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2 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Jair Messias Bolsonaro MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA Anderson Gustavo Torres SECRETARIA DE GESTÃO E ENSINO EM SEGURANÇA PÚBLICA Ana Cristina Melo Santiago DIRETORIA DE ENSINO E PESQUISA Roberto Glaydson Ferreira Leite COORDENAÇÃO GERAL DE ENSINO Juliana Antunes Barros Amorim COORDENAÇÃO DE ENSINO A DISTÂNCIA Juliana Antunes Barros Amorim COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA Gisele Matos Gervásio COORDENAÇÃO GERAL DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS PEDAGOGICOS E INOVAÇÃO Márcia Alencar Machado da Silva CONTEUDISTA Reinaldo Moreira da Silva Sordaine Maria Caligiorne REVISÃO TÉCNICA Sandra Maria Santos REVISÃO ORTOGRÁFICA Maria Aparecida de Barros PRODUÇÃO (APOIO) Maria de Fátima de Souza Moreno REVISÃO PEDAGÓGICA Joyce Cristine da Silva Carvalho PROGRAMAÇÃO E EDIÇÃO Renato Antunes dos Santos Vinícius Alves de Sousa Ozandia Castilho Martins DESIGNER Vinícius Alves de Sousa DESIGNER INSTRUCIONAL Vinícius Alves de Sousa 3 Sumário Apresentação do Curso .............................................................................................. 5 Objetivos do Curso ..................................................................................................... 6 Estrutura do Curso ..................................................................................................... 6 Módulo I – A Origem da Genética Forense ................................................................ 7 Apresentação do módulo ........................................................................................ 7 Objetivos do módulo ................................................................................................ 7 Estrutura do módulo ................................................................................................ 7 Aula 1 - Histórico da biologia forense ...................................................................... 8 Identificação humana ........................................................................................... 8 Sistema ABO ....................................................................................................... 9 Genética forense ................................................................................................ 10 Aula 2 - Bases da hereditariedade para genética forense ..................................... 15 Estrutura do DNA - Cromossomos, genes e marcadores genéticos .................. 15 Leis de Mendel ................................................................................................... 18 Marcadores genéticos utilizados na Genética Forense - Microssatélites e marcadores uniparentais (cromossomo Y e DNA mitocondrial) ......................... 22 Finalizando ............................................................................................................ 26 Módulo II – Mais próximo do laboratório de Genética Forense ................................ 27 Apresentação do módulo ...................................................................................... 27 Objetivos do módulo .............................................................................................. 27 Estrutura do módulo .............................................................................................. 27 Aula 1 - Amostras forenses ................................................................................... 28 Tipos de amostras forenses ............................................................................... 28 Principais tipos e características de amostras analisadas no laboratório .......... 29 Aula 2 - Cadeia de custódia .................................................................................. 32 Legislação e importância da cadeia de custódia ................................................ 32 Coleta, acondicionamento, armazenamento e envio das amostras ................... 34 Aula 3 - Tipos de casos em que a análise de DNA se faz necessária .................. 37 Confronto de vestígios ....................................................................................... 37 Crime sexual ...................................................................................................... 38 Identificação de cadáver .................................................................................... 39 Paternidade criminal .......................................................................................... 41 Finalizando ............................................................................................................ 42 Módulo III – Dentro do laboratório de Genética Forense .......................................... 43 4 Apresentação do Módulo ...................................................................................... 43 Objetivo do módulo ............................................................................................... 43 Estrutura do módulo .............................................................................................. 43 Aula 1 - Etapas da análise de DNA ....................................................................... 44 Extração de DNA ............................................................................................... 44 Quantificação de DNA ........................................................................................ 45 Amplificação de DNA ......................................................................................... 46 Eletroforese capilar ............................................................................................ 47 Leitura de perfis genéticos ................................................................................. 47 Análises estatísticas........................................................................................... 49 Aula 2 - Bancos de perfis genéticos ...................................................................... 50 Histórico do banco de perfis genéticos .............................................................. 51 Rede integrada de perfis genéticos ................................................................... 52 Legislação .......................................................................................................... 55 Casos de repercussão ....................................................................................... 56 Finalizando ............................................................................................................ 61 Referências Bibliográficas ........................................................................................ 62 5 Apresentação do Curso Cara(o) aluna(o), A perícia criminal vem ganhando destaque nos últimos anos devido à grandes atuações e resoluções de crimes de grande repercussão e que parecem de difícil solução. Além disso, séries de TV exibidas nas redes de comunicação mostram policiais ou peritos criminais utilizando ciência e tecnologia para desvendar casos complexos. A popularização destas séries e a produção em massa de várias delas, com temáticas razoavelmente diferentes, indicam um grande interesse do público pela perícia criminal e quanto mais séries são produzidas maior o interesse da audiência. Como podemos exemplificar a apresentação do CSI Miami que apresenta o trabalho da equipe de investigadores do sul da Flórida, como é apresentado na chamada abaixo. Clique aqui para assistir ao vídeo. Porém, para trazer(expor) um pouco sobre a realidade da perícia criminal, trazemos a fala de uma perita criminal, do estado de Minas Gerais. O Vídeo abaixo poderá fornecer uma noção realista da profissão de perito criminal. Clique aqui para assistir ao vídeo. Junto com todo interesse que a perícia criminal gerou nos últimos anos, veio também o destaque da importância dos exames de DNApara perícia criminal. A grande capacidade de discriminação do DNA e seu imenso poder de fornecer evidências, mesmo diante de vestígios com quantidade ínfima de células, trouxe a Genética Forense para o centro do debate. Não só os Peritos Criminais, mas, na verdade, todas as forças de segurança pública lidam com materiais que porventura podem ser submetidos a este tipo de Perícia Criminal. Assim, conhecer com mais afinidade e profundidade, a Genética Forense pode trazer a bagagem necessária para que futuros crimes, ou até mesmo crimes passados, tenham resolução mais rápida e eficiente. Por se tratar de uma área nova, que cativa a todos, apresenta um grande espaço midiático, porém, a fundamentação e técnica procuram combater alguns mitos e, ao mesmo tempo, discutir suas reais possibilidades e aplicabilidades. Tudo isso é o que destaca o vídeo abaixo. https://www.youtube.com/watch?v=RLRHSo2oKh8 https://www.youtube.com/watch?v=9gpffQG-wks 6 Clique aqui para assistir ao vídeo. Objetivos do Curso Objetivo Geral Apresentar a Genética Forense desde a fundamentação na Genética Básica até a real utilização nos processos criminais. Público-alvo: profissionais da segurança pública. Objetivos Específicos • Introduzir e nivelar os conhecimentos sobre Genética Forense dos agentes de segurança pública, com intuito de melhor utilização desta ferramenta na elucidação de crimes; • Compreender as possibilidades e limitações da Genética Forense para resolução de casos; e • Perceber as potencialidades presentes e futuras da Genética Forense no Brasil, com o uso de Bancos de Dados de Perfis Genéticos. Estrutura do Curso Módulo I - A Origem da Genética Forense. Módulo II - Mais próximo do laboratório de Genética Forense. Módulo III - Dentro do laboratório de Genética Forense. https://www.youtube.com/watch?v=gpwuUUE7-Bg 7 Módulo I – A Origem da Genética Forense Apresentação do módulo A Genética Forense é uma disciplina dentro da Biologia Forense, por isso faz- se necessário conhecer resumidamente o caminho histórico que nos trouxe até a identificação por meio do DNA. Para utilizar o DNA como ferramenta é fundamental voltarmos às bases dos conhecimentos da genética e dar uma olhadinha nos jardins de Mendel. Objetivos do módulo • Fazer um breve histórico da Biologia Forense em seu processo da Identificação Humana; e • Disponibilizar e/ou revisar conhecimentos relacionados a genética que fundamentam a base para a Genética Forense. Estrutura do módulo Este módulo compreende as seguintes aulas: Aula 1 - Histórico da Biologia Forense. Aula 2 - Bases da Hereditariedade para Genética Forense. 8 Aula 1 - Histórico da biologia forense Figura 1 - A história da biologia forense Fonte: Brasil Escola. Identificação humana A busca pelo processo de estabelecer a identidade de uma pessoa tem sido historicamente registrada desde tempos remotos. Para o Médico e antropólogo espanhol Federico Olóriz Aguilera (1855-1912), a identificação é o ato mais frequente e elementar da vida social. Além do processo de identificação civil, posteriormente foi necessário identificar criminalmente as pessoas consideradas nocivas à sociedade. A identificação de criminosos, na antiguidade, ocorria de diversas formas, tais como amputação de orelha e/ou mão, de acordo com as infrações cometidas. Porém, com a evolução dos costumes e da sociedade, essas atitudes foram modificando. O método mais antigo foi denominado “Ferrete”, que se baseava no uso de um instrumento de ferro aquecido para se marcar os criminosos. No Brasil, houve um movimento com a intenção de integrar, por meio de uma identidade civil, todos os estados federados e o Distrito Federal, garantindo, por meio de processos multibiométricos e de bases de dados, a identificação unívoca do brasileiro nato ou naturalizado. O Decreto nº 7.166 de 05 de maio de 2010 criou o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil – SINRIC e o Comitê Gestor, tendo como órgão central o Ministério da Justiça, porém devido a alterações implantadas na https://brasilescola.uol.com.br/ http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7166.htm 9 proposta inicial, levou a interrupção dos trabalhos em 2015. Em sequência, foi apresentado pelo Poder Executivo e pelo Tribunal Superior Eleitoral, o Projeto de Lei nº 1.775, de 28 de maio de 2015, o qual propõe a criação do Registro Civil Nacional, ainda em processo de tramitação, para ser implementado pelo Tribunal Superior Eleitoral. A Genética Forense constitui-se no uso técnico científico de conhecimentos e métodos genéticos validados como ferramenta eficaz/eficiente para responder as sete perguntas do Heptâmero de Quintiliano: O quê? Quando? Onde? Quem? Como? Por quê? E por que meios? No entanto, até que o desenvolvimento da genética forense pudesse ser efetivo e utilizado na área de identificação humana, observava-se o desenvolvimento gradual do conhecimento científico. Pode-se perceber que o processo de identificação foi alterando, passando pelo método de mutilação, tatuagem, estudo das impressões digitais dentre outros, e séculos mais tarde, a ideia de identificar qualquer pessoa pela análise sanguínea tornou-se possível com a descoberta dos antígenos eritrocitários. Figura 2 - Biografia de Quintiliano Fonte: Biografías y Vidas. Sistema ABO A partir da descoberta, em 1900, pelo médico e biólogo austríaco Karl Landsteiner, ganhador do Nobel de Fisiologia de 1930, da classificação dos grupos sanguíneos compondo o sistema ABO e o fator Rh, estes foram usados para https://www.biografiasyvidas.com/ 10 identificação humana e serviram de base científica para fundamentar a Genética Forense. A tipagem de uma mancha sanguínea encontrada numa cena de crime poderia auxiliar na identificação do criminoso, ou então discriminar o produtor da referida macha. Porém, em casos forenses, a análise do sistema AB0 e Rh do sangue, apesar de rápida e de baixo custo, torna-se pouca informativa e incapaz de individualizar/identificar alguém, uma vez que, pelo menos 40% da população pertence ao grupo sanguíneo do tipo “O”. Assim, embora este método seja útil para excluir uma pessoa de ser a fonte de uma amostra criminal, o teste não é muito útil quando uma inclusão é feita, especialmente se a amostra é do tipo sanguíneo “O”, já que além do suspeito, a vítima, ou até mesmo o policial presente no local de crime, poderiam pertencer ao mesmo grupamento sanguíneo. Figura 3 - Karl Landesteiner descreveu o sistema ABO (A, B, AB, O) Fonte: Brasil Escola. Genética forense No decorrer dos anos, o crescente desenvolvimento biotecnológico e científico tem proporcionado avanços expressivos nas ciências biológicas, com a criação de novas áreas como a biologia molecular e, mais especificamente, a Genética Forense, fundamentada na análise direta do ácido desoxirribonucleico (DNA) como ferramenta e técnica de identificação humana. Os meios de comunicação noticiam, com propriedade, o papel e a importância do DNA e como o conhecimento científico pode auxiliar na solução de casos criminais. Type O 45% Type A 42% Type B 10% Type AB 3% https://brasilescola.uol.com.br/ 11 No corpo humano existem trilhões de células, a maioria delas, do tipo diploide, ou seja, possui pelo menos duas cópias de cada cromossomo, sendo um de origem paterna e outro materna. São estes 46 cromossomos que contêm toda informação necessária para a construção e funcionamento do corpo. O genoma humano é composto por mais de 3 bilhões de pares de bases (pb) individuais, contidas nos 23 pares de cromossomos e no genoma mitocondrial. Basicamente, o genoma humano é dividido em regiões codificantes e não-codificantes. As regiões codificantes representam cerca de 2% do genoma e contêm ainformação dos cerca de 20 a 25 mil genes expressos pelo genoma humano. As regiões codificantes estão sujeitas à pressão seletiva, de modo que, mutações nessas regiões podem representar modificações em estrutura e função do produto gênico. Em contraste, a porção não- codificante do genoma está sujeita a menor pressão seletiva e, assim, a maioria das mutações nessas regiões são normalmente mantidas e transmitidas à descendência, levando a um aumento na variabilidade genética nessas regiões. Por essa razão, essas regiões são amplamente informativas para individualização genética. Figura 4 - O DNA nuclear é localizado no núcleo da célula e organizado em cromossomos. Sendo que, apenas algumas regiões são utilizadas no processo de identificação Fonte: Brasil Escola. O DNA é uma molécula helicoidal formada por duas fitas complementares, composta por um grupo fosfato ligada a um carboidrato desoxirribose que pode se ligar a uma base nitrogenada de dois anéis, denominada purina: adenina (A) ou https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/biologia/o-que-e-cromossomo.htm 12 guanina (G) ou a uma base nitrogenada de apenas um anel, denominada pirimidina: timina (T) ou citosina (C). A complementaridade das duas fitas de DNA ocorre devido a ligações de hidrogênio, que são específicas entre essas quatro bases nitrogenadas. Assim, adenina sempre está pareada com timina, o mesmo ocorrendo entre citosina e guanina. A ordem destas quatro bases na molécula de DNA determina o conteúdo da informação nos genes. Longos filamentos delgados das moléculas do DNA vão se dobrando e enovelando, formando os cromossomos; alguns cromossomos humanos possuem cerca de 5X108 pares de bases. As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pelos avanços relativos aos conhecimentos das principais técnicas moleculares que favoreceram o desenvolvimento e serviu de base para o fortalecimento da Genética Forense como ferramenta de identificação humana. Na década de 1980, Alec Jefreys (1950), geneticista britânico, professor do departamento de genética da Universidade de Leicester, desenvolveu a técnica que permitiu analisar os polimorfismos de tipo minissatélites (conhecidas como VNTRs - do inglês, variable number repeats ou repetições em tandem (ao acaso) de número variável). Tais regiões também podem ser chamadas de marcadores moleculares e foram úteis como ferramenta para identificação humana nos anos 90. O bioquímico norte americano, Kary Mullis (1944- 2019) ganhou o Prêmio Nobel de Química em 1993, juntamente com o britânico Michael Smith (1932- 2000) pela invenção da PCR – reação em cadeia da polimerase (polymerase chain reaction), técnica que permitiu a replicação in vitro de forma exponencial de determinadas regiões do DNA, possibilitando analisar amostras mesmo com reduzidas concentrações de material genético, particularmente na área forense, visto que, a grande maioria dos vestígios apresentam pequenas quantidades de amostras e muitas vezes degradadas e ainda, misturadas a contaminantes. A maioria dos sistemas de tipagem forense é baseada em polimorfismos de comprimento, classificados em minissatélites e microssatélites. A variação genética entre indivíduos nesses sistemas não está baseada somente nas suas sequências de DNA, mas no número de repetições (gerando diferentes comprimentos de sequência) e na frequência com que essas sequências de repetições randomicamente arranjadas em múltiplas cópias (repetições em tandem) aparecem em uma população, o que determina os diferentes alelos dos diferentes loci de DNA encontrados nos indivíduos, possibilitando diferenciá-los. 13 Os marcadores conhecidos como STRs (short tandem repeats, do inglês, sequências curtas repetidas em tandem) consistem em sequências genômicas de 1 a 5 pb de comprimento, repetidas tipicamente de 5 a 30 vezes, sendo as repetições tetra e pentanucleotídicas (ou seja, com motivos de repetição contendo quatro e cinco nucleotídeos) as mais usuais para análises criminais. São os mais utilizados principalmente por proporcionarem a tipagem de amostras que apresentam pouquíssimas quantidades de DNA-molde (fragmentos de DNA que serão utilizados como moldes para a PCR) ou que estão muito degradadas, conhecidas como amostras LCN (Low Copy Number) ou, recentemente, amostras LTD (Low Template DNA). Em alguns casos em que a quantidade/qualidade de DNA é muito baixa para se usar STRs, análises do DNA mitocondrial (mtDNA) podem ser fazer necessárias. Como cada célula humana, dependendo do tecido, pode apresentar de centenas a milhares de mitocôndrias, a quantidade de cópias de mtDNA por centímetro cúbico de tecido é muito maior que a quantidade de cópias de DNA nuclear. Na análise do DNA mitocondrial, a sequência base a base de regiões hipervariáveis 1 e 2 (HV1 e HV2) do mtDNA é avaliada. Onde Polimorfismos de Nucleotídeo Simples (em inglês single nucleotide polymorphism; SNP) são comparados com uma sequência consenso figura 5). Tecnologias como sequenciamento de nova geração (em inglês Next Generation Sequencing; NGS) para análise de DNA começam a ser aplicadas em análises forenses. Além de ser uma metodologia muito mais rápida ela permite que um grande número de amostras seja analisado ao mesmo tempo. Com esta tecnologia de sequenciamento vários tipos de marcadores moleculares podem ser analisados simultaneamente, gerando, desta forma, uma quantidade massiva de dados por amostra. 14 Figura 5 - A variabilidade genética mostrada por marcadores moleculares tipo SNPs e STRs Fonte: STRBase. SAIBA MAIS! A Biologia Forense vai muito além do uso do DNA como forma de identificação. Dentro da Biologia, várias subáreas podem contribuir na elucidação de crimes que deixam vestígios. https://strbase.nist.gov/miniSTR.htm https://www.portalsaofrancisco.com.br/biologia/biologia-forense 15 Aula 2 - Bases da hereditariedade para genética forense Estrutura do DNA - Cromossomos, genes e marcadores genéticos Enquanto os experimentos realizados pelo botânico, biólogo e monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884) ocorreram entre os anos de 1856 e 1863, a descoberta do DNA ocorre em 1869, pelo bioquímico suíço Johann Friedrich Miescher (1844- 1895). No entanto, sua estrutura tridimensional só é descrita em 1953, por James Watson (1928) e Francis Crick (1916-2004), os quais se valendo da fotografia 51 (imagem da captura da dupla hélice do DNA obtida por meio de difração de raio X) da química britânica Rosalind Franklin (1920-1958) desvendaram a dupla hélice. Postumamente, Franklin recebeu o título de mãe do DNA, mesmo sendo desacreditada, e até mesmo chamada de bruxa por seu tutor, o fisiologista neozelandês Maurice Wilkins (1916-2004). O DNA humano é organizado por meio de proteínas denominadas histonas. Cada molécula de DNA associada as histonas é denominada cromossomo. Possuímos 46 cromossomos em cada célula de nosso corpo organizados em 23 pares, ou seja, cada cromossomo tem seu par correspondente. Um destes pares é o par de cromossomos sexuais X e Y, também chamados de alossomos, de forma que indivíduos do sexo feminino possuem dois cromossomos X e indivíduos do sexo masculino apresentam um cromossomo X e um cromossomo Y. Os demais 22 pares são chamados de autossomos (figura 6). 16 Figura 6 - Cariótipo masculino humano Fonte: www.pcs.uem.br. A molécula de DNA trata-se de uma dupla hélice complementar. Desta forma, cada hélice possui a capacidade de formar uma cópia exata da outra, conferindo assim um poder de manutenção de sua sequência através das gerações. Eventos aleatórios conhecidos como mutações podem conferir modificações nesta estrutura fornecendo material para que a seleção natural possa atuar e promover desta forma a evolução das espécies. Os eventos mutacionais trazem novas combinações possíveis parao DNA do indivíduo. Estas novas combinações podem ser consideradas deletérias, causar uma perda ou diminuição de função. Por outro lado, elas podem ser favoráveis trazendo um aumento ou diminuição de função. Algumas mutações podem até mesmo ser neutras, não trazendo uma nova variabilidade que cause modificação na função. A Seleção Natural é o elemento que vai selecionar se estas novas combinações serão transmitidas pelas gerações e em qual proporção. Cada fita de DNA é formada de nucleotídeos que possuem em sua estrutura as chamadas bases nitrogenadas: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). O pareamento de cada fita da dupla hélice do DNA acontece por meio de ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas A-T e C-G (Figura 7). http://www.pcs.uem.br/drgenetica/cariotipo/resultados/cariotipo-normal 17 Figura 7 - A estrutura do DNA mostrando esquematicamente a complementariedade das fitas da dupla hélice Fonte: Brainly. Em cada cromossomo existem regiões que são transcritas, as quais chamamos de genes. Como estas regiões irão codificar proteínas, que terão alguma função no organismo, são regiões que sofrem forte pressão evolutiva, pois influenciam na adaptação dos indivíduos ao ambiente, portanto, não podem sofrer muitas modificações em sua sequência, pois estas modificações poderiam afetar a funcionalidade da proteína traduzida. Por exemplo, não se espera uma grande variabilidade na sequência de nucleotídeos que codifica o hormônio insulina, que tem sua função relacionada ao controle de glicose, atuando como uma chave para a entrada de glicose para ser utilizada pelas células como fonte energética. São observadas apenas pequenas variações na sequência, que não afetam a funcionalidade ou que afetam muito pouco. Por outro lado, as regiões que não são transcritas sofrem baixa ou nenhuma pressão evolutiva e, portanto, podem acumular mutações, dessa forma, estas regiões apresentam uma alta variabilidade. Estas regiões serão, então, as escolhidas para diferenciar cada indivíduo e assim, são o material de trabalho da Genética Forense. As regiões escolhidas para estudos na Genética Forense são chamadas de marcadores moleculares. Destes marcadores são extraídas as informações de variabilidade entre indivíduos. Cada marcador está contido em um locus (que é a https://brainly.com.br/tarefa/31853048 18 palavra em latim para local) e a forma variante de cada marcador em um locus é chamada de alelo. Portanto, cada marcador molecular pode ter uma grande quantidade de alelos. Quanto mais alelos um marcador tiver mais informativo ele será para a diferenciação entre indivíduos. Quadro 1 - Conceitos e definições importantes em Genética Forense Fonte: Silva, 2022. Leis de Mendel Impossível não abordar em um curso básico de Genética Forense o monge agostiniano Gregor Johann Mendel (1822-1884), que com seus experimentos com ervilhas funda a ciência que hoje chamamos de genética. Os experimentos de Mendel são uma aula de como desenvolver metodologicamente um estudo. Seu preparo prévio envolveu um longo trabalho, desde o momento da escolha das características a serem estudadas, até a obtenção de linhagens puras para cada uma dessas. As características escolhidas por Mendel eram sempre em pares, facilmente distinguíveis: ervilha verde ou amarela, ervilha lisa ou rugosa, flor branca ou púrpura 19 etc. Após obter as linhagens puras, por exemplo, de flores púrpuras e brancas, Mendel começou a cruzar as linhagens entre si e verificou que em uma primeira geração (F1) as flores brancas desapareciam, havia apenas indivíduos com flores púrpuras nesta geração. Cruzando-se os indivíduos desta F1, formando, portanto, uma segunda geração (F2), plantas com flores brancas voltam a aparecer demonstrando que a característica havia desaparecido na F1 e reaparece na F2, como se tivesse havido um recesso (Figura 8). Figura 8 - A geração P provinda de autopolinização. A geração F1 fruto do cruzamento de P. A Fonte: Brasil Escola. Com isso, Mendel chega à conclusão de que embora a geração F1 fosse composta apenas de indivíduos de com flores púrpuras, estes ainda mantinham a capacidade de produzir indivíduos com flores brancas; demonstrando que um caráter púrpuro dominava sobre o branco, definindo-o como dominante, e como o caráter branco reaparece na F2, foi definido como recessivo. Além destes dois conceitos importantes para a genética, Mendel observou que em todos os pares de características estudadas na F2, as características dominantes e recessivas sempre se apresentavam em proporção 3x1 (fig. 8). Levando Mendel, por meio de cálculos matemáticos de proporções, a estipular a primeira Lei de Mendel ou Lei da Segregação dos Fatores: https://brasilescola.uol.com.br/biologia/primeira-lei-mendel.htm 20 Cada característica é condicionada por um par de fatores que se separam na formação dos gametas. Figura 9 - A proporção esperada em F2 Fonte: mruiz43.blogspot. De uma maneira mais didática, Mendel resume em sua primeira lei que um par de alelos vai estabelecer as condições para que uma característica seja expressa, sendo que, um alelo vem da mãe e outro alelo do pai. Este princípio que para nós, hoje, nos parece extremamente básico é o fundamento primordial da Genética e, por conseguinte, da Genética Forense. O próximo passo de Mendel foi a observação de como dois pares de características se comportavam (fig. 9). Usando linhagens puras para características diferentes Mendel observou que as características recessivas continuavam desaparecendo na F1 e reapareciam na F2 na proporção 9x3x3x1. Além disso, os pares de características amarelo x verde ou lisa x rugosa se comportavam de maneira independente, definindo desta forma a segunda Lei de Mendel, também chamada de Lei da Segregação Independente: http://mruiz43.blogspot.com/2016/05/mendel-self-crossing.html 21 Pares de fatores separam-se de forma independente durante a formação dos gametas. Figura 10 - A proporção esperada em F2 na segunda lei de Mendel Fonte: Brasil Escola. O princípio da segunda Lei de Mendel é muito utilizado na Genética Forense, uma vez que os marcadores moleculares normalmente escolhidos têm segregação independente e desta forma podemos aplicar a chamada regra do produto. A regra do produto se baseia na ideia de que eventos independentes podem ter suas probabilidades multiplicadas para se descobrir a chance que ambos os eventos possam ocorrer simultaneamente. Imaginemos que temos um dado de 6 https://brasilescola.uol.com.br/biologia/segunda-mendel.htm 22 faces e uma moeda e queremos calcular a chance de tirarmos 5 no dado e cara na moeda ao mesmo tempo. Como se trata de um dado de seis faces a chance de tirarmos 5 é de 1/6 e a chance de tirarmos cara na moeda é ½. De acordo com a regra do produto, se multiplicarmos as duas frações 1/6 x ½ = 1/12 (8,33%), teremos a chance de tirarmos 5 no dado e cara na moeda ao mesmo tempo. Este princípio será, então, adotado para a multiplicação de probabilidades de marcadores que apresentam segregação independente. Falaremos melhor de marcadores moleculares adiante. Marcadores genéticos utilizados na Genética Forense - Microssatélites e marcadores uniparentais (cromossomo Y e DNA mitocondrial) Os marcadores mais usados atualmente (2021), em Genética Forense, são os STRs (short tandem repeats) e SNPs (Single nucleotide polymorphisms). Os SNPs são marcadores que apresentam mudança em apenas um único nucleotídeo, possuem uma reduzida capacidade de informação já que necessita da análise de mais de um loci, por isso, menos utilizado, mas tem uma vantagem de ser utilizada em amostras muito degradadas. São usados normalmente, os STRs que apresentam sequências curtas e repetidas em tandem, que significadizer que a unidade repetida varia de 2-6 pares de bases repetidas dezenas de vezes e constitui aproximadamente 10% no genoma, estão presentes nos cromossomos e podem ser utilizados com o intuito de individualizar as pessoas. Os kits comerciais existentes apresentam STRs com características ótimas para a identificação humana. Os marcadores existentes em cada kit estão distribuídos em cromossomos diferentes, permitindo, desta forma, a aplicação da regra do produto. Além disso, os kits comerciais apresentam produtos de PCR de tamanho reduzido (100-400pb) o que facilita a amplificação do DNA mesmo de amostras degradadas, ou seja, quanto menor for o fragmento de DNA dos marcadores escolhidos, será mais fácil de obtê-los, mesmo que o DNA da amostra tenha sido segmentado por degradação. Além dos cromossomos autossomos, STRs do cromossomo Y são muito empregados em análises forenses, principalmente em casos de violência sexual. Quase a totalidade do cromossomo Y humano não possui região de pareamento com o cromossomo X, desta forma, a recombinação (troca de material entre os dois 23 cromossomos por mecanismo de crossing over) entre estes cromossomos é bem pequena. Assim, os marcadores do cromossomo Y são herdados de forma haploide, ou seja, com apenas um alelo para cada região. Além disso, diferentes loci de STRs ao longo do cromossomo Y são herdados, em bloco, conjuntamente ao longo das gerações. Este conjunto de marcadores herdados juntos são chamados de haplótipo do cromossomo Y. Isso quer dizer que um cromossomo Y de forma geral, se não houver um evento mutacional, é herdado de forma idêntica de pai para filho (figura 2). Assim, marcadores STRs no cromossomo Y são um tipo de herança patrilínea, porque são passadas para sua descendência apenas pelos homens e, dessa forma, identificam uma linhagem de homens de uma família. Figura 11 - Distribuição dos marcadores ao longo do cromossomo Y Fonte: promega. https://www.promega.com.br/resources/profiles-in-dna/2012/variability-of-new-str-loci-and-kits-in-us-population-groups/ 24 Figura 12 - Herança do cromossomo Y pelas gerações sucessivas Fonte: docplayer. Por sua vez, análises de DNA mitocondrial (mtDNA) nos permitem verificar a linhagem matrilínea dos indivíduos. Isso acontece porque as mitocôndrias são passadas pelas gerações apenas por indivíduos do sexo feminino. Todas as mitocôndrias presentes no zigoto são provindas do óvulo, porque no momento da fecundação todas as mitocôndrias dos espermatozoides são destruídas (figura 3). Figura 13 - Herança mitocondrial pelas gerações sucessivas Fonte: slideshare. https://docplayer.com.br/2426991-Genetica-forense-e-paternidade.html https://pt.slideshare.net/mayaraqueiroz146/herana-mitocondrial 25 Para se analisar o genoma mitocondrial são empregadas técnicas de sequenciamento onde são observadas modificações pontuais nas sequências do DNA de duas regiões HV1 e HV2. Estas modificações são comparadas com uma sequência consenso e cada modificação é anotada. SAIBA MAIS! Em plantas, além das mitocôndrias, existe uma outra organela que apresenta DNA. São eles os cloroplastos, organelas responsáveis pela fotossíntese. Estudos de filogenia e filogeografia em plantas investigam marcadores do DNA dos cloroplastos para fazer suas análises. https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/cloroplasto.htm 26 Finalizando Neste módulo, você aprendeu que: • A maioria dos sistemas de tipagem forense é baseada em polimorfismos de comprimento; • A variação genética entre indivíduos nesses sistemas não está baseada somente nas suas sequências de DNA, mas no número de repetições; • Em alguns casos, em que a quantidade/qualidade de DNA é muito baixa para se usar STRs, a análise do DNA mitocondrial (mtDNA) podem ser fazer necessárias; • STRs do cromossomo Y são muito empregados em análises forenses, principalmente em casos de violência sexual; • Cada característica é condicionada por um par de fatores que se separam na formação dos gametas; • Pares de fatores separam-se de forma independente durante a formação dos gametas. 27 Módulo II – Mais próximo do laboratório de Genética Forense Apresentação do módulo Este módulo é composto de três aulas que aproximarão o cursista da realidade de um laboratório de Genética Forense. Fornecendo, desta forma, elementos para contribuir positivamente nos trabalhos do laboratório de Genética Forense, mesmo não fazendo parte diretamente de sua equipe. Objetivos do módulo • Conhecer a rotina de laboratórios de Genética Forense; e • Compreender as potencialidades e limitações de análises de DNA em casos forenses. Estrutura do módulo Este módulo compreende as seguintes aulas: Aula 1 - Amostras forenses. Aula 2 - Cadeia de custódia. Aula 3 - Tipos de casos em que a análise de DNA se faz necessária. 28 Aula 1 - Amostras forenses Tipos de amostras forenses Hoje, um dos principais métodos de identificação humana utilizado para desvendar crimes é o DNA. Devido ao seu alto poder de discriminação, o DNA é capaz de indicar autoria de crimes conectando suspeitos e locais de crimes; sendo esse potencial ampliado com o uso de Bancos de Perfis Genéticos. As amostras encaminhadas ao laboratório poderão ser analisadas para várias aplicações forenses como: averiguação de paternidade fruto do crime de abuso sexual; identificação de cadáveres e restos mortais; determinação do agressor a partir de amostras envolvendo crimes sexuais e identificação de vestígios biológicos, recolhidos em cenas de crime, ou ainda, coletadas, tanto das vítimas, quanto de supostos autores do delito. Num laboratório de Genética Forense é comum receber e analisar amostras biológicas diversas, em condições extremas e em suportes diferentes. Sangue, saliva, sêmen, osso, dentes, músculo, pele, material subungueal, são algumas das amostras biológicas comumente utilizadas para traçar perfis de DNA relacionados a crimes. A coleta, o armazenamento e o transporte das amostras biológicas devem ser realizados da maneira adequada de modo a evitar contaminação, degradação, multiplicação microbiana ou qualquer outro fator que possa prejudicar as perícias laboratoriais. A molécula do DNA é resistente, todavia, não é indestrutível. As amostras biológicas comumente usadas na investigação de crimes estão sujeitas às condições adversas: exposição ao sol ou chuva, variação de temperatura, umidade, exposição a contaminantes e sujidades, misturas ou outras situações que podem prejudicar o resultado das análises. Desta forma, resultados satisfatórios, bem como o tempo necessário para emissão de um laudo pericial de DNA, varia de acordo com a situação. Um ponto que merece atenção é em relação ao cuidado e rigor relativo ao manuseio da amostra biológica, tanto no momento da coleta quanto no momento da análise, a fim de evitar contaminação por material biológico humano e, portanto, mistura e transferência de material biológico entre as amostras. 29 Por isso a coleta, acondicionamento, armazenamento, encaminhamento do material biológico e os procedimentos preliminares para exame de identificação humana por DNA devem seguir padrões rígidos, a fim de assegurar o sucesso e fidedignidade das análises. Estes procedimentos deverão garantir a autenticidade e integridade das amostras biológicas, bem como a privacidade e confidencialidade dos resultados nelas obtidos. É fundamental observar a cadeia de custódia e seguir todos os procedimentos regulamentados pelas resoluções da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) e orientações emitidas pelo Laboratório de Genética Forense. A padronização das principais atividades periciais visa uniformizar o processo de produção da prova técnica no país. A produção dos procedimentos operacionaispadronizados, os POPs, foram desenvolvidos por uma força conjunta entre o Conselho de Dirigentes de Órgãos Periciais, as associações representativas dos profissionais de perícia, a equipe da Força Nacional de Segurança Pública e outros especialistas nas áreas. No que se refere à Genética Forense, é imperativo o cumprimento das resoluções da RIBPG. Principais tipos e características de amostras analisadas no laboratório A natureza e a qualidade da amostra determinam qual a melhor metodologia para se obter um perfil de DNA com a qualidade necessária para se identificar um indivíduo. Sangue É um dos vestígios biológicos mais comuns em cena de crime. Cabelos Não é analisada rotineiramente. Porém, para as análises de DNA genômico, devem conter o bulbo, ou seja, arrancados pela raiz. Caso não apresentem bulbo, é possível recorrer ao DNA mitocondrial e obter informações importantes de linhagem materna. 30 Células da mucosa bucal Esfregaço da cavidade interna da boca para obter células descamativas da mucosa bucal. É um método de coleta, indolor, não invasivo, é possível obter amostras referências de vítimas vivas, suspeitos e familiares para a realização da comparação de perfis genéticos. Sangue intracardíaco Amostra biológica recomendada quando se trata de “referência” de cadáveres. Subungueal São extremamente úteis em casos em que houve embate físico entre vítima e agressor (crimes sexuais, feminicídio, homicídio etc.). Ossos e dentes Apresentam grande poder de análise na obtenção de perfis genéticos. Deve ser a amostra de preferência a ser encaminhada ao laboratório em caso de identificação de cadáveres quando estes estiverem em grau avançado de decomposição. Tecidos moles São ricos em DNA e de fácil processamento desde que sejam corretamente coletados, conservados e transportados. Recomenda-se o congelamento imediato. Amostra referência Amostra de origem conhecida que sabidamente foi coletada de um indivíduo. Amostra questionada Todo material coletado de origem individual desconhecida, especialmente em local de crime, e que é necessário conhecer para auxiliar a investigação policial. 31 SAIBA MAIS! Saiba um pouco mais sobre os diferentes tipos de amostras biológicas no link abaixo. É muito interessante notar que mesmo havendo o mesmo DNA cada tecido tem suas especificidades mesmo no aspecto forense. Genética forense: como amostras biológicas podem ser utilizadas na solução de crimes. Vídeo de animação sobre Amostras Forenses. https://socientifica.com.br/genetica-forense-como-amostras-biologicas-podem-ser-utilizadas-na-solucao-de-crimes/ https://socientifica.com.br/genetica-forense-como-amostras-biologicas-podem-ser-utilizadas-na-solucao-de-crimes/ https://youtu.be/rQNpUxjeKw4 32 Aula 2 - Cadeia de custódia Legislação e importância da cadeia de custódia O vestígio é o objeto de trabalho da perícia criminal. Para que este forneça as informações fidedignas sobre o evento criminal, o vestígio deve seguir por um caminho denominado cadeia de custódia, em que estas informações não sejam perdidas ou alteradas. O artigo 158-A, do Código de Processo Penal, considera cadeia de custódia “O conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”. Desta forma, as autoridades policiais, de posse da informação e conhecimento da ocorrência de um crime deverão providenciar para que não se alterem o estado e preservação das coisas, segundo o art. 6° do CPP. A cadeia de custódia deve garantir elementos essenciais: (1) o Registro documental no qual são assinalados pontos primordiais referentes ao caso, como: data, local, responsável pela coleta, etc.; (2) a Rastreabilidade, fundamento que se baseia na exatidão da movimentação do vestígio, desde o local de coleta até sua custódia final, assegurando uma cadeia de responsabilidades ao longo do percurso, e a (3) Integridade da prova está diretamente ligada com autenticidade do vestígio, ou seja, o elemento coletado é exatamente aquele que foi submetido aos exames necessários e o mesmo exibido à corte judiciária, caso necessário. Além da documentação histórica e cronológica dos vestígios, em relação às perícias realizadas em laboratório, a lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que aperfeiçoa a legislação penal e processual penal, determina que o material analisado deve ser guardado para contraprova, resguardando a possibilidade de nova perícia e, assim, garante ao investigado a possibilidade de contraditório e ampla defesa. Uma questão que ainda permanece em discussão, refere-se ao tempo em que as amostras biológicas devem permanecer armazenadas nos laboratórios, uma vez que não está estipulado no art. 170 do CPP. O Decreto nº 7.950, de 12 de março de 2013, que institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos no seu art. 7° esclarece que o perfil genético do identificado criminalmente 33 deverá ser excluído do banco de dados após decorrido o prazo de prescrição do delito. Portanto, legislação futura poderá considerar o mesmo princípio para o armazenamento dos vestígios. Para garantir a integridade dos dados e a qualidade das amostras, a portaria nº 82 da SENASP estabelece que todas as unidades de perícia devem ter uma central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios, uma vez que os vestígios forenses, bem como parte das amostras biológicas, devem ser mantidos como contraprova e sob custódia durante anos. Assim, de acordo com art. 158 do CCP – E da Lei nº 13.964/19, a central de custódia deve ser um espaço seguro, com entrada controlada, e apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio. Essas considerações legais destacam, portanto, quão importante é um exame detalhado da cena de crime para identificar com clareza, quais os vestígios têm relação com o crime analisado e que devem ser coletados e incluídos como provas no processo. A observância da cadeia de custódia garante a rastreabilidade e confiança de um vestígio a ser analisado, tendo como ponto de partida o isolamento e preservação do local de crime, que propiciará a adequada visão técnica do local da cena de crime, até a coleta adequada dos vestígios, registro dos mesmos, acondicionamento, transporte. Da mesma forma, todo o cuidado e etapas dos procedimentos da manutenção da cadeia de custódia devem ser obedecidos por todos os setores por onde os vestígios passaram. Porém, vale ressaltar que alguns aspectos dificultam a implementação dos procedimentos relacionados à manutenção e implementação da cadeia de custódia, como falhas na preservação do local da cena de crime, a impossibilidade de manter ou dificuldade estrutural na construção das centrais de custódia. O perito criminal responsável pelo levantamento da cena de crime deve adotar procedimentos adequados de coleta, armazenamento e preservação das amostras biológicas que serão encaminhadas para análises de DNA, pois a falta dos devidos cuidados pode inviabilizar as análises e, portanto, comprometer a investigação criminal. O Manual de Procedimentos Operacionais da RIBPG apresenta a padronização e recomendações para coleta, armazenamento, acondicionamento e envio de vestígios de forma correta, de forma a garantir a boa qualidade da amostra biológica e por consequência uma análise de DNA que seja capaz de identificar o perfil 34 da vítima e ou suspeito de ter cometido o crime, podendo ter então os dados inseridos no banco de perfis genéticos. A inobservância de um exame detalhado da cena de crime e a quebra da cadeia de custódia pode incorrer na inutilidade do trabalhopericial e invalidar a utilização dos vestígios como prova para o processo criminal. Um exemplo clássico deste prejuízo foi o caso O.J Simpson (Orenthal James Simpson), ex-jogador de futebol americano dos Estados Unidos. O Jogador, ex-marido de Nicole Brown, tiveram 2 filhos e a separação ocorreu após 7 anos, motivada especialmente pela agressividade do suposto autor. O passado de agressão à ex-mulher e os ciúmes motivaram o violento assassinato com golpes de faca em Nicole Brown e Ronald Goldman, no dia 12 de junho de 1994. As provas técnicas e periciais apontaram o ex-jogador pela autoria do duplo homicídio. No entanto, a defesa conseguiu a absolvição devido à preservação do local inadequada, aos procedimentos de coleta de vestígios incorretos, registro documental ineficiente em que ficaram evidentes falhas na cadeia de custódia. Assim, a cadeia de custódia é fundamental para garantir a robustez da atividade pericial, das atividades realizadas na cena de crime e especialmente das análises das amostras realizadas no laboratório. Além dos cuidados serem extremamente importantes para a eficiência da análise e consequentemente a obtenção de perfis genéticos que garantam a identificação de vítimas e ou suspeitos relacionados ao crime, com possibilidade também da inclusão em bancos de dados, é notável a necessidade da cadeia de custódia em todos os seguimentos envolvidos no processo da produção da prova com qualidade, com bom registro documental, rastreabilidade e integridade para contribuir com a investigação policial. Coleta, acondicionamento, armazenamento e envio das amostras É de extrema importância e limitante para o sucesso das análises que a coleta, acondicionamento, armazenamento e transporte das amostras sejam realizados com todo cuidado e atenção, mesmo sabendo que uma cena de crime pode ser um ambiente bem peculiar, movimentado e complexo. É fundamental que os itens sejam acondicionados separadamente, sendo cada amostra identificada e lacrada. Vale ressaltar que as amostras presentes em cenas de crime, ou coletadas dos envolvidos, trata-se de material biológico humano, podendo ser portadores de agentes 35 patogênicos e potencialmente transmissores de doenças, devendo ser manipulados com todos os cuidados e boas práticas, pois além de tomar todos os cuidados para que as amostras levem a bons resultados de análises, é necessário e de extrema importância, a proteção de quem vai manipular o material biológico. Sangue Líquido: Deve ser coletado com uso de suabes (no mínimo dois) ou papel filtro. Seco: A amostra biológica deve ser raspada e acondicionada em envelope (identificado e lacrado). Todas as amostras devem ser encaminhadas o mais rapidamente possível ao laboratório de Genética Forense. Caso não seja possível, recomenda-se congelar as amostras ou secar em temperatura ambiente, longe de possíveis contaminantes. Células da mucosa bucal (Saliva) Para a coleta, deve-se fazer uso de suabes, que devem ser friccionados suavemente na parte interna da bochecha. Existem dispositivos próprios para esse tipo de coleta, todavia, caso disponha somente do “suabe tradicional”, antes de acondicionar em envelope de papel, secar em temperatura ambiente e longe de contaminantes. Tecidos moles Esse tipo de coleta é considerado “invasiva” e deve ser realizada por médicos legistas e auxiliares no âmbito do IML. Tais amostras devem ser imediatamente submetidas ao processo de congelamento e todo e qualquer transporte deve ser realizado em caixas térmicas. Dentes e ossos Esse tipo de coleta é considerado “invasiva” e deve ser realizada por médicos legistas e auxiliares no âmbito do IML. De forma geral são priorizados dentes molares em bom estado de preservação e depois deles ossos longos. Protocolos mais detalhados sobre a ordem de coleta estão disponíveis nos IML. Tanto dentes, quanto 36 ossos, devem ser embalados em invólucro de papel, identificados e encaminhados. Caso ainda apresentem tecidos moles aderidos, devem ser refrigerados. Preservativos Deve-se coletar a amostra biológica da parte interna do preservativo (DNA do agressor) e repetir o procedimento na parte externa (DNA da vítima), usando dois suabes para cada face do preservativo. Acondicionar os suabes separadamente (parte interna e parte externa), após secagem em temperatura ambiente. Dar um “nó” na extremidade aberta, para evitar extravasar o conteúdo, embalar em invólucro plástico e congelar. Material subungueal Deve-se passar o suabe suavemente na região logo abaixo das unhas. Jamais cortar ou extrair as unhas. Esse procedimento fatalmente prejudicará as análises laboratoriais. Utilizar um suabe para cada dedo. Secar as amostras à temperatura ambiente, ao abrigo da luz do sol. Embalar separadamente em invólucros de papel novos e preservar em local ventilado. Vestes Quando possível e tendo-se a certeza da localização das amostras biológicas, deve-se recortar a parte de interesse e encaminhar para análise de DNA. Peças muito grandes como roupas de cama e banho, não precisam ser enviadas inteiras, somente as partes com as manchas que devem ser recortadas, mantidas secas à temperatura ambiente e abrigo do sol, identificadas e acondicionadas em invólucro de papel. No entanto, em caso de dúvida da localização da mancha na peça, a mesma deve ser enviada inteira ao laboratório. Vestígios secos Em caso de suporte absorvente (banco de carro, roupa, almofada etc.) recomenda-se recortar parte da superfície. Quando o suporte for não-absorvente (parede, vidro etc.), recomenda-se a raspagem da superfície ou passar um suabe umedecido para proceder a coleta. 37 SAIBA MAIS! Existe uma certa lenda que não é necessária a preservação de local quando não há corpo. No entanto, sabemos que a perícia se faz necessária todas as vezes que forem deixados vestígios. O link abaixo apresenta um artigo que discute o tema. A Preservação do local do crime quando não há corpo. DRAGO, Ana Lídia Camargo; PINTO, Renildo de Sena; Centro de Pós-Graduação Oswaldo Cruz Goiânia. Aula 3 - Tipos de casos em que a análise de DNA se faz necessária As perícias de DNA para fins criminais, realizadas no âmbito das Polícias Científicas, englobam uma variedade de aplicações, dentre as quais, destacam-se: Confronto de vestígios Trata-se das amostras biológicas coletadas em diferentes locais de crimes (crimes contra a vida, crimes contra o patrimônio, crimes sexuais etc.), cujos peritos criminais solicitam o confronto de perfis genéticos de vestígios coletados com perfis genéticos de amostras de referência da vítima ou do suspeito. Os exames de confronto são o caso clássico em que os exames de DNA são usados para fins forenses. Para exemplificar, podemos tomar uma situação hipotética em que um suspeito de haver cometido um homicídio foi localizado, por meio de denúncia de terceiros, em sua residência. Durante a abordagem policial constatou-se que suas vestes se encontravam manchadas com sangue, e, portanto, foram encaminhadas ao laboratório para serem periciadas. Neste caso, as análises serão realizadas para que sejam feitas a comparação entre o DNA obtido do sangue encontrado em suas vestes, com amostras da vítima. Além dessas amostras, foram http://revista.oswaldocruz.br/Content/pdf/Edicao_08_Ana_Drago.pdf http://revista.oswaldocruz.br/Content/pdf/Edicao_08_Ana_Drago.pdf 38 encaminhadas também, amostras recolhidas sob as unhas da vítima. Assim, os perfis de DNA obtido entre as amostras de sangue recolhidas na veste e material recolhido sob as unhas podem ser comparados com amostras do suspeito. Uma situação bem peculiar que merece chamar atenção é em relação a superfícies que tiveram contato bastante sutil com as mãos (arma de fogo), os lábios (guimba de cigarro), etc., que podem apresentar uma camada de célulasdescamativas, as quais podem fornecer o chamado DNA de contato (touch DNA). Este tipo de exame pode apontar, por exemplo, quem tocou o gatilho da arma encontrado em um local de crime. Crime sexual Os casos de crimes sexuais, apesar de serem bastante semelhantes à comparação descrita nos casos de confronto acima, apresentam algumas particularidades que merecem destaque. As vítimas vivas de crimes sexuais, que normalmente, são indivíduos do sexo feminino adulto ou infantil, são submetidos à coleta de amostras questionadas, as quais habitualmente se tratam de suabes vaginal e perianal. As vítimas mortas passam pelos mesmos processos de coleta de amostras, porém realizadas exclusivamente no IML, pelos médicos legistas. Além dessas amostras, frequentemente são encaminhadas ao laboratório, vestes, roupas íntimas e roupas de cama para serem analisadas. Nos casos de violência sexual, além das amostras questionadas citadas anteriormente, são necessárias amostras referências, ou seja, suabes bucais da vítima, do(s) suspeito(s) e do parceiro consentido, se houver, para realizar a comparação entre os perfis obtidos. Faz-se a comparação entre o perfil obtido em uma roupa íntima (por exemplo), com o perfil do suspeito e da vítima, com o objetivo de verificar se o suspeito é o produtor do perfil identificado na amostra questionada. Mistura entre o material genético da vítima e do agressor é muito recorrente neste tipo de análise, o que dificulta, por muitas vezes, a leitura do perfil genético e identificação do agressor, ressaltando, portanto, a necessidade de se possuir uma amostra específica, individualizada da vítima e do(s) suspeito(s), o que justifica a coleta das amostras referências de ambos na forma de suabes orais. 39 Vale ressaltar que há situações que as análises laboratoriais de individualização dos perfis tornam-se de difícil solução, como por exemplo, quando um mecanismo molecular, denominado amplificação preferencial, que ocorre devido à grande quantidade de material da vítima presente na amostra questionada, dificulta muito a visualização do perfil do agressor. Nesse caso, uma alternativa para verificar a presença de perfil masculino na amostra é pesquisar o cromossomo Y. Como, na maioria das vezes, o agressor é um indivíduo do sexo masculino, a amplificação do cromossomo Y específico masculino, se faz necessária. Assim tendo-se como alvo apenas o cromossomo Y, não importa a quantidade de material feminino presente na mistura, os reagentes irão “procurar” por Y e executar sua amplificação. Porém, é preciso ficar claro que, as análises do cromossomo Y não identificam o agressor, mas possibilitam a obtenção da linguagem patrilínea, ou seja, revela que se trata de um indivíduo do sexo masculino, pertencente a esta família, podendo ser o próprio suspeito, o pai, irmão etc., o que pode ser um ótimo direcionamento para todo o processo de investigação sobre o caso em questão. SAIBA MAIS! A série “Inacreditável” oferece uma boa visão sobre o andamento de um caso de violência sexual. Inclusive a contribuição da Genética Forense para sua solução. Identificação de cadáver Outras metodologias, além do DNA, podem ser utilizadas para a identificação de cadáver. A Seção Técnica de Papiloscopia, realiza exames em fragmentos de membros (dedos) na tentativa de modelar as impressões digitais e identificar os indivíduos. Já a seção de Odontologia Legal, que funciona normalmente no IML (Instituto Médico Legal), realiza a manipulação da arcada dentária e por comparação com as radiografias dentárias do desconhecido, que são fornecidos pelos parentes, conseguem fazer a identificação. Pode contar ainda, com o trabalho desenvolvido pelos médicos legistas na seção de antropologia legal. 40 Para identificação de cadáver através do DNA, faz-se necessário a coleta de amostras questionadas extraídas do cadáver. O médico legista elege qual a melhor amostra biológica a ser coletada dependo das condições de conservação do corpo. Também é imprescindível a coleta de amostra referência fornecidas preferencialmente por parentes de primeiro grau (mãe, pai e filhos) ou na impossibilidade dessas e em última instância, amostras coletadas de pertences da vítima ou desaparecido (escova de dentes, vestuário etc.). A identificação de cadáver pode ser necessária em casos de desastre em massa, como desastres de avião, acidentes automobilísticos, rebelião em presídios, que provocam a morte de diversos indivíduos ao mesmo tempo. Nestas situações é necessário seguir o conjunto de metodologias denominado de Disaster Victim Identification. Este protocolo apresenta uma série de sugestões técnicas a se seguir para o bom andamento do trabalho a ser desenvolvido no laboratório, desde a organização de recebimento das amostras, identificação do material, número de pessoas requeridas para as atividades a serem desenvolvidas por etapa de trabalho. O objetivo é a organização de uma dinâmica de trabalho que impeça erros, contaminação de amostras e especialmente para agilidade do serviço prestado, minimizando o sofrimento dos familiares das vítimas. No Brasil, dois eventos de mesma natureza ocorreram no estado de Minas Gerais. Em 2015, no dia 05 de novembro, ocorreu um desastre na cidade histórica de Mariana, em Minas Gerais, com o rompimento da barragem de rejeitos de mineradora e ocasionou o óbito de 19 pessoas. Pouco mais de três anos após o desastre de Mariana/MG ocorreu nova catástrofe, desta vez em Brumadinho, uma cidade pertencente à região metropolitana da capital mineira, Belo Horizonte, no dia 25 de janeiro de 2019. Esse foi considerado o maior acidente de trabalho da história do Brasil por ter havido 130 óbitos de trabalhadores da mineradora Vale S.A. entre as 270 pessoas mortas, das quais ainda 6 pessoas se encontram desaparecidas (janeiro de 2022). Devido à imensa força da lama, os corpos das vítimas sofreram grande fragmentação, o que impossibilitou a identificação por outros métodos, e assim, tiveram que ser identificadas por meio de exame de DNA. 41 Paternidade criminal O DNA de cada ser humano é formado por metade da informação genética compartilhada pela mãe e metade do pai. O teste de paternidade pode ser utilizado tanto para casos cíveis, quanto criminais. Ele foi realizado por muitos anos, utilizando- se da análise do grupamento sanguíneo ABO, fatores Rh, Mn, Ss, Cc. Porém, as informações sobre o tipo sanguíneo apenas podiam ser usadas para excluir os pais, em vez de confirmação da paternidade. O direito ao reconhecimento da paternidade está assegurado na Constituição Federal, possui regulamentação no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil. Caso a pessoa apontada negue a paternidade que lhe foi atribuída, a averiguação da paternidade é remetida pela Justiça ao Ministério Público para prová- la por meio do teste de DNA. Nas paternidades cíveis podem ter como objetivo final a verificação da paternidade para fins de herança, pensão alimentícia. Já nos casos de paternidade criminal procura-se a verificação de que um crime de violência sexual, o qual foi impetrado a uma menor ou pessoa inimputável, que tenha resultado em gravidez. Normalmente, são utilizadas amostras-referência dos indivíduos envolvidos. Em casos mais raros, tecidos de anexos embrionários (placenta, cordão umbilical etc.). Em outras ocasiões, podem ser utilizados produtos de abortos autorizados pela justiça, em obediência à Cartilha de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, do Ministério da Saúde. SAIBA MAIS! As naturezas de exames num laboratório de DNA forense muitas vezes se sobrepõem ou se multiplicam. Acontecem casos em que amostras de confronto são usadas para verificação se um cadáver ainda não identificado foi transportado numporta-malas ou, nos casos de famílias mortas em acidentes de veículo, um cadáver identificado pelo DNA é usado para identificar outro também aparentado. 42 Finalizando Neste módulo, você aprendeu que: • Diferentes tipos de tecidos biológicos podem ser elucidativos para os exames periciais e nenhum deles pode ser negligenciado, desde o momento da sua coleta, manuseio, armazenamento, transporte e análises periciais; • As amostras forenses podem ser relacionadas à diferentes naturezas criminosas, desde violências sexuais até homicídios; • As amostras forenses podem ser submetidas à diferentes análises dentro do laboratório de Genética Forense; • A cadeia de custódia é um elemento essencial e deve ser seguida de maneira estrita para garantir a autenticidade do vestígio. 43 Módulo III – Dentro do laboratório de Genética Forense Apresentação do Módulo Este módulo composto de dois capítulos mostrará as etapas dos exames de DNA e suas dificuldades. Além disso, mostrará como resultados dos exames de DNA revolucionam as investigações criminais quando inseridos no Banco de Perfis Genéticos. Objetivo do módulo • Descrever as etapas dos exames de DNA; e • Apresentar as possibilidades e limitações dos bancos de perfis genéticos. Estrutura do módulo Este módulo compreende as seguintes aulas: Aula 1 - Etapas da análise de DNA. Aula 2 - Bancos de perfis genéticos. 44 Aula 1 - Etapas da análise de DNA Para obtenção de um resultado, que será reportado em um laudo pericial, muitas etapas são necessárias para se processar as amostras biológicas. Desde etapas envolvendo metodologias de Biologia Molecular, além de etapas de análise como a leitura dos perfis genéticos e posteriormente as análises estatísticas que mostrarão a força dos resultados obtidos. Extração de DNA As diferentes metodologias de extração do DNA existentes possuem duas finalidades básicas: a exposição do DNA e sua purificação. Como já dito anteriormente em outros capítulos desse curso, o DNA encontra-se no núcleo da célula, e, portanto, a metodologia de extração consiste em proceder a separação do DNA de demais elementos celulares ou até mesmo, de materiais contaminantes. É um passo fundamental para que as análises subsequentes direcionem a um perfil genético de qualidade. Ao se extrair o DNA, as amostras passam por manobras por meio de mistura com soluções que devem estar bem equilibradas e preparadas, a fim de que elas possam ser capazes de atuar na célula sem, no entanto, destruir o DNA que naturalmente está bem protegido por meio de uma membrana nuclear. Os métodos de extração passam por processos de avaliação, validação e testes, para que alcancem o objetivo de expor o DNA sem danificar. Por isso, os técnicos no laboratório devem fazer a escolha do melhor método, para cada tipo de amostra. Assim, a escolha do melhor método para se conseguir extrair o DNA é dependente do tipo, da quantidade e especialmente, da qualidade da amostra a ser analisada. As amostras forenses são desafiadoras, pois sob a ação do tempo e de substâncias interferentes podem dificultar muito a extração de um DNA de qualidade para ser utilizada nas demais etapas de análise. Basicamente o objetivo da extração, independente da metodologia utilizada, é romper a membrana celular, expor o núcleo da célula, eliminar os componentes celulares (organelas) e em seguida alcançar o DNA por meio purificação celular. 45 Figura 14 - Processo de extração de DNA de sangue total Fonte: ResearchGate. Quantificação de DNA As metodologias de quantificação do DNA têm como objetivo básico, como o próprio nome indica, verificar a quantidade de DNA humano obtido na extração. Afinal, tecidos biológicos diferentes fornecem quantidade de DNA diferentes. Quando se trata ainda de amostras forenses estas quantidades podem variar mais ainda, já que podem ser expostas a contaminantes, ação do tempo, temperatura e outros interferentes. A quantificação também irá avaliar a qualidade do DNA obtido por meio da verificação do grau de degradação do mesmo, visto que DNA muito fragmentado pode não fornecer dados de qualidade para permitir uma análise precisa do caso. Estas metodologias podem também verificar a presença de inibidores, elementos presentes nas amostras que impossibilitam boas reações de PCR, que serão mais explicadas adiante. No processo de quantificação do DNA pode ser verificada também a proporção de material genético feminino e masculino. Informação esta, que é de suma importância em amostras relacionadas à violência sexual. Sabendo esta proporção já se pode estimar se poderá ser conseguido um perfil de mistura, ou se será observado apenas o perfil da vítima. Por último, mas não menos importante, a quantificação específica de cromossomo Y pode ser averiguada para uma possível amplificação destas regiões para obtenção, desta forma, do haplótipo de cromossomo Y das amostras relacionadas a crimes sexuais. https://www.researchgate.net/publication/26977409 46 Amplificação de DNA A reação em Cadeia da Polimerase (PCR, Polymerase Chain Reaction) foi desenvolvida pelo bioquímico norte americano Kary Mullis (1944-2019) em 1985, que recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1993. A PCR é uma reação que propicia a cópia do DNA de maneira exponencial. Esta metodologia revolucionou a biologia molecular por sua capacidade de amplificação da quantidade de DNA presente em uma amostra. Se tratando da Genética Forense, a PCR foi essencial, afinal o DNA provindo de local de crime, normalmente estará em baixa quantidade, com impurezas e degradado. Portanto, a capacidade multiplicativa da PCR pode ser um elemento fundamental para contornar estes problemas. Basicamente, a reação de PCR é uma reação que consiste em fazer, de forma seletiva, muitas cópias (amplificação) de uma região específica do DNA, marcador genético, em meio ao DNA total de uma amostra, para comparar o DNA da cena do crime com os suspeitos. Por meio de um par de oligonucleotídeos iniciadores (primers) que são complementares a uma região nas duas fitas de DNA, a enzima taq polimerase adiciona dNTPs (nucleotídeos: adenina e timina, citosina e guanina) as novas fitas a serem sintetizadas. Figura 15 - A duplicação do DNA por meio de um par de primers na reação de PCR Fonte: Khan Academy. https://pt.khanacademy.org/science/biology/biotech-dna-technology/dna-sequencing-pcr-electrophoresis/a/polymerase-chain-reaction-pcr 47 Eletroforese capilar Eletroforese é uma técnica que se baseia na capacidade de as moléculas migrarem em um meio, por diferença de campo elétrico. Os ácidos nucleicos, que compõem o DNA, possuem uma carga negativa devido à presença do grupamento fosfato. Dessa forma, quando aplicados em um meio e ligados a um sistema capaz de induzir uma diferença de carga elétrica, há uma tendência a migrarem para o polo positivo do sistema. Os meios onde o DNA é colocado variam de gel de agarose, poliacrilamida que possuem uma malha, por onde o DNA deve passar durante a migração. Atualmente, a eletroforese capilar é a mais utilizada. Os capilares têm em seu interior um polímero viscoso e poroso, no qual os amplicons (fragmentos de DNA amplificados pela reação de PCR), que apresentam tamanhos distintos de acordo com sua natureza, serão separados de acordo com sua velocidade de migração a qual está diretamente relacionada com seu comprimento. Portanto, fragmentos menores migram mais rápido por terem menos massa e ficarem menos presos a viscosidade do polímero e fragmentos maiores terão o efeito contrário, migrando mais devagar. Leitura de perfis genéticos A leitura dos perfis genéticos (figuras 1 e 2), ou seja, visualização e interpretação dos perfis obtidos na eletroforese capilar exigem habilidade e experiência do perito criminal umavez que a qualidade e o grau de informação devem ser avaliados. O perito criminal necessita distinguir com segurança os elementos verídicos dos artefatos de análise que podem ser vários (stutter, alelos nulos, drop- out, drop-in, spikes etc.). Um bom perito criminal pode também, mesmo avaliando um resultado como insatisfatório, averiguar qual reanálise deve ser feita, de acordo com as informações contidas no perfil. O perito criminal responsável pode, por exemplo, requisitar uma nova extração da amostra com metodologia diferente, voltando ao começo da análise da amostra, ou pode até mesmo pedir uma nova eletroforese da amostra. 48 Figura 16 - A visualização de um perfil genético masculino provindo de uma eletroforese capilar Fonte: promega. Figura 17 - A visualização de um perfil genético feminino provindo de uma eletroforese capilar Fonte: promega. https://www.promega.com.br/products/forensic-dna-analysis-ce/str-amplification/powerplex-fusion-6c-system/?catNum=DC2705 https://www.promega.com.br/products/forensic-dna-analysis-ce/str-amplification/powerplex-fusion-6c-system/?catNum=DC2705 49 Figura 18 - Processamento da evidência biológica de um crime até sua comparação com perfil genético de suspeito/vítima/familiar Fonte: Imagem extraída de Garrido, 2009. Análises estatísticas Uma vez que o perito criminal obtém os perfis necessários para prosseguir com o caso, as análises estatísticas devem ser realizadas para verificação se os resultados obtidos podem ser considerados com poder de discriminação necessário para liberação do laudo pericial. Caso os valores obtidos não ofereçam os parâmetros necessários para a finalização do caso, o perito criminal pode encaminhar o caso para novas análises e/ou até mesmo pedir novas amostras que potencialmente asseguram resultados dentro dos critérios estabelecidos pelo Laboratório Forense. Diferente do que é divulgado pela grande mídia, os laudos periciais não são liberados normalmente com valores de probabilidade em porcentagem. O afamado 50 99,999%!!! Na verdade, o valor liberado é de uma grandeza chamada LR (Likelihood ratio, em português Razão de Verossimilhança). O LR é, nada mais, que o confronto dentre duas hipóteses, no qual é feita a proporção da hipótese de acusação (H1) e da hipótese de defesa (H2). Quanto maior for esta proporção, quanto maior for H1 em relação a H2, mais forte será o resultado do exame de DNA. Portanto, por exemplo, quando se lê em um laudo que o LR foi de 5 milhões, isso quer dizer que a hipótese de acusação é 5 milhões de vezes maior que a hipótese de defesa, ou seja, os resultados estatísticos dos exames de DNA são imensamente robustos. SAIBA MAIS! Veja mais de perto a explicação metodológica das técnicas para análise de DNA e a resolução de um caso por nossos colegas do Distrito Federal. Análise Forense de DNA; Notícia da resolução de caso no DF. Aula 2 - Bancos de perfis genéticos Os Bancos de perfis genéticos, a cada dia, estão sendo mais usados pelas polícias em todo mundo. Sua capacidade de vincular indivíduos ao evento criminoso, mesmo sem haver elementos anteriores que indiquem uma ligação, são um advento que hoje é visto como imprescindível para as forças policiais. SAIBA MAIS! Para saber mais, acesse: Ciência Contra o Crime: DNA forense aumenta a eficácia da perícia criminal. http://labs.icb.ufmg.br/lbcd/prodabi5/homepages/hugo/Hugo/PericiaCriminalDNA.pdf https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/peritos-do-df-usam-tecnica-pioneira-para-identificar-idoso-morto-ha-seis-meses.ghtml https://recordtv.r7.com/jornal-da-record/videos/ciencia-contra-o-crime-dna-forense-aumenta-a-eficacia-da-pericia-criminal-06102018 https://recordtv.r7.com/jornal-da-record/videos/ciencia-contra-o-crime-dna-forense-aumenta-a-eficacia-da-pericia-criminal-06102018 51 Histórico do banco de perfis genéticos O avanço da ciência e tecnologia forense tiveram destaque em meados da década de 1980, quando as técnicas de identificação fundamentadas na análise direta do DNA tornaram-se uma das mais poderosas ferramentas para a identificação humana e investigações criminais, possibilitando a identificação de criminosos em casos em que não há suspeita de autoria. A identidade pode ser descrita como a soma de caracteres que individualizam uma pessoa, distinguindo-a das demais, enquanto o emprego de meios adequados para determinar a identidade ou não identidade das pessoas é o processo de identificação. Os perfis genéticos armazenados nos bancos de dados são confrontados na busca de coincidências que permitam relacionar suspeitos aos locais de crime, ou mesmo relacionar um único suspeito a mais de um local de crime. Em 1995, o Reino Unido passou a utilizar o banco de perfis genéticos. Já nos EUA, a partir de 1998, o FBI (Federal Bureau of Investigation), com a denominação NDIS (National DNA Index System), passou a utilizar o software CODIS (Combined DNA Index System), na análise dos perfis genéticos armazenados. O CODIS é um software que armazena e compara, eletronicamente, perfis de DNA elaborados com base em marcadores moleculares a partir de vestígios biológicos. Este software permite a troca e cruzamento de informações entre regiões. O software CODIS foi desenvolvido pelo FBI e por ele cedido à Polícia Federal Brasileira, para instalação em 2010, em Brasília/DF. Por meio do uso do software os laboratórios forenses estaduais e o laboratório federal alimentam o banco de dados para que compartilhem e comparem perfis de DNA, ligando, assim, crimes violentos em série entre si e a ofensores conhecidos, bem como auxilia na identificação de indivíduos desaparecidos ou pessoas não identificadas e, também, identificando vítimas de desastre. No Brasil, em maio de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.654, inaugurando no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de coleta de perfil genético, como forma de identificação criminal, cuja normativa refere-se, no art. 9°, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor, para os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa ou pelos crimes previstos no art. 1o da Lei n° 8.072, de 25 de julho 1990. Dada a recentidade do tema no cenário jurídico nacional, em 2017 houve uma 52 audiência pública no Supremo Tribunal Federal para debater a doação compulsória de amostras pelos condenados. Foram questionadas possíveis violações de princípios legais como o da privacidade, dignidade, intimidade, o da não autoincriminação, além do art. 5°, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Também no campo da bioética, surgiram ressalvas ao tema, especialmente relacionadas a possíveis utilizações indevidas das informações genéticas para outras finalidades que não a persecução penal, possibilitando uma doutrina baseada na criminologia genética. Porém, fica claro que por meio dos procedimentos exigidos para coleta das amostras nos investigados, esta será sempre realizada por meio indolor, não invasivo e, ademais, que não traduza informações fenotípicas ou comportamentais do réu. Portanto, o objeto de análise forense para auxílio da investigação policial, será o perfil genético coletado para comparação e não a análise de todo o DNA do suposto autor. Desta forma, assim como a coleta de dados do suspeito, como suas impressões digitais, ou sua fotografia para fins de identificação criminal, a coleta de perfil genético é mais uma possibilidade à disposição da justiça. Rede integrada de perfis genéticos A implantação e uso de bancos de perfis genéticos foram instituídos por meio de uma rede organizada de laboratórios periciais criminais e implementado o Banco Nacional de Perfis Genéticos
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