por fazer parte desse imaginário que a Wikipédia, por exemplo, define a si mesma como uma “enciclopédia livre”, cujo conteúdo “neutro e objetivo”, ganha cada vez mais credibilidade, sendo, inclusive, utilizado para pesquisas acadêmicas (mesmo que muitos pesquisadores e professores não considerem essa enciclopédia como uma fonte legítima de consulta). A partir da concepção de que os sentidos de um texto passam por sua relação com outros discursos e outros textos, vamos observar daqui em diante como essa relação entre textos está funcionando para a produção de sentidos diferentes para a definição do verbete aluno na Wikipédia, conforme descrito: Figura 3 - Descrição do verbete aluno. i m (Al uno: (do latim alumnus, alumnié) ou discente é o indivíduo À que recebe formação e instrução de um ou vários professores ou mestres para adquirir ou ampliar seus conhecimentos, geralmente nas áreas intelectuais, levando em conta que existem diferentes aptidões e estilos de aprendizado para cada aluno - principalmente à medida em que avança na vida escolar. [.] Fonte: Wikipédia. Adaptado pelas autoras. Observamos que os sentidos produzidos no texto constroem para o verbete aluno um lugar estabilizado, no qual ele exerce um papel passivo, “aquele que recebe formação e instrução”, advindas de “professor ou mestres”. 55 - 140 E-Book - Apostila O sentido de aluno construído é, ainda, amarrado há duas outras definições já determinadas pela Wikipédia: “professor” e “mestre”, cujo direcionamento de sentidos corroboram para a construção de sentidos do verbete aluno. Há uma recorrência na manutenção dos sentidos estabilizados, e nos pré-construídos em torno daquilo que comumente se considera ser aluno, professor, mestre. Não há, como vemos, quebra ou ruptura com relação aos sentidos autorizados, que circulam, na sociedade, com seus efeitos de “verdade”, de sentido “literal” sobre o que é ser aluno. Há, nesse verbete, a permanência de um sentido historicamente construído para aluno, que faz parte do discurso oficial: o aluno é aquele que é informado ou instruído em uma área determinada, por outro mais instruído e especializado que ele, professor ou mestre, possuidor de um conhecimento maior, ou seja, aluno é metaforicamente comparado a um espaço vazio (sem história. Sem vida social)que vai sendo preenchido pela história, experiência, conhecimento e vida social do professor e, logo, detentor do saber. Mas, se a Wikipédia trabalha no efeito da evidência, do sentido único e verdadeiro, na construção do texto livre das marcas de subjetividade, como trabalhar com os sentidos outros, aqueles que estão fora do texto, mas que o constituem? Como levantar com os alunos questões que leve a uma interpretação do texto e não a uma leitura literal? Quanto a esse aspecto, entendemos que, tomadas as devidas precauções teóricas e pedagógicas, o professor deve sim buscar compreender as manifestações linguístico- discursivas desses ambientes e discuti-las em sala de aula, já que elas fazem parte dos ambientes por onde circulam a grande maioria de nossos alunos e, sendo assim, os professores não podem ignorar as produções aí existentes. A AD possibilita trabalhar com o(s) discurso(s) que atualiza uma memória e se textualiza, permitindo interpretar que os sujeitos de um e de outro texto se filiam a redes de sentidos e, portanto, subsidiam o professor a propor deslocamentos nos modos de ler, bem como, fazer um percurso inverso daquele que se realizou na escola por muito tempo: o de revelar o que o texto quer dizer pela via do sentido único. Muitos elementos e noções da Língua Portuguesa, não trabalhados nesta unidade, poderiam ser explorados nesse percurso, como o estabelecimento da coesão e coerência na escrita coletiva, os recursos metafóricos ou metonímicos que produzem sentidos determinados.Enfim, há uma infinidade de recursos que indicam possíveis trabalhos com a língua a partir da ideia de “definir” um verbete ou termo. E, por fim, defendemos a necessidade de entrar no universo do aluno, entrar em seu mundo que hoje é indiscutivelmente mediado pelas tecnologias e pelos ambientes digitais, onde circulam saberes legitimados e não legitimados. Por isso, registramos como possibilidade de produção textual, atrelada à teoria da AD, a produção de diferentes leituras e escritas pelos alunos, a partir da edição, escrita e reescrita, leitura e releitura de verbetes em uma e outra enciclopédia. Referências ALUNO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2017. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Aluno&oldid=48778427 .Acesso em: 26 junho 2017. 56 - 140 E-Book - Apostila Novos Desafios Neste estudo você teve a oportunidade de conhecer e refletir sobre o texto, por meio de um olhar direcionado pela teoria do discurso, enquanto oportunidade de discussão que nos capacita a debruçar sobre ele sem se preocupar em garimpar dados linguísticos que forneça uma possível resposta que identifique “o que o autor, ou o texto, quis dizer”. A noção apresentada aqui sobre o discurso oferece suporte teórico para produzir uma espécie de rearranjo do texto que capacita o sujeito-leitor a desenvolver uma análise que tem como ponto crucial encontrar as pistas discursivas necessárias para se chegar “ao como o texto significa”. Desprendemos do tripé que determina a produção textual seguindo a trilha do começo, meio e fim e passamos a entender que ele é um feixe de sentidos a ser produzido em uma multiplicidade - verbal, imagética, sonora, etc. - que vai sendo construído não como uma “máquina de escrever”, mas por meio de indivíduos que, pelo processo de interpelação, torna-se um sujeito que vai escrever sob o efeito da ilusão de ser o dono original do seu dizer, mas pela FD que o determina na posição de autor que dilui o singular e apodera-se da ação de escrita, sempre lapidada pelo que pode e deve ser escrito. A missão da teoria do discurso é provocar, produzir tensão para deslocar o que já está cristalizado como verdade absoluta e no que tange ao texto, ela recusa essa relação enclausurada no sentido único, originalidade do dizer, regras de escrita, pois, às vezes é na desordem do texto que os sentidos são produzidos no processo de textualização em que a “costura” elaborada pelo sujeito-autor não ocorre pelo meio já estabelecido, ou seja, pela sua composição clássica defendida e, salvo raras exceções, predominantemente ensinada na escola que pensa o texto pela via interna, sem considerar os aspectos sociais e históricos que permeiam qualquer prática que está além de uma relação intertextual. Há outros aspectos a serem considerados e a AD busca dar conta disso. VAMOS PRATICAR? Chegou o momento de testar o conhecimento adquirido até aqui! Para isso, por favor, participe da autoatividade que preparamos especialmente para você. São apenas 4 questões 57 -140 E-Book - Apostila 1. A Análise de Discurso é uma teoria do campo da Linguística que reflete criticamente sobre diversos campos de saberes, entre os quais o texto e o seu modo de produção. Assinale a alternativa correta que define o texto para a Análise de Discurso. a) Para a AD, o texto é comparável a uma chapa linear e a sua (a) produção deve seguir critérios estabelecidos para não confundir o sujeito-eleitor, ou seja, ele deve ser unidimensional e estar marcadamente delimitado com começo, meio e fim. Resposta Incorreta: Continue tentando! b) Para a AD, o texto é comparável a uma superfície plana e a sua [b) produção deve ser amparada em critérios pré-definidos pelo sujeito-autor para não fugir da sua pergunta básica: “o que o autor quis dizer?”. Resposta Incorreta: Continue tentando! c) Para a AD, o texto é comparável a um bólido de sentidos. mas que o sujeito-autor direciona para uma única direção, por meio dos 58 - 140 E-Book - Apostila seus três elementos de composição básicos a ser preenchido, ou seja, o começo, omeio e o fim. Resposta Incorreta: Continue tentando! d) Para a AD, o texto é unidade fechada e homogênea somente O representada pela escrita, por meio de um sujeito em posição de autor que, ao escrever, estabelece um ponto de partida e um ponto de chegada. Resposta Incorreta: Continue tentando! e) Para a AD, o texto é multidimensional, possui múltiplas formas - (e) verbal, imagética, sonora, etc - organizadas por um sujeito-autor que coloca a língua em funcionamento em uma unidade homogênea ilusória. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! 2. Sempre há motivos para se produzir um texto: persuadir, elogiar, ofender, 59 - 140 E-Book - Apostila criticar, solicitar, etc. A AD se dedica a essa importante fase a partir de um gesto interpretativo próprio. Sobre a produção textual para a AD, considere a veracidade ou falsidade das assertivas e assinale a alternativa correta. i A produção textual vai além dos conceitos já dados, pois ao fazê-lo o indivíduo, interpelado em sujeito- autor, vai considerar as condições de produção em que deve ser produzido, conforme a FD que determina o que pode e deve escrever. ii Aquele que produz um texto é um reprodutor de vários discursos que exerce o ofício de uni-los, pela posição sujeito-autor, as condições de produção e a(s) FD(s) que determinam sua posição. iii O texto enquanto produto não se apresenta como algo de sentido único e via de uma só direção. Para a AD o texto é produto de vários discursos e de um sujeito-autor que age sob a ilusão de sempre ser a origem do que escreve. iv. Para a AD, a produção textual deve ser pensada como um espaço discursivo homogêneo e de um efeito de sentido fechado no espaço pré-determinado pelo tripé: começo, meio e fim. (a) VV. VV. Resposta Incorreta: Continue tentando! 60-140 E-Book - Apostila OQ b)F,F.F.F. Resposta Incorreta: Continue tentando! OQ CV. V.V.F. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! OQ DFF,FV. Resposta Incorreta: Continue tentando! (e) JFV,FV. Resposta Incorreta: Continue tentando! 61-140 E-Book - Apostila 3. Pela teoria da AD descobrimos que o texto é uma importante ferramenta para seanalisar diversas situações sociais, por meio de um conglomerado de discursos, uma espécie de mosaico que vai se unificando no processo de textualização pelo sujeito- autor. Sobre a prática do texto e da textualização complete as lacunas e assinale a alternativa correta. i Atextualização éotrabalho de... feito pelo sujeito-autor que na ordem do já-dito e do repetível, vai e compondo o texto pela materialidade linguística. ii A textualização é uma prática que fi xa fragmentos ditos alhures e que são retomados pela il A textualização trabalha com See >>> —— —— que estabelece limites e organizas os sentidos dispersos. iv. A textualização produz um efeito de sentido único diante da ilusão da completude realizada pelo 00 — e o efeito de fecho marcado pelo ponto fi nal. a) Relação interdiscursiva, costura, sujeito-autor, fragmentos. 62 -140 E-Book - Apostila Q b) Costura, fragmentos, sujeito-autor, relação interdiscursiva. (C) c) Costura, relação interdiscursiva, fragmentos, sujeito-autor. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! OQ d) Sujeito-autor, costura, relação interdiscursiva, sujeito-autor. (e) e) Relação interdiscursiva, costura, sujeito-autor, sujeito-autor. 63-140 E-Book - Apostila 4. Para a Análise de Discurso, há uma fronteira porosa e um limite movediço marcando o texto e sua organização ao ser produzido por um sujeito-autor sempre mutável às condições de produção e as FDs que determinam o que ele pode e deve dizer ou escrever. Sobre a ordem do discurso e a organização textual, leia as assertivas e assinale a alternativa correta. i Pensar que o discurso se produz no texto por meio de uma ordem já estabelecida significa que há um controle na forma como o sujeito-autor irá se posicionar obedecendo, inconscientemente, a uma espécie de contrato. il A ordem do discurso estabelece limites, ou seja, interdita e autoriza dizeres. Por exemplo: um religioso que defende a vida jamais irá se posicionar a favor do aborto em qualquer circunstância. iii O modo como o texto é organizado se caracteriza pela obediência do sujeito-autor e pela invenção de palavras que são discursivizadas nas práticas pré- determinadas sem ultrapassar o que já está posto pelas regras textuais. iv. Quando a AD reporta sobre organização textual significa que ela está aderindo às teorias sobre o texto que defende sua organização textual a partir do tripé do seguinte tripé: começo, meio e fim. 64 - 140 E-Book - Apostila (a) a) As assertivas | e Il estão incorretas e as Ille IV estão corretas. Q b) As assertivas | e Ill estão corretas e as Il e IV estão incorretas. (Cc) c) As assertivas | e IV estão corretas e as Ile Il estão incorretas. O d) As assertivas | e Il estão corretas e as llle IV estão incorretas. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! (e) e) As assertivas |, Il e Ill estão corretas e a IV está correta. 65 -140 E-Book - Apostila REFERÊNCIAS MORENO, Ana Carolina. Brasil cai em ranking mundial de educação em ciências, leitura e matemática. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/brasil-cai-em-ranking-mundial-de -educacao-em-ciencias-leitura-e-matematica.ghtml>. Acesso em: 17 maio 17. FERREIRA, Maria Cristina Leandro (Coord.). Glossário de Termos do discurso: projeto de pesquisa da teoria do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2001). FOUCAULT, Michel. O que é um autor?. Lisboa: Veja; Passagens, 1977. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 10. ed., São Paulo: Edições Loyola, 2004. GALLO, Solange Leda. Discurso da escrita e ensino. 2. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1995. GALLO, Solange Leda. Como o texto se produz: uma perspectiva discursiva. Blumenau: Nova Letra, 2008. INDURSKY, Freda. Da heterogeneidade do discurso à heterogeneidade do texto e suas implicações no processa da leitura. In: ERNST-PEREIRA, Aracy; FUNK, Susana Bornéo. A leitura e a escrita como práticas discursivas. Pelotas: Educat, 2001, p. 27-42. INDURSKY, Freda. O texto nos estudos da linguagem: especifi cidades e limites. In: ORLANDI, Eni Puccinelli; LAGAZZI, Suzy. Discurso e textualidade. Campinas, SP: Pontes, 2006, p. 33-80. KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Marial. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3. ed., 10 reimp. São Paulo: Contexto, 2014. LAGAZZI, Suzy. Texto e autoria. In: ORLANDI, Eni Puccinelli; LAGAZZI, Suzy. Discurso e textualidade. Campinas, SP: Pontes, 2006, p. 81-103. ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso e leitura. 3. ed., São Paulo: Cortez, p, 1996. ORLANDI. Eni Pulcinelli. Análise de discurso: princípios & procedimentos. Campinas: Pontes, 3. ed. 2001a. ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5. ed., Campinas, SP: Pontes Editores, 2007. PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, F.; HACK, T. (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução Bethânia S. Mariani et al. 3.ed. Campinas: Unicamp, 1997. p.61-162. PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi... et tal. 4. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009. DISCURSO, ESCRITA E LEITURA 66 - 140 E-Book - Apostila Inicie sua Jornada Neste estudo temos por objetivo apresentar o modo como o autor, autoria, interpretação e escrita são visto a partir do ponto de vista da Análise de Discurso. Esperamos que esta seja uma ótima discussão a propósito da forma singular com que a análise de discurso pensa tais questões, tendo em vista que estamos falando de uma teoria materialista e que não pode deixar de pensar a autoria do ponto de vista das determinações sócio- histórica e ideológicas. Nesse aspecto, pensar a autoria é pensar as relações de poder e saber que afetam essa noção e o modo como ela se constitui em uma sociedade de escrita como a nossa. Sendo assim, dividiremos o estudo em cinco diferentes etapas, nos dedicando em um primeiro momento, ao qual será dedica a aula 1, a responder a difícil questão “o que é um autor?”, mostrando a heterogeneidade desse termo em nossa sociedade. Na aula 2, faremos uma breve relação entre as questões de interpretação e autoria, mostrando que em AD essas noções estão sempre imbricadas e não é possível pensar uma sem a outra. 67-140 E-Book - Apostila Na aula 3, buscamos aprofundar as noções que a AD desenvolveu em torno da questão da autoria, apresentando as noções de função-autor e efeito-leitor, a partir das quais podemos compreender o modo como os textos se constituem, se formula e circulam. Na aula 4, retomamos a questão da autoria relacionando-a com o efeito-leitor, pois, discursivamente, autor e leitor são responsáveis pelo sentido do texto e não há como pensar em um sem o outro. Esperamos que a discussão aqui apresentada sirva para uma reflexão não só sobre a autoria em geral, mas o modo como ela afeta a sua própria relação com o texto e com a sua escrita. Bons estudos! Desenvolva seu Potencial O QUE É UM AUTOR? A pergunta “O que é um autor?” vem sendo feita ao longo do tempo pelos mais variados campos de estudo. Isso porque vivemos em uma sociedade da escrita e, por isso, a noção de autor afeta substancialmente diferentes processos sociais, tais como a produção científica, as produções escolares, as relações de trabalho, entre outras. Mas de que nos interessa saber o que é um autor? Ora. compreender os diferentes sentidos que nossa sociedade confere ao termo autor implica. em última instância, compreender o modo como nós, profissionais envolvidos com os processos educacionais ou mesmo de outras áreas, entendemos os poderes e deveres envolvidos no ato de “saber ler e escrever". Como vimos na unidade anterior, pensar a relação entre discurso e texto pressupõe pensar também as posições-sujeitoem jogo nos processos de textualização. A partir dessas considerações podemos refletir agora de que modo compreendemos o que é um autor, como nossa concepção sobre o autor pode implicar em uma maneira determinada de pensar as questões sociais e, consequentemente, o modo como os sentidos se produzem em uma sociedade como a nossa, cujos valores de legitimação se dão predominantemente em discursos de escrita. Entre os estudiosos que levantaram a questão o que é um autor, situamos a célebre obra de Michel Foucault, que tem por título essa mesma questão. Dessa obra é pertinente destacar a relação que o autor faz entre o autor e o nome próprio, ou seja, o que significa nomear um autor? Sobre isso o autor dirá que 68 - 140 E-Book - Apostila o nome do autor funciona para caracterizar um certo modo de ele ser no discurso: para um discurso, o fato de haver um nome de autor, o fato de que se possa dizer “isso foi escrito por tal pessoa”, ou “tal pessoa é o autor disso”, indica que esse discurso não é uma palavra cotidiana, indiferente, uma palavra que se afasta, que flutua e passa, uma palavra imediatamente consumível, mas que se trata de uma palavra que deve ser recebida de uma certa maneira e que deve, em uma dada cultura, receber um certo status (FOUCAULT. 2007, p.13). q J Quando consideramos, portanto, que para compreender o que é um autor é preciso, como propõe Foucault (2001). pensar nos modos de ser autor de um discurso estamos considerando que para a AD falar em autor só faz sentido a partir do momento em que este aponta para um modo determinado de ser autor de um discurso. Logo, o autor tem relação direta com as relações de poder e com o modo como histórica e ideologicamente os discursos se produzem de um modo singular na relação entre os sujeitos e a língua. Nesse sentido, o autor é aquele que pode ser identificado em um momento dado como o sujeito de um discurso determinado. Pensar o autor desse modo requer, por sua vez, reconhecer que a noção de autoria implica deixar de nos preocuparmos com o sujeito empírico para pensar um sujeito determinados por relações sócio-históricas e, nesse sentido, a autoria de um texto é uma função que pode ser ocupada por diferentes indivíduos. Desse modo nos distanciamos, na perspectiva discursiva, de uma concepção de autor como aquele que simplesmente escreve ou produz o texto intencionalmente, com um objetivo de dizer X. Muito menos nos interessa perguntar diante de um texto, como já vimos nas unidades | e Il, o que “o” autor quis dizer. Por isso a noção de autor, como dissemos, é importante para pensarmos como se dão as relações de poder em nossa sociedade. Mais do que perguntar o que o autor quis dizer, interessa ao analista do discurso perguntar: Porque esse autor pôde (ou não pôde) dizer isso aqui e agora ? Por que não pôde dizer de outro modo? Quem pode (ou não pode) ser o autor desse texto? Discursivamente, interessa mais pensarmos como o que entendemos por autor influencia o modo como interpretamos os textos, já que valorizamos a autoria a partir dos textos que consideramos legítimos ou não. 69 - 140 E-Book - Apostila Para entender a importância da autoria em nossa sociedade é preciso compreendermos que a importância da autoria se dá porque somos uma sociedade de escrita, ou seja, de acordo com a professora Solange Gallo (que se dedicou ao estudo dos discursos de escrita e de oralidade a partir de uma teoria do discurso) o discurso de escrita tem maior legitimidade, uma vez que, devido ao modo como se deu o nosso processo de colonização, a língua tupi que era língua de oralidade, não passível de escrita, foi considerada ilegítima (assim como as demais línguas orais) ao mesmo tempo em que a escola adotou a língua da corte (Língua portuguesa) como modelo e norma a ser seguido, legitimando assim a língua escrita em detrimento da língua nativa, que permaneceu como língua de oralidade: ilegítima. Segundo Gallo (2012), “fixamo-nos em uma discursividade escrita, e tudo o que não se parece com a escrita legitimada, que conhecemos dos livros e das publicações, não vale como produção legítima”. Sendo assim, o discurso de escrita se sobrepõe ao discurso da oralidade, porque dificimente consideramos legítimo aquilo que tem característica de língua oral. Isso pode ser percebido facilmente quando pensamos o modo como ensinamos nossa língua materna na escola, sempre a partir das normas e regras da Língua Portuguesa escrita. Também não consideramos as produções textuais escolares como discursos legítimos, porque ainda não são considerados autores legítimos, já que estão “aprendendo a escrever”, tanto que dificilmente as produções escolares podem ser publicadas. É por isso que tem grande importância para alguns perguntarmos, por exemplo, “quem pode ou não pode ser o autor de um texto x”. Quando nos perguntamos isso podemos perceber ou tentar compreender porque um aluno dificilmente será, em suas produções escolares, reconhecido como autor legítimo. Porque ele precisa antes aprender a (re)produzir um texto a partir das normas e regras da língua portuguesa escrita. Do mesmo modo, pense nas produções escritas que circulam na internet, quais podem ser atribuídas a um autor legítimo? Por que valorizamos mais uns que outros? O modo como interpretamos um texto está intimamente relacionado ao quanto consideramos um texto legítimo, ou seja, como atribuímos ou não legitimidade a um determinado tipo de autor e não a outro a partir de sua relação, domínio e intimidade com um determinado tipo de escrita e suas regras. QUADRO RESUMO Na base de toda teoria linguística podemos observar as noções de língua, linguagem, escrita, oralidade, discurso, texto, sentido. Porém nas práticas de ensino de língua materna essas noções são esquecidas e o que se pratica é o grafismo, a ortografia, a leitura, as análises gramaticais. “Será que o aluno, ao deixar a Escola, está preparado para entrar em um processo de legitimação de uma sua posição através da escrita?” Fonte: Gallo (2008, p.18). Adaptado pelas autoras. 70 - 140 E-Book - Apostila INTERPRETAÇÃO E AUTORIA Como vimos nos estudos anteriores, o modo como compreendemos a noção de autoria afeta o modo como interpretamos um texto. Vejamos, agora, como isso ocorre de modo mais efetivo, tendo em vista todas as discussões realizadas nas aulas anteriores sobre o modo como a AD pensa os processos de interpretação. Interessa para nossa discussão sobre interpretação e autoria pensar que só podemos atribuir autoria àquilo que é interpretável, ou seja, para que haja autor é preciso a produção de um texto interpretável o que significa que para ser considerado autor é preciso se inscrever na ordem de um já dito, reconhecível, mas ao mesmo tempo se mostrar como fonte do que diz. É importante, portanto, entendermos o que é esse “já dito”, para que não se confunda o que é simples repetição com aquilo que é inscrição do sujeito em um repetível que é histórico. Orlandi (2007, p.70), ao falar de interpretação e autoria dirá que precisamos distinguir os modo de repetição, diferenciando as repetições que não historicizam (a repetição empírica e a formal - técnica de produção de frases e exercícios gramaticais) da repetição histórica, que é da ordem do interdiscurso, que diz respeito à memória e à rede de filiações às quais o texto se relaciona. " A inscrição do dizer no repetível histórico (interdiscurso) é que traz para a questão do autor a relação com a interpretação, pois o sentido que não se historiciza é ininteligível, ininterpretável, incompreensível. Isto nos leva a afirmar que a constituição do autor supõe a repetição, logo, como estamos procurando mostrar, a interpretação (ORLANDI, 2007, p. 70 ). A J 71-140 E-Book - Apostila Isso significa dizer que sempre interpretamos a partir do reconhecível e é também a partir do reconhecívelque nos relacionamos com o autor. Sempre podemos reconhecer em um texto aquilo que é da ordem da repetição, mas quando essa repetição é histórica ela permite deslocamentos. No âmbito escolar, por exemplo, quando a repetição não historiciza ela é uma repetição empírica ou técnica, quando copiamos um texto sem modificá-lo, ou quando apenas repetimos exercícios já previamente definidos, não há espaço para uma autoria. Por isso, as aulas de redação ou de produção textual, por exemplo, são as ditas “mais difíceis” para grande parte dos alunos. Um ótimo exemplo disso é o fato de que grande parte dos textos produzidos na escola são, em geral, muito semelhantes, justamente porque há formas estabilizadas de autoria. Isso quer dizer, um certo jeito de dizer, com certas palavras, em uma certa ordem. É nesse momento que ou só “repetimos” ou temos a possibilidade de exercitar um lugar de autoria e aí precisamos ao mesmo tempo em que repetimos produzir algo “original”, mas sem que esse original “escape” do que pode ser historicamente reconhecível, pois, caso seja algo que não seja da ordem de uma repetição histórica, poderemos produzir um texto não legível, não interpretável e, assim, não será reconhecida a sua autoria. O texto precisa ter leitura: N Para que uma palavra faça sentido é preciso que ela já tenha sentido. Essa impressão do significar deriva do interdiscurso - o domínio da memória discursiva, aquele que sustenta o dizer na estratificação de formulações já feitas, mas “esquecidas”, e que vão construindo uma histórica dos sentidos. Toda fala resulta assim de um efeito de sustentação no já dito que, por sua vez, só funciona quando as vozes que se poderiam identificar em cada formulação particular se apagam e trazem o sentido para o regime do anonimato e da universalidade. Ilusão de que o sentido nasce ali, não tem história. Esse é um silenciamento necessário, inconsciente, constitutivo para que o sujeito estabeleça sua posição, o lugar de dizer possível. (ORLANDI, 2007, p. 72) Nu J Interessa observar, portanto, que para Orlandi (2007) o autor sempre se posiciona na relação com a constituição de um lugar de interpretação que se define por sua relação com o interdiscurso. 72 - 140 E-Book - Apostila Quer dizer, o lugar de um autor é determinado pelo lugar da interpretação sempre na sua relação com a memória do dizer, repetição histórica, e com o seu interlocutor. Um exemplo interessante disso é quando pensamos as redações de vestibular que se baseiam na solicitação de determinados gêneros discursivos (resumo, carta, notícia, etc.). Para produzir um texto possível de ser reconhecido como um texto singular o candidato precisa estar na ordem do repetível, saber como se produz um resumo, o que se pode dizer em um resumo, saber quem é o seu interlocutor, quem é o leitor deste gênero. Em outras palavras, para ser autor de um resumo é precisa entrar nessa ordem do repetível ao mesmo tempo em que produz aí algum deslocamento que está justamente na interpretação que cada um fará daquilo que for solicitado no comando da redação. Todos os candidatos produzirão um resumo, para um interlocutor determinado que é o mesmo, mas cada um dos textos será diferente porque para se projetar como autor de sua redação cada candidato se colocará em um lugar de interpretação diferente. Ou seja, é o modo como cada um interpreta o texto que determinará o lugar que cada um ocupa como autor. “[...] podemos dizer que o autor, relativamente à injunção à interpretação, fica determinado: a) de um lado, pelo fato de que não pode dizer coisas que não tem sentido (a sua relação com o interdiscurso e com a memória do dizer) e b) deve dizer coisas que tenham um sentido para um interlocutor determinado (seja ele efetivo ou virtual). Desse modo a historicidade se atualiza na função-autor através da interpretação. Com efeito, a autoria ao mesmo tempo constrói e é construída pela interpretação. (ORLANDI, 2007, p. 75) Nu J Como podemos ver, ser autor de um texto implica sempre em produzir uma certa repetição, mas ao mesmo tempo se produz a possibilidade de produzir o novo, sobretudo porque um texto sempre será escrito em um outro momento, em outro lugar, sendo assim ao mesmo tempo novo. É por isso que para a AD 73 - 140 E-Book - Apostila A repetição, entre tantas coisas, requer interpretação e memória ao mesmo tempo. A escrita como “novidade” é apenas efeito do trabalho de interpretação e de memória, visto que o que dizemos reaparece e sempre retorna em outro lugar (SCHONS, 2005, p.140). EU INDICO Segundo uma matéria publicada pela revista GizModo Brasil, em 2014 a revista científica Nature, revelou que “as editoras de revistas científicas Springer e IEEE removeram mais de 120 artigos publicados entre 2008 e 2013.” Os artigos foram produzidos a partir de um sistema de computador que gerava o texto automaticamente. O fato é que os artigos foram lidos e avaliados por cientistas e, mesmo assim, não conseguiram distinguir a fraude, já que valorizamos tanto a normatização escrita, os modelos e a repetição que atualmente mesmo leitores especializados em um determinado campo do saber tem dificuldades para reconhecer os traços de uma autoria efetiva em grande parte dos textos acadêmicos publicados. Isso gera a sensação de que todos os textos de uma área são exatamente iguais. Ou seja, buscamos tanto pelo apagamento da subjetividade, pela neutralidade e objetividade dos textos que acabamos cerceando o exercício de uma autoria real. Fonte: Feinberg (2014). Adaptado pelas autoras. FUNÇÃO-AUTOR E EFEITO-AUTOR 74 -140 E-Book - Apostila A escola muitas vezes confunde autoria com escrita, como se o objetivo principal de uma aula de produção de texto fosse formar escritores e não sujeitos-autores. É importante diferenciarmos o escritor do autor pois, na perspectiva discursiva a partir da qual estamos trabalhando são duas noções opostas. O escritor é um autor reconhecido pela produção de uma obra específica, que segue determinadas regras editoriais de produção. Aquele que tem nome próprio: Machado de Assis, Michel Pêcheux, Sigmund Freud, etc. Já o autor para a AD é uma posição do sujeito, um efeito produzido pelo texto e para entender melhor o modo como a AD pensa a autoria é importante apresentar duas noções importantes: função-autor e efeito-leitor. Pensando de formas diferentes a função-autor, gostaríamos agora de discutir o trabalho de Solange Gallo que, como já destacamos anteriormente, propõe uma forma singular de pensar a autoria em seus estudos sobre o discurso da escrita e da oralidade na relação com a escola. Preocupada com os modos como o texto se produz a autora irá destacar que para que exista autoria, sobretudo nas práticas escolares, é preciso ir além de simples exercícios de redação. É interessante a observação da autora quando chama nossa atenção para o fato de que a alfabetização e a grafia não são práticas suficientes para a autoria, ou seja, saber escrever, grafar, não é o mesmo que ser autor de um texto. Desse modo, retornamos à questão principal de nosso debate: o que é um autor?, mas dessa vez nos perguntando também: como se tornar (ensinar ou aprender a ser) um autor? INDICAÇÃO DE FILME Narradores de Javéde Eliane Cafféé o melhor filme para complementar seu aprendizado nesta aula, 75 - 140 E-Book - Apostila O POVO AUMENTA MAS NÃO INVENT , Ja a + | Tas =... | R4) 1 1 es A E KH E | Va |QOR h' O 1 ie AV e DIRIGIDO POR ELIANE CAFEÉ HE EEMONT + GERE CAMILO q ROS REDERDE a HELSOS MANTER a LOC] PEREIRA NELSCS DANTAS qr ALESSANDRO AZEVEDO a MALEICHO FIZMRA a BEMESILTA EATHELS NACHIERGAFLE » ELTESS LIRA 76 -140 E-Book - Apostila Título: Narradores de Javé Ano: 2003 Sinopse: Somente uma ameaça à própria existência pode mudar a rotina dos habitantes do pequeno vilarejo de Javé. É aí que elesse deparam com o anúncio de que a cidade pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes acontecimentos heróicos de sua história, para que Javé possa escapar da destruição. Como a maioria dos moradores são analfabetos, a primeira tarefa é encontrar alguém que possa escrever as histórias. Comentário: O filme “Narradores de Javé” é uma obra relevante para uma reflexão sobre o poder da escrita em nossa sociedade. O fato de o drama girar em torno da problemática de uma cidade que precisa “escrever” sua riqueza que está na ordem da oralidade tendo um único habitante, Antônio Biá, que sabia ler e escrever faz com que a obra gire em torno de questões importantes sobre autoria, o poder da escrita, a provisoriedade e a ilegitimidade da oralidade, a beleza das narrativas populares, o papel do personagem-autor, etc. Mostra, de forma muito forte, o que significa existir em uma sociedade de escrita. A A Função-autor e efeito-autor De acordo com os estudos de Gallo (2011), podemos pensar a função-autor relacionando- a mais especificamente com o nível enunciativo, ou seja, na relação do sujeito autor e o modo como ele elabora (formula) o seu texto. Isso porque é na dimensão enunciativa que o sujeito se relaciona com as formações imaginárias (que já estudamos) afetado pelo imaginário de que seu texto é autêntico, podendo, assim, produzir um efeito de fecho ao seu texto. Sendo o fecho do texto apenas um efeito podemos compreender que a função- autor permite vislumbrar que o texto não é uma unidade real, mas imaginária, e, por isso mesmo, podemos dizer que aí há uma função autor, pois há um esforço de reunião de dizeres, levando à assunção de uma autoria: aquele que produz um texto com efeito de unidade. O sujeito assume, assim, uma função de autoria ao mesmo tempo em que formula o seu texto, pois 77-140 E-Book - Apostila “f...] conduzir uma escrita depende, sim. de um olhar. Depende daquele que vê o texto imbricado a outros textos e neles, os sujeitos se constituem à medida que interagem com os outros, cuja consciência e conhecimento de mundo se tornam resultantes do produto sempre inacabado desse mesmo processo, de suas práticas. Por isso o reconhecimento ou o esquecimento de sentidos depende do trabalho do sujeito-autor, que pode ratificar o legitimado, mas que pode, também, provocar deslizamentos, ou pode afastar- se completamente desses sentidos (SCHONS. 2005, p.146). A J Sendo um processo imaginário, pela função-autor sabemos que o texto é provisório e que é um processo sempre inacabado, mas para pensar a autoria é preciso também pensar o modo como entendemos o texto e, em nossa sociedade, um texto é sempre um produto acabado. Quando colocamos um ponto final no texto se produz aquilo que Gallo (2008) chamou de efeito de fecho e ao produzir esse efeito de fecho temos simultaneamente a produção de um efeito-autor. Quando falamos em “efeito” isso significa que algo se produz imaginariamente. Como vimos na Unidade Il, o texto se produz na prática da textualização. Um ótimo exemplo desse efeito de fecho é quando, na faculdade, solicitam a você a realização de um trabalho ou pesquisa, com um prazo determinado para a entrega. Você fará sua pesquisa, irá reunir vários “fragmentos” de outros textos, mesclar com suas próprias formulações textuais, assinará seu nome no final e entregará na data definida. Ao fazer isso você assumiu a posição sujeito aluno, deu um efeito de unidade ao seu texto e assim produziu o efeito-autor. Mas você sabe que seu texto poderia não ter se encerrado ali, que você poderia, se não tivesse um prazo de entrega, trabalhar no seu texto ainda por vários dias, modificando, alterando, ampliando. Ele não acaba, ele não tem fim, mas quando colocamos um ponto final e entregamos produzimos esse efeito de fim: efeito de fecho. Todo texto que produz esse efeito de unidade final produz um efeito-autor, aquele que assume a autoria desse produto final. Como já estudamos ao falar sobre texto e textualização, o autor formula seu texto a partir de uma “costura” de outros textos e, nesse sentido, a função-autor não se liga diretamente com o processo de legitimação do texto, uma vez que quanto mais função- autor menos legítimo será o texto produzido. Ou seja, quanto mais livre o sujeito se sentir para formular seu texto, mais ele pode derivar para o impensado e o não interpretável. 78 - 140 E-Book - Apostila Nesse sentido a função-autor se diferencia do efeito-autor pois o efeito-autor serve para para descrever os processos de legitimação dos discursos, pois quanto mais um texto é reconhecível como um texto legítimo mais ele produz efeito-autor, ou seja, é preciso se inscrever em um discurso já legitimado (o do aluno acadêmico, por exemplo) para que aí seja reconhecido um autor: efeito-autor. Um exemplo de como na escola para ser considerado um autor a função-autor deve estar apagada é o fato de que sempre se exige de um texto escolar ou mesmo acadêmico no qual as marcas de subjetividade estejam apagadas. O que isso significa? Significa que é preciso aderir à normatização textual, produzir um texto objetivo, apagar todas as marcas de um discurso que não seja o discurso de escrita, legítimo. Quantas vezes ao receber as correções de um texto escolar seu professor não chamou a sua atenção para que você prestasse atenção para não deixar “marcas” muito pessoais em seu texto? Somente os textos “acabados”, que produzem um efeito de fecho podem produzir o efeito-autor. Historicamente a autoria é relacionada, portanto. aos processos de legitimação em que se privilegia a paráfrase (pela repetição de discursos já legitimados e em circulação) e menos a polissemia. Para a AD, diferente de algumas teorias linguísticas como a Linguística Textual, por exemplo, interessa menos pensar a coesão e coerência de um texto, e mais o modo como determinados discursos se textualizam, ou seja, o modo como os recortes discursivos são provenientes de outros textos, outros discursos. Privilegiar apenas textos que produzem o efeito-autor em grande parte dos casos, sobretudo no contexto escolar, é privilegiar a repetição sem produção de historicidade. Assim, não seria incorreto afirmar que quanto mais original e menos legível for o texto, mais função- autor e quanto mais repetição e mais legível for o texto, mais efeito-autor. Ao falar em função-autor e efeito-autor podemos perceber que a questão da autoria se relaciona com o modo como nos relacionamos com o conhecimento. É por isso que dizemos que no contexto escolar atual trabalhamos mais a necessidade de produção textual com efeito de fecho e efeito-autor do que com os fragmentos textuais ou com os textos que não se enquadram em um modelo estabelecido, como uma posição sujeito reconhecível. PENSANDO JUNTOS “O que dizemos ou deixamos de dizer e como dizemos em nossos textos são “falas” que “ecoam e reverberam efeitos de nossa história em nosso dia-a-dia, em nossa reconstrução cotidiana de nossos laços sociais, em nossa identidade histórica” Autor: Schons (2005, p. 154) 79 - 140 E-Book - Apostila LEITURA E EFEITO LEITOR Antes de falarmos de leitor é preciso definir que a noção de leitura é uma noção que possui ela mesmo múltiplos sentidos: “Leitura de mundo”, “ Leitura de uma obra”, “Leitura como forma de atribuição de sentidos” (ORLANDI, 1988, p. 8). Mas o sentido de leitura que interessa para a AD é aquele que diz respeito à interpretação. Se os dizeres, na perspectiva da AD, estão na relação com o interdiscurso e com a memória, a leitura diz respeito aos modos de gerenciamento da memória coletiva. Desse modo há uma divisão que " “[...] separa os que estão autorizados a ler, escrever e falar em seus nomes e todosos outros que, na cópia. na transcrição, na classificação, na indexação, na codificação, repetem incansavelmente gestos (de interpretação) que os apagam por detrás da instituição (ORLANDI, 2007, p. 134). q J Isso significa dizer que, para a AD, os sentidos de um texto não são dados nem pelo autor nem pelo leitor no sentido empírico, mas que há sentidos possíveis de serem lidos, de acordo com as determinadas condições de produção, em determinadas circunstâncias. Em outras palavras, para a AD o sentido sempre pode ser outro, mas nunca poderá ser qualquer um. Como escreve Orlandi (2007, p. 136) 8o - 140 E-Book - Apostila há espaços discursivos estabilizados, ou seja, há técnicas materiais, há técnicas de gestão social dos indivíduos, há espaços que repousam, quanto a seu funcionamento discursivo interno, sobre uma proibição de interpretação (não se poder dizer “em certo sentido”, “se podemos dizer”, etc.) Há, portanto, estabilidade que resulta em interdição à interpretação. J Para a AD os falantes comuns interpretam os textos a partir de um “dispositivo ideológico de interpretação” (ORLANDI, 2007, p.141), o que significa dizer que sempre que lemos um texto de um determinado modo e não de outro estamos afetados pela memória discursiva sem necessariamente nos darmos conta desse afetamento. Diante de qualquer objeto somos convidados a “significar” ou seja estamos condenados a interpretar. Como vimos, no processo de produção de um texto o sujeito-autor sempre se relaciona com as formações imaginárias o que significa que ele sempre produz o seu texto projetando um leitor. Nessa concepção a relação básica que instaura o processo de leitura é o do jogo existente entre o leitor virtual e o leitor real. É uma relação de confronto. O que, já em si, é uma crítica aos que falam em interação do leitor com o texto. O feitor não interage com o texto (relação sujeito-objeto), mas com outro(s) sujeito(s) (leitor virtual, autor, etc.) A relação [...] sempre se dá entre homens, são relações sociais; eu acrescentaria, históricas, ainda que (ou porque) mediadas por objetos (como o texto). [...] Leitura e sentido, ou melhor, sujeitos e sentidos se constituem simultaneamente, num mesmo processo. Processo que se configura de formas muito diferentes, dependendo da relação (distância maior ou menor) que se estabelece entre o leitor virtual e o leitor real (ORLANDI, 1988, p. 10). J 81 - 140 E-Book - Apostila É importante, ainda, destacar que a leitura implica não apenas em atribuir sentido ao que está dito, mas também ao que não está no dito, mas que está significando no modo como o texto diz e não diz. Do mesmo modo como vimos que o autor é aquele que “costura” sentidos a leitura determina que os sentidos que podem ser lidos em um texto fazem parte também de sua relação com outros textos. Para ser um leitor não basta, portanto, adquirir certas habilidades de decodificação ou de leitura, é preciso saber compreender “o que um texto diz e o que ele não diz, mas o constitui significativamente”. Como já vimos nas primeiras unidades deste livro. Por ora, o que é importante ressaltar na relação do leitor com o texto é que não lemos em um texto aquilo que “desejamos” e nem de qualquer forma. Se a produção do texto é regulada por mecanismos institucionais de legitimação a leitura também é regulada. Para a AD interessa afirmar que há sempre uma determinação histórica que faz com que em determinado período alguns sentidos e não outros possam ser lidos. Desse modo, N leituras que são possíveis, para um mesmo texto, em certas épocas não o foram em outras e leituras que não são possíveis hoje o serão no futuro. [...] os sentidos não são propriedade privada: nem do autor e nem do leitor (ORLANDI, 1988, p. 86). A J Assim, se falamos de um efeito-autor também podemos falar de um efeito-leitor. O efeito-leitor “à representação de unidade textual, efeito da relação do autor com o texto [...] corresponde a unidade da leitura [...] resultante do efeito-leitor” (ORLANDI, 1988, p.104). Em uma perspectiva discursiva o leitor é aquele que assume uma posição sujeito- leitor em uma ordem social dada, em um lugar específico. Ele não corresponde, necessariamente, ao leitor virtual projetado pelo autor. É, portanto, do leitor 82-140 E-Book - Apostila inscrito no social, que se cobra um modo de leitura (coerência, unidade, etc.). Dessa forma, na produção de leitura, ele entra com as condições que o caracterizam sócio-historicamente. Ele terá, assim, sua identidade de leitura configurada pelo seu lugar social e é em relação a “esse” lugar que se define a “sua” leitura. O efeito-leitor é, pois, relativo à posição-sujeito (ORLANDI, 1988, p. 104). NU J Nesse sentido, interessa ao analista de discurso passar de um processo de leitura superficial, compreendendo os processos de leitura que levam o sujeito à compreensão de um texto. Não se trata de afirmar qual a leitura “correta”, ou qual a “interpretação” indicada. mas sim de mostrar que os sujeitos e sentidos se constituem sócio- historicamente. Ler, nesse sentido, é compreender N A análise de discurso não é um método de interpretação, não atribui nenhum sentido ao texto. O que ela faz é problematizar a relação com o texto, procurando apenas explicitar os processos de significação que nele estão configurados, os mecanismos de produção de sentidos que estão funcionando. Compreender, na perspectiva discursiva, não é, pois, atribuir um sentido, mas conhecer os mecanismos pelos quais se põe em jogo um determinado processo de significação. (ORLANDI, 1988, 2.117) PENSANDO JUNTOS 83-140 E-Book - Apostila Você já considerou que quando lê um texto está ocupando um lugar determinado? Quantas vezes não sentimos que o autor parece que escreveu aquele texto especialmente para nós e, outras vezes, parece que não entendemos nada do que o texto quer dizer? Não se trata de saber ou não saber ler, se trata de ocupar uma posição sujeito a partir da qual aquele texto produz sentido. É preciso, pois, se identificar com o que é dito. Fonte: as autoras A AUTORIA NO COTIDIANO Discutimos bastante sobre o modo como a autoria e a leitura são processos sócio- historicamente constituídos que afetam o modo de produção dos sentidos em nossa sociedade. Mas cabe ainda nos perguntar de que modo a escrita se produz no cotidiano, ou seja, como podemos pensar a autoria e a leitura nas práticas cotidianas e não apenas nas produções escritas facilmente reconhecidas? Haveria em nossas práticas cotidianas formas de escrita que relativizariam as noções de autor e leitor do modo como estamos habituados a pensar? Vamos pensar, por exemplo, nas formas de produção de um trabalho acadêmico ou escolar realizado em equipe: além da referência aos autores que geralmente informamos na “capa” do trabalho a ser entregue ao professor, de que modo a autoria coletiva do texto poderia ser percebida? O efeito-leitor que esse texto coletivo produz não é a de um único autor? (um texto com unidade estável, com coesão e coerência, sem dispersão?). Pense agora no contrário, em um texto escrito há várias mãos, mas assinado por um único autor ou sem identificação de autoria, como, por exemplo, um texto publicitário? Como pensar a autoria de uma propaganda, sendo a propaganda um texto construído por diferentes sujeitos e sem o nome do autor? Todas essas questões são complexas e não pretendemos respondê-las aqui, elas servem apenas para ilustrar que por mais que as noções de autoria e de leitura tenham já certos sentidos estabilizados, como mostramos nas aulas anteriores, elas ainda não foram totalmente problematizadas. Esse é também o trabalho do analista de discurso, buscar problematizar como determinados sentidos como o de autor e leitor, por exemplo, ganham maior força do que outros e porque até agora eles forampouco relacionados à uma escrita cotidiana. Por que até aqui pensamos a autoria e a leitura de uma forma e não de outra? Consideramos que a escrita do cotidiano faz balançar os sentidos estabilizadas de autor e leitor, sobretudo aqueles que se fixam, como vimos, em um discurso de escrita, com suas filiações há uma forma determinada de registro, com regras e normas. 84 - 140 E-Book - Apostila Além dos textos escritos e legitimados não temos em nossas práticas cotidianas outras formas textuais e discursivas que colocam em jogo os processos de autoria e de leitura? Por exemplo, é possível ler uma obra de arte? Uma dança? É possível ler a cidade? Do ponto de vista discursivo, sim. Você acha isso estranho? Vejamos então como isso é possível. Orlandi (2004) em um belo livro intitulado “Cidade dos Sentidos”, do qual já indicamos a leitura, fala um pouco de como a AD pode pensar a(s) escrita(s) e leitura(s) da cidade. “ a Ora, se a cidade é um espaço social que é politicamente dividido, um espaço em que o público está rarefeito, isto estará presente também nas manifestações de linguagem que este espaço suporta. Sendo a linguagem um fato social, a própria escrita, a organização da linguagem tem a ver com o modo como, materialmente, esse espaço de significação se organiza. Também falamos da escrita urbana, pensando a relação da população com a escola lugar de institucionalização da escrita) com os instrumentos linguísticos, com a forma como a publicidade administra a visibilidade gráfica no espaço da cidade, etc. (ORLAND|, 2004, p. 106). J É interessante pensar, como a autora propõe, que os textos se produzem também fora do espaço da escola e das editoras. E, se já texto fora desses espaços, também haverá autores, certo? Como exemplo de um tipo diferente de autoria, Orlandi (2004) propõe pensar as pichações. Como um muro pichado, por exemplo, produz sentidos, mesmo quando as pichações são tidas como textos incompreensíveis para muitos de nós? Para a autora, uma pichação ilegível faz sentido na medida em que reconhecemos que vivemos em uma sociedade na qual grafitar ou pichar é uma forma de escrita a partir da qual os sujeitos marginalizados (no caso do picho, sobretudo) buscam produzir um sentido que os signifique de algum modo. Sobre a multimodalidade textual, cabe salientar que 85-140 E-Book - Apostila N O ininteligível faz sentido porque o indecifrável é interpretado por grupos segregados, que também “comunicam” entre si, fora da ideologia da informação e da comunicação (como os outdoors, por exemplo). Escrevem, invertendo a racionalidade urbana do jogo da quantidade (poucos são os eleitos e muitos são a periferia, ou são a periferia); a cidade cobre-se de escrituras, grafismos, tags, letras sinuosas e indescritíveis. Indecifráveis, para muitos. [...] O sujeito pichador de hoje não manda mensagens. Ele se significa na criação da sua letra. Não reconhece, não se reconhece no regime da alfabetização, das letras distribuídas pela escola, na ortografia do certo e do errado [...]. O pichador elabora seu sistema e não se submete ao parâmetro do certo-errado. Ele resiste com sua letra indecifrável, fazendo deslizar a escritura, produzindo um efeito metafórico da letra, produzindo um sistema de escrita urbano. Sua ilegitimidade é também construída em outro lugar, também urbano: o direito de usar (“sujar”) ou não os muros (aí chamados de espaços públicos “sagrados” para o “coletivo” (ORLAND!I, 2004, p. 106 -107). q J Assim como o sujeito pichador produz em sua escrita não legítima gestos de autoria no cotidiano, o analista de discurso pode aí também ler a cidade de um certo modo. É isso que faz a autora Eni Orlandi quando, ao buscar compreender a escrita do pichador pode atribuir determinados sentidos a essa escrita que não apenas os sentidos advindo de um senso comum que lê na pichação a “sujeira” e a “poluição visual”. Para a autora, a pichação é uma escrita que significa uma denúncia da exclusão social. “[..] Para que não haja manifestação de hostilidade no monumento do Centro, é preciso cuidar que haja espaço de vida suportável (sustentável?) na periferia” (2004, p.112). 86-140 E-Book - Apostila Daí a importância de pensarmos a escrita no cotidiano, porque não podemos nos separar jamais do social. É um engano excluir o social, porque ao nos afastar do social ele não deixa de existir. E o que tem, então, a escola a ver com essa escrita no cotidiano? A escola, do ponto de vista da autora, se fecha para formas tradicionais de escrita e não permite compreender as outras formas de escrita e autoria que estão se formando. Há uma mudança nas formas tradicionais de comunicação, mudança que as escolas não estão percebendo ou dando atenção ou mesmo entendendo. [...] Uma dessas novas experiências de linguagem é, como estamos mostrando, a pichação, o grafite. O grafismo na parede é comunicação, embora na escola não seja considerado. As pessoas aceitam passivamenie uma montanha de publicidade mas não aceitam o grafite, a pichação (ORLANDI, 2004, p.113). Nu J Como vemos, não se trata de pensar nesse caso o bom ou mau uso da Língua portuguesa na produção de um texto, mas de considerar que há, na sociedade, outras formas de escrita sejam elas legitimadas ou não. Historicamente sabemos que nem todas as formas de escrita produzidas ao longo dos tempos se constituíram como formas legítimas, mas isso não impediu que mesmo frente à imposição de uma Língua Portuguesa, a língua da coroa, deixássemos de produzirmos uma escrita nossa, brasileira, adotando traços de nossa oralidade, de nossa identidade, nossa brasilidade. Olhar, portanto, para a escrita no cotidiano é ir além dos textos e pensar como a questão da autoria se coloca frente a outras materialidades significantes: som, imagem, movimento, etc. Assim, 87 - 140 E-Book - Apostila “[..] a conquista do texto se alarga em outras formas de (se) dizer. Modos de constituírem-se os sujeitos da significação. São muitas as formas de autoria.” (ORLANDI, 2004, p. 118). INDICAÇÃO NA WEB Como o AD trabalha principalmente com análises e o assunto da autoria é um tema bastante importante para quem trabalha com a linguagem, saiba mais lendo uma análise da autoria a partir da leitura de uma seção de cartas do leitor, em artigo publicado pela pesquisadora Angela Corrêa Ferreira Baalbaki (UFF/Capes), intitulado Seção de Cartas: quando o leitor é autor. [O artigo tem como objetivo identificar a constituição da autoria na seção de cartas de leitores da revista Ciência Hoje das Crianças, uma das publicações do Instituto Ciência Hoje - uma organização social de interesse público sem fins lucrativos, vinculada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) - cuja principal meta é a divulgação da ciência para a sociedade.). APROFUNDANDO 88 - 140 E-Book - Apostila A partir dos estudos a respeito da autoria, da interpretação, da função-autor, efeito-autor e efeito- leitor, pudemos tecer algumas considerações sobre a escrita e a autoria no cotidiano, caminhando para uma concepção de autoria que não apenas aquela cristalizada pelo discurso escolar. É importante destacar que a questão da autoria está em relação, portanto, com qualquer prática de linguagem, não apenas àquelas tradicionalmente conhecidas e de escrita. A partir do que estudamos foi possível perceber que a forma como tradicionalmente concebemos o que é um autor está fortemente ancorada em nossa relação com a escrita, sobretudo a escrita tradicional. A respeito dessa discussão percebemos que não só concedemos ao autor um privilegiado, a partir de práticas legitimadas, como isso afeta o modo como consideramos o que é um leitor. Quantas vezes você já ouviu o seguinte enunciado? O que justifica a recorrência de enunciados como o presente nesta imagem em nosso cotidiano?Diríamos, a partir das reflexões realizadas, que esse enunciado é possível porque já temos uma concepção de autor. Por que é possível dizermos isso? Frequentemente ouvimos falar que os brasileiros não leem, que na Europa, por exemplo, o hábito da leitura é mais regular e que todo mundo lê, entre outras observações generalizadas deste tipo. Também é comum lermos em revistas e jornais matérias e pesquisas que nos “informam” a “baixa” quantidade de leitores que temos no Brasil. Um exemplo: Figura 4 - Ls Em 18 de maio de 2016 a escritora Babel, publicou em seu Blog no jornal O Estadão, uma reportagem sobre uma pesquisa chamada “Retratos da Leitura”, cujo resultado estatístico afirmava que "44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro” (RODRIGUES, 2016). CR, Essa reportagem, portanto, sustenta a repetição do enunciado “eles não leem!”, presente no imaginário coletivo brasileiro sobre o que é leitura. 89 - 140 E-Book - Apostila Observe que há uma relação direta entre os “44% da população que não lê” com uma outra porcentagem que é “30% nunca comprou um livro". Mas como é possível essa relação? Porque relacionamos leitura e autoria! Veja, do ponto de vista dessa relação, para ser considerado “leitor” é preciso ter contato com o livro, para que haja livro é preciso que haja autor. Isso implica que se lemos textos todos os dias, mas não são textos que circulam em livros, são textos que não tem um efeito-autor e, consequentemente, não há também o efeito-leitor. Se avançamos na leitura dessa mesma matéria, por exemplo, veremos que essa concepção se confirma em várias outras afirmações da pesquisa noticiada. "Para a pesquisa, é leitor quem leu, inteiro ou em portes, pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. Já o não leitor é aquele que declarou não ter lido nenhum livro nos últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses. ” (RODRIGUES, 2016) q J Percebemos, assim, que há, aí, uma concepção bem definida do que é ser autor e ser leitor em nossa sociedade. Mas, à luz das discussões que realizamos nessa unidade já temos condições de ter uma compreensão melhor de tais noções. A partir do que estudamos sobre autoria já temos condições de dizer que não podemos considerar que não são leitores aqueles que não leem livros. E, do mesmo modo, não são autores apenas aqueles que chamamos de “escritores de livros”. Há aí toda uma problemática que diz respeito à questão da legitimidade. “Aqueles que são considerados não-leitores leem, mas leem coisa diferente daquilo que o cânone escolar define como uma leitura legítima”. (CHARTIER, 1998, p.104). No caso do enunciado genérico tão difundido “Eles não leem!” e, também, da matéria que afirma que 44% da população brasileira não lê, trata-se do modo como legitimamos também o que é um autor. Segundo os discursos materializados nos enunciados analisados. um autor é aquele que escreve um livro, ao mesmo tempo em que um leitor é aquele que lê livros Desse modo é que podemos afirmar que todo texto se produz pela função- autor, mas para produzir o efeito-autor e o efeito-leitor é necessário que o texto seja um tipo de texto legitimado: um livro, uma obra de arte, um música, uma poesia. 90 - 140 E-Book - Apostila Com os modos de escrita cotidianos e o avanço da tecnologia, no entanto, essa noções estão sofrendo deslocamentos. Podemos pensar, por exemplo, exatamente o inverso do que as afirmações acima indicaram já que, com os aparelhos tecnológicos e os variados instrumentos aos quais temos acesso hoje, nunca lemos tanto, coisas diversas, o dia inteiro. Mas aí começamos a entrar em outras questões que envolvem pensar as noções de autor e leitor frente à novas materialidades discursivas. É por isso que convidamos você a debater as materialidades discursivas na próxima etapa de nossos estudos! Vamos lá? Referências RODRIGUES, Maria Fernanda. 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro, aponta pesquisa Retratos da Leitura. Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/blogs/babel/44-da-populacao-brasileira-n ao-le-e-30-nuncacomprou-um-livro-apontapesquisa-retratos-da-leitura/>. Acesso em: 26 jun. 2017. Novos Desafios Neste estudo nos dedicamos a pensar as questões de autoria e o modo como pensar o que é um autor e um leitor afetam a nossa relação com os textos e com os sentidos por eles produzidos. Vimos que a questão da autoria é pensada de forma variadas em diferentes autores e que, a partir de uma perspectiva discursiva podemos, inclusive, pensar o que é ser autor, como ser autor hoje é diferente de ser autor em outros momentos históricos. Pudemos com essa reflexão compreender como a questão da autoria envolve uma relação com o poder, com o modo como em nossa sociedade alguns discursos são mais legitimados que outros, o modo como precisamos de um reconhecimento determinado para que haja a consideração da autoria. Nesse percurso foi possível discutir a nossa relação com os saberes escolares, que definem um modo específico e legitimado de autoria, influenciando a nossa relação com a língua e com a nossa própria escrita. Ao discutirmos essa relação pudemos compreender que há outras práticas de escrita que também permitem uma assunção de autoria, como no exemplo estudado da escrita cotidiana. Embora a autoria seja sempre relacionada a uma escrita legitimada, como a estudada na escola, os sujeitos produzem gestos de autoria em outras práticas que se disseminam e que mostram o quanto a autoria se relaciona com um jogo de forças a partir do qual o que está em jogo é a própria constituição dos sujeitos, seus modos de significar e se significar cotidianamente, por meio de uma escrita. Compreendemos, ainda, que interpretação, função-autor, efeito-autor, efeito-leitor, são noções discursivas que nos permitem compreender a relação entre os sujeitos, a língua e a história, implicadas em uma relação de contradição com as práticas de autoria em uma sociedade dominada pelo discurso da escrita. 91-140 E-Book - Apostila Esperamos que este estudo tenha contribuído para abrirmos uma reflexão que amplie a consideração da autoria para fora dos domínios dos saberes estritamente pedagógicos, fazendo com que possamos pensar a relação dos sujeitos com a língua em outros domínios. Por isso convidamos você para nos acompanhar em uma discussão que buscará pensar novas formas de autoria, a partir do estudo das materialidades significantes. Vamos lá?! VAMOS PRATICAR? Chegou o momento de testar o conhecimento adquirido até aqui! Para isso, por favor, participe da autoatividade que preparamos especialmente para você. São apenas 3 questões 1. Entre os estudiosos que pensaram a questão do autor está o filósofo Michel Foucault. Tendo em vista o modo como este autor pensa a questão da autoria, assinale a alternativa correta. a) O autor possui uma relação com o nome próprio, pois sempre (a) remetemos o texto à pessoa que o escreve, ao fato de que há autores que produzem palavras que não são cotidianas, que têm um status dado por um autor determinado, legitimado. 92-140 E-Book - Apostila Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! b) Ser autor aponta para o fato de que um autor é sempre relacionado a um discurso determinado, logo não importa sua relação com um nome próprio. (C) c) O autor é aquele que escreve, não existe na questão da autoria nenhum relação de poder. O d) Ser autor de um texto requer apenas originalidade, quanto mais original e singular a obra, mais rápido se reconhecerá a sua autoria. (e) e) Um autor não precisa de reconhecimento nem legitimidade, seu texto dirá por ele mesmo se ali há um autor ou não. 93-140 E-Book - Apostila 2. É importante discursivamente distinguir autor de escritor. Para explicar a relevância dessa distinção considere a veracidade ou falsidade das assertivas e assinalea alternativa correta. Todo o escritor é um autor reconhecido por sua relação com uma obra determinada. O autor, para a AD, é uma posição-sujeito, um efeito produzido pelo texto. Discursivamente a autoria é pensada a partir das noções de função-autor e efeito-leitor. Apenas escrever e grafar não constituem autor, para produzir autor o texto precisa produzir o efeito-autor. A função-autor pode ser relacionada com o nível enunciativo, uma vez que ela se produz pelo modo como o sujeito autor formula o seu texto. (a) av VV VV Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! 94 - 140 E-Book - Apostila b)JF.F.F,F.F JVY VV, F. DFFFEVAMV JFV.F VV 95 - 140 E-Book - Apostila 3. Sobre o efeito-leitor, é possível afirmar que não só o autor, mas também o leitor é responsável pelos sentidos do texto. Com relação a essa condição discursiva que determina que o discurso é sempre “efeito de sentidos entre interlocutores”, analise as assertivas: i Para a análise do discurso, o falante comum interpreta o texto a partir de um dispositivo ideológico de interpretação, que lhe permite entender yenãox. ii Na perspectiva discursiva, o leitor assume uma posição sujeito-leitor em determinada ordem social. Nesse contexto, nem sempre ele corresponde à projeção de leitor virtual feita pelo autor. iii Se um autor imagina o leitor de forma errada, o seu texto será mal interpretado. iv. Para ser um leitor eficiente basta adquirir habilidade de leitura, aprendendo a decodificar os textos. v. O sentido de todo texto está no que ele diz explicitamente apenas, as informações implícitas não interferem na produção de sentidos do texto. Estão corretas: (a) a) As assertivas | e Il, apenas; Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! 96- 140 E-Book - Apostila OQ b) As assertivas III, IV e V, apenas; OQ c) As assertivas | e IV, apenas. OQ d) As assertivas |, Il e III, apenas. (e) e) As assertivas IV e V, apenas. REFERÊNCIAS 97 - 140 E-Book - Apostila CHARTIER, Roger. A aventura do livro. Do leitor ao navegador. Conversações com Jean Lebrun. 1º reimpressão. Tradução Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Editora UNESP, 1998. FEINBERG, Ashley. 120 artigos científicos foram criados em “gerador de lero-lero" e ninguém percebeu. Gizmodo: Brasil. Online, 01 mar. 2014. p. 1-1. Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/gerador-artigos-cientificos/>. Acesso em: 30 maio 2017. FOUCAULT, Michel. O que é um autor? In: FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos: Estética - literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 264- 298. (Volume III). GALLO, Solange L. Da escrita à escritoralidade: um percurso em direção ao autor online. In: RODRIGUES, Eduardo Alves; SANTOS, Gabriel Leopoldino dos; CASTELLO BRANCO, Luiza Katia Andrade. (Org.). Análise de Discurso no Brasil: pensando o impensado sempre. Uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas, SP: Editora RG, 2011. GALLO, Solange. Como o texto se produz: uma perspectiva discursiva. Blumenau: Nova Letra, 2008. 115 p. ORLANDI, E. P. Interpretação; autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Campinas, SP: Pontes,2007. ORLANDI, E.; GUIMARÃES, E. Unidade e Dispersão: uma questão do sujeito e do discurso. Discurso e Leitura. São Paulo/Cortez, Campinas/Ed. da ORLANDI, Eni P.. Cidade dos Sentidos. Campinas-sp: Pontes, 2004. SCHONS, Carme Regina; ROSING, Tania M. K. (Org.). Autoria e escrita. In: SCHONS, Carme Regina; ROSING, Tania M. K. (Org.). Questões de Escrita. Passo Fundo: Ufp, 2005. p. 150- 160.0rlandi (2007, p.70) UNICAMP, 1988 MATERIALIDADES DISCURSIVAS 98 - 140 E-Book - Apostila Inicie sua Jornada Neste estudo estudaremos a noção de materialidades discursivas, pensando a sua relação com noções e análises discursivas mais atuais, tendo em vista a diversidade de materiais que são hoje objeto de análise da Análise de Discurso. A noção de materialidades discursivas surge no campo da AD francesa no momento em que Michel Pêcheux - e o grupo de pesquisadores que se reuniam em torno dele - procuravam pensar a noção de arquivo, considerando uma variedade de textos que exigiam uma reflexão sobre a leitura e o modo como um conjunto heterogêneo de materialidades circulam em nossa sociedade, produzindo sentidos. Tendo em vista que a noção de materialidades discursivas permite aos analistas de discurso pensar tal variedade de textos, abrindo para a análises que não se fechavam no discurso político, estudaremos agora como essa noção permitiu estudos que pensassem a relação entre discurso e arquivo, discurso e corpo, discurso e digital, considerando que há nesse campo de estudos sempre a preocupação em trabalhar com diferentes materialidades significantes. 99 - 140 E-Book - Apostila Dessa forma, apresentaremos na aula 1, a origem da noção de materialidades discursivas; na aula 2, falaremos da sua relação com os estudos discursivos sobre o arquivo, e o tratamento de textos; na aula 3 apresentaremos a noção de materialidades significantes proposta por uma pesquisadora do discurso brasileira, para pensar a materialidade fílmica e a sua imbricação material; na aula 4 veremos algumas possibilidades de análise discursiva sobre o corpo, considerando o corpo como materialidade discursiva. E, finalmente, na aula 5, veremos o modo como o digital se relaciona com os estudos discursivos, buscando apresentar discussões atuais sobre a questão. Esperamos que este estudo possa ilustrar a diversidade de possibilidades de trabalho com a teoria discursiva. Desejamos a você um bom estudo e ao final deste encontro você tenha a dimensão da riqueza desse campo teórico para pensar a relação sujeito, língua e história. Desenvolva seu Potencial A NOÇÃO DE MATERIALIDADES DISCURSIVAS Materialidades Discursivas foi o título de um Colóquio ocorrido em Nanterre, em abril de 1980, organizado por Michel Pêcheux e outros pesquisadores como: Bernard Conein, Jean-Jacques Courtine, Françoise Gadet e Jean-Marie Marandin. O Colóquio contou com mesas redondas com os pesquisadores Antonio Culioli, Jean Pierre Faye, Jacques Ranciêre e Elizabeth Roudinesco) convidados de diferentes áreas (Linguistas, historiadores, psicanalistas, psicólogos) para um debate em torno da noção de materialidades discursivas. Muitos desses teóricos fizeram parte do desenvolvimento inicial da AD na França, construindo noções e métodos para a teoria do discurso. Mas o que seria, então, materialidades discursivas e porque a AD se ocupava dessa noção já em 1980? Importante ressaltar que os textos debatidos nesse Colóquio foram reunidos em uma coletânea produzida por seus organizadores e, traduzido para o português em 2016, em uma publicação da editora da Unicamp. Na introdução à essa publicação brasileira do Colóquio, Eni Orlandi chama a atenção para a confusão e superficialidade com a qual alguns analistas de discursos tratam a noção de materialidades discursivas. Isso porque ora ela é entendida como o “corpus” do analista. ora como o seu objeto de análise. No entanto, para a autora, a noção de materialidades discursivas não pode ser dissociada da relação constitutiva da AD com o materialismo. A AD é, antes de tudo, uma teoria materialista e é preciso compreender e não perder de vista esse aspecto de sua constituição. Isso significa dizer que a AD tem um modo singular de pensar as materialidades que tem a ver com a noção de materialismo histórico. 100 - 140 E-Book - Apostila O materialismo histórico afirma que o modo de produção da vida material condiciona o conjunto de processos da vida social , política, etc. Nessa perspectiva teórica, a matéria é a substância suscetível de receber uma forma. O que interessa, assim, é a materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-sede descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma de organização dos homens em sociedade ao longo da história. Pelo caráter material, os homens se organizam na sociedade para a produção e reprodução da vida; pelo caráter histórico, sabemos como se organizam, no curso da história. Qual é, aí, o lugar da linguagem? Ora, é possível vislumbrar aí a necessária referência à definição da teoria do discurso como determinação histórica dos processos de significação. Temos, assim, a superação da separação sujeito-objeto, pela contradição e pelo movimento do mundo. (ORLANDI, 2016, p.12) NU J Não perdemos de vista, portanto, que a AD tem relação com a noção de ideologia e que essa relação é constitutiva da materialidade do discurso que constituem sujeitos e sentidos. Nessa perspectiva a preocupação da AD frente às diversas materialidades gira em torno do modo como se pensa a heterogeneidade irredutível das materialidades quando pensadas na sua relação entre a história, a língua e o inconsciente. Pêcheux coloca a questão das materialidades discursivas como sendo, então, esses objetos heterogêneos que compõem os arquivos textuais, perguntando aos pesquisadores do discurso se eles sabem o que é ler, se sabem o que é ler frente ao esse conjunto heterogêneo que se constitui de um 101 - 140 E-Book - Apostila remoer de falas ouvidas, relatadas ou transcritas, uma profusão de escritos mencionando falas e outros escritos. Relatos, privados ou oficiais, verídicos ou idealizados, murmúrios secretos e gritos, cartas de todos os tipos, profissões de fé, promessas, acusações e confissões, poemas, romances e canções, réplicas de teatro (em cena e na cidade), programas, sermões, chamados e instruções, tratados (de paz ou do vazio) e leis (da gravidade, da República, de Talião...), descrições, receitas, regulamentos e códigos, lições e conferências, proclamações, celebrações, declarações (de guerra ou de amor), citações (entre aspas, ou de ordem da Nação), inscrições e notas, notas de rodapé, atas, notas de infâmia... (PÉCHEUX, 2016, p.24) q J A proposta do teórico é, portanto, a partir de um visão materialista, considerar a contradição e os efeitos ideológicos presentes nessa profusão de textos que circulam em nossa sociedade, pensando quais são os efeitos discursivos dessa circulação, buscando compreender que aquilo que circula de um certo modo, em um certo momento, nunca circula de modo aleatório, mas tem relação com materialidades específicas. É) SAIBA MAIS A pesquisadora Eni Orlandi, a propósito das materialidades discursivas, afirma que “o sentido está na materialidade discursiva, no fato de que a língua para significar tem que se inscrever na história”. Para compreender isso em uma linguagem mais acessível, você poderá ler a entrevista que ela concedeu à Globo Universidade e que está disponível na internet. Fonte: Orlandi (2012). Adaptado pelas autoras. q J DISCURSO E ARQUIVO 102 - 140 E-Book - Apostila Até aqui nós já fzemos um longo caminho por diferentes aulas, apontando os principais conceitos da AD, bem como suas diferentes possibilidades teórico-analíticas. Nesta nossa reflexão não pode faltar, portanto, a relação que a AD estabelece entre o discurso e o arquivo, sobretudo porque pensar os arquivos textuais foi uma das últimas ocupações de Michel Pêcheux e do grupo de pesquisadores que se aventuraram na teoria do discurso. O arquivo não era uma preocupação menor no pensamento pêcheuxtiano, sobretudo porque pensar o arquivo era ainda pensar uma metodologia que considerasse a relação entre o discurso e as tecnologias que já em sua época avançavam na elaboração de técnicas de arquivos e processamento de dados textuais. Um dos textos mais citados, debatidos, (re)discutidos de Michel Pêcheux é o texto intitulado “Ler o arquivo hoje”, publicado em francês 1981. Segundo Maldidier (2003, p.79) esse texto estava no centro dos debates e reflexões do grupo que se reunia em torno de Michel Pêcheux no grupo de pesquisa RCP ADELA, grupo que visava trabalhar com pesquisas que relacionassem preocupações sócio-históricas, a pesquisa linguística e o desenvolvimento da informática textual. De acordo com a autora, o grupo se dividia em três grandes setores: “arquivo sócio-histórico”, “pesquisas linguísticas sobre a discursividade” e “informática em análise de discurso”. (MALDIDIER, 2003, p.79). Michel Pêcheux apresenta nesse momento o caminho que deseja seguir para continuar pensando a teoria do discurso. À questão da análise de discurso se junta agora a das leituras de arquivo. Se o problema da leitura colocado desde a AAD69 ressurge, é de uma maneira radicalmente nova que é abordado. De pronto o termo foucaultiano de “arquivo” coloca a leitura em um horizonte que não é mais o da “máquina de ler”, mas o do confronto com os textos sócio-históricos mais diversos. (MALDIDIER, 2003, p. 79) J 103 - 140 E-Book - Apostila Ler o arquivo hoje é um texto surpreendentemente atual, uma vez que antecipou questões que o desenvolvimento informático só fez reduplicar. A preocupação que esse texto aponta para a divisão do trabalho intelectual da leitura de arquivos pode ser estendida para as questões da leitura de um modo geral, sobretudo nos dias atuais em que temos de um lado textos clássicos, legitimados, produzidos por escritores, pesquisadores, cientistas e, de outro lado, textos da escrita cotidiana, heterogêneos, não legitimados, produzidos por sujeitos que ocupam as mais variadas posições. E, ainda, o atravessamento da informática, dos programadores, dos softwares que definem o que e como podemos, devemos, escrever, publicar. São muitas as questões atuais sobre a relação entre os discursos e os arquivos. Diante das inúmeras possibilidades de tratar da relação discurso e arquivo gostaríamos de enfatizar aqui a questão da leitura que estava no cerne da reflexão pêcheuxtiana sobre o arquivo. Para Pêcheux, de um modo amplo o arquivo sempre foi compreendido como “um campo de documentos disponíveis e pertinentes sobre uma questão”, mas era justamente essa transparência do arquivo que era preciso relativizar. Ou seja, para o autor é preciso questionar como esse “conjunto de documentos” aparece como o que devemos ler e, ainda mais importante, é compreender porque alguns têm mais direitos de ler e, posteriormente, dizer o que aos demais o que é “pertinente” ler. Segundo o autor, os autorizados a ler e a dizer o que se deve ler em nossa sociedade até aquele momento eram os “literatos”, os homens das letras (filósofos, historiadores, etc). No entanto, com o desenvolvimento da científicos e das tecnologias esse privilégio da leitura estava passando para a mão dos técnicos (os criadores dos instrumentos e dos tratamentos de textos e arquivos). Para Pêcheux, se tratava de duas vertentes da leitura de arquivo: “duas culturas que a tradição escolar-universitária designa respectivamente como “literária e a “científica” (PÉCHEUX, 2010, p.50), cada uma delas possui uma prática diferente de leitura de arquivo apontando para uma divisão social do trabalho de leitura. Essa divisão remete a um conflito nos modos de leitura dos arquivos. apontando para o modo como nos relacionamos com o conjunto de documentos “disponíveis e pertinentes sobre uma questão”. Quem tem o direito de produzir, disponibilizar e ler esse arquivo que aparece como “dado*? Quem é que constrói esses arquivos? Quais são os gestos de leitura que definem antes o que irá compor o arquivo como sendo o conjunto de textos mais “relevante” e “pertinente” sobre uma questão? É importante destacar que havia na reflexão do autor uma crítica ao distanciamento dessas duas culturas, já que historicamente sempre se deram as costas, julgando cada uma delas que faziam uma leitura que dispensava os conhecimento do outro campo.De um lado, filósofos e historiadores que ignoram os procedimentos técnicos que envolviam a leitura e, de outro lado, os técnicos e cientistas que dispensavam o saber erudito, etc. Importante ainda relembrar que Pêcheux chamava a atenção para o fato de que os literatos estarem perdendo seus privilégios de leitura dos arquivos, já que cada vez mais o tratamento informatizado dos textos conduziam os técnicos (científicos) a um lugar privilegiado de leitura. Era esses últimos que ganhavam espaço e passavam a definir o que era “pertinente” e o que deveria estar “disponível” para ler. Ao fazer tais questionamento sobre o modo de construção dos arquivos mostra-se a preocupação principal do analista de discursos, pois, para ele 104 - 140 E-Book - Apostila Seria do maior interesse reconstruir a história deste sistema diferencial dos gestos de leitura subjacente, na construção do arquivo, no acesso aos documentos e qa maneira de apreendê-los, nas práticas silenciosas da leitura “espontânea” reconstituíveis a partir de seus efeitos na escritura: consistiria em marcar e reconhecer as evidências práticas que organizam essas leituras, mergulhando a “leitura literal” (enquanto apreensão do documento) numa “leitura” interpretativa - que já é uma escritura. Assim começaria a se constituir um espaço polêmico das maneiras de ler, uma descrição do “trabalho do arquivo enquanto relação do arquivo com ele mesmo, em uma série de conjunturas. trabalho da memória histórica em perpétuo confronto consigo mesma. (PÉCHEUX, 2010, p. 51) Nu J Esse projeto de leitura que visava reconstituir um trabalho que defendesse um espaço polêmico das maneiras de ler, se reflete na prática da AD, pois implica em descrever e desnaturalizar aquilo que aparece como evidente na leitura dos arquivos. Isso porque, como já vimos, para a AD não há uma única leitura, não há um sentido unívoco, pois a leitura nunca é individual, mas social. Existe a contradição e que a questão da leitura hoje não pode apagar a sua relação com a informática. Segundo Pêcheux (2010, p.54) “o desenvolvimento da informática e a difusão maciça desta” abre espaço tanto para um fortalecimento das leituras interpretativas dos literatos, quanto aponta para o risco de uma regulamentação “tanto da produção quanto da interpretação dos enunciados científicos, tecnológicos, administrativos...mas também (um dia, por que não?) dos enunciados políticos.” (PÊÉCHEUX, 2010, p. 55). Em outras palavras, o trabalho do analista do discurso descrever os gestos que levam ao domínio das práticas de leitura, visando defender que não se deve aceitar que seja possível uma única leitura, um único modo de ler. Nesse sentido, já podemos observar atualmente o modo como a informática, com seus softwares e aplicativos, organizam as relações sociais e regulam o funcionamento dos arquivos textuais. É, portanto, a partir dessa discussão inicial em torno da noção de arquivo que a AD começa a abrir o seu campo de investigação para o problema da leitura, pensando as diferentes materialidades discursivas que, com o avanço tecnológico, irá impor novas formas de pensar nossos arquivos, nossos textos e o modo como as diversas materialidades significantes produzem sujeitos e sentidos. 105 - 140 E-Book - Apostila INDICAÇÃO DE LIVRO Materialidades Discursivasd e Bernard CONEIN, Jean-Jacques COURTINE, Françoise GADET, Jean- Marie MARANDIN e Michel PÉCHEUX é a melhor leitura para complementar seu aprendizado nesta aula. 106 - 140 E-Book - Apostila 107 - 140 E-Book - Apostila Materialidades Discursivas Autor: Bernard CONEIN, Jean-Jacques COURTINE; Françoise GADET, Jean- Marie MARANDIN; Michel PÉCHEUX. Editora: Unicamp Sinopse: Muitas questões em torno das materialidades discursivas - e observe- se que se trata do plural, como está no título - são trabalhadas neste livro que, sem dúvida, marcou um acontecimento universitário, mas, muito mais que isso, um acontecimento que atinge o espaço de deslocamento das fronteiras entre disciplinas em que diferentes formas de conhecimento se (reJorganizam, para trabalhar com as distintas formas de real que anunciamos no início desta apresentação, ou seja, o da língua, o da história, o do inconsciente. É esse acontecimento que o leitor terá a sua disposição para refletir. Sem cair na ilusão de que basta, ecleticamente, a adição ingênua da linguística, à história e à psicanálise, para se atingir o discurso. Chegamos, assim, à questão nodal posta então por Pêcheux: com que matéria lidamos com a materialidade discursiva? O discurso: dejeto da língua dos linguistas ou horizonte para além da frase? Um terreno de encontros problemáticos e de questões abertas. Eni Puccinelli Orlandi (Da Nota introdutória à tradução brasileira) a J AS DIFERENTES MATERIALIDADES SIGNIFICANTES Como já vimos, as materialidades discursivas se relacionam diretamente com a questão da leitura e do arquivo. Sabermos o que é ler, foi a questão levantada por Michel Pêcheux no Colóquio sobre materialidades discursivas, do qual já falamos. E, também, a questão que moveu o teórico a pensar na leitura dos arquivos. Do ponto de vista materialista ler é pensar sobre a forma como os sentidos se produzem, é colocar em cena as diversas leituras. superando a análise do conteúdo. É a partir da materialidade do discurso que podemos pensar a relação entre a língua e a história. O desafio que se impõe aos analistas é, portanto, como analisar, compreender, interpretar os discursos em suas diferentes materialidades. Nesse contexto, interessa à AD compreender que há diferentes formas de linguagens que podem indicar modos distintos de significar. Quando falamos em materialidade estamos nos referindo ao fato de que o sentido se dá a partir de uma matéria simbólica (ORLANDI, 1995). Hoje compreende-se que essa matéria simbólica não pode ser apenas a linguagem verbal, visto que a imagem, o som, o gesto também são modos de materialização dos sentidos. Para a AD apesar de estarem relacionadas nenhuma dessas materialidades pode ser reduzida a outra, pois cada uma delas possui a sua especificidade. 108 - 140 E-Book - Apostila No contexto da AD brasileira o trabalho de Suzy Lagazzi, professora e pesquisadora do discurso, propõe um trabalho com objetos de análise variados a partir da exploração da noção de materialidades significantes. Segundo a autora, ao falar em materialidade significante amplia-se o escopo da AD e reitera-se a perspectiva materialista na análise de diferentes materialidades, que no caso específico da autora são os filmes e documentários. N Ao definir odiseurso como a relação entre a materialidade significante e a história, pude concernir o trabalho com as diferentes materialidades e reiterar a importância de tomarmos o sentido como o efeito de um trabalho simbólico sobre a cadeia significante, na história. Materialidades prenhes de serem significadas. Materialidade que compreendo como o modo significante pelo qual o sentido se formula. (LAGAZZI, 2071, p. 276) q J A análise de diferentes materialidades significantes permite falarmos, então, sobre objetos variados, sem simplificar a noção de materialidade discursiva, considerando, ao mesmo tempo que cada uma dessas materialidades significantes se constituem por aquilo que Lagazzi (2011) denomina de “imbricação material significante”. Segundo a autora, essa imbricação das materialidades significantes “ressaltam que não se trata de analisarmos a imageme a falae a musicalidade, por exemplo, como acréscimos uma da outra, mas de analisarmos o material no entremeio de seu conjunto” (LAGAZZI, 2011, p. 276). Nessa perspectiva o analista de discurso irá mobilizar “as diferenças materiais, sem que as especificidades de cada materialidade significante sejam desconsideradas, cada uma fazendo trabalhar a incompletude na outra pela contradição”(LAGAZZI, 2011). Figura 5 - Figura: Materialidade Significante e Imbricação Material Significante 109 - 140 E-Book - Apostila Materialidade(s) Significantes(s) Imbricação Material Fonte: As autoras Nessa perspectiva, é possível pensar uma materialidade significante como o filme, por exemplo, não tomando-o como uma unidade, mas considerando-o como uma textualidade fílmica composta por uma imbricação material significante, ou seja, cada um de seus elementos (imagem, fotografia, voz, som, etc.) possui uma especificidade e significam de determinada forma na sua relação com o social. Pensar a imbricação material significante na análise de textualidades específicas é ser, portanto, coerente com uma análise materialista do discurso, tendo em vista a contradição constitutiva na imbricação de cada materialidade, visto que cada uma delas significa diferentemente, na contradição. Desse modo o analista poderá, ao descrever e interpretar cada uma das materialidades imbricadas, compreender de que modo sujeitos e sentidos, sempre divididos, determinam e se determinam nas relações sociais. (LAGAZZI, 2011). Pensar as materialidades significantes em sua composição contraditória, segundo a autora, significa considerar a impossibilidade da unidade. 110 - 140 E-Book - Apostila No que concerne à circulação dos discursos, essa é uma questão importante. Os discursos se entrecruzam, se esbarram e as formulações se abrem em possibilidades de rearranjos significativos. [...] Esse entrecruzamento vem marcado por determinações que envolvem o campo [específico de cada materialidade significante]. (LAGAZZI, 2011) Você poderá compreender melhor como se realiza uma análise a partir da noção de materialidades significantes e imbricação material significante a partir da leitura de um dos artigos de Suzy Lagazzi, no qual ela analisa uma textualidade fílmica. Sugerimos, portanto, a leitura do artigo, publicado, em 2010, na Revista Rua e disponível na web, intitulado “Linha de Passe: a materialidade significante em análise”. Neste artigo a autora faz uma análise interessante a partir da qual você poderá compreender melhor os conceitos aqui apresentados. Fonte: Lagazzi (2010) INDICAÇÃO NA WEB Artigos e resumos publicados nos Anais do Seminário de Estudos em Análise do Discurso 111-140 E-Book - Apostila Se você tem interesse em conhecer melhor os percursos analíticos dos pesquisadores em Análise de Discurso no contexto brasileiro, sobretudo daqueles que se relacionam de alguma forma com estudos desenvolvimentos pelo grupo de teóricos em torno de Michel Pêcheux, sugerimos a leitura dos artigos e resumos publicados nos Anais do Seminário de Estudos em Análise do Discurso, evento que reúne a cada dois anos pesquisadores da área no Brasil e no exterior. O evento terá neste ano de 2017 a sua 8º edição. Trata-se de um espaço de fortalecimento e troca entre os estudiosos do discurso cujas pesquisas e discussões, sempre em elaboração, podem ser conhecidas a partir dos Anais do evento. DISCURSO E CORPO Estudamos até aqui o modo como, a partir da noção de materialidades discursivas, a AD se abriu para um campo de investigação que não se fecha na análise de textos escritos circunscritos a espaços institucionais, mas considera as diferentes materialidades significantes, com seus modos específicos de constituição, formulação e circulação na contemporaneidade. Foi um longo caminho percorrido que mudou substancialmente a nossa concepção de texto, de discurso, de autoria, de leitura e de sentido, não é? Pois nesse percurso, a partir do qual a AD começa a se voltar para a produção dos sentidos na sociedade contemporânea tendo em vista diferentes objetos, entram em cena também as análises que buscam pensar relação entre discurso e corpo. Uma das formas de pensar a relação corpo e discurso é por exemplo a abordagem proposta pelo analista de discurso Nilton Milanez, coordenador do Labedisco (Laboratório de estudos do discurso e do corpo). Em um de seus textos, o pesquisador discute o modo como a partir da análise de corpos tatuados é possível pensarmos a questão da autoria. 112 - 140 E-Book - Apostila a escritura no corpo que se lança à aventura dos dias, alterando seu presente, lembrando-se a si mesmo que ele pode ser o dono daquelas palavras, evidenciando os mecanismos que constroem suas memórias. Assim, a palavra tatuada fundará uma memória, mas não se pode pensar, como nos adverte Marc Augé (1989, p.53), em memória sem relação, ou seja, inquietamo-nos em direção à malha discursiva que coloca a inscrição da frase tatuada no corpo do sujeito face ao esquecimento de seu autor. O corpo passa a ser o lugar da autoria. Na ânsia de preencher os espaços vazios de seu corpo inacabado, o corpo do sujeito resiste à soberania da autoria para escrever as verdades tomadas para si e redigir a escrita da sua libertação. Do apagamento à apropriação, iluminam se os traços e marcas da reinvenção do sujeito. (MILANEZ, 2007, p.2) NU J Observe que esse modo de pensar a autoria se distancia substancialmente de uma concepção tradicional de autoria, dos direitos de autor. Como já discutimos em aulas anteriores, essa forma de pensar a autoria se relaciona com uma escrita cotidiana, que não se relaciona diretamente com a escrita escolar ou editorial. Diz respeito à relação dos sujeitos, e seus corpos, e ao modo como eles buscam se significar, em uma perspectiva que parte do pensamento foucaultiano, tendo em vista uma escrita de si. Desse modo, o lugar dos grandes nomes, as celebridades autorais, deu lugar ao homem ordinário, investigando a história a partir de micro-lugares do cotidiano, dando voz a fragmentos de discursos que antes de constituírem verdades diacrônicas criam efeitos outros de realidade sobre a descontinuidade do sujeito, seu corpo e sua escrita de si. (MILANEZ, 2007, p.8) 113 - 140 E-Book - Apostila Vemos assim que as questões de autoria tornam-se ainda mais complexas uma vez que parece haver aqui uma espécie de apagamento do sujeito autor dos enunciados. Quem é o autor de uma tatuagem? O rapaz que queima a sua pele? Aquele que formulou a frase tatuada? O dono do corpo? Na escrita do corpo desaparecem as imposições de direito de autor, pois paga-se com a própria pele a indistinção da autoria. Outra forma de pensar o corpo em discurso é apresentada pelo trabalho da pesquisadora Nádia Neckel, que busca pensar o discurso artístico a partir de análises que incluam o corpo e suas performances artísticas, sem perder de vista que o discurso artístico coloca em cena o imbricamento de diferentes materialidades significantes, Entre as quais se encontram a imagem e o corpo (visualidade, gestualidade e sonoridade). Falar de sujeito discursivo é, necessariamente falar de corpo. O corpo, então, na perspectiva discursiva, assume a densidade de um objeto discursivo. (NECKEL, 2015, p. 278-279) q J Estudar o corpo no discurso artístico requer, segundo Neckel (2015, p.281). pensar o corpo do sujeito enquanto “uma materialidade duplamente afetada pelas condições do discurso, do discurso na contemporaneidade e do discurso artístico”. Isso porque ao analisar, por exemplo, a vídeo-performance a autora pensa o corpo por uma dupla determinação: A primeira diz respeito a um corpo estético, um corpo estésico, o corpo dos sentires por meio da experiência: visual, tátil, sonora. A segunda, um corpo que produz sentidos, um corpo-linguagem. E, como nos ensina Pêcheux, “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia”, e é nessa dimensão que pensamos esse corpo dotado de sentidos em seus modos de identificação da e na linguagem. (NECKEL, 2015, p. 281) q J 114 - 140 E-Book - Apostila É ainda importante observar que o modo como a AD pensa o corpo não tem nenhum semelhança com a forma como o corpo é pensado na medicinae nas ciências naturais. Como bem destaca Hashiguti (2007) O corpo é. em muitas disciplinas, tomado como biológico. natural, segmentável, controlável e transparente, mas na perspectiva discursiva, ele se desloca para o lugar da opacidade, revelando-se como forma material que se constitui no-pelo olhar que o discurso possibilita. Um corpo pode ser bonito, obeso, magro, normal ou estranho a partir do olhar. O olhar aqui não é a capacidade da visão, mas o gesto de interpretação opticamente possível no discurso. Na inter-relação pessoal entre sujeitos, a identificação social é um processo que se relaciona à sua condição corpórea, ao fato de que ele é sujeito deem uma corporalidade e que essa corporalidade é apreendida pelo olhar mesmo antes que ele fale. Essa anterioridade da materialidade corpórea determina direções de sentidos, pois o olhar é sempre olhar pelo discurso. PENSANDO JUNTOS Você já havia pensando que o corpo poderia ser estudado como um objeto discursivo? Pode parecer algo muito distante dos estudos discursivos sobre os textos, mas para compreender essa perspectiva é preciso considerar que o corpo, a voz, o gestual também produzem sentidos e se produz sentidos ele é um objeto discursivo porque demanda interpretação. Ora, diante de um corpo impresso em uma tela, em uma fotografia, em um perfil digital, ou mesmo em um vídeo você nunca se sentiu impelido a interpretar, a atribuir a esse corpo algum significado? 115 - 140 E-Book - Apostila DISCURSO E DIGITAL Ao longo de nossos estudos sobre a AD vimos que ao mesmo tempo em que a teoria nasce pelo interesse em analisar o discurso político, ela também teve, como uma das primeiras propostas do teórico Michel Pêcheux, a construção, no ano de 1969, de um sistema informático chamado de Análise Automática do Discurso, conhecida como AAD69. A despeito das inúmeras críticas feitas ao programa AAD 69, a construção desse sistema informático de leitura permitiu determinar, já naquele período, que as propriedades das línguas naturais (ambiguidades, metáforas. deslizamentos), são propriedades “incontornáveis” para a análise de discurso e. por isso, ela deve escapar de “toda perspectiva estritamente informacional, documentária ou “intelectiva”. (SILVEIRA, 2015, p.31) Nu J A paixão deste pesquisador pela relação entre a língua e a informática se marca em diferentes textos e diferentes propostas de seu trabalho. Já discutimos aqui, por exemplo, o texto “Ler o arquivo hoje”, que já tocava na relação língua e informática. Mas como a AD pode ser pensada hoje, frente às materialidades digitais? A primeira observação que é importante fazer para responder essa questão é a de que, do ponto de vista da AD, não podemos conceber que os instrumentos tecnológicos são objetos “neutros” ou “objetivos” e, muito menos, que podemos concebê-lo sem pensar a relação que ele estabelece com a língua, tal como a língua é concebida da AD: como não transparente, sujeita à falha e ao equívoco. 116 - 140 E-Book - Apostila As preocupações de Pêcheux com a relação entre discurso e informática enfatizou, naquele período, uma reflexão que visava, sobretudo, pensar o modo como se podia usar os instrumentos da informática para fazer análises discursivas. Mesmo que suas hipóteses e métodos não tenham prosperado e tenham sido abandonadas pelo próprio autor, ela permitiu compreender que a língua não é redutível à tecnologia, ou seja, a língua é da ordem do equívoco, do inapreensível. Hoje, as pesquisas em AD centram-se, sobretudo, em análises que buscam problematizar os mais variados espaços digitais, tendo em vista que os chamados “avanços tecnológicos” deslocam a nossa relação com a linguagem e o conhecimento. Um dos aspectos importantes para começar a pensar a relação entre língua, discurso e digital diz respeito à indistinção com a qual, em geral, observamos os discursos que são próprios do digital e aqueles que se constituem e se formulam fora do digital. Nesse sentido, essa é já uma primeira preocupação do analista quando tem diante de si uma materialidade digital: refletir sobre a natureza dos discursos em circulação no digital, uma vez que não basta circular na internet para que o discurso seja considerado um discurso próprio do digital. A linguista francesa, Marie-Anne Paveau, que se dedica a pensar o que ela denomina de ADN - Analyse de Discours Numérique [Análise do Discurso Digital], chama a atenção para três formas diferentes de circulação dos textos no espaço digital. Para a autora, N O termo digital é genérico e recobre situações tecnodiscursivas diferentes: entre um texto escaneado sem modificação e disponibilizado online, e uma postagem em um blog com vários hiperlinks, existem diferenças de ordem linguística que dizem respeito ao modo de produção da escrita, o modo de leitura do texto e sua inscrição no ecosistema da web. Eu proponho três entradas que repousam sobre esses critérios linguísticos: digitalizado [numérisé], digitado [numérique]; digital, [numériqué]. (PAVEAU, 2013, p. 5) 117 - 140 E-Book - Apostila A distinção proposta por esta autora está centrada, pelo menos em um primeiro momento, nos tipos de texto: o texto digitalizado seriam aqueles que primeiramente foram impressos (documentos, livros, etc.) e que podem, eventualmente, serem escaneados para compor algum arquivo digital; os textos digitados são aqueles que são escritos em um suporte tecnológico (word, tablets, softwares), mas que não se configuram como sistemas online; os textos digitais seriam, portanto, aqueles que tanto são escritos em um suporte digital quanto são próprios do online, funcionam em rede (postagens de facebook, blogs, whatsapp, etc). Compreender a diferença entre essas três formas, permite pensar a formulação dos discursos e os efeitos que tais formulações produzem ao circularem no digital. Pensando a distinção entre os diferentes tipos de textualização possíveis no digital a professora e pesquisadora Solange Gallo também apresenta uma discussão buscando fazer uma distinção entre os discursos em contato com a materialidade digital. De forma diversa da proposta de Paveau (apresentada acima) para Gallo (2008), não se trata de pensar os tipos de textos, mas sim os discursos. Em um sentido geral é possível pensar que os discursos que se formulam ou que circulam no digital será de um modo ou de outro afetado por essa materialidade Nenhum dizer fica imune à tecnologia que o materializa, no sentido de ser afetado em seus possíveis efeitos de sentido por essa materialidade própria da tecnologia em questão. O discurso toma a tecnologia, então, como uma materialidade na confluência com todas as outras. (GALLO, 2012, online) J A partir de um desenvolvimento de suas pesquisas a respeito dos Discursos de Escrita e dos Discursos de Oralidade, que já estudamos aqui quando trabalhamos as noções de autoria. Gallo (2012) propõe pensar uma forma discursiva que é própria das discursividades online: a forma discurso da Escritoralidade. De acordo com essa autora, o discurso de escrita é um discurso que tem sua constituição na forma escrita, podendo ser publicado, tem efeito de fecho e efeito de autoria (livros, documentos, teatro, jornal televisivo, missa). O discurso de oralidade, por sua vez, não é publicável, mesmo podendo ser grafado, ele tem caráter aberto, sem efeito de fecho, sem efeito de autoria (bate-papo, lista de compras, anotações). 118 - 140 E-Book - Apostila O discurso de Escritoralidade reúne as características da escrita e da oralidade. Tem forma escrita e oral, é publicado, mas sempre provisório, efêmero, fugaz (postagens de internet, vídeos em mídias sociais). Como vemos, a Escritoralidade está diretamente relacionada com as discursividades online e apresentam tanto as características de um Discurso de Escrita (unidade, legitimidade, certoefeito de fecho) quanto características do discurso de oralidade (interlocuções provisórias, sem efeito de fecho ou com efeito de fecho provisório, múltiplos interlocutores). Vejamos um exemplo desse funcionamento apresentado pela própria autora ao refletir sobre a Wikipedia: Podemos pensar que a wikipedia é um espaço especializado em disponibilizar “informação”, no entanto, essa informação assume formas específicas e contornos de legitimidade, na medida em que está determinada pelo Discurso de Escrita e a memória, aí mobilizada, das enciclopédias físicas. Também elas eram de autoria coletiva, assim como a wikipedia, e apresentadas com unidade de sentido, enquanto um efeito da autoria desse discurso. Portanto, a relação de interlocução que a wikipedia propõe aproxima-se do Discurso de Escrita, ou seja, a relação não presencial de um leitor com um autor, assim como aquela que se dá na leitura de um livro. No entanto, a fluidez da tecnologia digital faz com que essa produção, diferente do livro impresso, seja muito rápida, quase instantânea, em relação aos acontecimentos sociais que são ali “informados”. Mas ainda assim, apesar da condição instantânea dessa textualidade, tão própria do ciberespaço, o que difere o autor da wikipedia ainda é sua materialidade relacionada ao Discurso de Escrita e ao Discurso da Oralidade, simultaneamente. 119 - 140 E-Book - Apostila Ora, o modo como você conversa com seus amigos no bar não tem uma relação direta com o Discurso de Escrita, pois ali você organiza a sua fala de acordo com condições de produção específicas. O mesmo não ocorre quando você conversa com esses mesmos amigos em um grupo no Whatsapp, não é mesmo? Por mais que vocês mantenham “o mesmo discurso” ou que as conversas sejam muito próximas de uma conversa de bar, o que permitiria dizer que se parece muito com um Discurso de Oralidade, ao sofrerem as determinações do dispositivo tecnológico e do modo como o aplicativo propõe e disponibiliza instrumentos para essa conversa os efeitos de sentidos ali produzidos serão afetados por formas que são próximas de um Discurso de Escrita. Ao Discurso de Oralidade (conversa provisória e sem efeito de unidade entre amigos) alia- se um conjunto de instrumentos tecnológicos próprios do Discurso da Escrita (texto, imagens, etc.) = ESCRITORALIDADE. Em AD há inúmeros outros trabalhos e analistas que buscam pensar a relação entre discurso e digital, portanto, vemos que é um desafio atual para a teoria pensar esse novo modo de produção de discursividades. PENSANDO JUNTOS Você já havia considerado essas diferenças entre textos e discursos nos ambientes digitais online? Quantas vezes você parou para pensar em como deveria formular o seu texto e sua escrita considerando as características de possibilidades oferecidas pelos diferentes espaços digitais? Se você tem afinidade com os espaços discursivos online procure prestar atenção nas diferenças que cada espaço estabelece e como essas diferenças modificam não só os seu texto e o modo como você procura formular a sua fala de um jeito e não de outro. Sempre negociando com as possibilidades “oferecidas” pela materialidade digital. Fonte: as autoras. APROFUNDANDO Neste estudo enfatizamos o trabalho com as materialidades discursivas que possibilitaram uma ampliação do campo de estudos em AD, que passa a considerar a análise de diferentes materialidades significantes e, ainda, que entre as discussões atuais em torno de diferentes materialidades estão os debates e reflexões sobre as materialidades digitais e o modo como elas afetam a nossa relação com a própria linguagem. 120 - 140 E-Book - Apostila Tendo em vista os estudos e discussões do modo como as discursividades online afetam os sentidos produzidos por nossos dizeres, fazendo com que nossa formulação passe a seguir a normatização do digital, pretendemos apresentar aqui o modo como uma rede social específica, o Twitter, normatiza os dizeres, afetando a formulação e circulação dos enunciados e, consequentemente, os sentidos que aí se produzem, por sua relação com o digital. Para pensar em uma dimensão discursiva do Twitter antes devemos problematizar a proposta “comunicacional” deste ambiente digital. Primeiro é preciso destacar que o Twitter afirma que é uma plataforma que permite aos sujeitos participarem de “uma conversa global”. Discursivamente essa afirmação pode ser relativizada uma vez que o que existe aí é apenas um “efeito de conversa”, já que, é apenas imaginariamente que funciona como uma conversa, uma vez que o que acontece no momento de cada interlocução pode não se concretizar da forma como aquele que escreve ou lê uma postagem no Twitter imagina como deveria ser essa “conversa”. Em um segundo momento é importante perceber que não se trata de um ambiente puramente técnico, neutro e objetivo, apesar de parecer funcionar de modo mais ou menos neutro e objetivo. Isso ocorre porque, antes mesmo que os sujeitos-usuários do Twitter pudessem escrever e ler nesse ambiente, o modo como essa escritura e essa leitura poderá ser realizada faz parte de uma escrita e leitura anterior: a do programador. Observe a seguinte publicação que realizamos no Twitter: Figura 6 - 4 SN JULIANA da SILVEIRA Gysilveirajuliana Gostei do novo jeito do Twitter, permitindo a inserção de comentário antes do RT. 15:23 - 16 de abr de 2015 dr t+ “w di Pé | Tweete sua resposta 121 - 140 E-Book - Apostila É, em última instância, o gesto do programador que define que neste espaço nosso texto deve possuir: apenas 140 caracteres, que, ao ser lido ele poderá apenas ser “respondido”, “retuitado”, “curtido”. Uma questão que podemos fazer é, por exemplo, porque não há um recurso que permita indicarmos que a publicação não agradou, não foi curtida? Que leitura o programador fez das “nossas” necessidades de interação que o levaram a não oferecer um botão para negativar uma postagem? Discursivamente é importante notarmos que, embora essas escolhas apareçam como evidentes e naturais, elas são opacas, não transparentes. Não há, portanto, neutralidade nem objetividade nesta escolha do programador. E, ainda, não é o programador indivíduo que realiza tais escolhas. Elas são determinadas pelo processo sócio-histórico ideológico de constituição dessa mídia social. São essas condições sócio-históricas que permitem explicarmos, por exemplo, que o modo como esse ambiente se constitui se relaciona com a memória de um outro discurso, o discurso jornalístico. É por se relacionar com a memória do discurso jornalístico. ressignificado pela plataforma, que o Twitter produz efeitos de sentidos determinados, como, por exemplo, aquele que permite com que os sujeitos-usuários mais diversos se sintam eles também “comunicadores”. Entramos, assim, em uma ordem do discurso midiática, que nos convida e nos interpela a produzir conteúdo, informação, notícias, minuto a minuto. Essa interpelação está materializada na tela do Twitter de modo permanente, no espaço em branco no qual “devemos” formular o nosso texto. Figura 7 - A partir de reflexões como essa é que podemos compreender o quanto a noção de materialidades discursivas faz avançar os estudos em AD e o quanto essa teoria tem a contribuir para tirarmos os discursos de suas “evidências”, mostrando que os sentidos e os sujeitos se constituem na medida em que ocupam lugares discursivos determinados, a partir de posições-sujeitos determinadas. Vale observar também, que como vimos no decorrer desta unidade, essas materialidades digitais fazem parte da forma discurso de Escritoralidade e caberia aqui uma certa de outras análises que você pode tentar pensar. Por exemplo, você já parou para refletir porque não podemos comparar a conversa do Twitter com uma conversa no bar? 122 - 140 E-Book - Apostila Precisamos LER essas novas materialidades paracompreender que os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. Novas atitudes são inventadas, outras se extinguem. Do rolo antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico, várias rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler. Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o tivro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram sua compreensão. (CHARTIER, 1998, p.77)" q J Trata-se, portanto. de buscarmos estabelecer uma relação menos ingênua com a linguagem que não é de modo algum natural, mas material. Novos Desafios Nosso objetivo neste estudo foi fazer um breve percurso pelo modo como hoje os analistas de discurso tem pensado a relação entre língua, sujeito e história, a partir de um passeio por noções como materialidades discursivas. Assim fomos tateando um vasto campo de possibilidades de estudo com as variadas materialidades significantes, relacionando discurso e arquivo, discurso e corpo, discurso e digital. Nosso propósito maior foi levá-lo a compreender que a AD não é um campo de estudos fechado em si mesmo, mas uma disciplina de entremeio que hoje propõe questões não só aos estudos sobre a língua, o marxismo e a psicanálise, mas que relaciona esses e outros campos com aquele que é o seu objeto teórico: o discurso. Desse modo, vimos que pensar o discurso é pensar os processos de significação a partir do modo como nos relacionamos com nosso objeto teórico, o discurso, e os variados objetos de análise: o corpo, o digital, a fotografia, o cinema, etc. Materialidades significantes variadas que exigem pensar suas especificidades, para compreender o processo discursivo e os modos diversos de significação que cada materialidade produz, desloca, (re)arranja. 123 - 140 E-Book - Apostila Vimos, assim, que desde o Colóquio Materialidades Discursivas até os procedimentos de análise atuais, a AD não se cansa de repensar seus próprios conceitos e metodologia, sem estacionar no já concebido, mas sempre buscando novas formas de compreensão dos sentidos. Pensar o sentido ancorado na noção de materialidade discursiva é não desconsiderar que a AD é um disciplina materialista, que pensa o discurso a partir de seu funcionamento complexo uma vez que se constituem de múltiplas materialidades discursivas (linguistica, cultural, ideológica, inconsciente) e se relaciona com diferentes materialidades significantes (imagens, sons, voz, gesto, cinema, fotografia, etc.). Vimos, portanto, que é indispensável, discursivamente, pensar o imbricamento dessas materialidades para pensar a contradição constitutiva do discurso. As contradições que se manifestam nessas diferentes práticas, fazendo circulam determinados sentidos e não outros. VAMOS PRATICAR? Chegou o momento de testar o conhecimento adquirido até aqui! Para isso, por favor, participe da autoatividade que preparamos especialmente para você. São apenas 3 questões 1. Sobre a relação discurso e digital é correto afirmar que há uma modificação nas noções de escrita e oralidade. A esse respeito, assinale a alternativa correta: 124 - 140 E-Book - Apostila a) O uso de novas tecnologias favoreceu o domínio da oralidade; o (a) uso de novas tecnologias permitiu a ampliação do domínio da escrita; Resposta Incorreta: Continue tentando! b) o digital produz uma nova forma discurso, a escritoralidade, para pensar a relação complexa da materialidade digital com os discursos pré-existentes. Resposta Incorreta: Continue tentando! [C) c) Na sociedade tecnológica os discursos de escrita e oralidades não tem mais legitimidade. Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! O d) A tecnologia acaba com a contradição que existia entre escrita e oralidade. Resposta Incorreta: Continue tentando! 125 - 140 E-Book - Apostila 2. De acordo com a distinção proposta por Paveau, já podemos falar em uma Análise do Discurso Digital, uma teoria específica para falar do digital. Para começar a pensar as especificidades do digital a autora propõe uma classificação dos textos que circulam hoje. Observe as alternativas abaixo, avalie qual delas corresponde à classificação feita por Paveau, e assinale a alternativa correta (a) a) Escane ado, fotografado, filmado Resposta Incorreta: Continue tentando! Q b) Digitalizado, filmado, gravado Resposta Incorreta: Continue tentando! OQ c) Datilografado, fotocopiado, grafado 126 - 140 E-Book - Apostila Resposta Incorreta: Continue tentando! d) Digitalizado, digitado, digital Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! e) Digitado, digitalizado, escaneado Resposta Incorreta: Continue tentando! 3. A Análise de Discurso passou por um longo processo até voltar a sua atenção para as diferentes materialidades discursivas. O que pode se afirmar para o fato de hoje essa teoria se dedicar a análise de diferentes materialidades significantes? Assinale a alternativa 127 - 140 O E-Book - Apostila correta. Outras formas de linguagem significam da mesma forma que a linguagem verbal. Os estudos sobre o arquivo e a heterogeneidade dos texto sabre o campo de estudos da AD para novas materialidades. As imagens não são uma forma de tradução da linguagem verbal. Ao tomar o corpo como materialidade discursiva busca-se compreender, de certa forma, a relação entre o sujeito e a linguagem. a) Somente as alternativas | e Il estão corretas Resposta Incorreta: Continue tentando! b) Somente as alternativas |, Il e Ill estão corretas Resposta Incorreta: Continue tentando! c) Estão corretas apenas as alternativas |, Ile IV Resposta Correta: Muito bem! Está bem atento aos estudos! 128 - 140 E-Book - Apostila OQ d) Nenhum das alternativas estão corretas. Resposta Incorreta: Continue tentando! REFERÊNCIAS GALLO, Solange. Como o texto se produz: uma perspectiva discursiva. Blumenau: Nova Letra, 2008. GALLO, Solange. Discurso e novas tecnologias de informação. 2012. 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Tese (Doutorado) - Curso de Pós-graduação em Letras, Universidade Estadual de Maringá, Maringá. 2015. Disponível em:<http:/www.ple.uem.br/defesas/def. juliana. da. silveira.htm>. Acesso em 05 junho de 2017. EDITORIAL UNIVERSIDADE CESUMAR Avenida Guedner, 1610 Maringá, PR - CEP: 87050-390 Telefone: (44) 3027 6360 Jornada Acadêmica de Educação Continuada Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Victor Vinicius Biazon Liana Gomes Netto José Tiago de Moraes Ediele de Sousa Menezes Bonilha Fernanda Sutkus de Oliveira Mello Alana Beatriz Lemos Ribeiro Longhi Sérgio Henrique Ribeiro Cuba 130 - 140 E-Book - Apostila Breno Kelvyn Sousa de França Alexandre Bento dos Reis Sobrinho C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; SILVEIRA, Juliana da; SILVA Vera Lucia da Análise de Discurso. Juliana da Silveira; Vera Lucia da Silva; Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017. 36 p. “Pós-graduação Universo - EaD”. 1.Análise. 2. Discurso. 3. EaD. |. Título. CDD - 22 ed. 418 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Pró Reitoria de Ensino EAD Unicesumar Diretoria de Design Educacional Equipe Produção de Materiais Fotos: Shutterstock 131 - 140 E-Book - Apostila NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná | unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 VÍDEOS APRESENTAÇÃO UNIDADE 1 Aqui estão os melhores vídeos para complementar seus aprendizados da unidade 1 132 - 140 E-Book - Apostila Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar 133 - 140 E-Book - Apostila UNIDADE 2 Aqui estão os melhores vídeos para complementar seus aprendizados da unidade 2 134 - 140 E-Book - Apostila Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo 135 - 140 E-Book - Apostila UNIDADE 3 Aqui estão os melhores vídeos para complementar seus aprendizados da unidade 3 136 - 140 E-Book - Apostila UNIDADE 4 Aqui estão os melhores vídeos para complementar seus aprendizados da unidade 4 137 - 140 E-Book - Apostila Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo Clique aqui para acessar Recurso é melhor visualizado no formato interativo Recurso Externo 138 - 140 E-Book - Apostila ESTUDO DE CASO 139 - 140 E-Book - Apostila Download Estudo de Caso Amplie seu aprendizado com o PDF abaixo: Download Recurso é melhor visualizado no formato interativo 140 - 140