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RAJAGOPALAN, K - Por uma linguistica aplicada critica (2003)

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r
linguaE,.«l .
].. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa
Marcos Bagno
2. Linguagem & comunicação sacia! -- visões da linguística moderna
Manoel Luiz Gonçalves Corrêa
3. Conversas com linguistas -- Virtudes e controvérsias da lingÍlística
Antonio Carlos Xavier, Suzana Cortez(orgs.)
4. Por uma linguística crítica -- Linguagem, identidade e a questão ética
Kanavilhl R4agopalan
5. Sistema, mudança e linguagem - um percurso pela história da tingüi
moderna - Dante Lucchesi
6. "0 português sáo dois" - novas fronteiras, velhos problemas
Rosa Virgínia Mattos e Salva
7. Ensaios para uma sócio-históha do português brasileiro
Rosa Virgínia Mattos e Salva
8. A lingüística que nos faz falhar - Investigação cHtica
Fábio Lopes da Salva, Kanavi]]i] Rajagopa]an]orgs.]
HN®ILLIL RNAGOMLAN
stzca
Por uma lingüístíca crítica
LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUESTÃO ÉTICA
r'
PoK UMA LINCUSriCA CRRICH LINGUAGEM, IDENnDADE E A QUESTÃO ÉTicA K\NnnLLit RAJAGoluLAN
sutil os anseios e as inquietações que movem aqueles que estão por trás
daquelas reflexões teóricas.
Estamos, em outras palavras, no terreno da sociologia do conheci-
mento, e não mais no da epistemologia do saber. Ao perguntar quais as
considerações éticas, ideológicas e políticas que subjazem a determinadas
posturas teóricas, estamos em verdade inquirindo as condições em que o
novo "saber" se produz e se reproduz. Estamos procurando entender, entre
outras coisas, quais os recortes que o novo saber efetua, e ao fazer isso,
quais exdusões ele legítima. A preocupação principal aqui é dar largada
a uma discussão acerca dessas questões com a esperança de que ela traga
subsídios para uma maior conscientização do aspecto ético das nossas
práticas teóricas.
Linguagem e identidade
.[-í lugar-comum na filosofa da ciência que todo esforço de elabo-
ração de teorias exige como primeiro passo a identificação e delimitação
razoavelmente precisas do objeto de estudo. Evidentemente, a ]ingüística
não podia í:ugir à regra. No caso da ciência da linguagem, porém, há cer-
tos fatores peculiares que tornam um pouco mais delicada a questão da
identücação exata do objeto.
O que torna a Ihgtiística um caso à parte é que, na tentativa de compre-
ender seu objeto de estudo, a linguagem, ela é obrigada a proceder valendo-se,
enquanto instrumento de análise, do objeto mesmo, isto é, da própria lingua-
gem o que não acontece num campo do saber como, por exemplo, a bo-
tânica, onde o pesquisador estuda a flora e recorre à linguagem para descrever
o seu objeto de estudo e posteriomiente documenta e dimgar os resultados.
Como é sabido, há artifícios bastante engenhosos como a distinção
entre "linguagem-objeto" e "metalinguagem" que foram instituídos para
afastar qualquer possibilidade de "contaminação" ou "distorção"(cf. Eaton,
1996) do objeto de análise pelo instrumento de análise e vice-versa.
Permanece, porém, o fato de que tais recursos foram adotados jus-
tamente para evitar que a necessidade de o linguista utilizar o próprio
objeto como instrumento de análise faça com que sua empreitada seja
vista como algo diferente das demais áreas científicas. Ou seja, a maior
justificativa para postular a suposta distinção entre o objeto e o ins-
.P
22 23
POR UMA LINGÜÍSIICA CRmCA: LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUESTÃO ÉTICA KANAV]LLIL RAJAGOPALAN
LINGUAGEM E IDENTIDADE
trumento, ainda que os dois sejam indistinguíveis um do outro sob qual-
quer outro prisma, é a necessidade premente de reivindicar para a lin-
guística o stattzs de uma ciência com todo o enorme respeito que essa
palawa inspira em nossos meios(cf. Rajagopalan e Anoto, 1992). Afinal
de contas, é um fato incontestável que a linguística, desde a sua inserção
no mundo acadêmico como uma área importante do saber, fez questão
de se projetar como uma ciência com todo o rigor da palawa. Segundo
autores como Sampson(1980), a escolha da ]ingüística como "a rainha
das ciências humanas' no início desse século deveu-se, em grande parte,
ao enorme prestígio que a própria palawa "ciência" adquirira junto às
grandes massas de leigos, bem como à insistência por parte dos hngüistas
em caracterizar sua área de estudo como uma ciência e assim distingul-
la dos esforços de seus antecessores, entre eles os filólogos e os gramáticos
"tradicionais". Ou seja, ironicamente, a linguística foi eleita como modelo
para as demais ciências humanas por adotar ou melhor dizendo, imi-
tar os métodos das ciências exatas e se distanciar dos procedimentos
mais comuns nas humanas. Em seu livro Po/ítícs ofl,ínguísücs, Frederick
Newmeyer defende a autonomia da linguística, afirmando que ela se
preocupa em
abordar a linguagem como um cientista natural estudaria um fenómeno fí-
sico, isto é, concentrando-se naqueles seus atributos que existem indepen-
dentemente das crenças e dos valores dos falantes individuais de uma deter-
minada língua ou da natureza da sociedade na qual a língua é falada
(Newmeyer, 1986: 5-6).
Todavia é possível constatar na literatura recente uma certa inquie-
tação crescente em relação à pouca semelhança entre a linguagem tal
qual vislumbrada pela lingüística enquanto objeto de estudo e a lingua-
gem como percebida e vivenciada pelos leigos, como também pelos espe'
cialistas em outras áreas de conhecimento. Como chega a afirmar
Segerdah1 (1995: 41):
[...] a hngtiística não versa sobre algo que existe independentemente de si
mesma. A linguística é, ao invés, um modo artiÕcia7 de tratar da nossa língua
gem que, esta sim, existe independentemente dela.
Yngve, autor do livro l,irzWístícs as a Sdence(Yngve, 1986), é mais
contundente ainda quando afirma que a lingtlística não terá nenhuma
utilidade social, nem tampouco credibHidade acadêmica, a menos que adote
uma atitude cientíâca mais apropriada tanto em relação a seus métodos
como no que tange a seu discurso. A crescente percepção por parte de
uma parcela significativa de pesquisadores de que chegou a hora de re-
pensar os fundamentos é curiosa, pois até bem pouco, os teóricos rara-
mente se mostravam constrangidos com o fato de a hngtlística ter deixa-
do de lado a própria tarefa de explicar o fenómeno da linguagem(por
mais estranho que isso pareçam). Em sua aula inaugural, proferida na
Universidade de Londres em 1983, Neil Smith(1983: 4) foi surpreenden-
temente direto e categórico ao afirmar que "a linguística não versa sobre
a linguagem, nem sobre as línguas, pelo menos estas não estão em seu
foco; ela versa sobre as gramáticas." Na verdade, Smith estava apenas
ecoando as palavras de Chomsky(1980: 129), para quem " -. a linguagem
é um conceito derivativo e talvez algo não muito interessante.'
O objetivo deste capítulo é pleitear que nós, hngtlistas, devemos,
com urgência, rever muitos dos conceitos e das categorias com os quais
estamos acostumados a trabalhar, no int:unto de torna-los mais adequa-
dos às mudanças estonteantes, principalmente em nível social, geopolítico,
e cultural em curso neste início de milênio. Como bem assinala Hutton
(1996: 209), "a ]ingüística talvez seja a disciplina que mais encarna o
espírito do século XIX dentre as que são ensinadas nas universidades
hoje". Os nossos conceitos básicos re]ativos à linguagem foram em grande
parte herdados do século XIX, quando imperava o lema "Uma nação, uma
língua, uma cultura". Previsivelmente eles estão se mostrando cada vez
mais incapazes de corresponder à realidade vivida neste novo milênio,
realidade marcada de forma acentuada por novos fenómenos e tendên-
cias irreversíveis como a globalização e a interação entre culturas, com
consequências diretas sobre a vida e o comportamento cotidiano dos
povos, inclusive no que diz respeito a hábitos e costumes lingtlísticos.
O próprio conceito de língua está aí como prova cabal Do modo
como é conceituada, a língua é tradicionalmente entendida como algo
24
25
r'
PoK UMA LWCUSVICA cnncx LWGUAGEM IDENTIDADE E A QUESTÃO ÉTICA KAnNnLLn RAJAcorAtAW
fechado em si e auto-suficiente. Para Saussure(1959),o pai da linguística
moderna, tratava-se de uma questão óbvia demais para merecer qualquer
discussão mais aprofundada. Todo mundo sabe o que é e o que não é
pertencente a qualquer hngua x. Max Müller, grande hngüista alemão do
século XIX, foi taxativo em sua afirmação de que inexistem hnguas "mis-
tas"(cf. Müller, 1871). O preconceito contra a miscigenação ]ingtlística está
presente, por exemplo, no modo como são tratadas até hoje aslínguas "pidgins
marginalizadas por não possuírem a pureza de 24 quilates que se credita
às língua «normais"(Thomason e Kaufman, 1991). Os ]ingüistas do início
deste século adotaram como prindpio norteados a idéia de que todas as lín-
guas são funcionalmente equivalentes, ou seja, todas elas são igualmente
dotadas de recursos pma atender a todos os interesses dos seus usuários.
Sucessivas gerações de linguistas adotaram-no como um pressuposto teórico
auto-evidente e não merecedor de qualquer averiguação empMca. A título de
exemplo, Lippi-Green:(1994: 165) sugere que, na falta de pmva em contrário,
a "tese básica" deve ser mantida intacta.
Ora, o fato é que o conceito de "língua" que os estudiosos adotaram
a prior, ou seja, antes mesmo de qualquer verificação empírica, não admi-
te qualquer possibilidade de que as línguas encontradas no mundo real
sobretudo nos dias de hoje, quando os contatos entre os povos 'stão
se processando na velocidade da luz e em volumes inimagináveis algu-
mas décadas atrás possam evidenciar instabilidades, não passageiras,
mas estruturais e constitutivas(Rajagopalan, 1997b, 1998a). Isto é, en-
quanto se insistir numa definição do que é a língua em primeiro lugar,
definição que parta da idéia de que todas as línguas se constituem em
sistemas auto-suficientes, simplesmente não se pode imaginar que qual-
quer "dado empírico" recohido de forma aleatória possa um dia vir a
mostrar as limitações daquela mesma definição. A crença na existência
de dados teoricamente inocentes e neutros é um dos mitos que ainda
rondam o imaginário do cientista, não obstante todos os recentes esforços
por parte de flósofos da ciência como Kulm(1962) e Feyerabend(1975). Nas
palawas de Fish(1980), a verdadeira proeza seria encontrar uma teoria que
não funcionasse(já que a reação insünüva por parte do defensor convicto da
26
LINGUAGEM E IDENTIDADE
teoria, pedante o surgimento de evidênda contrai:ia, é a de desqualificar e, em
seguida, descartar o "dado" rebelde como "não relevante").
O que torna o conceito clássico da língua cada vez mais difícil de
sustentar é que ele abriga não só a idéia de auto-suficiência, mas também
faz vistas grossas às heterogeneidades que marcam todas as comunida-
des de fda. Isto é, as diferenças são tratadas como fenómenos contingen-
tes a ser estudados num segundo momento. Nas palawas de Fairdough
(1992), a língua é abordada como ela poderia ser num mundo ideal e
paradisíaco e não como ela de fato é em nosso mundo vivido.
Da mesma forma que a língua é conceituada em termos de tudo ou
nada, os falantes dessas mesmas línguas também são classücados em
termos categóricos, isto é, como nativos ou, se não, obrigatoriamente
não-nativos em relação a qualquer língua específica(a qual, por sua vez,
passa a ser ou "materna" ou, se não, forçosamente "estrangeira" com res-
peito a cada um daqueles falantes), não permitindo, dessa forma, qual-
quer possibilidade de categorias mistas. Embora, inegavelmente, tenha
sua função heurística em um primeiro momento, tal manobra vai de
encontro ao fato de que o multilingüsmo está se tornando cada vez mais
a norma e não a exceção em nosso mundo. Como diz Desai(1955: 20),
o "mu]ti]ingüismo já é a língua franca da África". As palavras do referido
autor têm igual pertinência para outros continentes e "subcontinentes'
como a índia, bem como para as novas realidades geopolíticas como a
União Européia. Este aumento exponencial e, ao que parece, irreversível,
de casos de multihngüismo se deve, de um lado, a ondas migratórias
envolvendo grande massas de população no cenário mundial pós-guerra,
e do outro lado, à popularização da informática e ao encurtamento de
distâncias entre continentes, resultando no contato crescente entre po-
vos (Rqagopalan, 1997a, 1998a, 1999d).
Ao fazer vista grossa às mudanças geopolíticas em curso no mundo
inteiro, mudanças com resultados concretos plenamente visíveis a olho
nu, a linguística de hoje mostra sinais de querer se enclausurar numa
torre de maiíim, contemplando, com saudade, o mundo perdido de iden-
tidades fixas e delineadas uma vez por todas. Como chega a exdamar
27
POR UMA LINGÜSTI(H CNTICA 'LWGUAGEM, IDENTIDADE E A QUESTÃO ÉTICA I<ANAWLLn RAJAGOFALAN
Donald Davidson, filósofo norte-americano de grande repercussão inter-
nacional, a facilidade com que costumamos falar de línguas tende a ofus-
car o fato elementar de que tais entes inexistem no mundo real, mas são
verdadeiros construtos criados em resposta a certas demandas históri-
cas. O perigo reside em acreditar que, uma vez deificados, tais objetos
estariam imunes a quaisquer questionamentos quanto à sua utilidade
contínua.
Num mundo em rápida transformação como o nosso, tal atitude
ameaça condenar a lingtlística à total irrelevância, sobretudo em compa-
ração a disciplinas conexas como a sociologia, onde o questionamento
dos próprios alicerces e conceitos básicos(veja, por exemplo, Wellerstein,
1991) só tem trazido ótimos subsídios para a adequação dos mesmos a
novasreahdades.
Lingüística e a política
de representação
.f'\ idéia de que a função principal e imprescindível da linguagem
seja a de representar o mundo está muito fortemente arraigada entre nós
e escancaradamente presente em quase todas as teorias linguísticas. Não
é à toa que a gramática tradicional sempre prestigiou a forma dedarativa
das sentenças. Acreditava-se que em sua forma dedarativa a sentença
exprimisse um "pensamento completo", o qual por sua vez, pudesse en
tão ser "cotejado" com a realidade extralingüística para se saber se era
verdadeiro ou não.
Em seus primeiros modelos de análise sintética, a gramática gemtiva
(que, nesse particular, simplesmente seguiu a orientação da gramática tradi-
dond) postulava regras transformacionais para converter sentenças dedara-
tivas em interrogativa ou imperativas, mas nunca na direção oposta. Eviden-
temente, a idéia subjacente era a de que a forma dedarativa deve ser conside-
rada como a fomna canónica, pois é mediante essa forma que a sentença
desempenha sua função central de representar o mundo. Na venda(]e, a justi-
ficativa nem era feita nesses oitos tempos, já que a questão da representa-
ção fazia parte dos pressupostos de todas as discussões.
Apenas para citar mais um exemplo de abordagem hngüística, desta
vez de orientação funcionalista, o modelo de análise proposto por Hahday
28 29
POR UMA LINGt)ÍSHCA CRÍHCA LNGUAGEM, IDENnDADE E A QUESTÃO NUCA I KANWILLIL RAJAGOPALAN
mente implicações éticas. Ao contrário do que se depreende da posição
mamista, a escolha não estaria, em momento algum, entre uma teoria
eticamente dimensionada e outra eticamente neutra e descompromissa-
da; estaria sempre entre teorias, todas elas com claras implicações éticas.
Em outras palawas, em nenhum momento estaríamos pensando a lin-
guagem em termos etico-ideologicamente neutros.
Na medida em que todo posicionamento ético envolve a defesa de
certos valores em oposição a outros, ou seja, a/zíernrqtzízação de valores,
a hipótese tal qual se acha formulada neste trabalho redunda em que
todas as distinções são no fundo hierarquias (às vezes muito bem
disfarçadas ou 'maquiadas'). No caso da linguística, aqui estão alguns
exemp[os mais i]ustrativos: ]íngua vs. dia]eto, língua vs. fda, fda vs. escri-
ta, ]ocutor vs. destinatário, hngua materna vs. língua estrangeira,(falan-
te) nativo vs. estrangeiro, e assim por diante.
Para finalizar, que destino teria a mais celebrada de todas as distin-
ções metateóricas que qualquer calouro no campo da linguísticaé invaria-
velmente convidado a aceitar a saber, a distinção entre um saber des-
cHüvo e um saber prescríüvo? Bem, ser prescritivo não seria mais o exclu-
sivo privilégio dúbio dos gramáticos tradicionais, os pobres coitados que
já foram explorados como 'sacos de pancada' pela moderna ciência da
linguagem, a lingüístical
A identidade lingüística em
um mundo globalizado
\./ueiramos ou não, vivemos num mundo globalizado. Entre ou-
tras coisas, isso significa que os destinos dos diferentes povos que habi-
tam a terra se encontram cada vez mais interligados e imbricados uns
nos outros fenómeno que vem sendo chamado de "transnacionajização"
da nossa vida cultural e económica(Robins, 1997). O outro lado dessa
mesma moeda se chama "desterritorialização" das pessoas que, por
motivos diversos, tornam-se, em número cada vez maior, cidadãs do
mundo e suas práticas identitárias(Krause e Renwid{, 1996). Essa
nova relação entre as pessoas das diferentes regiões do mundo, das mais
variadas etnias e línguas, de histórias e tradições diferentes, se deu como
consequência imediata do rompimento das barreiras que, até pouco tem-
po atrás, pareciam intransponíveis e serviam de impedimento a qualquer
forma de aproximação entre os povos, a não ser com propósitos nada
amigáveis. Estou me referindo às inúmeras barreiras comerciais, econó-
micas, culturais e às restrições à livre circulação de informações entre
países, barreiras que estão desmoronando com rapidez impressionante.
É claro que seria demasiado ingênuo concluir que o mundo que deve
emergir da derrocada da velha ordem vai estar o mais pró)cimo possível
de um paraíso terrestre, livre das dissensões e dos atritos que marcaram
56
57
POR UMA LINGUÍSTICA CNTICA LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUESTÃO ÉTICA IhNAULLn RAJAGOIW.AN A IDENTIDADE LINGÜÍSnCA EM UM MUNDO GLOBALIZADO
outros tempos não tão remotos. Com certeza, a queda do muro de Berlim
não significou o começo da tão decantada paz mundial duradoura, como
claramente o demonstram as tensões que ainda persistem em diferentes
partes do mundo, bem como os frequentes conflitos armados que ocor-
reram no curto espaço de tempo desde 1989. Também não nos podemos
contentar com o fãm da era do imperialismo e de seu avesso, o colonialismo,
mais ou menos em meados do século XX, com a independência em série
de dezenas de colónias européias na Áâica e na Ária. Seria temerário e
irresponsável concluir que o espírito do imperialismo e do colonialismo
passou para as páginas da história. Em conferência proferida na Univer-
sidade de York, em Toronto, Canadá, em fevereiro de 1993, o critico lite-
rário e comentarista politico Edward raid(1993) acusa os EUA de persis-
tir em suas pretensões imperialistas, lembrando que o fenómeno "Esta-
dos Unidos" foi, desde o seu começo, fundado na idéia de um ímperítzm.
Foi fundado como um império, um estado soberano que se expandiria
em população e território e aumento de poderio.
E acrescenta:
reflexões, em puro espírito especulativo, a respeito das mudanças que
sinto estarem em curso na identidade linguística de cada um de nós como
resultado da globalização. Digo desde já, a título de antecipação de minha
principal conclusão, que nunca na história da humanidade a identidade
linguística das pessoas esteve tão sujeita como nos dias de hoje às influ-
ências estrangeiras. Volatilidade e instabilidade tornaram-se as marcas
registradas das identidades no mundo pós-moderno. Nossas vidas estão
sendo cada vez mais literalmente invadidas pelas informações advindas
de fontes de todos os tipos, algumas bem-vindas, outras nem tanto. A
Internet nivelou em grande parte as desigualdades que existiam entre o
centro e a periferia no que respeita ao acesso às informações, como cada
vez mais estão descobrindo, com espanto, os governantes autocráticos e
inescrupulosos em várias partes do mundo que historicamente se vale-
ram da possibilidade de reter informações ou até mesmo do instrumento
igualmente eficaz de desinformação proposital para manter-se no poder.
A radiodifusão e a televisão via satélite tornaram possível a transmissão
de notícias em tempo real Hoje, principalmente nas populações urbanas do
mundo inteiro, só \tive desinfomaado quem quer se isolam' do resto do mundo
por vontade própria, sendo que os inúmeros cartazes e outdoors espalhados
em lugares públicos e outras fomlas de propaganda agressiva ainda se esfor-
çam para que o nosso 'ludita" contumaz deixe de realizar seu sonho em ple-
nitude. Estamos vivendo a era da infom)ação hoje somos o que sabemos.
E a linguagem está no epicentro deste verdadeiro abalo sísmico que está em
curso na maneira de ]idm com as nossas vidas e as nossas identidades. Se a
identidade ]ingtiística está em crise, isso se deve, de um lado, ao excesso de
infonnações que nos circunda e, por outro lado, às instabilidades e contra-
dições que caracterizam tanto a linguagem na era da informação como as
próprias relações entre os povos e as pessoas.
Tenho plena consciência de que estou propondo algo que certamen-
te incomodará muitos dos meus leitores, uma vez que a perda de identi-
dade é motivo de angústia em qualquer situação. Na verdade, tamanha é
a angústia que isso já está gerando em muitos setores que, como bem
ressalta Samuel Huntington(1997), podemos constatar duas tendências,
contraditórias entre si, em franca expansão: a globalização e a
Curiosamente, porém, tão influente tem sido o discurso que insiste na
especificidadernorteJamericana, em seu altruísmo, e nas oportunidadeslque
o país oferece], que o imperialismo nos Estados Unidos, quer enquanto pala-
vra quer como ideologia, tem aparecido rara e só recentemente em discussões
sobre a cultura, política e história dos EUA.
Ou seja, Said está nos alertando sobre a prevalênda de um certo discurso
que só serve para camuflar as venlladeiras intenções de certos governantes;
persegue-se a velha política expansionista, porém agora disfmçada de interes
se altruísta. As relações interna(zonais ainda continuam como sempre foram:
uma luta de foice onde se salva apenas quem tem "maior poder de bargMa".
As tensões e os heqüentes desentendimentos entre povos, ao que tudo indica,
não vão desaparecer como num passe de mágica. Talvez, até seja utópico
demais esperar que isso ocorra, se admitimlos a hipótese de que a propensão
à violênda faz parte da própria natureza humana.
O meu propósito neste capítulo não é indagar se está ao nosso al-
cance o sonho antigo da "aldeia global". Gostaria apenas de tecer algumas
58 59
POR UMA LINGÜÍSTICA CRÍTICA: LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUESTÃO ÉTICA I<ANAUUÜ RAJAGOI:ALAN A IDENTIDADE LmGÜSUCA EM UM MUNDO GLOBALIZADO
regionalização. A segunda se processa à revelia ou, talvez em resposta
direta à primeira. Em suas próprias palawas,
Nesse mundo novo, a política local é a política da etnia, e a política mundial
é a política das civilizações. A rivalidade das superpotências é substituída
pelo choque das civilizações(Huntington, 1997: 21).
Isto é, ao mesmo tempo em que se fda em interesses globais, as
nações estão procurando cada vez mais cuidar dos interesses regionais,
haja vista a formação de zonas livres de comércio internacional dentre as
quais o Mercosul. Huntington cita em prol da sua tese a atitude de países
como a Rússia, a Polõnia, a Hungria, e a Grécia que, durante a guerra do
Kosovo, não escondiam sua simpatia para com a lugoslávia, colocando
acima dos seus compromissos 'globais' interesses locais como a etnia
(eslava) ou a religião(ortodoxa), mesmo tendo oficialmente endossado
os bombardeios da OTAN. Huntington entende que já se foi o tempo em
que os países se submetiam aos interesses alheios por motivos de vanta-
gens íinediatas ou em razão da incapacidade de se auto-afirmar. As rela-
ções internacionais continuam a ser conturbadas, cheias de tensões e
contradições.
A política mundial está sendo configurada seguindo linhas culturais e
civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, importantese
perigosos não se darão entre dasses sociais, ricos e pobres, ou entre outros
grupos definidos em termos económicos, mas sim, entre povos pertencentes
a diferentes entidades culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos irão
ocorrer no seio das civilizações(Huntington, 1997: 21).
A análise de Huntington tem muito a ver com a identidade ]ingtiís-
tica que está se formando no mundo inteiro. Por um lado, ela mostra
marcas inconfundíveis da globalização que, segundo alguns críticos, não
passa de um eufemismo para a "estadunização" ou uma nova ordem
mundial sob a égide da "Pax(Norte-)Americana". Sabe-se, por exemplo,
que o avanço triunfante da língua inglesa como meio preferido de comu-
nicação internaciona] está vetando diretamente as demais línguas do mundo.
Em tom propositadamente alamlante, Phijlipson(1992) dbcute o fenómeno
de "imper:iaLsmo ]ingtlístico" e í:ila da "invuão lingtlística" a que vêm sendo
submetidas as demais nações, mediante os emplést:amos ]ing(dísticos em gran-
des quantidades. Há quem fde em tempos de "yotoía@"(Calvet, 1974),
"[ingtiicídio", "matança ]ingt]ística", "canibalismo ]ing(dístico"(Phi]]ipson e
Skutnabb-Kangm, 1995) e "genocídio linguístico"(Day; 1980) etc., termos que.
por si sós, conüíbuem para desenhar um qua(ho macabro e desolador. Em
tempos mais ousados ainda, Pennycook(1998) alega que tanto a língua ingle-
sa como a disciplina que se diz interessada em questões linguísticas a
linguística estão impregnadas da ideologia de colonização(voltaremos
a essa questão adiante).
Por outro lado, há também claros sinais de reação. Da mesma forma
que prevalecem, conforme Hunthgton, tendências opostas e contraditó-
rias de globalização e regionalização na esfera das relações internacio-
nais, a identidadelingtlística do cidadão do mundo globalizado também
se acha rasgada ao meio pelas forças de submissão ao poder avassalador
da inf]uência estrangeira(representada pe]a língua inglesa) e de resistên-
cia e enfrentamento com ingerências sofridas. A recente mobilização
política contra estrangeirismos em diversos países, indusive o Brasil pode
ser vista como uma forma de enfrentamento, ainda que a idéia de que
um punhado de leis e regulamentos locais possa conter algo que ocorre
em nível global pareça um tanto quixotesca. O fenómeno que merece
maior atenção por parte de todos os interessados no assunto é a forma-
ção de focos de resistência bem mais fundamentada em diferentes partes
do mundo(Canagarajah, 1999) e a importância que a chamada pedago-
gia crítica assume cada vez mais nessa empreitada. Contrariamente aos
políticos e demagogos que querem futurar resultados imediatos incitan-
do a opinião pública contra todas as influências estrangeiras e pregando
uma espécie de chauvinismo linguístico como antídoto, esses pesquisado-
res advogam uma atitude muito mais sadia, que consiste em investir cada
vez mais nas estratégias de "empowerment" providenciar melhores
condições para enfrentar o adversário em seu terreno, em vez de se es
conder por trás de uma muralha de auto-isolamento.
O traço mais visível da identidade linguística nesses tempos pós-
modernos é a mestiçagem, da qual nenhuma língua escapa hoje em dia.
Durante muito tempo, a hngtlística refutou contra a possibiLdade de as
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POR UMA LINGUSTICA CRaICA LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUEHÁO ÉTICA KANAWLLIL RAJAGOPAI.AN A IDENTIDADE LINGUÍSTICA EM UM MUNDO GLOBALIZADO
línguas se influenciarem de outra maneira que não mediante a cadeia
evolutiva. A chamada área/ /ingtzísücs, segundo a qua] as línguas fa]adas
em regiões geograficamente contíguas podem, com o passar do tempo,
influenciar uma à outra, ainda encontra focos de desconfiança e rejeição.
apesar de trabalhos dássicos como o de Emeneau(1956) e, mais recentes
como Thomason e Kaufhan(1988). A linguística moderna ainda não
conseguiu se desvencilhar da idéia de que as únicas mudanças que ocor-
rem ao ]ongo da trajetória das línguas particulares devam-se a causas
intrassistêmicas, isto é, a mudanças motivadas por fatores internos, ge-
néticos. Trata-se de uma herança da chamada lingtiíética comparativa
que floresceu no século XIX. É uma idéia sutilmente preconceituosa
embora a maioria de seus defensores não tenha, ao que gostaria de crer.
parado para pensar sobre isso porque é alimentada pelo mesmo dese-
jo de pureza e pelo mesmo medo de mestiçagem que costumam dar ori-
gem a outras formas de preconceito como racismo. Max Müller(apud
Thomason e Kaufman, 1988:1) foi taxativo em sua afirmação de que não
se pode haver línguas mistas.
Isso nos conduz de volta a Pennycook, para quem a linguística, tal
qual se encontra hoje, ainda permanece imbuída de idéias preconceituosas
advindas da época do colonialismo. Talvez devamos ir mais longe ainda
e afirmar, como faz Hutton(1996), que, enquanto disciplina acadêmica,
a linguística ainda cawega traços de sua origem no século )(IX. Afinal foi
no século XIX que não só o imperialismo europeu atingiu seu ápice, mas,
inebriado pelo espírito do Iluminismo, a identidade do homem dito "eman-
cipado" adquiriu os matizes do individualismo exacerbado e da arrogân-
cia em relação aos seus pares e à Mãe Natureza.
E preciso reconhecer que a linguística tal qual se encontra hoje
está mal-equipada para nos fornecer subsídios para falar da identida-
de humana em nosso tempo de globalização. Parte da dificuldade em
aceitar a tese de que nossa identidade linguística se caracteriza por ins-
tabilidades talvez tenha a ver com o fato de que simplesmente não há
lugar para um falante com tal perfil no mundo da lingtlística, onde as
eventuais instabilidades são tipicamente tratadas ou como sinais de des-
vio ou como evidenciando simples falta de competência(caso de falantes
estrangeiros e pessoas portadoras de deficiências) ou como marcas de
estágios passageiros(caso de crianças e falantes de "pidgins")(Rajagopalan,
1997b, 1998a). Contudo, as instabilidades têm sua origem naquilo que
Bakhtin(1981) chama de "as forças centrífugas na vida da linguagem".
Diz Bakhtin (1981: 273):
A linguística, a estilística e a filosofia da linguagem que nasceram e foram
forjadas pela corrente das tendências centralizadoras na vida da linguagem
têm ignorado a heteroglossia dialógica na qual estão incorporadas as forças
centrífugas na vida da linguagem. Por este motivo, elas não foram capazes de
acomodar a natureza dialógica da linguagem, que é uma luta entre pontos de
vista sociolingüísticos, e não uma luta intralingüística entre vontades indivi-
duais e contradições lógicas.
Ou seja, o falante que o linguista quer celebrar é o falante ideal, não
contaminado pelo contato com os outros, uma espécie de bom selvagem
(Rajagopalan, 1997a). O bom selvagem nunca saiu do mundo imaginário
do seu criador Jean-Jacques Rousseau, para pisar na terra dos mortais
comuns. Pelo que se vê, as chances de se deparar com ele em nosso mundo
pós-moderno globalizado são cada vez mais remotas.
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