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Tese - NORMALIZADA-FERRAZ

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
Centro de Educação e Humanidades 
Instituto de Psicologia 
 
 
 
 
 
Denise Pereira de Alcantara Ferraz 
 
 
 
 
 
 
 
Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade 
Salesiana de Lorena/SP: Uma contribuição para a historiografia da 
Psicologia no Brasil 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2014
 
 
Denise Pereira de Alcantara Ferraz 
 
 
 
 
 
 
Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de 
Lorena/SP: Uma contribuição para a historiografia da Psicologia no Brasil 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada, como requisito parcial 
para obtenção do título de Doutora, ao 
Programa de Pós- Graduação em 
Psicologia Social, da Universidade do 
Estado do Rio de Janeiro. Área de 
concentração: História, Imaginário Social, 
Cultura. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Orientadora: Prof.a Dra. Ana Maria Jacó-Vilela 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CATALOGAÇÃO NA FONTE 
 UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A 
 
 
 
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou 
parcial desta tese. 
 
___________________________________ _______________ 
 Assinatura Data 
 
 
F381 Ferraz, Denise Pereira de Alcantara. 
 Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana 
de Lorena/SP: uma contribuição para a historiografia da Psicologia no 
Brasil / Denise Pereira de Alcantara Ferraz. – 2014. 
 194 f. 
 
 Orientadora: Ana Maria Jacó-Vilela. 
 Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 
Instituto de Psicologia. 
 
 
 1. Psicologia – Estudo e Ensino – Brasil – Teses. 2. Psicologia – 
História – Brasil – Teses. 3. Faculdade Salesiana de Lorena – Teses. I. 
Leite, Siomara Borba. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 
Instituto de Psicologia. III. Título. 
 
 es CDU 159.9(81)(091) 
 
 
 
Denise Pereira de Alcantara Ferraz 
 
 
 
Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de 
Lorena/SP: Uma contribuição para a historiografia da Psicologia no Brasil 
 
 
Tese apresentada, como requisito parcial 
para obtenção do título de Doutora, ao 
Programa de Pós- Graduação em 
Psicologia Social, da Universidade do 
Estado do Rio de Janeiro. Área de 
concentração: História, Imaginário Social, 
Cultura. 
 
Aprovada em 18 de março de 2014. 
 
Banca Examinadora: 
 
_____________________________________________ 
Ana Maria Jacó-Vilela (Orientadora) 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) 
 
_____________________________________________ 
Francisco Teixeira Portugal 
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 
 
_____________________________________________ 
Alexandre de Carvalho Castro 
Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET/RJ) 
 
_____________________________________________ 
Ronald Clay dos Santos Ericeira 
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) 
 
_____________________________________________ 
Wilma Lucia Castro Diniz Cardoso 
Universidade de São Paulo (USP-EEL) 
 
 
Rio de Janeiro 
 2014 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao Ricardo Ferraz, meu marido, companheiro e cúmplice, pelo apoio incondicional 
em todos os momentos, principalmente nos mais difíceis, muito comuns para quem 
está sempre em processo de crescimento. Sem você nenhuma conquista valeria a 
pena. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Como já dizia Fernando Pessoa: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo.” 
Alguns destes sonhos tornam-se realidade, como é o caso da que estou vivendo 
hoje. Realidade concretizada com muito esforço, determinação, flexibilidade, 
paciência e colaboração de muitas pessoas que sonharam comigo. Esta não é uma 
caminhada para se fazer sozinha. Agradeço a todos que direta ou indiretamente 
fizeram parte dessa conquista. 
Ao Programa de Pós Graduação em Psicologia Social da UERJ pela acolhida, 
idoneidade e disponibilidade demonstradas, bem como por se constituir em um 
espaço de debates e amadurecimento profissional. 
 À professora Ana Maria Jacó-Vilela agradeço, de forma muito especial, pelas 
possibilidades de reflexões que me abriram novos horizontes com outras 
perspectivas. Também pela disposição, dedicação e afeto demonstrados em todo o 
processo. Aos membros do Clio, pelas criteriosas discussões e sugestões efetuadas 
durante o desenvolvimento deste trabalho. 
Aos professores Francisco Portugal, Ronald Clay, Wilma Lucia, Fábio Reis, 
Alexandre Castro e Renata Valentim pela prontidão em participar da banca de 
defesa desta tese possibilitando meu crescimento e aprimoramento acadêmico. 
Agradeço aos meus familiares. Primeiramente aos meus pais e irmãos, 
fundamentais na construção da pessoa que sou. Igualmente, ao meu esposo 
Ricardo, por acreditar no meu potencial, nas minhas ideias, nos meus devaneios, 
principalmente por sua participação ativa em quase todas as vindas ao Rio de 
Janeiro. À minha filha Ana Carolina, que inspira meus sonhos. 
Agradeço também ao centro UNISAL pela facilidade que tive para acessar 
documentos históricos, fotografias, especialmente à Ana Lucia Correa Pinto, 
responsável pela Biblioteca, por sua disponibilidade e dedicação. A todos os 
funcionários da secretaria que me atenderam tão prontamente. 
À Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) pelo incentivo e reconhecimento. 
Também por ser o espaço que me provocou, e me provoca a todo o momento 
desejo de busca e melhora. 
Por último, agradeço aos amigos, colegas professores e amados alunos pelo 
apoio. Obrigada também a todos que, mesmo não estando citados aqui, 
contribuíram para a conclusão dessa etapa. 
 
 
RESUMO 
 
 
FERRAZ, Denise Pereira de Alcantara. Memórias e Histórias do Curso de Psicologia 
da Faculdade Salesiana de Lorena/SP: Uma contribuição para a historiografia da 
Psicologia no Brasil. 2014. 194 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa 
de Pós Graduação em Psicologia Social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 
Rio de Janeiro, 2014. 
 
O presente estudo objetivou construir uma história do Curso de Psicologia da 
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciência e Letras de Lorena, com a perspectiva de 
compreender as relações sociais, culturais, as práticas cotidianas e os modos de 
fazer que caracterizaram a constituição do curso, tendo como recorte histórico o 
período de 1952 a 1974. A meta final foi contribuir para a historiografia da Psicologia 
no Brasil. Apresentamos, inicialmente, de forma concisa, a história dos salesianos, 
desde sua criação e de sua inserção no Brasil. Detemo-nos mais em sua chegada à 
Lorena, com a fundação do Colégio São Joaquim e, muito mais especialmente, do 
Laboratório de Psicologia Experimental. Exploramos seu significado para os 
salesianos e sua missão educativa, bem como para a emergência do curso de 
Psicologia. Foram utilizados, como fontes documentais, documentos escritos e 
iconográficos, além disso, foram realizadas Entrevistas Narrativas, que nos 
possibilitaram apontar algumas características do começo do curso, como, por 
exemplo, as questões de gênero. Assinalamos como a abordagem experimental, 
dominante no primeiro momento do curso, em que os principais professores eram 
oriundos da USP e da PUC-SP, muda aos poucos para a abordagem humanista, 
ruptura causada pela presença de um professor, Franz Victor Rudio. Concluímos 
que o curso de Psicologia de Lorena emergiu não por um documento ou por uma 
ação intencional e isolada de um sujeito individual, mas por ação de muitos 
personagens que, durante um longo período, construíram práticas ligadas à 
Psicologia que levaram à constituiçãodo curso. No entanto, pode-se afirmar que 
estas práticas foram fundamentadas na missão salesiana de formar educadores 
qualificados para o exercício do magistério, apoiada no tripé razão, religião e 
amorevolezza. 
 
Palavras-chave: História da Psicologia no Brasil. Curso de Psicologia. Salesianos. 
Lorena. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
FERRAZ, Denise Pereira de Alcantara. Memories and History of the Psychology's 
Course of the Faculdade Salesiana de Lorena/SP: a contribution to the 
historiography of the Psychology in Brazil. 2014. 194 f. Tese (Doutorado em 
Psicologia Social) – Programa de Pós Graduação em Psicologia Social. 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. 
 
The former study aimed to build a history of the Psychology Course of the 
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciência e Letras de Lorena, with the perspective 
of comprehending the social and cultural relations, the daily practices and the ways 
of doing which characterize the course formation, having as a historic record the 
period from 1952 to 1974. The final aim was to contribute to the Psychology 
historiography in Brazil. We based more in its arrival in Lorena, with the foundation of 
the Colégio São Joaquim and, more especially, the Experimental Psychology 
Laboratory. We explored its meaning to the Salesianos and its educational mission, 
as well as to the emergence of the Psychology course. There were used as 
documentary sources written and iconographic documents, moreover, there were 
performed Narrative Interviews which enabled us to point out some characteristics of 
the beginning of the course, such as, for example, the gender issues. We pointed 
how the experimental approach, dominant at the first moment of the course, in which 
the main professors were arising from USP and PUC-SP, changes bit by bit to the 
humanist approach, rupture caused by the presence of one professor, Franz Victor 
Rudio. We concluded that the Psychology course from Lorena has emerged not by a 
document or by an intentional and isolated action of one single individual, but by the 
action of many characters that, for a long period, built practices linked with 
Psychology that led to the foundation of the course. However, it can be stated that 
these practices were grounded on the mission of the salesianos to create qualified 
educators for the mastership exercise, supported on the tripod reason, religion and 
amorevolezza. 
 
Key-words: Psychology History in Brasil. Psychology Course. Salesianos. Lorena. 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
 
ABP Associação Brasileira de Psicotécnica 
ABRAPSO Associação Brasileira de Psicologia Social 
AC Análise de Conteúdo 
ACP Abordagem Centrada na Pessoa 
APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais 
CADES Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário 
CEDOC Centro de Documentação e Memória 
CEPSI Centro de Estudos Psicológicos 
CPMCS Confederação portuguesa dos Meios de Comunicação Social 
CSEPE Centro Salesiano de Estudos e Pesquisas Educacionais 
EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronáutica 
FATEA Faculdades Integradas Teresa D’Ávila 
FMA Filhas de Maria Auxiliadora 
FSFCLL Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena 
GM General Motors 
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatística 
IEV Instituto de Estudos Valeparaibanos 
IPPUCSP Instituto de Psicologia e Pedagogia da PUC-SP 
ISOP Instituto de Seleção e Orientação Profissional 
ISPF Instituto Salesiano de Pedagogia e Filosofia 
ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica 
IUS Instituições Salesianas de Ensino Superior 
LASM Laboratori Apparecchi Scientifici Médici 
MEC Ministério da Educação e Cultura 
PUC Pontifícia Universidade Católica 
SDB Salesianos de Dom Bosco 
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
UNISAL Centro Universitário Salesiano de São Paulo 
USP Universidade de São Paulo 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
 
Figura 1 - Dom Bosco...................................................................................... 29 
Figura 2 - Madre Maria Mazzarello.................................................................. 43 
Figura 3 - Inspetorias Salesianas.................................................................... 45 
Figura 4 - Em destaque a cidade de Lorena................................................... 69 
Figura 5 - Mapa do Vale do Paraíba................................................................ 69 
Figura 6 - Artigo 28 do Regimento de 1952..................................................... 90 
Figura 7 - Convite para inauguração do Auditório da FSFCLL........................ 92 
Figura 8 - Convite de inauguração do Laboratório de Biologia e Psicologia 
Experimental.................................................................................... 117 
Figura 9 - Programa da inauguração do Laboratório de Biologia e 
Psicologia Experimental.................................................................. 118 
Figura 10- Programa da disciplina Psicologia Educacional do curso de 
Orientação Educacional em 1959................................................... 135 
Figura 11 - Programa da disciplina Psicologia Educacional do curso de 
Orientação Educacional em 1959................................................... 135 
Figura 12 - Quantitativo de títulos, por obra, existentes na Biblioteca da 
Faculdade Salesiana de Lorena em 1968....................................... 144 
 
 
 
LISTA DE FOTOGRAFIAS 
 
 
Fotografia 1 - Panorama de Castelnuovo e seus vinhedos........................ 28 
Fotografia 2 - Dom Bosco na Velhice......................................................... 29 
Fotografia 3 - Dom Bosco e a Banda do Oratório Festivo.......................... 38 
Fotografia 4 - Dom Luis Lasagna................................................................ 44 
Fotografia 5 - Primeiros missionários com destino à Argentina.................. 46 
Fotografia 6 - Navio Orenoque.................................................................... 49 
Fotografia 7 - Primeira sede do Colégio Santa Rosa de Niterói................. 53 
Fotografia 8 - Liceu Coração de Jesus....................................................... 61 
Fotografia 9 - Conde de Moreira Lima........................................................ 71 
Fotografia 10- Chalé, berço do Colégio São Joaquim................................. 74 
Fotografia 11 - Salesianos e alunos do Colégio São Joaquim em 1891..... 74 
Fotografia 12 - Fachada do Gymnasio São Joaquim.................................... 76 
Fotografia 13 - Arquitetura em H do Gymnasio São Joaquim...................... 76 
Fotografia 14 - Batalhão Gymnasial do Colégio São Joaquim..................... 79 
Fotografia 15 - Construção do prédio em 1950............................................ 83 
Fotografia 16 - Construção do prédio em 1950............................................ 84 
Fotografia 17 - Sala de aula em 1952........................................................... 85 
Fotografia 18 - Biblioteca.............................................................................. 86 
Fotografia 19 - Padres salesianos de Lorena estudando no Pontifício 
Ateneu de Turim................................................................... 
115 
Fotografia 20 - Inauguração do Laboratório de Psicologia Experimental da 
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de 
Lorena em 1954.................................................................... 
119 
Fotografia 21 - Inauguração do Laboratório de Psicologia Experimental da 
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de 
Lorena em 1954................................................................... 
119 
Fotografia 22 - Realização de experimentos e avaliações de alunos dos 
colégios atendidos pelo laboratório...................................... 
120 
Fotografia 23 - Instalações do Laboratório de Psicologia Experimental em 
1954......................................................................................121 
 
 
Fotografia 24 - Teste de Atenção Distribuída de Bedini............................... 122 
Fotografia 25 - Experimentos realizados no Laboratório.............................. 123 
Fotografia 26 - Salão do Laboratório............................................................ 124 
Fotografia 27 - Caixa de Skinner.................................................................. 125 
 
 
LISTA DE QUADROS 
 
 
Quadro 1 - Sistema Repressivo e Sistema Preventivo.......................... 35 
Quadro 2 - Atividades dos Salesianos................................................... 45 
Quadro 3 - Quadro estatístico dos alunos internos do Liceu Coração 
de Jesus.............................................................................. 
62 
Quadro 4 - Colégios salesianos fundados no Brasil até 1920............... 67 
Quadro 5 - Faculdades de Filosofias, Ciências e Letras....................... 87 
Quadro 6 - Fases principais da Entrevista Narrativa............................. 130 
Quadro 7 - Disciplinas do curso de Orientação Educacional em 1958.. 133 
Quadro 8 - Currículos Seriados da FSFCLL.......................................... 141 
Quadro 9 - Lista do corpo docente enviada em relatório para 
solicitação de autorização do curso de Psicologia em 
1957..................................................................................... 
146 
Quadro 10- Lista do corpo docente enviada em relatório para 
solicitação de reconhecimento da Licenciatura e 
Bacharelado e autorização para Formação de Psicólogos. 
147 
Quadro 11 - Divisão do Vale do Paraíba Paulista em microrregiões....... 167 
 
 
 
LISTA DE TABELAS 
 
 
Tabela 1 - Procedência do corpo docente da Faculdade em 1953.................. 91 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 INTRODUÇÃO........................................................................................... 13 
1 OS SALESIANOS..................................................................................... 28 
1.1 Os Salesianos no Mundo........................................................................ 28 
1.2 Os Salesianos no Brasil.......................................................................... 46 
2 OS SALESIANOS EM LORENA............................................................... 69 
2.1 O Colégio São Joaquim........................................................................... 69 
2.2 A Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena..... 80 
3 O LABORATÓRIO DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL.......................... 106 
4 O CURSO DE PSICOLOGIA DA FACULDADE SALESIANA DE 
FILOSOFIA, CIÊNCIA E LETRAS DE LORENA...................................... 
128 
4.1 Escritos..................................................................................................... 131 
4.2 Ditos.......................................................................................................... 149 
4.2.1 Masculino e Feminino: atravessamentos de gênero na Faculdade 
Salesiana de Lorena.................................................................................. 
149 
4.2.2 Que Psicologia? Uma Psicologia conciliada à Visão Cristã...................... 153 
4.2.3 A Hegemonia da Psicologia Comportamental........................................... 159 
4.2.4 Uma Ruptura: Franz Victor Rudio e a Formação Humanista.................... 162 
 CONCLUSÃO............................................................................................ 172 
 REFERÊNCIAS......................................................................................... 175 
 APÊNDICE A – Artigos publicados entre 1952 e 1974 pelos periódicos: 
Folhas Pedagógicas e Revista da Faculdade Salesiana........................... 
185 
 ANEXO A - Relação dos Formandos de 1973.......................................... 189 
 ANEXO B – Ofício n. 7535 - XV................................................................ 190 
 ANEXO C – Disciplinas do currículo dos cursos de Orientação 
Educacional............................................................................................... 
191 
 ANEXO D – Ementas das disciplinas de Psicologia oferecidas em 1968. 192 
13 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
É evidentemente impossível narrar a totalidade do futuro e é 
preciso fazer uma escolha; também não existe uma categoria 
particular de acontecimentos (a história política, por exemplo) 
que seria a História e se imporia a nossa escolha. É, pois, 
literalmente verdadeiro afirmar, com Marrou, que toda 
historiografia é subjetiva: a escolha de um assunto de história é 
livre, e todos os assuntos são iguais em direito 
Veyne, 2008, p.44-45. 
 
 
Muitas são as inquietações de quem tem como tarefa fazer uma pesquisa e 
escrever sobre ela: Serei capaz de fazer a pesquisa? Que caminhos metodológicos 
percorrerei? O assunto escolhido é importante no contexto atual? Alguém vai se 
interessar pelo tema? Escrever sobre a história de um curso de Psicologia tem 
alguma relevância? Poderei contribuir, de alguma forma, para a história da 
Psicologia no Brasil? Tais inquietações, somadas às viagens de 230 km ao Rio de 
Janeiro, à jornada de trabalho e às demandas familiares já seriam suficientes para 
certo desânimo, se não fosse o meu imenso interesse e envolvimento com o tema 
escolhido. O meu percurso como ex-aluna, professora e coordenadora do curso que 
investiguei me conduziu à presente pesquisa. Este trabalho foi também um retorno 
às minhas raízes e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de olhar alguns aspectos 
da história do curso. Por isso, incluí, aqui, um breve histórico pessoal sobre o meu 
envolvimento com o curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, 
Ciências e Letras de Lorena, como parte da justificativa sobre a escolha do tema. 
Nasci em Volta Redonda – RJ, em 22 de janeiro de 1969. Em 1985, aos 16 
anos, fui morar em Lorena, interior do Estado de São Paulo, para estudar Psicologia 
na Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, como era 
chamada na época. Os anos de faculdade foram vividos de forma muito intensa. 
Participei dos eventos oferecidos pelo curso, fui monitora responsável pelo 
Laboratório de Testes, monitora de várias disciplinas e responsável pelo Centro de 
Estudos Psicológicos (CEPSI) no ano de 1987. Terminei a Licenciatura em 1988 e a 
Formação de Psicólogos em 1989 e, já no ano seguinte, fui contratada para ministrar 
a disciplina Psicologia no ensino médio do Colégio São Joaquim, que funciona 
14 
 
 
durante o dia no mesmo prédio da faculdade e que tem a mesma mantenedora. Em 
1998, fui convidada a ministrar a disciplina Aspectos psicomotores das 
aprendizagens escolares nos cursos de pós-graduação oferecidos pelo então 
chamado Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL) e, em 2002, fui 
contratada pela graduação em Psicologia para ministrar as disciplinas 
Psicomotricidade e Educação Social. Em janeiro de 2008, assumi a função de 
supervisora dos cursos de pós-graduação na área da Psicologia e, em janeiro de 
2009, assumi a coordenação do curso de graduação em Psicologia. Como 
coordenadora e responsável pela organização dos eventos comemorativos dos 
quarenta anos do Curso de Psicologia, comecei a fazer um levantamento histórico 
sobre o curso e deparei-me com uma grande riqueza de fontes documentais, entre 
elas, as solicitações para a abertura do curso, os relatórios de atividades realizadas 
no Laboratório de Psicologia Experimental adquirido em 1954, as fotos dos eventos 
realizados durante estes anos e os relatos de alunos que se formaram na primeira 
turma e que são, atualmente, professores do curso. Deixei a coordenação do curso 
em agosto de 2010, não sem antes ter construído questões que me levaram ao 
doutorado. 
O pequeno levantamento histórico que fiz para os eventos de comemoração 
dos quarenta anos do curso, ao invés de responder às minhas questões sobre a 
história do curso, trouxe-me muitosoutros questionamentos e curiosidades a 
respeito de sua constituição: Com que objetivo os salesianos trouxeram, da Itália, 
um Laboratório de Psicologia Experimental, em 1954? Como ele era usado? Por que 
os salesianos se interessaram em criar um curso de Psicologia em uma cidade do 
interior do Estado de São Paulo, ainda na década de 1960? Como ele foi 
constituído? Como era formado o corpo docente? Que importância teve este curso 
para a região? 
O fato da minha história pessoal e profissional atravessar a história do curso 
tornou-se a potência maior do meu trabalho, pois falo de um lugar real, de pessoas 
reais, que têm concretude para mim. Falo de um curso que foi constituindo-se, no 
dia a dia, desde a fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, 
em 1952 e a criação das cadeiras de Psicologia e Psicologia da Educação, no 
mesmo ano; a aquisição do Laboratório de Psicologia Experimental, em 1954; a 
criação do curso de Orientação Educacional, em 1957; a criação do Instituto de 
Psicologia, em 1965, que oferecia um curso de especialização em Psicologia 
15 
 
 
Educacional e estágio para os alunos do curso de Pedagogia; até a proposta de 
oferta de vagas para um curso de Psicologia, em 1967. Desta forma, o foco do 
trabalho é mostrar como ocorreu este “constituir-se” do curso, com todas as suas 
singularidades e atravessamentos. 
Pesquisar a história deste Curso de Psicologia foi uma forma de contribuir 
para a historiografia da Psicologia no Brasil. Mais do que um resgate histórico, feito 
por meio de documentos escritos, iconográficos e pela memória dos participantes 
desta pesquisa, tratou-se de uma proposta de compreensão da formação de 
psicólogos e das práticas “psi”, vinculadas a este curso, realizadas e produzidas em 
um momento e em um contexto determinado. Para isso, foi necessário buscar suas 
determinações históricas: contextos econômicos, sociais e políticos do país; o 
mercado de trabalho; a função social do psicólogo, entre outras. Há várias razões 
para que o recente interesse pela história da Psicologia no Brasil seja pertinente. 
Ainda é possível fazer uma recuperação histórica por meio do acesso às pessoas 
que foram pioneiras na Psicologia; há muitos dados da história da psicologia que 
não se encontram registrados, organizados e disponíveis, a não ser como 
experiência ou como memória; e a disponibilização desse conhecimento às novas 
gerações pode proporcionar avanços para a psicologia, enquanto ciência e profissão 
(BARAÚNA, 1999). 
O fato de ser um curso vinculado a uma instituição católica também corrobora 
a relevância desta pesquisa, visto que a relação entre a formação em Psicologia e 
as instituições católicas carece de uma investigação mais aprofundada no Brasil. 
Estas instituições se diferenciam pelas estratégias, focos de interesse e de 
preocupações, e, ainda, com relação a alguns pressupostos morais e filosóficos. No 
entanto, todas se aproximam quanto ao objetivo de evangelizar, propagar e legitimar 
o cristianismo e a Igreja Apostólica Romana. No caso específico dos salesianos, 
identifica-se uma importante missão de formar educadores baseada na Religião, na 
Razão e na Amorevollezza1. 
A história da psicologia no Brasil faz muito pouca referência aos trabalhos 
realizados por estes padres, em especial aos salesianos, às suas pesquisas e aos 
 
1
 A Amorevollezza é uma expressão italiana que pode ser traduzida como carinho, amabilidade, 
amor, cordialidade, bondade. Ela foi descrita por Dom Bosco como o princípio primeiro do seu 
Sistema Preventivo e que deveria permear todas as práticas salesianas. Consiste em um amor 
assistencial e educativo. (CABRINO, 2009, p. 295). 
16 
 
 
investimentos que fizeram em instituições e cursos de Psicologia. Um dos poucos 
exemplos é a referência feita por Lourenço Filho: 
 
[...] No campo filosófico, é a sacerdotes que se devem, no Brasil, os 
primeiros trabalhos de psicologia; também lhes cabe a primazia nas 
discussões em variados temas de filosofia social; com relação à introdução 
dos métodos experimentais mantiveram-se, porém, em atitude de reserva, 
por muito tempo, após o que passaram a apresentar valiosa contribuição. 
Todas as reservas deviam realmente desaparecer com a constituição “Deus 
societiarum Dominus”, pela qual o papa Pio XI estabeleceu nova legislação 
e programas para as faculdades pontifícias em todo o mundo; e, sobretudo, 
depois da legislação jesuítica de ensino, expedida em 1941, a qual 
prescreve o ensino obrigatório da psicologia experimental no curso de 
filosofia, como suplemento aos estudos metafísicos e como base da 
pedagogia (LOURENÇO FILHO, 1960, p. 282-283). 
 
Lourenço Filho (1960) é ainda mais específico ao citar os padres salesianos 
Carlos Leôncio e João Modesti, destacando os trabalhos por eles realizados no 
Laboratório de Psicologia Experimental da Faculdade Salesiana de Filosofia, 
Ciências e Letras de Lorena: 
 
[...] Ao Pe. Carlos Leôncio da Silva, que por muitos anos dirigiu o Instituto 
Superior de Pedagogia, anexo à Faculdade de Filosofia do Ateneu 
Salesiano de Turim (Itália), e hoje dirige a Faculdade de Filosofia de Lorena 
(São Paulo), devem-se trabalhos pedagógicos baseados em modernos 
fundamentos da psicologia, e, bem assim, a animação de estudos 
experimentais [onde], em 1954, inaugurou um Laboratório de Psicologia 
Experimental, sob a direção do Padre João Modesto (sic). (LOURENÇO 
FILHO, 1960, p. 282-283). 
 
Esta pesquisa é também uma maneira de se reconhecer as contribuições 
destas pessoas para a psicologia brasileira, mesmo que, conforme as informações 
coletadas, o interesse deles na psicologia estivesse voltado para uma formação 
mais ampla de seus educadores. 
Wertheimer (1998) justifica a pesquisa em história da Psicologia também pelo 
fato de que este tipo de pesquisa evita a repetição inadequada, pois a familiaridade 
com os erros cometidos no passado pode interferir na redução dos erros atuais. 
Além disso, escreve o autor, “saber que [...] outros no passado já alimentaram ideias 
semelhantes às minhas [...] pode me ajudar a desenvolver minhas ideias sem muito 
autismo” (WERTHEIMER, 1998, p. 29). Isto é, proporciona uma saudável dose de 
humildade. E, por fim, há uma razão hedonista, mas não necessariamente trivial: 
estudar história dá prazer, é agradável, por si só já vale a pena! Tenho que admitir 
que o meu interesse pelo tema, somado ao prazer que tive ao encontrar 
17 
 
 
documentos, escutar pessoas que construíram esta história e, por fim, organizar 
todas estas informações neste trabalho, foram meus companheiros nestes quatro 
anos. 
Após leituras iniciais sobre os salesianos e seu envolvimento com a psicologia 
no Brasil, optei por centrar o objetivo da pesquisa na busca de construir uma 
história do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências 
e Letras de Lorena, com a perspectiva de compreender as relações sociais, 
culturais, as práticas cotidianas e os modos de fazer que caracterizaram a 
constituição do curso. Portanto, meu interesse foi pesquisar o período 
compreendido entre 1952 e 1974. 
Limitar a pesquisa a este período foi uma escolha que pode ser justificada 
pelos seguintes acontecimentos nele situados: 
 
a) o ano de 1952 é aquele em que os salesianos iniciam suas atividades no ensino 
superior em Lorena, com a criação da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências 
e Letras de Lorena que teve como objetivo a formação de educadores nos cursos 
de Pedagogia, Filosofia, Ciências e Letras; e de uma seção especial, Didática; 
 
b) Nos anos de 1952 e 1953 são trazidos de Turim para a Faculdade Salesiana de 
Lorena os equipamentos para montar o Laboratório de Psicologia Experimental, 
inaugurado em 1954. A incorporação e a criação dos laboratórios experimentais 
constituíram-se em vias trilhadas para a profissionalização da Psicologiano Brasil 
(BRANDÃO, 2006; PEREIRA e NETO, 2003). Além disso, a Pedagogia utilizou a 
Psicologia, mais precisamente a Psicologia Experimental, para adquirir seu status 
científico (PEREIRA e NETO, 2003); 
 
c) No dia 27 de agosto de 1962, foi aprovada a Lei nº 4.119 que regulamentou a 
profissão de psicólogo. Também foi emitido, no mesmo ano, o Parecer 403 do 
Conselho Federal de Educação que estabeleceu o currículo mínimo e a duração 
do curso universitário de Psicologia; 
 
d) Em 1969, o Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena obteve 
autorização para as habilitações de Bacharelado e Licenciatura, pelo Decreto nº 
18 
 
 
65.043/69 e reconhecimento pelo Decreto nº 71.608/72, do Ministério da 
Educação e Cultura; 
 
e) No ano de 1973, ocorreu a formatura da turma que iniciou, em 1968, o curso de 
Filosofia e que, em 1970, foi transferida para o curso de Psicologia da Faculdade 
Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena. Estes alunos cursaram dois 
anos de Filosofia e mais quatro de Psicologia; 
 
f) Em 1974, ocorreu a formatura da primeira turma que iniciou o curso de Psicologia 
em 1970. Esta foi a primeira turma a se formar pelo currículo completo proposto 
para o curso. 
 
Posso afirmar que este foi o “onde quero ir”. No entanto, para chegar lá, 
novas perguntas surgiram: Como fazê-lo? Que caminho ou caminhos seguir? 
Febvre (apud Le Goff, 1990, p. 107) abriu alguns caminhos: 
 
A história fez-se, sem dúvida, com documentos escritos. Quando há. Mas 
pode e deve fazer-se sem documentos escritos, se não existirem... Faz-se 
com tudo o que a engenhosidade do historiador permite utilizar para fabricar 
o seu mel, quando faltam as flores habituais: com palavras, sinais, 
paisagens e telhas; com formas de campo e com más ervas; com eclipses 
da lua e arreios; com peritagens de pedras, feitas por geólogos e análises 
de espadas de metal, feitas por químicos. Em suma, com tudo o que, sendo 
próprio do homem, dele depende, lhe serve, o exprime, torna significante a 
sua presença, atividade, gostos e maneiras de ser do homem. 
 
Construí este caminho lançando mão de: 
 
 
Levantamento de fontes documentais escritas e iconográficas. 
 
 
Os documentos usados foram: fotografias, recortes de revistas, jornais da 
época, documentos oficiais e não oficiais. Um acervo considerável destas fontes foi 
encontrado em seis locais: 
 
a) Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV); 
b) Arquivos da secretaria do Centro UNISAL – Lorena; 
19 
 
 
c) Biblioteca do Centro UNISAL – Unidade de Ensino de Lorena, com 
mais de 139 mil exemplares; 
d) Centro de Documentação e Memória (CEDOC) – do UNISAL de 
Lorena. 
e) Biblioteca de História da Educação Salesiana no Brasil, e; 
f) Sala Euclides da Cunha. 
 
 Burke (2005), Bauer e Gaskell (2002), Kossoy (2001) e Le Goff (1990) 
contribuíram para o tratamento metodológico das imagens iconográficas como 
fontes históricas. 
 Uma fotografia, apesar de ser o registro de um momento único da realidade, 
não pode ser considerada um espelho ou um retrato fiel dos fatos. Isto acontece 
porque, estando descontextualizada, permite interpretações não condizentes ao 
momento histórico no qual foi gerada. Trata-se de um fragmento do real, registrado 
em um suporte papel (fotografia analógica) ou digital (fotografia digital). É 
considerada uma fonte e um objeto de pesquisa, meio de comunicação e expressão 
das atividades humanas. No entanto, é possível que cada usuário da informação 
imagética interprete-a de forma diferente. Já o pesquisador deve promover intensa 
investigação para inferir significados consistentes da imagem e, por isso, o 
levantamento do conteúdo informacional da imagem fotográfica é tão relevante. 
Segundo Kossoy (2001, p. 37), são três os elementos essenciais para a 
realização de uma fotografia: “o assunto, o fotógrafo e a tecnologia. São estes os 
elementos constitutivos que lhe deram origem através de um processo, [...] num 
preciso e definido espaço e tempo”. Em função disso, a utilização da fotografia como 
fonte de pesquisa requer do pesquisador conhecimento da história da fotografia, dos 
métodos e técnicas utilizados pelos fotógrafos em determinada época, além do 
conhecimento a respeito da estrutura dos materiais fotográficos conforme sua 
evolução. 
Bauer e Gaskell (2002), a respeito do emprego da imagem fotográfica, 
destacam que esta pode ser usada como documentação referente à mudança 
histórica, ou seja, quando o pesquisador está interessado em mostrar mudanças de 
natureza específica. Fotografias feitas em intervalos regulares, dos mesmos lugares, 
podem ser ilustrativas. As fotografias podem servir, também, para evocar memórias 
20 
 
 
de pessoas, o que não seria possível em uma entrevista. Além disso, podem ser 
usadas para se conseguir uma informação cultural/histórica implícita. 
A respeito da informação cultural/histórica implícita, os autores escrevem que 
“ler tanto os registros visuais presentes, como ausentes, é uma tarefa de pesquisa 
possível. Quem falta na fotografia ou na pintura, e por quê? Os jovens? Os velhos? 
Os pobres? Os ricos? Os brancos? Os negros? E o que estas ausências implicam?” 
(BAUER; GASKELL, 2002, p. 144). 
As imagens iconográficas, portanto, também podem ser utilizadas para que as 
lacunas deixadas pelos documentos escritos possam ser analisadas por meio delas. 
Estas fontes podem revelar informações não ditas no texto escrito. Elas serão 
tomadas como registros históricos que, segundo Burke (2005, p. 17) abrem 
diferentes possibilidades de olhar e interpretar o passado: “as imagens assim como 
os textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência 
histórica. Elas registram atos de testemunho ocular”. 
Mauad (1996) corrobora esta ideia quando escreve o seguinte a respeito da 
fotografia: 
 
Entre o sujeito que olha e a imagem que elabora, há muito mais que os 
olhos podem ver. A fotografia – para além de sua gênese automática, 
ultrapassando a ideia de analogon da realidade – é uma elaboração do 
vivido, o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda uma 
leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras que 
envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem técnica 
(MAUAD, 1996, p. 75). 
 
 Pode-se afirmar, portanto, que a fotografia é uma fonte histórica que 
demanda, por parte do historiador, um novo tipo de crítica. O testemunho é válido, 
não importando se o registro fotográfico foi feito para documentar um fato ou 
representar um estilo de vida. Le Goff (1990) diferencia a “Fotografia como 
Imagem/Documento” e a “Fotografia como Imagem/Monumento”. A primeira é vista 
como índice, como marca de uma materialidade passada, que nos informa sobre 
determinados aspectos do passado como condições de vida, moda, infraestrutura, 
condições de trabalho etc. A segunda, como símbolo, aquilo que, no passado, a 
sociedade estabeleceu como a única imagem a ser perenizada para o futuro. Isto 
nos mostra que a imagem fotográfica pode ser compreendida pelo leitor/destinatário 
em dois níveis, a saber: um nível interno à superfície do texto visual, originado a 
partir das estruturas espaciais que constituem tal texto, de caráter não verbal; e, um 
21 
 
 
nível externo à superfície do texto visual, originado a partir de aproximações e 
inferências com outros textos da mesma época, inclusive de natureza verbal 
(MAUAD, 1996). 
 Passando agora para as fontes documentais que foram usadas nesta 
pesquisa, pode-se afirmar que a grande quantidade de papéis que se acumulam nas 
bibliotecas e nos centros de documentação, categorizados como novas fontes pela 
corrente da “Nova História” não são, em si mesmos, fontes. Os mencionados objetos 
só adquirem o estatuto de fonte diante do historiador que, ao formular o seu 
problema de pesquisa, delimitará os elementos a partir dos quais serão buscadas as 
respostasàs questões levantadas. Em consequência, aqueles objetos em que, real 
ou potencialmente, estariam inscritas as respostas buscadas erigir-se-ão em fontes 
a partir das quais o conhecimento histórico referido poderá ser produzido (SAVIANI, 
2006). 
Para a realização destas aproximações e inferências, foram usados, nesta 
pesquisa, documentos escritos dos acervos vinculados aos salesianos já citados 
anteriormente. Dentre os documentos que foram pesquisados, destacam-se os 
localizados no Centro de Documentação e nos arquivos da secretaria do Centro 
UNISAL - Lorena: 
 
 Anais da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de 
Lorena 1952-1964 
 Anuário do Colégio São Joaquim; 
 Revista O Grêmio; 
 Livro de Atas das Assembleias da Sociedade Civil da Faculdade 
Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1958-1987); 
 Livro de Atas da Congregação da Faculdade I (1952-1970); 
 Livro de Atas da Faculdade II (1971-1972); 
 Livro de Atas do Departamento de Filosofia e Pedagogia da 
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1960-
1970); 
 Livro de Registro de Atas dos Concursos de Habilitação da Faculdade 
Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1952-1971); 
22 
 
 
 Livro de Atas das Reuniões de Estudos sobre a Reestruturação da 
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1968); 
 Livro de Atas das Reuniões do Conselho Técnico Administrativo da 
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1952-
1970); 
 Livros de Registros de Matrículas (1952-1971); 
 Regimentos Internos; 
 Relatório da Faculdade Salesiana de 1953; 
 Relatório da Faculdade Salesiana de 1968; 
 Relatório para solicitação de autorização do curso de Psicologia em 
1967; 
 Relatório do Curso de Orientação Educacional de 1959. 
 
Estes documentos foram escolhidos como fonte de pesquisa porque trazem 
informações a respeito de datas, relatos de discussões em reuniões, fotografias de 
diferentes épocas e locais relacionadas à Faculdade Salesiana e ao Colégio São 
Joaquim, fotografias de eventos, dados sobre número de alunos matriculados em 
diferentes anos, além de relatos do cotidiano escolar. A revista O Grêmio foi fundada 
em 1910 e era redigida por alunos do curso secundário que faziam parte do Grêmio 
Joaquim Nabuco. Todos os números publicados da revista estão no CEDOC da 
Faculdade Salesiana. 
 
 
História Oral por meio de Entrevistas Narrativas com pessoas que participaram 
da constituição deste curso de Psicologia. 
 
 
É crescente a consciência do papel que o contar histórias desempenha na 
conformação dos fenômenos sociais, considerando-se que a narrativa não é apenas 
uma listagem de acontecimentos, mas uma tentativa de associá-los ao tempo e ao 
sentido. Para Bauer e Gaskell (2002), a Entrevista Narrativa tem como objetivo 
encorajar um entrevistado a contar a história sobre algum acontecimento importante 
que fez parte de sua vida e de seu contexto social. “Sua ideia básica é reconstruir 
23 
 
 
acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão diretamente 
quanto possível” (BAUER e GASKELL, 2002, p. 93). 
Em Alberti (2004), Prins (1992), Ferreira e Amado (1998) e Penna (2005) 
buscou-se elementos para o uso da História Oral como metodologia e constituição 
de fonte para o estudo da história do curso por meio das pessoas que fizeram parte 
da constituição desta história. 
A Entrevista Narrativa foi usada, nesta pesquisa, como instrumento (ou 
técnica) do método de História Oral. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, 
considerada uma forma de entrevista não estruturada, de profundidade, com 
características específicas. 
Já houve muitas classificações para a expressão História Oral: método, 
técnica e teoria (PENNA, 2005). No entanto, há um consenso no meio acadêmico 
em classificá-la como uma metodologia de pesquisa. Segundo Alberti (2004, p. 155), 
 
A História Oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes 
para o estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX, 
após a invenção do gravador a fita. Ela consiste na realização de 
entrevistas gravadas com indivíduos que participaram de, ou 
testemunharam acontecimentos e conjunturas do passado e do presente. 
 
Foram adotados os procedimentos de História Oral para a coleta de dados, 
pois, para Jovchelovitch e Bauer (2002), por meio da narrativa, as pessoas lembram-
se do que aconteceu, são capazes de colocar a experiência em uma sequência, 
encontrar possíveis explicações para isso, e jogar com a cadeia de acontecimentos 
que constroem a vida individual e social. Contar histórias implica estados 
intencionais que aliviam, ou ao menos tornam familiares, acontecimentos e 
sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal. 
A adoção da História Oral como fonte de pesquisa justifica-se pelo fato de 
esta 
 
se ocupar em conhecer e aprofundar conhecimentos em determinada 
realidade – os padrões culturais – estruturas sociais e processos históricos, 
obtidos através de conversas com pessoas, relatos orais, que, ao 
focalizarem suas lembranças pessoais, constroem também uma visão mais 
concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da trajetória de 
grupo social ao qual pertencem, ponderando esses fatos pela sua 
importância em suas vidas (CASSAB, 2003, p. 1). 
 
24 
 
 
Para a História Oral, a narrativa constitui sua matéria prima. O narrador que 
conta a sua história não se constitui, ele próprio, como objeto de estudo. Os seus 
relatos de vida e sua realidade vivida é que o são. As fontes orais podem 
apresentar-se como histórias, relatos e depoimentos. As duas primeiras referem-se 
às situações em que o próprio narrador referencia a sua vida e experiência. Já 
através do depoimento, o narrador informa fatos ou informações que detêm, 
presenciados por ele. 
Parte-se da ideia de que uma pessoa conserva lembranças ou 
reminiscências, compostas por imagens que constituem a sua memória individual. 
Também se deduz que, como as lembranças dos mesmos acontecimentos estão 
presentes nas memórias de outras pessoas, seus relatos também pertencem à 
memória coletiva de uma comunidade, que por sua vez pode ligar fatos da história 
de um povo ou de uma nação, revelando aspectos de um período de sua existência. 
Enquanto muitos trabalhos sobre a história da psicologia no Brasil 
apresentam-se, em geral, na forma de análises informativas e descritivas, 
disponibilizando um grande número de dados, há uma nova forma de escrever 
história que vem sendo valorizada. Esta nova forma leva em consideração o 
contexto em que o fato foi produzido e levanta novas abordagens, objetos, temas e 
problemas para o debate historiográfico. O historiador que trabalha dentro desta 
nova perspectiva assume uma postura crítica em relação ao passado e enfatiza a 
necessidade de contextualizar o fato histórico, ou seja, relacioná-lo a fatores 
econômicos, políticos, culturais e sociais em que se encontra inserido (PEREIRA 
NETO, 2003). Para Jacó-Vilela (2004, p. 156) 
 
Entende-se a História, ou seja, a tentativa de reconstrução da gênese de 
acontecimentos e, principalmente, de nossas ideias, hábitos e costumes, 
como a grande ferramenta virtualmente apta a nos permitir desnaturalizar as 
ideias que expressamos, bem como os costumes que compartilhamos com 
aqueles outros que nos constituem e com quem, juntos, construímos o 
mundo que vivemos. Considera-se a história como uma construção coletiva 
e aponta-se para a necessidade de se conhecer o contexto em que as 
relações sociais se inserem e se desenvolvem. 
 
Alberti (2004) ainda enfatiza que trata-se de um equívoco muito comum 
pensar que a entrevista já é a própria história. Ao contrário, o pesquisador deve 
interpretar e analisar a entrevista, pois esta é sua fonte, uma fonte oral. Para isso, 
após a coleta, as narrativas orais devem ser transcritas e, em seguida,deve-se fazer 
25 
 
 
um fichamento detalhado dos relatos obtidos com as entrevistas. Estando na forma 
de texto, deve-se analisar a fonte oral como qualquer outro documento, fazendo 
perguntas e verificando como se pode usufruir desta fonte, tirando dela as 
evidências e os elementos que contribuirão para resolver o problema de pesquisa, 
relacionando-a com outro tipo de material com os quais se trabalha, como, por 
exemplo, imagens, textos escritos, documentos, entre outros. 
A escrita de uma história, por meio da História Oral, não é uma representação 
exata do que existiu, mas um esforço em propor uma inteligibilidade e uma 
compreensão de como o passado chega até o presente. Trata-se, pois, de uma 
produção discursiva. Veyne (2008, p. 18) enfatiza esta ideia no seguinte parágrafo: 
 
A história é uma narrativa de eventos: todo o resto resulta disso. Já que é, 
de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como 
tampouco o faz o romance; o vivido, tal como ressai das mãos do 
historiador, não é dos atores; é uma narração. (...) Como o romance, a 
história seleciona, simplifica, organiza. 
 
 O autor ainda escreve que, em nenhum caso, o que os historiadores chamam 
“um evento” é apreendido de uma maneira direta e completa, mas, sempre, 
incompleta e lateralmente. 
 Nesta etapa da pesquisa, contou-se com a colaboração, por meio de 
narrativas da história do curso, do Padre Antônio da Silva Ferreira, falecido no dia 06 
de outubro de 2013, três meses após me receber para uma entrevista na casa 
salesiana de “Santa Terezinha”, onde residia. Também foi entrevistado o Padre 
Vicente de Paulo Moretti Guedes, salesiano, que ocupou o cargo de professor das 
disciplinas Psicologia Geral, Psicologia do Desenvolvimento e Caracteriologia na 
Faculdade Salesiana desde 1960 e que, anos depois, substituiu o Padre Ferreira na 
direção do Instituto de Psicologia da mesma faculdade. Também contou-se com as 
histórias e memórias das alunas da primeira turma Alda Patrícia Fernandes Nunes 
Rangel, Antônia Cristina Peluso de Azevedo, Maria José Urioste Rosso (professoras 
do curso até os dias de hoje, doutoras em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento 
Humano pela Universidade de São Paulo, Psicologia Escolar pela PUC/Campinas e 
Ciências Sociais pela PUC/SP, respectivamente), além das contribuições de Antônio 
de Andrade, também aluno da primeira turma. Algumas histórias, tão importantes 
quanto as narradas pelos demais entrevistados, foram contadas pela Irmã Olga de 
26 
 
 
Sá, uma das primeiras mulheres a ir para Lorena para colaborar com a formação de 
educadores salesianos, através do ensino de psicologia em 1954. 
 
 
Levantamento bibliográfico 
 
 
Levantamento bibliográfico a respeito do qual considerou-se que, em 
especial, as obras de Azzi (1982, 2000), Brandão (2006) e Marcigaglia (1955) 
auxiliaram no entendimento com relação à Congregação Salesiana no mundo e no 
Brasil, e o seu envolvimento com a Psicologia, pois na busca do conhecimento da 
história do Curso de Psicologia do Centro UNISAL de Lorena, tornou-se importante a 
compreensão de fatos anteriores a 1952. 
Em função disso, o primeiro capítulo da tese foi destinado à descrição da 
Obra Salesiana no mundo e no Brasil. Ele discorre, portanto, sobre a vida de Dom 
Bosco; a criação da Congregação Salesiana na Itália; a vinda dos salesianos para a 
América do Sul e, em especial, para o Brasil em 1883; a fundação das primeiras 
casas salesianas, inclusive a da terceira casa salesiana: o Colégio São Joaquim em 
Lorena/SP, em 1890, de onde se originou a Faculdade Salesiana de Lorena. 
O segundo capítulo tratou da história do Colégio São Joaquim, fundado em 
1890, assim como do contexto econômico, social e educacional no qual ele esteve 
inserido até a criação da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras, em 
1952. Destaca-se, neste capítulo, a relevância desta instituição educacional para o 
desenvolvimento regional, principalmente na primeira metade do século XX. 
A inserção dos salesianos de Lorena no ensino superior ocorreu por meio dos 
cursos de Filosofia e de Pedagogia oferecidos, na época, no Instituto Salesiano de 
Pedagogia e Filosofia que foi criado pelo interesse especial dos salesianos na 
formação de padres e educadores, visto haver a exigência legal de habilitar 
candidatos religiosos ao exercício do magistério. A Faculdade Salesiana foi a 
primeira faculdade a ser criada no Vale do Paraíba e segunda Faculdade de 
Filosofia, Ciências e Letras do interior do Estado de São Paulo. 
O terceiro capítulo tratou da relação entre os salesianos e a Psicologia na 
Itália e no Brasil, apoiando-se na importância da aquisição dos Laboratórios de 
Psicologia Experimental trazidos ao Brasil por estes sacerdotes para a formação de 
27 
 
 
educadores. O Laboratório Experimental de Psicologia foi adquirido na Europa, entre 
1951 e 1953, pelo Padre Carlos Leôncio da Silva, e seus aparelhos eram iguais aos 
utilizados no Instituto de Psicologia do Instituto Superior de Pedagogia do Pontifício 
Ateneu Salesiano na Itália. Na época, existia idêntico material no Brasil somente na 
Universidade Católica de São Paulo e na Faculdade Dom Bosco de Filosofia, 
Ciências e Letras de São João del Rei, Minas Gerais. Para a compreensão maior da 
relação entre os salesianos e a Psicologia e da importância do laboratório 
experimental, atenção especial é dada à criação do Pontifício Ateneu Salesiano, 
pois, para lá partiram os primeiros padres a irem a Turim para estudar Psicologia, 
em especial, a Psicologia Experimental. 
O quarto capítulo foi destinado à história do Curso de Psicologia da 
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena. O capítulo 
estruturou-se através de fontes documentais escritas e iconográficas, além de 
entrevistas com pessoas que fizeram parte da constituição do curso. Neste capítulo, 
são apresentadas as atividades relacionadas à Psicologia desenvolvidas na 
instituição e que serviram de base para a constituição do curso de Psicologia em 
1969. Dentre as atividades citadas estão o curso de Orientação Educacional, os 
cursos de extensão, as conferências e serviços prestados à comunidade. Além 
disso, o capítulo apresenta uma análise das entrevistas que evidenciaram as 
principais características deste curso durante seus anos iniciais, até 1974. 
 Tendo em vista os aspectos observados durante a pesquisa, conclui-se que 
o curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de 
Lorena não emergiu de um documento ou de uma ação intencional e isolada de um 
sujeito individual, mas da ação de muitos personagens que, durante um longo 
período, construíram práticas ligadas à Psicologia que levaram à constituição de um 
curso, com todas as suas singularidades e práticas cotidianas. Este curso foi 
constituindo-se aos poucos. Iniciou-se com a missão salesiana de formar 
educadores, passou pela formação de padres no Pontifício Ateneu Salesiano de 
Turim, onde tiveram contato com a Psicologia Experimental e estruturou-se, ainda 
mais, com as práticas relacionadas à Psicologia que foram desenvolvidas durante 
quase duas décadas anteriores à aprovação de funcionamento do curso. 
Procuramos apresentar estas práticas no percurso desta tese. 
28 
 
 
1 OS SALESIANOS 
 
 
1.1 Os Salesianos no Mundo 
 
 
Os salesianos fazem parte de uma comunidade cristã, fundada em 1859, em 
Turim (Itália), pelo padre italiano João Bosco (Dom2 Bosco), nascido em 16 de 
agosto de 1815 no Colle dos Becchi, no Piemonte, Itália, uma localidade junto de 
Castelnuovo de Asti (atualmente denominada Castelnuovo Dom Bosco3). 
 
Fotografia 1 - Panorama de Castelnuovo e seus vinhedos. Ao longe, casas de Becchi 
 
Fonte: MATT; BOSCO, 1965 
 
Sua vida e obra compreendem os anos de 1815 a 1888, período marcado por 
importantes mudanças no cenário mundial que provocaram uma nova configuraçãopolítica, social, econômica e religiosa. 
 
 
2
 Dom é o tratamento usado na Itália para os sacerdotes. 
 
3
 A partir de 14/02/1930 passou a receber este nome em homenagem a Dom Bosco (LEMOYNE, 
1952, p. 13). 
29 
 
 
Figura 1 - Dom Bosco 
 
Fonte: www.salesianos.com.br 
 
Acima, a imagem mais conhecida de Dom Bosco. Em todas as casas 
salesianas é possível encontrar esta foto exposta na entrada, com o objetivo de 
transmitir a ideia de acolhimento e a mensagem de que se trata de uma instituição 
que se fundamenta nas ideias de Dom Bosco. Abaixo, uma das últimas fotografias 
de Dom Bosco. Estava em Barcelona, cansado e enfraquecido pela doença e pela 
viagem. 
 
Fotografia 2 - Dom Bosco na velhice 
 
Fonte: MATT; BOSCO, 1965 
 
Filho de Margherita Occhiena, segunda esposa de Francesco Bosco, João 
Bosco tinha dois irmãos mais velhos: Antônio, fruto do primeiro casamento do pai, e 
José, primeiro filho do casamento com Margherita. Tratava-se de uma família de 
http://www.salesianos.com.br/
30 
 
 
humildes camponeses (meeiros4), que teve uma vida de muitos sacrifícios para 
conseguir se manter. A perda do pai, ainda na infância, foi um fator marcante em 
sua obra: Dom Bosco era tido por seus meninos como um verdadeiro pai, um pai 
que ele mesmo não tivera. Ele mesmo pregava a “paternidade educativa” nos 
colégios e obras salesianas que mais tarde foram criadas, ressaltando que os 
educadores deveriam ser como verdadeiros “pais” que acolhem, ensinam, orientam 
e disciplinam (BRANDÃO, 2006). 
Dom Bosco nasceu em um período conturbado da história italiana. A 
península italiana vivia sob forte influência francesa, culminada com a invasão, por 
parte do exército de Napoleão Bonaparte, em 1796, que causou um movimento 
peculiar de destruição e reconstrução da ordem política e econômica da Itália 
(BRANDÃO, 2006). Com a queda de Napoleão, em Waterloo5, em 18 de junho de 
1815, a Itália voltou a ser uma simples “expressão geográfica”, agrupando oito 
estados, sob o controle da Áustria6 (SCARAMUSSA, 1977, p. 16). 
O ano de 1815 é considerado o fim de uma época e início de um regime que 
tinha como meta a restauração da ordem anterior à Revolução Francesa. A figura do 
rei, Victor Emanuel I, primeiro rei da Itália unificada e independente, aliado da Igreja, 
era vista como ponto de referência nesta obra de reconstrução tão urgente. O clero 
colaborava com o regime, pois estas primeiras medidas de reconstrução eram 
consideradas motivos de satisfação: “Restabelecimento das festas religiosas, 
punição da blasfêmia, recomposição do patrimônio da Igreja, restabelecimento das 
ordens religiosas, restrição da liberdade de pensamento e de imprensa” (WIRTH, 
1968, p. 19). 
De acordo com Bosco (1997), aos quatro anos de idade João Bosco já 
ajudava nas tarefas da casa, buscando lenha, acendendo fogo, varrendo os quartos 
e limpando o estábulo. Aos seis anos, aprendeu a capinar, foiçar e ordenhar. Ainda 
 
4
 Meeiro é o agricultor que planta em terra alheia e divide os resultados com o dono da terra. 
 
5
 Batalha de Waterloo – batalha travada entre as tropas de Napoleão Bonaparte e as tropas inglesas 
e prussianas. Essa batalha marca a derrota definitiva de Napoléão, que passou o trono ao príncipe 
Bourbon Luis XVIII. O Império Napoleônico durou de 1789 a 1814 (LARROYO, 1974, p. 560). 
 
6
 Em 1796, Napoleão Bonaparte invadiu o norte da Itália e expulsou os governantes austríacos. 
Temendo perder sua independência sob o domínio dos franceses, algumas cidades italianas ainda 
tentaram oferecer resistência, mas não foram bem-sucedidas. Muitos italianos queriam um país 
unido e livre do domínio estrangeiro, mas este objetivo foi frustrado quando, após a derrota de 
Napoleão em Waterloo, o Congresso de Viena, em 1815, repôs a maioria dos antigos soberanos 
austríacos no comando da Itália. 
31 
 
 
criança, manifestou o desejo de ser padre. Assim, em sua infância, alternava o 
trabalho doméstico e os estudos com a prática do catecismo e de brincadeiras com 
os meninos do lugarejo onde morava. Não recusava qualquer emprego que 
aparecesse para ajudar em casa. Desta forma, aprendeu vários ofícios: sapateiro, 
ferreiro, carpinteiro e confeiteiro. Queria vivamente ser sacerdote. Dizia: "Quando 
crescer quero ser sacerdote para tomar conta dos meninos. Os meninos são bons; 
se há meninos maus é porque não há quem cuide deles" (DOM BOSCO apud 
BOSCO, 1997, p. 5). 
 João Bosco fez sua primeira comunhão no ano de 1826 e foi, nesta época, 
que manifestou à mãe o desejo de ser sacerdote. Aos quatorze anos, mudou-se 
para a aldeia de Mancucco e foi viver com uma família de camponeses, os Moglia. 
Como era hábito da época, trabalhou como empregado da família para poder se 
sustentar e estudar em seu tempo livre. No ano seguinte, seu tio Miguel Occhiena o 
levou a Murialdo, onde iniciou seus estudos de latim com o novo capelão do lugar, 
Giuseppe Calosso, falecido em 1830. Em 1831, mudou-se novamente. Desta vez 
para Chieri, situada entre a região denominada Colle dos Becchi e Turim. Em Chieri, 
hospedou-se na casa de uma conterrânea, Luzia Matta, pagando por sua estadia 
como empregado da casa. Ainda em Chieri, morou com um amigo de sua família e 
na casa de um alfaiate (WIRTH, 1968). 
 Em 1835, entrou para o Seminário de Chieri e, em 5 de junho de 1841, foi 
ordenado sacerdote pelo arcebispo de Turim, Luigi Fransoni, dando início aos seus 
trabalhos como educador. Durante estes seis anos passados no seminário (nos 
quais cursou dois anos de Filosofia, de 1835 a 1837, e quatro de Teologia, de 1837 
a 1841), manteve o desejo de realizar algo em prol da juventude, pois tinha motivos 
de sobra para se sentir infeliz com o que vivia. Considerava os professores pouco 
acessíveis, a doutrina severa e o ensino obscuro e sem alma (WIRTH, 1968). O 
comportamento grosseiro e indiferente com que os jovens seminaristas eram 
tratados, no seminário, por seus superiores, o fez perceber a necessidade de os 
jovens terem alguém que os orientasse como um amigo, um guia. Resolveu, então, 
colocar suas ideias em prática através do que hoje é conhecido como a marca de 
seu trabalho com a juventude: o amor educativo. Em 1842, inaugurou o primeiro 
internato, em Valdocco, e começou a escrever, em 1852, os primeiros regulamentos 
do que, futuramente, foi denominado de “Sistema Preventivo Salesiano” ou “Sistema 
Educativo Salesiano”. Doze anos depois, fundou a Congregação Salesiana, cujo 
32 
 
 
nome oficial é Pia Sociedade de São Francisco de Sales, popularmente conhecida 
por Salesianos de Dom Bosco (SDB). 
Um sonho que Dom Bosco teve, aos nove anos, é considerado de grande 
importância para o início de sua obra e a base para o seu sistema educativo. Tal 
sonho foi relatado ao papa Pio IX, em 1858, quando Dom Bosco esteve em Roma 
para expor o seu projeto de criação da Congregação Salesiana. Por ordem do papa, 
escreveu, literalmente, este sonho e o deixou como estímulo aos filhos da 
congregação: 
 
Na idade de 9 anos tive um sonho, que me ficou profundamente impresso 
na mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa. Numa área 
bastante espaçosa onde uma multidão de meninos estava a brincar. Alguns 
riam, outros divertiam-se, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, 
lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, fazê-
los calar. Neste momento apareceu um homem venerando, de aspecto 
varonil, nobremente vestido. Um manto branco cobria-lhe o corpo; seu 
rosto, porém, era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me 
pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, 
acrescentando estas palavras: Não é com pancadas, mas com a mansidão 
e a caridade que deverás ganhar esses teus amigos. Põe-te imediatamente 
a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude (DOM 
BOSCO apudBOSCO, 1997, p. 10). 
 
 É importante destacar que o Sistema Preventivo de Dom Bosco refere-se aos 
acontecimentos da época. A Itália passava por profundas mudanças em diversas 
esferas. No plano ideológico, a chegada do liberalismo fez emergir uma nova 
concepção de homem: racional, livre das opressões do clero e da nobreza, 
detentores do poder e da riqueza. No plano econômico, houve a ruptura gradual do 
feudalismo, baseado na propriedade de terra, para o capitalismo, baseado na posse 
do dinheiro. Este sistema, impulsionado pela burguesia, foi responsável pelo 
surgimento de uma nova classe social, o proletariado, e pelo favorecimento do 
comércio. No campo educacional, reivindicou-se a educação para o povo, laica e 
preparatória para o trabalho, assumida como dever do Estado. No campo político-
religioso, a proposta política de fazer da Itália uma única nação levou ao 
desaparecimento dos Estados Pontifícios, o que fez surgir um clima de hostilidade 
contra a Igreja. No campo social, houve um grande inchaço das cidades que 
possuíam um contingente humano muito maior do que a demanda de vagas no setor 
industrial emergente. Isto ocasionou a propagação da fome, da miséria e da 
exploração do trabalhador. Com a intenção de reverter este quadro, a Igreja tomou 
medidas preventivas, dando maior atenção aos campos social, político e 
33 
 
 
educacional. Nesta época, a educação, como forma de instrução, passou a ser vista 
também como medida preventiva (CABRINO, 2009). 
 A ideia de prevenção, que foi inspirada nos preceitos do Congresso de Viena7 
(1814-1815), caracterizava-se pelo combate às ideias liberais, um movimento de 
reação ao novo regime que buscava restaurar o regime anterior à invasão de 
Napoleão Bonaparte, além de reorganizar e fortalecer a monarquia, favorecendo as 
quatro grandes potências: Áustria, Rússia, Prússia e Reino Unido. No entanto, 
Santos (2000, p. 122), discorrendo a respeito do surgimento das fórmulas do 
Sistema Preventivo e Sistema Repressivo, escreve que “era a França, entre os 
séculos XVII e XVIII, o berço das fórmulas do sistema preventivo e sistema 
repressivo, destacando-se o jansenismo pedagógico de Port-Royal (1637-1657) e a 
pedagogia preventiva lassaliana”. 
 O autor relata, ainda, que, após a experiência da Revolução Francesa8, a 
Europa parecia quase obcecada pela ideia de prevenção. Existiam, ainda, vastos 
estratos conservadores que se caracterizavam por tendências repressivas (medo de 
novos revolucionários, das seitas, das sociedades secretas, do liberalismo) que 
insistiam na vigilância rigorosa, na censura preventiva e “nas missões populares 
para reconquistar as massas e moralizá-las, mediante a religião, a prevenção do 
ócio e da libertinagem” (SANTOS, 2000, p. 123). 
No aspecto educacional, o sistema preventivo nasceu em um momento no 
qual surgiam as discussões sobre a liberdade na escola. A Igreja se colocava contra 
o ensino laico e via, na educação, particularmente na educação da pequena 
burguesia e das classes emergentes, um espaço privilegiado para construir uma 
nova identidade no mundo moderno e para a formação de elites dirigentes, de 
preferência devotadas aos seus objetivos (PRATTA, 2002). 
 
7
 Congresso de Viena – Conferência entre embaixadores das grandes potências europeias, teve lugar 
na capital austríaca, entre 1 de outubro de 1814 e 9 de junho de 1815. Suas intenções eram a de 
redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica, iniciar a 
recolonização, restaurar nos respectivos tronos as famílias reais derrotadas pelas tropas de 
Napoleão Bonaparte (como a restauração dos Bourbon), restabelecer a ordem na França e 
equilibrar suas forças, no sentido de garantir a paz na Europa. O Ato Final do Congresso foi 
assinado a 9 de junho de 1815, nove dias antes da derrota final de Napoleão na Batalha de 
Waterloo (LARROYO, 1974, p. 559). 
 
8
 A Revolução Francesa foi uma revolução da burguesia, que reivindicava mais prestígio social para a 
burguesia e redução do poder do clero e da nobreza. Aboliu a servidão e os direitos feudais e 
proclamou os direitos universais: Fraternidade, Igualdade e Justiça (LARROYO, 1974, p. 508). 
34 
 
 
Pode-se dizer que, no campo político, o “princípio preventivo” inspirou os 
participantes do Congresso de Viena que se reuniram para redesenhar o mapa 
político da Europa após a tempestade napoleônica, com o fim de restaurar o Ancien 
Regimen, conservando o pouco de positivo que haviam trazido as novas ideias e os 
novos tempos. No campo social, a ideia preventiva, antecipada em alguns setores 
nos séculos XVII e XVIII, se afirma com novo vigor, sobretudo na Espanha, na 
França e na Inglaterra, com particular interesse pelos fenômenos da pobreza e da 
mendicância, da criminalidade, e, consequentemente, na defesa da assistência à 
infância e da educação. No campo penal, a prevenção assumiu duplo significado: 
em primeiro lugar, prevenir completamente os crimes; se isto fosse impossível, uma 
vez cometidos, agir “corretivamente” com reeducação e recuperação, de modo a 
preveni-los no futuro (BRAIDO, 2004). 
 Dom Bosco utilizava-se da expressão “formar bons cristãos e honestos 
cidadãos”, ao mencionar o objetivo de seu Sistema Preventivo de Educação, que 
pretendia se concretizar sem imposição de força ou autoritarismo. Optou pela 
educação preventiva, em detrimento da repressiva, por acreditar que esta não 
educava e nem moralizava. Ele mesmo escreveu a respeito: 
 
São dois os sistemas até hoje usados na educação da juventude: O 
Preventivo e o Repressivo. O Sistema repressivo consiste em fazer que os 
súditos conheçam a lei, e depois vigiar para saber os seus transgressores e 
infligir-lhes, quando necessário, o merecido castigo. Nesse sistema, as 
palavras e o semblante do superior devem constantemente ser severos e 
até ameaçadores, e ele próprio deve evitar toda a familiaridade com os 
dependentes. [...] Diferente e, eu diria, oposto é o Sistema Preventivo. 
Consiste em tornar conhecidas as prescrições e as regras de uma 
instituição, e depois vigiar de modo que os alunos estejam sempre sob os 
olhares atentos do diretor ou dos assistentes. Estes, como pais carinhosos, 
falem, sirvam de guia em todas as circunstâncias, dêem conselhos e 
corrijam com bondade. Consiste, pois, em colocar os alunos na 
impossibilidade de cometerem faltas (DOM BOSCO apud CORTES, 1983, 
p. 11 e 12). 
 
Braido (2004) destaca que, assim como Dom Bosco, outros educadores, 
atentos às necessidades da época, pensaram em uma educação de cunho 
preventivo, como Dupanloup, Lacordaine, Poullet, Champagnat, Aporti e Rosmini9. 
 
9
 Félix Dupanloup (1802-1878), com sua pedagogia do internato, acreditava que, na educação 
intencionada, o respeito pela criança e a autoridade (que provém de Deus) eram fatores 
determinantes. Henri Lacordaire (1802-1861) fundou a Terceira Ordem Dominicana para a 
educação, mostrando um profundo amor pela juventude. Considerava o cultivo do caráter como algo 
primordial na educação. Pierre-Antonie Poullet (1810-1846) trouxe traços de um Sistema Preventivo 
por meio de uma assídua assistência e presença constante entre os alunos com a finalidade de 
35 
 
 
Nesta perspectiva, Dom Bosco conheceu e refletiu sobre as propostas e 
experiências presentes em sua época e, muito conscientemente, adotou métodos, 
princípios e instituições que lhe permitiram, em seu modo de ver, dar aos jovens 
uma formação humana e cristã bastante completa, e indicar aos seus colaboradores 
uma proposta educativa orgânica e unitária. 
Para Dom Bosco, o Sistema Preventivo era vantajoso por diversos motivos: 
 
a) O aluno, previamente avisado, não fica humilhado pelas faltas 
cometidas, como ocorre quando estas são levadas ao superior; 
b) A razão mais essencial é a mobilidade juvenil que esquece as regras 
disciplinarese os castigos que ameaçam; 
c) O Sistema Repressivo pode impedir uma desordem, mas dificilmente 
melhora os delinquentes; 
d) O Sistema Preventivo torna avisado o aluno de modo que o educador 
sempre possa falar com a linguagem do coração, seja na fase educativa, 
seja depois dela (SANTOS, 2000). 
 
O quadro 1 apresenta alguns aspectos centrais do paralelo estabelecido por 
Dom Bosco. 
 
Quadro 1 - Sistema Repressivo e Sistema Preventivo 
SISTEMA REPRESSIVO SISTEMA PREVENTIVO 
É necessário conhecer as leis (regras) de 
uma instituição para cumpri-las com rigor. 
É necessário conhecer com o sentido de 
“tomar consciência” das regras. Por meio da 
Razão o aluno “reconhece a necessidade e 
quase a deseja” (p. 12) e sob os olhares 
atentos do diretor ou dos assistentes é 
constantemente “vigiado com carinho”. 
A concepção de VIGIAR está associada à 
ideia de “controlar” para punir. 
A concepção de VIGIAR está associada à 
ideia de “vigilância”, para evitar que se 
cometa o pecado. 
O Superior possui semblante severo e até 
ameaçador. O diretor, para dar mais prestígio 
à sua autoridade, apenas apresenta-se 
fisicamente quando é necessário ameaçar ou 
A presença do diretor é constante. “Deve, 
pois, o diretor consagrar-se totalmente aos 
seus educandos: jamais assuma 
compromissos que o afastem de suas 
 
proteger sua inocência. Marcelino Champagnat (1789-1840) e os irmãos Maristas desenvolveram 
uma educação voltada para as crianças indigentes, baseada no catecismo, na oração, na leitura e 
na escrita. Os educadores deviam ser como pais e não como patrões. Ferrante Aporti (1791-1858) 
adotou o Sistema Preventivo na educação, tendo o amor como fundamento da educação. Os 
elementos constitutivos da sua pedagogia eram: a assistência, a afeição, a caridade, a 
amorevollezza, o bom senso, a alegria, o canto, a recreação, o movimento. Antonio Rosmini Serbati 
(1797-1855), com sua pedagogia preventiva positiva, dizia que o objeto central da educação era 
formar o coração do homem (CABRINO, 2009). 
36 
 
 
punir (p. 12). 
 
Incentiva a impessoalidade das relações 
entre educadores e alunos. 
funções. Pelo contrário, permaneça sempre 
com seus alunos, todas as vezes que não 
estiverem regularmente ocupados, salvo 
estejam por outros devidamente assistidos” 
(p. 14). 
“O Sistema repressivo pode impedir uma 
desordem, mas dificilmente melhorará os 
culpados. Diz a experiência que os jovens 
não esquecem os castigos recebidos, e 
geralmente conservam ressentimento 
acompanhado do desejo de sacudir o jugo e 
até de tirar vingança” (p. 13). 
“O Sistema Preventivo, pelo contrário, 
granjeia a amizade do menino, que vê no 
assistente um benfeitor que o adverte, quer 
fazê-lo bom, livrá-lo de dissabores, castigos e 
desonras” (p. 13). 
São aplicados castigos físicos que envolvem 
o uso de palmatórias, bofetões, puxões de 
orelha, banco dos ignorantes, mordaça sobre 
a boca para os tagarelas, entre outras formas 
de castigos. Estes são tidos como corretivos 
e penitência como expressão da autoridade 
por parte de quem castiga. 
“Por quanto possível, jamais se faça uso de 
castigos, quando, porém, a necessidade o 
exige, observa-se...” (p. 18). 
 Entre os meninos é castigo o que se 
faz passar por castigo. 
 Salvo raríssimos casos, as correções, 
os castigos, nunca se deem em 
público, e empregue-se a máxima 
prudência e paciência para que o 
aluno compreenda a sua falta, à luz 
da Razão e da Religião. 
 Bater, de qualquer modo que seja, 
por de joelhos em posição dolorosa, 
puxar orelhas, e outros castigos 
semelhantes, deve-se absolutamente 
banir, porque são proibidos pelas leis 
civis, irritam sobremaneira os jovens 
e desmoralizam o educador. 
Fonte: DALCIN, 2008, p. 121-122. 
 
O Sistema Preventivo de Dom Bosco está fundamentado em três dimensões 
que, correlacionadas, formam o tripé Amorevolezza, Razão e Religião, sendo a 
Amorevolezza a marca de todo o seu trabalho com os jovens. Como dito na nota 1, 
a Amorevolezza é uma expressão italiana que pode ser traduzida como atitudes de 
acolhida, bondade, alegria e fraternidade, que criam um clima de família. Consiste 
em um amor assistencial e educativo. De acordo com Braido (2004), por 
Amorevolezza entende-se o amor sobrenatural, misto de racionalidade e 
37 
 
 
compreensão humana, paterna e fraterna e que transforma o ambiente educacional 
em uma família. Ela é expressa nas palavras, nos atos e nas expressões dos olhos 
e do rosto. Em uma Circular sobre os castigos, a doutrina de Dom Bosco sobre o 
assunto reza: 
 
Lembrai-vos de que a educação é a coisa de coração, do qual só Deus é o 
dono, e não podemos ter poder algum sobre ele, se Deus não for o nosso 
mestre e não puser ao nosso dispor as chaves de acesso. Procuremos, 
pois, de todos os modos, incluindo a humilde e inteira dependência a que 
podemos aludir, assenhorear-nos dessa cidade cujas portas jamais se 
abrem à força do rigor e aspereza. Tornemo-nos amáveis, insinuemos o 
sentimento do dever e da intimidade de Deus, e veremos como que por 
encanto franquearem-se as portas de tantos corações para cantar os 
louvores daquele que quis tornar-se nosso modelo, nossa vida, nosso 
exemplo em tudo, mas, especialmente, na educação da juventude 
(CORTES, 1983, p. 50). 
 
Assim, a Amorevolezza é considerada o centro do sistema educativo de Dom 
Bosco, pois se transforma em presença afetuosa e contínua do educador entre seus 
alunos. O próprio Dom Bosco afirmava que “é preciso que os jovens saibam que são 
amados”. 
 A Razão refere-se aos processos de compreensão de si mesmo e do mundo. 
Seu princípio está voltado para o desenvolvimento das capacidades de 
compreender, confrontar, raciocinar, adaptar-se, inventar, escolher, decidir. Razão 
significa, ainda, bom senso, simplicidade, normalidade, naturalidade. Para Santos 
(2000), a razão é, também, isenção de formalismos e distanciamentos. A 
racionalidade da ordem é o princípio fundamental para justificar a autoridade e a 
disciplina nas casas salesianas. 
A Religião, na prática do Sistema Preventivo, se apresenta como uma 
proposta de valores que transparece em todo momento e em toda parte. Todo 
ambiente expressa um clima religioso, nas atitudes dos educadores e também dos 
jovens (CABRINO, 2009). A educação deve tornar o jovem capaz de assumir séria e 
responsavelmente a vida de “honesto cidadão e bom cristão” – que se tornou o 
slogan favorito de Dom Bosco – e, ao mesmo tempo, “equivalente ao trinômio por 
ele, muitas vezes, recordado e recomendado aos jovens, como programa de vida: 
saúde, sabedoria e santidade” (SANTOS, 2000). 
38 
 
 
 Fundamentada, então, neste tripé, a obra salesiana teve seu início com as 
atividades dos Oratórios Festivos10 que consistiam em reunir, aos domingos e dias 
festivos, os meninos pobres e abandonados em um lugar adequado, onde 
pudessem se ocupar com jogos e diversões, ao mesmo tempo em que lhes era 
ensinada, oportunamente, a fé cristã. Visando atender aos jovens mais pobres e 
abandonados, como escola de instrução religiosa cristã e de prática religiosa, em um 
ambiente de alegria e liberdade, cujo principal vínculo era a Amorevolezza, a criação 
do Oratório tinha o objetivo 
 
[...] de entreter a juventude nos domingos e dias de festa, propiciar-lhes ambiente 
sadio e alegre, formação evangélica, diversões, esportes, noções de higiene, 
moralidade, refeições comunitárias, encenações, cinema, declamação, música, 
canto, devoção à Maria Auxiliadora, a São Domingos Sávio, tudo em espírito de 
família, para tornarem-se ótimos cidadãos e cristãos, colocados na impossibilidade 
de cometer faltas (NEGRÃO, 1999, p. 203). 
 
Fotografia 3 - Dom Bosco e a banda do Oratório Festivo 
 
Fonte: www.salesianos.com.br 
 
Na imagem acima vemos Dom

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