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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Instituto de Psicologia Denise Pereira de Alcantara Ferraz Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena/SP: Uma contribuição para a historiografia da Psicologia no Brasil Rio de Janeiro 2014 Denise Pereira de Alcantara Ferraz Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena/SP: Uma contribuição para a historiografia da Psicologia no Brasil Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora, ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História, Imaginário Social, Cultura. Orientadora: Prof.a Dra. Ana Maria Jacó-Vilela Rio de Janeiro 2014 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese. ___________________________________ _______________ Assinatura Data F381 Ferraz, Denise Pereira de Alcantara. Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena/SP: uma contribuição para a historiografia da Psicologia no Brasil / Denise Pereira de Alcantara Ferraz. – 2014. 194 f. Orientadora: Ana Maria Jacó-Vilela. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. 1. Psicologia – Estudo e Ensino – Brasil – Teses. 2. Psicologia – História – Brasil – Teses. 3. Faculdade Salesiana de Lorena – Teses. I. Leite, Siomara Borba. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. III. Título. es CDU 159.9(81)(091) Denise Pereira de Alcantara Ferraz Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena/SP: Uma contribuição para a historiografia da Psicologia no Brasil Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora, ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História, Imaginário Social, Cultura. Aprovada em 18 de março de 2014. Banca Examinadora: _____________________________________________ Ana Maria Jacó-Vilela (Orientadora) Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) _____________________________________________ Francisco Teixeira Portugal Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) _____________________________________________ Alexandre de Carvalho Castro Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET/RJ) _____________________________________________ Ronald Clay dos Santos Ericeira Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) _____________________________________________ Wilma Lucia Castro Diniz Cardoso Universidade de São Paulo (USP-EEL) Rio de Janeiro 2014 DEDICATÓRIA Ao Ricardo Ferraz, meu marido, companheiro e cúmplice, pelo apoio incondicional em todos os momentos, principalmente nos mais difíceis, muito comuns para quem está sempre em processo de crescimento. Sem você nenhuma conquista valeria a pena. AGRADECIMENTOS Como já dizia Fernando Pessoa: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo.” Alguns destes sonhos tornam-se realidade, como é o caso da que estou vivendo hoje. Realidade concretizada com muito esforço, determinação, flexibilidade, paciência e colaboração de muitas pessoas que sonharam comigo. Esta não é uma caminhada para se fazer sozinha. Agradeço a todos que direta ou indiretamente fizeram parte dessa conquista. Ao Programa de Pós Graduação em Psicologia Social da UERJ pela acolhida, idoneidade e disponibilidade demonstradas, bem como por se constituir em um espaço de debates e amadurecimento profissional. À professora Ana Maria Jacó-Vilela agradeço, de forma muito especial, pelas possibilidades de reflexões que me abriram novos horizontes com outras perspectivas. Também pela disposição, dedicação e afeto demonstrados em todo o processo. Aos membros do Clio, pelas criteriosas discussões e sugestões efetuadas durante o desenvolvimento deste trabalho. Aos professores Francisco Portugal, Ronald Clay, Wilma Lucia, Fábio Reis, Alexandre Castro e Renata Valentim pela prontidão em participar da banca de defesa desta tese possibilitando meu crescimento e aprimoramento acadêmico. Agradeço aos meus familiares. Primeiramente aos meus pais e irmãos, fundamentais na construção da pessoa que sou. Igualmente, ao meu esposo Ricardo, por acreditar no meu potencial, nas minhas ideias, nos meus devaneios, principalmente por sua participação ativa em quase todas as vindas ao Rio de Janeiro. À minha filha Ana Carolina, que inspira meus sonhos. Agradeço também ao centro UNISAL pela facilidade que tive para acessar documentos históricos, fotografias, especialmente à Ana Lucia Correa Pinto, responsável pela Biblioteca, por sua disponibilidade e dedicação. A todos os funcionários da secretaria que me atenderam tão prontamente. À Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) pelo incentivo e reconhecimento. Também por ser o espaço que me provocou, e me provoca a todo o momento desejo de busca e melhora. Por último, agradeço aos amigos, colegas professores e amados alunos pelo apoio. Obrigada também a todos que, mesmo não estando citados aqui, contribuíram para a conclusão dessa etapa. RESUMO FERRAZ, Denise Pereira de Alcantara. Memórias e Histórias do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena/SP: Uma contribuição para a historiografia da Psicologia no Brasil. 2014. 194 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa de Pós Graduação em Psicologia Social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. O presente estudo objetivou construir uma história do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciência e Letras de Lorena, com a perspectiva de compreender as relações sociais, culturais, as práticas cotidianas e os modos de fazer que caracterizaram a constituição do curso, tendo como recorte histórico o período de 1952 a 1974. A meta final foi contribuir para a historiografia da Psicologia no Brasil. Apresentamos, inicialmente, de forma concisa, a história dos salesianos, desde sua criação e de sua inserção no Brasil. Detemo-nos mais em sua chegada à Lorena, com a fundação do Colégio São Joaquim e, muito mais especialmente, do Laboratório de Psicologia Experimental. Exploramos seu significado para os salesianos e sua missão educativa, bem como para a emergência do curso de Psicologia. Foram utilizados, como fontes documentais, documentos escritos e iconográficos, além disso, foram realizadas Entrevistas Narrativas, que nos possibilitaram apontar algumas características do começo do curso, como, por exemplo, as questões de gênero. Assinalamos como a abordagem experimental, dominante no primeiro momento do curso, em que os principais professores eram oriundos da USP e da PUC-SP, muda aos poucos para a abordagem humanista, ruptura causada pela presença de um professor, Franz Victor Rudio. Concluímos que o curso de Psicologia de Lorena emergiu não por um documento ou por uma ação intencional e isolada de um sujeito individual, mas por ação de muitos personagens que, durante um longo período, construíram práticas ligadas à Psicologia que levaram à constituiçãodo curso. No entanto, pode-se afirmar que estas práticas foram fundamentadas na missão salesiana de formar educadores qualificados para o exercício do magistério, apoiada no tripé razão, religião e amorevolezza. Palavras-chave: História da Psicologia no Brasil. Curso de Psicologia. Salesianos. Lorena. ABSTRACT FERRAZ, Denise Pereira de Alcantara. Memories and History of the Psychology's Course of the Faculdade Salesiana de Lorena/SP: a contribution to the historiography of the Psychology in Brazil. 2014. 194 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa de Pós Graduação em Psicologia Social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. The former study aimed to build a history of the Psychology Course of the Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciência e Letras de Lorena, with the perspective of comprehending the social and cultural relations, the daily practices and the ways of doing which characterize the course formation, having as a historic record the period from 1952 to 1974. The final aim was to contribute to the Psychology historiography in Brazil. We based more in its arrival in Lorena, with the foundation of the Colégio São Joaquim and, more especially, the Experimental Psychology Laboratory. We explored its meaning to the Salesianos and its educational mission, as well as to the emergence of the Psychology course. There were used as documentary sources written and iconographic documents, moreover, there were performed Narrative Interviews which enabled us to point out some characteristics of the beginning of the course, such as, for example, the gender issues. We pointed how the experimental approach, dominant at the first moment of the course, in which the main professors were arising from USP and PUC-SP, changes bit by bit to the humanist approach, rupture caused by the presence of one professor, Franz Victor Rudio. We concluded that the Psychology course from Lorena has emerged not by a document or by an intentional and isolated action of one single individual, but by the action of many characters that, for a long period, built practices linked with Psychology that led to the foundation of the course. However, it can be stated that these practices were grounded on the mission of the salesianos to create qualified educators for the mastership exercise, supported on the tripod reason, religion and amorevolezza. Key-words: Psychology History in Brasil. Psychology Course. Salesianos. Lorena. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABP Associação Brasileira de Psicotécnica ABRAPSO Associação Brasileira de Psicologia Social AC Análise de Conteúdo ACP Abordagem Centrada na Pessoa APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais CADES Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário CEDOC Centro de Documentação e Memória CEPSI Centro de Estudos Psicológicos CPMCS Confederação portuguesa dos Meios de Comunicação Social CSEPE Centro Salesiano de Estudos e Pesquisas Educacionais EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronáutica FATEA Faculdades Integradas Teresa D’Ávila FMA Filhas de Maria Auxiliadora FSFCLL Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena GM General Motors IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatística IEV Instituto de Estudos Valeparaibanos IPPUCSP Instituto de Psicologia e Pedagogia da PUC-SP ISOP Instituto de Seleção e Orientação Profissional ISPF Instituto Salesiano de Pedagogia e Filosofia ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica IUS Instituições Salesianas de Ensino Superior LASM Laboratori Apparecchi Scientifici Médici MEC Ministério da Educação e Cultura PUC Pontifícia Universidade Católica SDB Salesianos de Dom Bosco UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UNISAL Centro Universitário Salesiano de São Paulo USP Universidade de São Paulo LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Dom Bosco...................................................................................... 29 Figura 2 - Madre Maria Mazzarello.................................................................. 43 Figura 3 - Inspetorias Salesianas.................................................................... 45 Figura 4 - Em destaque a cidade de Lorena................................................... 69 Figura 5 - Mapa do Vale do Paraíba................................................................ 69 Figura 6 - Artigo 28 do Regimento de 1952..................................................... 90 Figura 7 - Convite para inauguração do Auditório da FSFCLL........................ 92 Figura 8 - Convite de inauguração do Laboratório de Biologia e Psicologia Experimental.................................................................................... 117 Figura 9 - Programa da inauguração do Laboratório de Biologia e Psicologia Experimental.................................................................. 118 Figura 10- Programa da disciplina Psicologia Educacional do curso de Orientação Educacional em 1959................................................... 135 Figura 11 - Programa da disciplina Psicologia Educacional do curso de Orientação Educacional em 1959................................................... 135 Figura 12 - Quantitativo de títulos, por obra, existentes na Biblioteca da Faculdade Salesiana de Lorena em 1968....................................... 144 LISTA DE FOTOGRAFIAS Fotografia 1 - Panorama de Castelnuovo e seus vinhedos........................ 28 Fotografia 2 - Dom Bosco na Velhice......................................................... 29 Fotografia 3 - Dom Bosco e a Banda do Oratório Festivo.......................... 38 Fotografia 4 - Dom Luis Lasagna................................................................ 44 Fotografia 5 - Primeiros missionários com destino à Argentina.................. 46 Fotografia 6 - Navio Orenoque.................................................................... 49 Fotografia 7 - Primeira sede do Colégio Santa Rosa de Niterói................. 53 Fotografia 8 - Liceu Coração de Jesus....................................................... 61 Fotografia 9 - Conde de Moreira Lima........................................................ 71 Fotografia 10- Chalé, berço do Colégio São Joaquim................................. 74 Fotografia 11 - Salesianos e alunos do Colégio São Joaquim em 1891..... 74 Fotografia 12 - Fachada do Gymnasio São Joaquim.................................... 76 Fotografia 13 - Arquitetura em H do Gymnasio São Joaquim...................... 76 Fotografia 14 - Batalhão Gymnasial do Colégio São Joaquim..................... 79 Fotografia 15 - Construção do prédio em 1950............................................ 83 Fotografia 16 - Construção do prédio em 1950............................................ 84 Fotografia 17 - Sala de aula em 1952........................................................... 85 Fotografia 18 - Biblioteca.............................................................................. 86 Fotografia 19 - Padres salesianos de Lorena estudando no Pontifício Ateneu de Turim................................................................... 115 Fotografia 20 - Inauguração do Laboratório de Psicologia Experimental da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena em 1954.................................................................... 119 Fotografia 21 - Inauguração do Laboratório de Psicologia Experimental da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena em 1954................................................................... 119 Fotografia 22 - Realização de experimentos e avaliações de alunos dos colégios atendidos pelo laboratório...................................... 120 Fotografia 23 - Instalações do Laboratório de Psicologia Experimental em 1954......................................................................................121 Fotografia 24 - Teste de Atenção Distribuída de Bedini............................... 122 Fotografia 25 - Experimentos realizados no Laboratório.............................. 123 Fotografia 26 - Salão do Laboratório............................................................ 124 Fotografia 27 - Caixa de Skinner.................................................................. 125 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Sistema Repressivo e Sistema Preventivo.......................... 35 Quadro 2 - Atividades dos Salesianos................................................... 45 Quadro 3 - Quadro estatístico dos alunos internos do Liceu Coração de Jesus.............................................................................. 62 Quadro 4 - Colégios salesianos fundados no Brasil até 1920............... 67 Quadro 5 - Faculdades de Filosofias, Ciências e Letras....................... 87 Quadro 6 - Fases principais da Entrevista Narrativa............................. 130 Quadro 7 - Disciplinas do curso de Orientação Educacional em 1958.. 133 Quadro 8 - Currículos Seriados da FSFCLL.......................................... 141 Quadro 9 - Lista do corpo docente enviada em relatório para solicitação de autorização do curso de Psicologia em 1957..................................................................................... 146 Quadro 10- Lista do corpo docente enviada em relatório para solicitação de reconhecimento da Licenciatura e Bacharelado e autorização para Formação de Psicólogos. 147 Quadro 11 - Divisão do Vale do Paraíba Paulista em microrregiões....... 167 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Procedência do corpo docente da Faculdade em 1953.................. 91 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................... 13 1 OS SALESIANOS..................................................................................... 28 1.1 Os Salesianos no Mundo........................................................................ 28 1.2 Os Salesianos no Brasil.......................................................................... 46 2 OS SALESIANOS EM LORENA............................................................... 69 2.1 O Colégio São Joaquim........................................................................... 69 2.2 A Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena..... 80 3 O LABORATÓRIO DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL.......................... 106 4 O CURSO DE PSICOLOGIA DA FACULDADE SALESIANA DE FILOSOFIA, CIÊNCIA E LETRAS DE LORENA...................................... 128 4.1 Escritos..................................................................................................... 131 4.2 Ditos.......................................................................................................... 149 4.2.1 Masculino e Feminino: atravessamentos de gênero na Faculdade Salesiana de Lorena.................................................................................. 149 4.2.2 Que Psicologia? Uma Psicologia conciliada à Visão Cristã...................... 153 4.2.3 A Hegemonia da Psicologia Comportamental........................................... 159 4.2.4 Uma Ruptura: Franz Victor Rudio e a Formação Humanista.................... 162 CONCLUSÃO............................................................................................ 172 REFERÊNCIAS......................................................................................... 175 APÊNDICE A – Artigos publicados entre 1952 e 1974 pelos periódicos: Folhas Pedagógicas e Revista da Faculdade Salesiana........................... 185 ANEXO A - Relação dos Formandos de 1973.......................................... 189 ANEXO B – Ofício n. 7535 - XV................................................................ 190 ANEXO C – Disciplinas do currículo dos cursos de Orientação Educacional............................................................................................... 191 ANEXO D – Ementas das disciplinas de Psicologia oferecidas em 1968. 192 13 INTRODUÇÃO É evidentemente impossível narrar a totalidade do futuro e é preciso fazer uma escolha; também não existe uma categoria particular de acontecimentos (a história política, por exemplo) que seria a História e se imporia a nossa escolha. É, pois, literalmente verdadeiro afirmar, com Marrou, que toda historiografia é subjetiva: a escolha de um assunto de história é livre, e todos os assuntos são iguais em direito Veyne, 2008, p.44-45. Muitas são as inquietações de quem tem como tarefa fazer uma pesquisa e escrever sobre ela: Serei capaz de fazer a pesquisa? Que caminhos metodológicos percorrerei? O assunto escolhido é importante no contexto atual? Alguém vai se interessar pelo tema? Escrever sobre a história de um curso de Psicologia tem alguma relevância? Poderei contribuir, de alguma forma, para a história da Psicologia no Brasil? Tais inquietações, somadas às viagens de 230 km ao Rio de Janeiro, à jornada de trabalho e às demandas familiares já seriam suficientes para certo desânimo, se não fosse o meu imenso interesse e envolvimento com o tema escolhido. O meu percurso como ex-aluna, professora e coordenadora do curso que investiguei me conduziu à presente pesquisa. Este trabalho foi também um retorno às minhas raízes e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de olhar alguns aspectos da história do curso. Por isso, incluí, aqui, um breve histórico pessoal sobre o meu envolvimento com o curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, como parte da justificativa sobre a escolha do tema. Nasci em Volta Redonda – RJ, em 22 de janeiro de 1969. Em 1985, aos 16 anos, fui morar em Lorena, interior do Estado de São Paulo, para estudar Psicologia na Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, como era chamada na época. Os anos de faculdade foram vividos de forma muito intensa. Participei dos eventos oferecidos pelo curso, fui monitora responsável pelo Laboratório de Testes, monitora de várias disciplinas e responsável pelo Centro de Estudos Psicológicos (CEPSI) no ano de 1987. Terminei a Licenciatura em 1988 e a Formação de Psicólogos em 1989 e, já no ano seguinte, fui contratada para ministrar a disciplina Psicologia no ensino médio do Colégio São Joaquim, que funciona 14 durante o dia no mesmo prédio da faculdade e que tem a mesma mantenedora. Em 1998, fui convidada a ministrar a disciplina Aspectos psicomotores das aprendizagens escolares nos cursos de pós-graduação oferecidos pelo então chamado Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL) e, em 2002, fui contratada pela graduação em Psicologia para ministrar as disciplinas Psicomotricidade e Educação Social. Em janeiro de 2008, assumi a função de supervisora dos cursos de pós-graduação na área da Psicologia e, em janeiro de 2009, assumi a coordenação do curso de graduação em Psicologia. Como coordenadora e responsável pela organização dos eventos comemorativos dos quarenta anos do Curso de Psicologia, comecei a fazer um levantamento histórico sobre o curso e deparei-me com uma grande riqueza de fontes documentais, entre elas, as solicitações para a abertura do curso, os relatórios de atividades realizadas no Laboratório de Psicologia Experimental adquirido em 1954, as fotos dos eventos realizados durante estes anos e os relatos de alunos que se formaram na primeira turma e que são, atualmente, professores do curso. Deixei a coordenação do curso em agosto de 2010, não sem antes ter construído questões que me levaram ao doutorado. O pequeno levantamento histórico que fiz para os eventos de comemoração dos quarenta anos do curso, ao invés de responder às minhas questões sobre a história do curso, trouxe-me muitosoutros questionamentos e curiosidades a respeito de sua constituição: Com que objetivo os salesianos trouxeram, da Itália, um Laboratório de Psicologia Experimental, em 1954? Como ele era usado? Por que os salesianos se interessaram em criar um curso de Psicologia em uma cidade do interior do Estado de São Paulo, ainda na década de 1960? Como ele foi constituído? Como era formado o corpo docente? Que importância teve este curso para a região? O fato da minha história pessoal e profissional atravessar a história do curso tornou-se a potência maior do meu trabalho, pois falo de um lugar real, de pessoas reais, que têm concretude para mim. Falo de um curso que foi constituindo-se, no dia a dia, desde a fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, em 1952 e a criação das cadeiras de Psicologia e Psicologia da Educação, no mesmo ano; a aquisição do Laboratório de Psicologia Experimental, em 1954; a criação do curso de Orientação Educacional, em 1957; a criação do Instituto de Psicologia, em 1965, que oferecia um curso de especialização em Psicologia 15 Educacional e estágio para os alunos do curso de Pedagogia; até a proposta de oferta de vagas para um curso de Psicologia, em 1967. Desta forma, o foco do trabalho é mostrar como ocorreu este “constituir-se” do curso, com todas as suas singularidades e atravessamentos. Pesquisar a história deste Curso de Psicologia foi uma forma de contribuir para a historiografia da Psicologia no Brasil. Mais do que um resgate histórico, feito por meio de documentos escritos, iconográficos e pela memória dos participantes desta pesquisa, tratou-se de uma proposta de compreensão da formação de psicólogos e das práticas “psi”, vinculadas a este curso, realizadas e produzidas em um momento e em um contexto determinado. Para isso, foi necessário buscar suas determinações históricas: contextos econômicos, sociais e políticos do país; o mercado de trabalho; a função social do psicólogo, entre outras. Há várias razões para que o recente interesse pela história da Psicologia no Brasil seja pertinente. Ainda é possível fazer uma recuperação histórica por meio do acesso às pessoas que foram pioneiras na Psicologia; há muitos dados da história da psicologia que não se encontram registrados, organizados e disponíveis, a não ser como experiência ou como memória; e a disponibilização desse conhecimento às novas gerações pode proporcionar avanços para a psicologia, enquanto ciência e profissão (BARAÚNA, 1999). O fato de ser um curso vinculado a uma instituição católica também corrobora a relevância desta pesquisa, visto que a relação entre a formação em Psicologia e as instituições católicas carece de uma investigação mais aprofundada no Brasil. Estas instituições se diferenciam pelas estratégias, focos de interesse e de preocupações, e, ainda, com relação a alguns pressupostos morais e filosóficos. No entanto, todas se aproximam quanto ao objetivo de evangelizar, propagar e legitimar o cristianismo e a Igreja Apostólica Romana. No caso específico dos salesianos, identifica-se uma importante missão de formar educadores baseada na Religião, na Razão e na Amorevollezza1. A história da psicologia no Brasil faz muito pouca referência aos trabalhos realizados por estes padres, em especial aos salesianos, às suas pesquisas e aos 1 A Amorevollezza é uma expressão italiana que pode ser traduzida como carinho, amabilidade, amor, cordialidade, bondade. Ela foi descrita por Dom Bosco como o princípio primeiro do seu Sistema Preventivo e que deveria permear todas as práticas salesianas. Consiste em um amor assistencial e educativo. (CABRINO, 2009, p. 295). 16 investimentos que fizeram em instituições e cursos de Psicologia. Um dos poucos exemplos é a referência feita por Lourenço Filho: [...] No campo filosófico, é a sacerdotes que se devem, no Brasil, os primeiros trabalhos de psicologia; também lhes cabe a primazia nas discussões em variados temas de filosofia social; com relação à introdução dos métodos experimentais mantiveram-se, porém, em atitude de reserva, por muito tempo, após o que passaram a apresentar valiosa contribuição. Todas as reservas deviam realmente desaparecer com a constituição “Deus societiarum Dominus”, pela qual o papa Pio XI estabeleceu nova legislação e programas para as faculdades pontifícias em todo o mundo; e, sobretudo, depois da legislação jesuítica de ensino, expedida em 1941, a qual prescreve o ensino obrigatório da psicologia experimental no curso de filosofia, como suplemento aos estudos metafísicos e como base da pedagogia (LOURENÇO FILHO, 1960, p. 282-283). Lourenço Filho (1960) é ainda mais específico ao citar os padres salesianos Carlos Leôncio e João Modesti, destacando os trabalhos por eles realizados no Laboratório de Psicologia Experimental da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena: [...] Ao Pe. Carlos Leôncio da Silva, que por muitos anos dirigiu o Instituto Superior de Pedagogia, anexo à Faculdade de Filosofia do Ateneu Salesiano de Turim (Itália), e hoje dirige a Faculdade de Filosofia de Lorena (São Paulo), devem-se trabalhos pedagógicos baseados em modernos fundamentos da psicologia, e, bem assim, a animação de estudos experimentais [onde], em 1954, inaugurou um Laboratório de Psicologia Experimental, sob a direção do Padre João Modesto (sic). (LOURENÇO FILHO, 1960, p. 282-283). Esta pesquisa é também uma maneira de se reconhecer as contribuições destas pessoas para a psicologia brasileira, mesmo que, conforme as informações coletadas, o interesse deles na psicologia estivesse voltado para uma formação mais ampla de seus educadores. Wertheimer (1998) justifica a pesquisa em história da Psicologia também pelo fato de que este tipo de pesquisa evita a repetição inadequada, pois a familiaridade com os erros cometidos no passado pode interferir na redução dos erros atuais. Além disso, escreve o autor, “saber que [...] outros no passado já alimentaram ideias semelhantes às minhas [...] pode me ajudar a desenvolver minhas ideias sem muito autismo” (WERTHEIMER, 1998, p. 29). Isto é, proporciona uma saudável dose de humildade. E, por fim, há uma razão hedonista, mas não necessariamente trivial: estudar história dá prazer, é agradável, por si só já vale a pena! Tenho que admitir que o meu interesse pelo tema, somado ao prazer que tive ao encontrar 17 documentos, escutar pessoas que construíram esta história e, por fim, organizar todas estas informações neste trabalho, foram meus companheiros nestes quatro anos. Após leituras iniciais sobre os salesianos e seu envolvimento com a psicologia no Brasil, optei por centrar o objetivo da pesquisa na busca de construir uma história do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, com a perspectiva de compreender as relações sociais, culturais, as práticas cotidianas e os modos de fazer que caracterizaram a constituição do curso. Portanto, meu interesse foi pesquisar o período compreendido entre 1952 e 1974. Limitar a pesquisa a este período foi uma escolha que pode ser justificada pelos seguintes acontecimentos nele situados: a) o ano de 1952 é aquele em que os salesianos iniciam suas atividades no ensino superior em Lorena, com a criação da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena que teve como objetivo a formação de educadores nos cursos de Pedagogia, Filosofia, Ciências e Letras; e de uma seção especial, Didática; b) Nos anos de 1952 e 1953 são trazidos de Turim para a Faculdade Salesiana de Lorena os equipamentos para montar o Laboratório de Psicologia Experimental, inaugurado em 1954. A incorporação e a criação dos laboratórios experimentais constituíram-se em vias trilhadas para a profissionalização da Psicologiano Brasil (BRANDÃO, 2006; PEREIRA e NETO, 2003). Além disso, a Pedagogia utilizou a Psicologia, mais precisamente a Psicologia Experimental, para adquirir seu status científico (PEREIRA e NETO, 2003); c) No dia 27 de agosto de 1962, foi aprovada a Lei nº 4.119 que regulamentou a profissão de psicólogo. Também foi emitido, no mesmo ano, o Parecer 403 do Conselho Federal de Educação que estabeleceu o currículo mínimo e a duração do curso universitário de Psicologia; d) Em 1969, o Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena obteve autorização para as habilitações de Bacharelado e Licenciatura, pelo Decreto nº 18 65.043/69 e reconhecimento pelo Decreto nº 71.608/72, do Ministério da Educação e Cultura; e) No ano de 1973, ocorreu a formatura da turma que iniciou, em 1968, o curso de Filosofia e que, em 1970, foi transferida para o curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena. Estes alunos cursaram dois anos de Filosofia e mais quatro de Psicologia; f) Em 1974, ocorreu a formatura da primeira turma que iniciou o curso de Psicologia em 1970. Esta foi a primeira turma a se formar pelo currículo completo proposto para o curso. Posso afirmar que este foi o “onde quero ir”. No entanto, para chegar lá, novas perguntas surgiram: Como fazê-lo? Que caminho ou caminhos seguir? Febvre (apud Le Goff, 1990, p. 107) abriu alguns caminhos: A história fez-se, sem dúvida, com documentos escritos. Quando há. Mas pode e deve fazer-se sem documentos escritos, se não existirem... Faz-se com tudo o que a engenhosidade do historiador permite utilizar para fabricar o seu mel, quando faltam as flores habituais: com palavras, sinais, paisagens e telhas; com formas de campo e com más ervas; com eclipses da lua e arreios; com peritagens de pedras, feitas por geólogos e análises de espadas de metal, feitas por químicos. Em suma, com tudo o que, sendo próprio do homem, dele depende, lhe serve, o exprime, torna significante a sua presença, atividade, gostos e maneiras de ser do homem. Construí este caminho lançando mão de: Levantamento de fontes documentais escritas e iconográficas. Os documentos usados foram: fotografias, recortes de revistas, jornais da época, documentos oficiais e não oficiais. Um acervo considerável destas fontes foi encontrado em seis locais: a) Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV); b) Arquivos da secretaria do Centro UNISAL – Lorena; 19 c) Biblioteca do Centro UNISAL – Unidade de Ensino de Lorena, com mais de 139 mil exemplares; d) Centro de Documentação e Memória (CEDOC) – do UNISAL de Lorena. e) Biblioteca de História da Educação Salesiana no Brasil, e; f) Sala Euclides da Cunha. Burke (2005), Bauer e Gaskell (2002), Kossoy (2001) e Le Goff (1990) contribuíram para o tratamento metodológico das imagens iconográficas como fontes históricas. Uma fotografia, apesar de ser o registro de um momento único da realidade, não pode ser considerada um espelho ou um retrato fiel dos fatos. Isto acontece porque, estando descontextualizada, permite interpretações não condizentes ao momento histórico no qual foi gerada. Trata-se de um fragmento do real, registrado em um suporte papel (fotografia analógica) ou digital (fotografia digital). É considerada uma fonte e um objeto de pesquisa, meio de comunicação e expressão das atividades humanas. No entanto, é possível que cada usuário da informação imagética interprete-a de forma diferente. Já o pesquisador deve promover intensa investigação para inferir significados consistentes da imagem e, por isso, o levantamento do conteúdo informacional da imagem fotográfica é tão relevante. Segundo Kossoy (2001, p. 37), são três os elementos essenciais para a realização de uma fotografia: “o assunto, o fotógrafo e a tecnologia. São estes os elementos constitutivos que lhe deram origem através de um processo, [...] num preciso e definido espaço e tempo”. Em função disso, a utilização da fotografia como fonte de pesquisa requer do pesquisador conhecimento da história da fotografia, dos métodos e técnicas utilizados pelos fotógrafos em determinada época, além do conhecimento a respeito da estrutura dos materiais fotográficos conforme sua evolução. Bauer e Gaskell (2002), a respeito do emprego da imagem fotográfica, destacam que esta pode ser usada como documentação referente à mudança histórica, ou seja, quando o pesquisador está interessado em mostrar mudanças de natureza específica. Fotografias feitas em intervalos regulares, dos mesmos lugares, podem ser ilustrativas. As fotografias podem servir, também, para evocar memórias 20 de pessoas, o que não seria possível em uma entrevista. Além disso, podem ser usadas para se conseguir uma informação cultural/histórica implícita. A respeito da informação cultural/histórica implícita, os autores escrevem que “ler tanto os registros visuais presentes, como ausentes, é uma tarefa de pesquisa possível. Quem falta na fotografia ou na pintura, e por quê? Os jovens? Os velhos? Os pobres? Os ricos? Os brancos? Os negros? E o que estas ausências implicam?” (BAUER; GASKELL, 2002, p. 144). As imagens iconográficas, portanto, também podem ser utilizadas para que as lacunas deixadas pelos documentos escritos possam ser analisadas por meio delas. Estas fontes podem revelar informações não ditas no texto escrito. Elas serão tomadas como registros históricos que, segundo Burke (2005, p. 17) abrem diferentes possibilidades de olhar e interpretar o passado: “as imagens assim como os textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular”. Mauad (1996) corrobora esta ideia quando escreve o seguinte a respeito da fotografia: Entre o sujeito que olha e a imagem que elabora, há muito mais que os olhos podem ver. A fotografia – para além de sua gênese automática, ultrapassando a ideia de analogon da realidade – é uma elaboração do vivido, o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda uma leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras que envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem técnica (MAUAD, 1996, p. 75). Pode-se afirmar, portanto, que a fotografia é uma fonte histórica que demanda, por parte do historiador, um novo tipo de crítica. O testemunho é válido, não importando se o registro fotográfico foi feito para documentar um fato ou representar um estilo de vida. Le Goff (1990) diferencia a “Fotografia como Imagem/Documento” e a “Fotografia como Imagem/Monumento”. A primeira é vista como índice, como marca de uma materialidade passada, que nos informa sobre determinados aspectos do passado como condições de vida, moda, infraestrutura, condições de trabalho etc. A segunda, como símbolo, aquilo que, no passado, a sociedade estabeleceu como a única imagem a ser perenizada para o futuro. Isto nos mostra que a imagem fotográfica pode ser compreendida pelo leitor/destinatário em dois níveis, a saber: um nível interno à superfície do texto visual, originado a partir das estruturas espaciais que constituem tal texto, de caráter não verbal; e, um 21 nível externo à superfície do texto visual, originado a partir de aproximações e inferências com outros textos da mesma época, inclusive de natureza verbal (MAUAD, 1996). Passando agora para as fontes documentais que foram usadas nesta pesquisa, pode-se afirmar que a grande quantidade de papéis que se acumulam nas bibliotecas e nos centros de documentação, categorizados como novas fontes pela corrente da “Nova História” não são, em si mesmos, fontes. Os mencionados objetos só adquirem o estatuto de fonte diante do historiador que, ao formular o seu problema de pesquisa, delimitará os elementos a partir dos quais serão buscadas as respostasàs questões levantadas. Em consequência, aqueles objetos em que, real ou potencialmente, estariam inscritas as respostas buscadas erigir-se-ão em fontes a partir das quais o conhecimento histórico referido poderá ser produzido (SAVIANI, 2006). Para a realização destas aproximações e inferências, foram usados, nesta pesquisa, documentos escritos dos acervos vinculados aos salesianos já citados anteriormente. Dentre os documentos que foram pesquisados, destacam-se os localizados no Centro de Documentação e nos arquivos da secretaria do Centro UNISAL - Lorena: Anais da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena 1952-1964 Anuário do Colégio São Joaquim; Revista O Grêmio; Livro de Atas das Assembleias da Sociedade Civil da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1958-1987); Livro de Atas da Congregação da Faculdade I (1952-1970); Livro de Atas da Faculdade II (1971-1972); Livro de Atas do Departamento de Filosofia e Pedagogia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1960- 1970); Livro de Registro de Atas dos Concursos de Habilitação da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1952-1971); 22 Livro de Atas das Reuniões de Estudos sobre a Reestruturação da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1968); Livro de Atas das Reuniões do Conselho Técnico Administrativo da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (1952- 1970); Livros de Registros de Matrículas (1952-1971); Regimentos Internos; Relatório da Faculdade Salesiana de 1953; Relatório da Faculdade Salesiana de 1968; Relatório para solicitação de autorização do curso de Psicologia em 1967; Relatório do Curso de Orientação Educacional de 1959. Estes documentos foram escolhidos como fonte de pesquisa porque trazem informações a respeito de datas, relatos de discussões em reuniões, fotografias de diferentes épocas e locais relacionadas à Faculdade Salesiana e ao Colégio São Joaquim, fotografias de eventos, dados sobre número de alunos matriculados em diferentes anos, além de relatos do cotidiano escolar. A revista O Grêmio foi fundada em 1910 e era redigida por alunos do curso secundário que faziam parte do Grêmio Joaquim Nabuco. Todos os números publicados da revista estão no CEDOC da Faculdade Salesiana. História Oral por meio de Entrevistas Narrativas com pessoas que participaram da constituição deste curso de Psicologia. É crescente a consciência do papel que o contar histórias desempenha na conformação dos fenômenos sociais, considerando-se que a narrativa não é apenas uma listagem de acontecimentos, mas uma tentativa de associá-los ao tempo e ao sentido. Para Bauer e Gaskell (2002), a Entrevista Narrativa tem como objetivo encorajar um entrevistado a contar a história sobre algum acontecimento importante que fez parte de sua vida e de seu contexto social. “Sua ideia básica é reconstruir 23 acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão diretamente quanto possível” (BAUER e GASKELL, 2002, p. 93). Em Alberti (2004), Prins (1992), Ferreira e Amado (1998) e Penna (2005) buscou-se elementos para o uso da História Oral como metodologia e constituição de fonte para o estudo da história do curso por meio das pessoas que fizeram parte da constituição desta história. A Entrevista Narrativa foi usada, nesta pesquisa, como instrumento (ou técnica) do método de História Oral. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, considerada uma forma de entrevista não estruturada, de profundidade, com características específicas. Já houve muitas classificações para a expressão História Oral: método, técnica e teoria (PENNA, 2005). No entanto, há um consenso no meio acadêmico em classificá-la como uma metodologia de pesquisa. Segundo Alberti (2004, p. 155), A História Oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX, após a invenção do gravador a fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que participaram de, ou testemunharam acontecimentos e conjunturas do passado e do presente. Foram adotados os procedimentos de História Oral para a coleta de dados, pois, para Jovchelovitch e Bauer (2002), por meio da narrativa, as pessoas lembram- se do que aconteceu, são capazes de colocar a experiência em uma sequência, encontrar possíveis explicações para isso, e jogar com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Contar histórias implica estados intencionais que aliviam, ou ao menos tornam familiares, acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal. A adoção da História Oral como fonte de pesquisa justifica-se pelo fato de esta se ocupar em conhecer e aprofundar conhecimentos em determinada realidade – os padrões culturais – estruturas sociais e processos históricos, obtidos através de conversas com pessoas, relatos orais, que, ao focalizarem suas lembranças pessoais, constroem também uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da trajetória de grupo social ao qual pertencem, ponderando esses fatos pela sua importância em suas vidas (CASSAB, 2003, p. 1). 24 Para a História Oral, a narrativa constitui sua matéria prima. O narrador que conta a sua história não se constitui, ele próprio, como objeto de estudo. Os seus relatos de vida e sua realidade vivida é que o são. As fontes orais podem apresentar-se como histórias, relatos e depoimentos. As duas primeiras referem-se às situações em que o próprio narrador referencia a sua vida e experiência. Já através do depoimento, o narrador informa fatos ou informações que detêm, presenciados por ele. Parte-se da ideia de que uma pessoa conserva lembranças ou reminiscências, compostas por imagens que constituem a sua memória individual. Também se deduz que, como as lembranças dos mesmos acontecimentos estão presentes nas memórias de outras pessoas, seus relatos também pertencem à memória coletiva de uma comunidade, que por sua vez pode ligar fatos da história de um povo ou de uma nação, revelando aspectos de um período de sua existência. Enquanto muitos trabalhos sobre a história da psicologia no Brasil apresentam-se, em geral, na forma de análises informativas e descritivas, disponibilizando um grande número de dados, há uma nova forma de escrever história que vem sendo valorizada. Esta nova forma leva em consideração o contexto em que o fato foi produzido e levanta novas abordagens, objetos, temas e problemas para o debate historiográfico. O historiador que trabalha dentro desta nova perspectiva assume uma postura crítica em relação ao passado e enfatiza a necessidade de contextualizar o fato histórico, ou seja, relacioná-lo a fatores econômicos, políticos, culturais e sociais em que se encontra inserido (PEREIRA NETO, 2003). Para Jacó-Vilela (2004, p. 156) Entende-se a História, ou seja, a tentativa de reconstrução da gênese de acontecimentos e, principalmente, de nossas ideias, hábitos e costumes, como a grande ferramenta virtualmente apta a nos permitir desnaturalizar as ideias que expressamos, bem como os costumes que compartilhamos com aqueles outros que nos constituem e com quem, juntos, construímos o mundo que vivemos. Considera-se a história como uma construção coletiva e aponta-se para a necessidade de se conhecer o contexto em que as relações sociais se inserem e se desenvolvem. Alberti (2004) ainda enfatiza que trata-se de um equívoco muito comum pensar que a entrevista já é a própria história. Ao contrário, o pesquisador deve interpretar e analisar a entrevista, pois esta é sua fonte, uma fonte oral. Para isso, após a coleta, as narrativas orais devem ser transcritas e, em seguida,deve-se fazer 25 um fichamento detalhado dos relatos obtidos com as entrevistas. Estando na forma de texto, deve-se analisar a fonte oral como qualquer outro documento, fazendo perguntas e verificando como se pode usufruir desta fonte, tirando dela as evidências e os elementos que contribuirão para resolver o problema de pesquisa, relacionando-a com outro tipo de material com os quais se trabalha, como, por exemplo, imagens, textos escritos, documentos, entre outros. A escrita de uma história, por meio da História Oral, não é uma representação exata do que existiu, mas um esforço em propor uma inteligibilidade e uma compreensão de como o passado chega até o presente. Trata-se, pois, de uma produção discursiva. Veyne (2008, p. 18) enfatiza esta ideia no seguinte parágrafo: A história é uma narrativa de eventos: todo o resto resulta disso. Já que é, de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como tampouco o faz o romance; o vivido, tal como ressai das mãos do historiador, não é dos atores; é uma narração. (...) Como o romance, a história seleciona, simplifica, organiza. O autor ainda escreve que, em nenhum caso, o que os historiadores chamam “um evento” é apreendido de uma maneira direta e completa, mas, sempre, incompleta e lateralmente. Nesta etapa da pesquisa, contou-se com a colaboração, por meio de narrativas da história do curso, do Padre Antônio da Silva Ferreira, falecido no dia 06 de outubro de 2013, três meses após me receber para uma entrevista na casa salesiana de “Santa Terezinha”, onde residia. Também foi entrevistado o Padre Vicente de Paulo Moretti Guedes, salesiano, que ocupou o cargo de professor das disciplinas Psicologia Geral, Psicologia do Desenvolvimento e Caracteriologia na Faculdade Salesiana desde 1960 e que, anos depois, substituiu o Padre Ferreira na direção do Instituto de Psicologia da mesma faculdade. Também contou-se com as histórias e memórias das alunas da primeira turma Alda Patrícia Fernandes Nunes Rangel, Antônia Cristina Peluso de Azevedo, Maria José Urioste Rosso (professoras do curso até os dias de hoje, doutoras em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo, Psicologia Escolar pela PUC/Campinas e Ciências Sociais pela PUC/SP, respectivamente), além das contribuições de Antônio de Andrade, também aluno da primeira turma. Algumas histórias, tão importantes quanto as narradas pelos demais entrevistados, foram contadas pela Irmã Olga de 26 Sá, uma das primeiras mulheres a ir para Lorena para colaborar com a formação de educadores salesianos, através do ensino de psicologia em 1954. Levantamento bibliográfico Levantamento bibliográfico a respeito do qual considerou-se que, em especial, as obras de Azzi (1982, 2000), Brandão (2006) e Marcigaglia (1955) auxiliaram no entendimento com relação à Congregação Salesiana no mundo e no Brasil, e o seu envolvimento com a Psicologia, pois na busca do conhecimento da história do Curso de Psicologia do Centro UNISAL de Lorena, tornou-se importante a compreensão de fatos anteriores a 1952. Em função disso, o primeiro capítulo da tese foi destinado à descrição da Obra Salesiana no mundo e no Brasil. Ele discorre, portanto, sobre a vida de Dom Bosco; a criação da Congregação Salesiana na Itália; a vinda dos salesianos para a América do Sul e, em especial, para o Brasil em 1883; a fundação das primeiras casas salesianas, inclusive a da terceira casa salesiana: o Colégio São Joaquim em Lorena/SP, em 1890, de onde se originou a Faculdade Salesiana de Lorena. O segundo capítulo tratou da história do Colégio São Joaquim, fundado em 1890, assim como do contexto econômico, social e educacional no qual ele esteve inserido até a criação da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras, em 1952. Destaca-se, neste capítulo, a relevância desta instituição educacional para o desenvolvimento regional, principalmente na primeira metade do século XX. A inserção dos salesianos de Lorena no ensino superior ocorreu por meio dos cursos de Filosofia e de Pedagogia oferecidos, na época, no Instituto Salesiano de Pedagogia e Filosofia que foi criado pelo interesse especial dos salesianos na formação de padres e educadores, visto haver a exigência legal de habilitar candidatos religiosos ao exercício do magistério. A Faculdade Salesiana foi a primeira faculdade a ser criada no Vale do Paraíba e segunda Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do interior do Estado de São Paulo. O terceiro capítulo tratou da relação entre os salesianos e a Psicologia na Itália e no Brasil, apoiando-se na importância da aquisição dos Laboratórios de Psicologia Experimental trazidos ao Brasil por estes sacerdotes para a formação de 27 educadores. O Laboratório Experimental de Psicologia foi adquirido na Europa, entre 1951 e 1953, pelo Padre Carlos Leôncio da Silva, e seus aparelhos eram iguais aos utilizados no Instituto de Psicologia do Instituto Superior de Pedagogia do Pontifício Ateneu Salesiano na Itália. Na época, existia idêntico material no Brasil somente na Universidade Católica de São Paulo e na Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del Rei, Minas Gerais. Para a compreensão maior da relação entre os salesianos e a Psicologia e da importância do laboratório experimental, atenção especial é dada à criação do Pontifício Ateneu Salesiano, pois, para lá partiram os primeiros padres a irem a Turim para estudar Psicologia, em especial, a Psicologia Experimental. O quarto capítulo foi destinado à história do Curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena. O capítulo estruturou-se através de fontes documentais escritas e iconográficas, além de entrevistas com pessoas que fizeram parte da constituição do curso. Neste capítulo, são apresentadas as atividades relacionadas à Psicologia desenvolvidas na instituição e que serviram de base para a constituição do curso de Psicologia em 1969. Dentre as atividades citadas estão o curso de Orientação Educacional, os cursos de extensão, as conferências e serviços prestados à comunidade. Além disso, o capítulo apresenta uma análise das entrevistas que evidenciaram as principais características deste curso durante seus anos iniciais, até 1974. Tendo em vista os aspectos observados durante a pesquisa, conclui-se que o curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena não emergiu de um documento ou de uma ação intencional e isolada de um sujeito individual, mas da ação de muitos personagens que, durante um longo período, construíram práticas ligadas à Psicologia que levaram à constituição de um curso, com todas as suas singularidades e práticas cotidianas. Este curso foi constituindo-se aos poucos. Iniciou-se com a missão salesiana de formar educadores, passou pela formação de padres no Pontifício Ateneu Salesiano de Turim, onde tiveram contato com a Psicologia Experimental e estruturou-se, ainda mais, com as práticas relacionadas à Psicologia que foram desenvolvidas durante quase duas décadas anteriores à aprovação de funcionamento do curso. Procuramos apresentar estas práticas no percurso desta tese. 28 1 OS SALESIANOS 1.1 Os Salesianos no Mundo Os salesianos fazem parte de uma comunidade cristã, fundada em 1859, em Turim (Itália), pelo padre italiano João Bosco (Dom2 Bosco), nascido em 16 de agosto de 1815 no Colle dos Becchi, no Piemonte, Itália, uma localidade junto de Castelnuovo de Asti (atualmente denominada Castelnuovo Dom Bosco3). Fotografia 1 - Panorama de Castelnuovo e seus vinhedos. Ao longe, casas de Becchi Fonte: MATT; BOSCO, 1965 Sua vida e obra compreendem os anos de 1815 a 1888, período marcado por importantes mudanças no cenário mundial que provocaram uma nova configuraçãopolítica, social, econômica e religiosa. 2 Dom é o tratamento usado na Itália para os sacerdotes. 3 A partir de 14/02/1930 passou a receber este nome em homenagem a Dom Bosco (LEMOYNE, 1952, p. 13). 29 Figura 1 - Dom Bosco Fonte: www.salesianos.com.br Acima, a imagem mais conhecida de Dom Bosco. Em todas as casas salesianas é possível encontrar esta foto exposta na entrada, com o objetivo de transmitir a ideia de acolhimento e a mensagem de que se trata de uma instituição que se fundamenta nas ideias de Dom Bosco. Abaixo, uma das últimas fotografias de Dom Bosco. Estava em Barcelona, cansado e enfraquecido pela doença e pela viagem. Fotografia 2 - Dom Bosco na velhice Fonte: MATT; BOSCO, 1965 Filho de Margherita Occhiena, segunda esposa de Francesco Bosco, João Bosco tinha dois irmãos mais velhos: Antônio, fruto do primeiro casamento do pai, e José, primeiro filho do casamento com Margherita. Tratava-se de uma família de http://www.salesianos.com.br/ 30 humildes camponeses (meeiros4), que teve uma vida de muitos sacrifícios para conseguir se manter. A perda do pai, ainda na infância, foi um fator marcante em sua obra: Dom Bosco era tido por seus meninos como um verdadeiro pai, um pai que ele mesmo não tivera. Ele mesmo pregava a “paternidade educativa” nos colégios e obras salesianas que mais tarde foram criadas, ressaltando que os educadores deveriam ser como verdadeiros “pais” que acolhem, ensinam, orientam e disciplinam (BRANDÃO, 2006). Dom Bosco nasceu em um período conturbado da história italiana. A península italiana vivia sob forte influência francesa, culminada com a invasão, por parte do exército de Napoleão Bonaparte, em 1796, que causou um movimento peculiar de destruição e reconstrução da ordem política e econômica da Itália (BRANDÃO, 2006). Com a queda de Napoleão, em Waterloo5, em 18 de junho de 1815, a Itália voltou a ser uma simples “expressão geográfica”, agrupando oito estados, sob o controle da Áustria6 (SCARAMUSSA, 1977, p. 16). O ano de 1815 é considerado o fim de uma época e início de um regime que tinha como meta a restauração da ordem anterior à Revolução Francesa. A figura do rei, Victor Emanuel I, primeiro rei da Itália unificada e independente, aliado da Igreja, era vista como ponto de referência nesta obra de reconstrução tão urgente. O clero colaborava com o regime, pois estas primeiras medidas de reconstrução eram consideradas motivos de satisfação: “Restabelecimento das festas religiosas, punição da blasfêmia, recomposição do patrimônio da Igreja, restabelecimento das ordens religiosas, restrição da liberdade de pensamento e de imprensa” (WIRTH, 1968, p. 19). De acordo com Bosco (1997), aos quatro anos de idade João Bosco já ajudava nas tarefas da casa, buscando lenha, acendendo fogo, varrendo os quartos e limpando o estábulo. Aos seis anos, aprendeu a capinar, foiçar e ordenhar. Ainda 4 Meeiro é o agricultor que planta em terra alheia e divide os resultados com o dono da terra. 5 Batalha de Waterloo – batalha travada entre as tropas de Napoleão Bonaparte e as tropas inglesas e prussianas. Essa batalha marca a derrota definitiva de Napoléão, que passou o trono ao príncipe Bourbon Luis XVIII. O Império Napoleônico durou de 1789 a 1814 (LARROYO, 1974, p. 560). 6 Em 1796, Napoleão Bonaparte invadiu o norte da Itália e expulsou os governantes austríacos. Temendo perder sua independência sob o domínio dos franceses, algumas cidades italianas ainda tentaram oferecer resistência, mas não foram bem-sucedidas. Muitos italianos queriam um país unido e livre do domínio estrangeiro, mas este objetivo foi frustrado quando, após a derrota de Napoleão em Waterloo, o Congresso de Viena, em 1815, repôs a maioria dos antigos soberanos austríacos no comando da Itália. 31 criança, manifestou o desejo de ser padre. Assim, em sua infância, alternava o trabalho doméstico e os estudos com a prática do catecismo e de brincadeiras com os meninos do lugarejo onde morava. Não recusava qualquer emprego que aparecesse para ajudar em casa. Desta forma, aprendeu vários ofícios: sapateiro, ferreiro, carpinteiro e confeiteiro. Queria vivamente ser sacerdote. Dizia: "Quando crescer quero ser sacerdote para tomar conta dos meninos. Os meninos são bons; se há meninos maus é porque não há quem cuide deles" (DOM BOSCO apud BOSCO, 1997, p. 5). João Bosco fez sua primeira comunhão no ano de 1826 e foi, nesta época, que manifestou à mãe o desejo de ser sacerdote. Aos quatorze anos, mudou-se para a aldeia de Mancucco e foi viver com uma família de camponeses, os Moglia. Como era hábito da época, trabalhou como empregado da família para poder se sustentar e estudar em seu tempo livre. No ano seguinte, seu tio Miguel Occhiena o levou a Murialdo, onde iniciou seus estudos de latim com o novo capelão do lugar, Giuseppe Calosso, falecido em 1830. Em 1831, mudou-se novamente. Desta vez para Chieri, situada entre a região denominada Colle dos Becchi e Turim. Em Chieri, hospedou-se na casa de uma conterrânea, Luzia Matta, pagando por sua estadia como empregado da casa. Ainda em Chieri, morou com um amigo de sua família e na casa de um alfaiate (WIRTH, 1968). Em 1835, entrou para o Seminário de Chieri e, em 5 de junho de 1841, foi ordenado sacerdote pelo arcebispo de Turim, Luigi Fransoni, dando início aos seus trabalhos como educador. Durante estes seis anos passados no seminário (nos quais cursou dois anos de Filosofia, de 1835 a 1837, e quatro de Teologia, de 1837 a 1841), manteve o desejo de realizar algo em prol da juventude, pois tinha motivos de sobra para se sentir infeliz com o que vivia. Considerava os professores pouco acessíveis, a doutrina severa e o ensino obscuro e sem alma (WIRTH, 1968). O comportamento grosseiro e indiferente com que os jovens seminaristas eram tratados, no seminário, por seus superiores, o fez perceber a necessidade de os jovens terem alguém que os orientasse como um amigo, um guia. Resolveu, então, colocar suas ideias em prática através do que hoje é conhecido como a marca de seu trabalho com a juventude: o amor educativo. Em 1842, inaugurou o primeiro internato, em Valdocco, e começou a escrever, em 1852, os primeiros regulamentos do que, futuramente, foi denominado de “Sistema Preventivo Salesiano” ou “Sistema Educativo Salesiano”. Doze anos depois, fundou a Congregação Salesiana, cujo 32 nome oficial é Pia Sociedade de São Francisco de Sales, popularmente conhecida por Salesianos de Dom Bosco (SDB). Um sonho que Dom Bosco teve, aos nove anos, é considerado de grande importância para o início de sua obra e a base para o seu sistema educativo. Tal sonho foi relatado ao papa Pio IX, em 1858, quando Dom Bosco esteve em Roma para expor o seu projeto de criação da Congregação Salesiana. Por ordem do papa, escreveu, literalmente, este sonho e o deixou como estímulo aos filhos da congregação: Na idade de 9 anos tive um sonho, que me ficou profundamente impresso na mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa. Numa área bastante espaçosa onde uma multidão de meninos estava a brincar. Alguns riam, outros divertiam-se, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, fazê- los calar. Neste momento apareceu um homem venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. Um manto branco cobria-lhe o corpo; seu rosto, porém, era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras: Não é com pancadas, mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude (DOM BOSCO apudBOSCO, 1997, p. 10). É importante destacar que o Sistema Preventivo de Dom Bosco refere-se aos acontecimentos da época. A Itália passava por profundas mudanças em diversas esferas. No plano ideológico, a chegada do liberalismo fez emergir uma nova concepção de homem: racional, livre das opressões do clero e da nobreza, detentores do poder e da riqueza. No plano econômico, houve a ruptura gradual do feudalismo, baseado na propriedade de terra, para o capitalismo, baseado na posse do dinheiro. Este sistema, impulsionado pela burguesia, foi responsável pelo surgimento de uma nova classe social, o proletariado, e pelo favorecimento do comércio. No campo educacional, reivindicou-se a educação para o povo, laica e preparatória para o trabalho, assumida como dever do Estado. No campo político- religioso, a proposta política de fazer da Itália uma única nação levou ao desaparecimento dos Estados Pontifícios, o que fez surgir um clima de hostilidade contra a Igreja. No campo social, houve um grande inchaço das cidades que possuíam um contingente humano muito maior do que a demanda de vagas no setor industrial emergente. Isto ocasionou a propagação da fome, da miséria e da exploração do trabalhador. Com a intenção de reverter este quadro, a Igreja tomou medidas preventivas, dando maior atenção aos campos social, político e 33 educacional. Nesta época, a educação, como forma de instrução, passou a ser vista também como medida preventiva (CABRINO, 2009). A ideia de prevenção, que foi inspirada nos preceitos do Congresso de Viena7 (1814-1815), caracterizava-se pelo combate às ideias liberais, um movimento de reação ao novo regime que buscava restaurar o regime anterior à invasão de Napoleão Bonaparte, além de reorganizar e fortalecer a monarquia, favorecendo as quatro grandes potências: Áustria, Rússia, Prússia e Reino Unido. No entanto, Santos (2000, p. 122), discorrendo a respeito do surgimento das fórmulas do Sistema Preventivo e Sistema Repressivo, escreve que “era a França, entre os séculos XVII e XVIII, o berço das fórmulas do sistema preventivo e sistema repressivo, destacando-se o jansenismo pedagógico de Port-Royal (1637-1657) e a pedagogia preventiva lassaliana”. O autor relata, ainda, que, após a experiência da Revolução Francesa8, a Europa parecia quase obcecada pela ideia de prevenção. Existiam, ainda, vastos estratos conservadores que se caracterizavam por tendências repressivas (medo de novos revolucionários, das seitas, das sociedades secretas, do liberalismo) que insistiam na vigilância rigorosa, na censura preventiva e “nas missões populares para reconquistar as massas e moralizá-las, mediante a religião, a prevenção do ócio e da libertinagem” (SANTOS, 2000, p. 123). No aspecto educacional, o sistema preventivo nasceu em um momento no qual surgiam as discussões sobre a liberdade na escola. A Igreja se colocava contra o ensino laico e via, na educação, particularmente na educação da pequena burguesia e das classes emergentes, um espaço privilegiado para construir uma nova identidade no mundo moderno e para a formação de elites dirigentes, de preferência devotadas aos seus objetivos (PRATTA, 2002). 7 Congresso de Viena – Conferência entre embaixadores das grandes potências europeias, teve lugar na capital austríaca, entre 1 de outubro de 1814 e 9 de junho de 1815. Suas intenções eram a de redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica, iniciar a recolonização, restaurar nos respectivos tronos as famílias reais derrotadas pelas tropas de Napoleão Bonaparte (como a restauração dos Bourbon), restabelecer a ordem na França e equilibrar suas forças, no sentido de garantir a paz na Europa. O Ato Final do Congresso foi assinado a 9 de junho de 1815, nove dias antes da derrota final de Napoleão na Batalha de Waterloo (LARROYO, 1974, p. 559). 8 A Revolução Francesa foi uma revolução da burguesia, que reivindicava mais prestígio social para a burguesia e redução do poder do clero e da nobreza. Aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os direitos universais: Fraternidade, Igualdade e Justiça (LARROYO, 1974, p. 508). 34 Pode-se dizer que, no campo político, o “princípio preventivo” inspirou os participantes do Congresso de Viena que se reuniram para redesenhar o mapa político da Europa após a tempestade napoleônica, com o fim de restaurar o Ancien Regimen, conservando o pouco de positivo que haviam trazido as novas ideias e os novos tempos. No campo social, a ideia preventiva, antecipada em alguns setores nos séculos XVII e XVIII, se afirma com novo vigor, sobretudo na Espanha, na França e na Inglaterra, com particular interesse pelos fenômenos da pobreza e da mendicância, da criminalidade, e, consequentemente, na defesa da assistência à infância e da educação. No campo penal, a prevenção assumiu duplo significado: em primeiro lugar, prevenir completamente os crimes; se isto fosse impossível, uma vez cometidos, agir “corretivamente” com reeducação e recuperação, de modo a preveni-los no futuro (BRAIDO, 2004). Dom Bosco utilizava-se da expressão “formar bons cristãos e honestos cidadãos”, ao mencionar o objetivo de seu Sistema Preventivo de Educação, que pretendia se concretizar sem imposição de força ou autoritarismo. Optou pela educação preventiva, em detrimento da repressiva, por acreditar que esta não educava e nem moralizava. Ele mesmo escreveu a respeito: São dois os sistemas até hoje usados na educação da juventude: O Preventivo e o Repressivo. O Sistema repressivo consiste em fazer que os súditos conheçam a lei, e depois vigiar para saber os seus transgressores e infligir-lhes, quando necessário, o merecido castigo. Nesse sistema, as palavras e o semblante do superior devem constantemente ser severos e até ameaçadores, e ele próprio deve evitar toda a familiaridade com os dependentes. [...] Diferente e, eu diria, oposto é o Sistema Preventivo. Consiste em tornar conhecidas as prescrições e as regras de uma instituição, e depois vigiar de modo que os alunos estejam sempre sob os olhares atentos do diretor ou dos assistentes. Estes, como pais carinhosos, falem, sirvam de guia em todas as circunstâncias, dêem conselhos e corrijam com bondade. Consiste, pois, em colocar os alunos na impossibilidade de cometerem faltas (DOM BOSCO apud CORTES, 1983, p. 11 e 12). Braido (2004) destaca que, assim como Dom Bosco, outros educadores, atentos às necessidades da época, pensaram em uma educação de cunho preventivo, como Dupanloup, Lacordaine, Poullet, Champagnat, Aporti e Rosmini9. 9 Félix Dupanloup (1802-1878), com sua pedagogia do internato, acreditava que, na educação intencionada, o respeito pela criança e a autoridade (que provém de Deus) eram fatores determinantes. Henri Lacordaire (1802-1861) fundou a Terceira Ordem Dominicana para a educação, mostrando um profundo amor pela juventude. Considerava o cultivo do caráter como algo primordial na educação. Pierre-Antonie Poullet (1810-1846) trouxe traços de um Sistema Preventivo por meio de uma assídua assistência e presença constante entre os alunos com a finalidade de 35 Nesta perspectiva, Dom Bosco conheceu e refletiu sobre as propostas e experiências presentes em sua época e, muito conscientemente, adotou métodos, princípios e instituições que lhe permitiram, em seu modo de ver, dar aos jovens uma formação humana e cristã bastante completa, e indicar aos seus colaboradores uma proposta educativa orgânica e unitária. Para Dom Bosco, o Sistema Preventivo era vantajoso por diversos motivos: a) O aluno, previamente avisado, não fica humilhado pelas faltas cometidas, como ocorre quando estas são levadas ao superior; b) A razão mais essencial é a mobilidade juvenil que esquece as regras disciplinarese os castigos que ameaçam; c) O Sistema Repressivo pode impedir uma desordem, mas dificilmente melhora os delinquentes; d) O Sistema Preventivo torna avisado o aluno de modo que o educador sempre possa falar com a linguagem do coração, seja na fase educativa, seja depois dela (SANTOS, 2000). O quadro 1 apresenta alguns aspectos centrais do paralelo estabelecido por Dom Bosco. Quadro 1 - Sistema Repressivo e Sistema Preventivo SISTEMA REPRESSIVO SISTEMA PREVENTIVO É necessário conhecer as leis (regras) de uma instituição para cumpri-las com rigor. É necessário conhecer com o sentido de “tomar consciência” das regras. Por meio da Razão o aluno “reconhece a necessidade e quase a deseja” (p. 12) e sob os olhares atentos do diretor ou dos assistentes é constantemente “vigiado com carinho”. A concepção de VIGIAR está associada à ideia de “controlar” para punir. A concepção de VIGIAR está associada à ideia de “vigilância”, para evitar que se cometa o pecado. O Superior possui semblante severo e até ameaçador. O diretor, para dar mais prestígio à sua autoridade, apenas apresenta-se fisicamente quando é necessário ameaçar ou A presença do diretor é constante. “Deve, pois, o diretor consagrar-se totalmente aos seus educandos: jamais assuma compromissos que o afastem de suas proteger sua inocência. Marcelino Champagnat (1789-1840) e os irmãos Maristas desenvolveram uma educação voltada para as crianças indigentes, baseada no catecismo, na oração, na leitura e na escrita. Os educadores deviam ser como pais e não como patrões. Ferrante Aporti (1791-1858) adotou o Sistema Preventivo na educação, tendo o amor como fundamento da educação. Os elementos constitutivos da sua pedagogia eram: a assistência, a afeição, a caridade, a amorevollezza, o bom senso, a alegria, o canto, a recreação, o movimento. Antonio Rosmini Serbati (1797-1855), com sua pedagogia preventiva positiva, dizia que o objeto central da educação era formar o coração do homem (CABRINO, 2009). 36 punir (p. 12). Incentiva a impessoalidade das relações entre educadores e alunos. funções. Pelo contrário, permaneça sempre com seus alunos, todas as vezes que não estiverem regularmente ocupados, salvo estejam por outros devidamente assistidos” (p. 14). “O Sistema repressivo pode impedir uma desordem, mas dificilmente melhorará os culpados. Diz a experiência que os jovens não esquecem os castigos recebidos, e geralmente conservam ressentimento acompanhado do desejo de sacudir o jugo e até de tirar vingança” (p. 13). “O Sistema Preventivo, pelo contrário, granjeia a amizade do menino, que vê no assistente um benfeitor que o adverte, quer fazê-lo bom, livrá-lo de dissabores, castigos e desonras” (p. 13). São aplicados castigos físicos que envolvem o uso de palmatórias, bofetões, puxões de orelha, banco dos ignorantes, mordaça sobre a boca para os tagarelas, entre outras formas de castigos. Estes são tidos como corretivos e penitência como expressão da autoridade por parte de quem castiga. “Por quanto possível, jamais se faça uso de castigos, quando, porém, a necessidade o exige, observa-se...” (p. 18). Entre os meninos é castigo o que se faz passar por castigo. Salvo raríssimos casos, as correções, os castigos, nunca se deem em público, e empregue-se a máxima prudência e paciência para que o aluno compreenda a sua falta, à luz da Razão e da Religião. Bater, de qualquer modo que seja, por de joelhos em posição dolorosa, puxar orelhas, e outros castigos semelhantes, deve-se absolutamente banir, porque são proibidos pelas leis civis, irritam sobremaneira os jovens e desmoralizam o educador. Fonte: DALCIN, 2008, p. 121-122. O Sistema Preventivo de Dom Bosco está fundamentado em três dimensões que, correlacionadas, formam o tripé Amorevolezza, Razão e Religião, sendo a Amorevolezza a marca de todo o seu trabalho com os jovens. Como dito na nota 1, a Amorevolezza é uma expressão italiana que pode ser traduzida como atitudes de acolhida, bondade, alegria e fraternidade, que criam um clima de família. Consiste em um amor assistencial e educativo. De acordo com Braido (2004), por Amorevolezza entende-se o amor sobrenatural, misto de racionalidade e 37 compreensão humana, paterna e fraterna e que transforma o ambiente educacional em uma família. Ela é expressa nas palavras, nos atos e nas expressões dos olhos e do rosto. Em uma Circular sobre os castigos, a doutrina de Dom Bosco sobre o assunto reza: Lembrai-vos de que a educação é a coisa de coração, do qual só Deus é o dono, e não podemos ter poder algum sobre ele, se Deus não for o nosso mestre e não puser ao nosso dispor as chaves de acesso. Procuremos, pois, de todos os modos, incluindo a humilde e inteira dependência a que podemos aludir, assenhorear-nos dessa cidade cujas portas jamais se abrem à força do rigor e aspereza. Tornemo-nos amáveis, insinuemos o sentimento do dever e da intimidade de Deus, e veremos como que por encanto franquearem-se as portas de tantos corações para cantar os louvores daquele que quis tornar-se nosso modelo, nossa vida, nosso exemplo em tudo, mas, especialmente, na educação da juventude (CORTES, 1983, p. 50). Assim, a Amorevolezza é considerada o centro do sistema educativo de Dom Bosco, pois se transforma em presença afetuosa e contínua do educador entre seus alunos. O próprio Dom Bosco afirmava que “é preciso que os jovens saibam que são amados”. A Razão refere-se aos processos de compreensão de si mesmo e do mundo. Seu princípio está voltado para o desenvolvimento das capacidades de compreender, confrontar, raciocinar, adaptar-se, inventar, escolher, decidir. Razão significa, ainda, bom senso, simplicidade, normalidade, naturalidade. Para Santos (2000), a razão é, também, isenção de formalismos e distanciamentos. A racionalidade da ordem é o princípio fundamental para justificar a autoridade e a disciplina nas casas salesianas. A Religião, na prática do Sistema Preventivo, se apresenta como uma proposta de valores que transparece em todo momento e em toda parte. Todo ambiente expressa um clima religioso, nas atitudes dos educadores e também dos jovens (CABRINO, 2009). A educação deve tornar o jovem capaz de assumir séria e responsavelmente a vida de “honesto cidadão e bom cristão” – que se tornou o slogan favorito de Dom Bosco – e, ao mesmo tempo, “equivalente ao trinômio por ele, muitas vezes, recordado e recomendado aos jovens, como programa de vida: saúde, sabedoria e santidade” (SANTOS, 2000). 38 Fundamentada, então, neste tripé, a obra salesiana teve seu início com as atividades dos Oratórios Festivos10 que consistiam em reunir, aos domingos e dias festivos, os meninos pobres e abandonados em um lugar adequado, onde pudessem se ocupar com jogos e diversões, ao mesmo tempo em que lhes era ensinada, oportunamente, a fé cristã. Visando atender aos jovens mais pobres e abandonados, como escola de instrução religiosa cristã e de prática religiosa, em um ambiente de alegria e liberdade, cujo principal vínculo era a Amorevolezza, a criação do Oratório tinha o objetivo [...] de entreter a juventude nos domingos e dias de festa, propiciar-lhes ambiente sadio e alegre, formação evangélica, diversões, esportes, noções de higiene, moralidade, refeições comunitárias, encenações, cinema, declamação, música, canto, devoção à Maria Auxiliadora, a São Domingos Sávio, tudo em espírito de família, para tornarem-se ótimos cidadãos e cristãos, colocados na impossibilidade de cometer faltas (NEGRÃO, 1999, p. 203). Fotografia 3 - Dom Bosco e a banda do Oratório Festivo Fonte: www.salesianos.com.br Na imagem acima vemos Dom