Prévia do material em texto
REGÊNCIA DE BANDA, CORO E ORQUESTRA AULA 2 Prof. José Luis Manrique 2 CONVERSA INICIAL O estudo da regência tem certas aproximações ao estudo da dança, em que a música e o movimento ganham um poder simbólico e expressivo em conjunto. Os gestos do regente devem ser capazes de passar uma ideia musical de forma clara e precisa, para que o grupo instrumental consiga capturar tais ideias que gerarão uma coesão interpretativa que não seria possível sem o regente. Em outras palavras, se um grupo musical interpreta uma obra no mesmo grau de qualidade com ou sem seu regente, teria que ser avaliado se o trabalho gestual do regente está sendo significativo ou não. Percebendo a importância da qualidade do gesto para o regente, a presente aula tratará deste assunto, analisando os gestos fundamentais e complementares, as implicações da batuta e a necessária e constante evolução do repertório gestual. Por ser uma questão totalmente prática, devemos prepararmo-nos para exercitar os movimentos que serão propostos, se possível na frente de um espelho. TEMA 1 – O ESTUDO DO GESTO Cada pessoa tem caraterísticas físicas particulares e padrões comportamentais diferenciados. Assumindo esta realidade, cada regente desenvolverá particularidades no seu gestual, diferenciando-o de outros regentes e imprimindo sua própria personalidade no movimento que, em última instância, enriquecerá a interpretação particular de uma obra. Aqui vemos um primeiro nível de organicidade a ser atingida pelo regente que é a autenticidade gestual do próprio indivíduo. Por outro lado, René Leibowitz recorda que o gesto da regência também possui um estudo universal e comum: Este gestual simbólico adquiriu em nossos dias um valor de sistema altamente elaborado. Ele se constitui numa espécie de ciência exata, numa língua universal, o que faz com que o regente passe a deter uma técnica consumada de direção, capaz de enfrentar qualquer orquestra e de se fazer compreender sem pronunciar uma só palavra. (Leibowitz citado por Lago, 2008, p. 215) Na combinação entre a gestualidade particular do regente e a linguagem universal consagrada da regência, é que nasce o estudo propriamente do gestual para a regência. Por um lado, o regente é convidado a conhecer e reconhecer o 3 próprio corpo, por outro, também é levado ao encontro com os outros a partir de um universo gestual comum poder criar coletividade. O regente deve prestar atenção também a um terceiro elemento que são as leis da física e da natureza. Quando um gesto estabelece uma comunicação entre duas pessoas, este acontece num espaço dentro do planeta terra, ou seja, obedece às leis da gravidade. Para o olhar humano é natural que um objeto lançado para cima precise alcançar um ponto máximo de altura em que brevemente fica suspendido, para logo iniciar seu retorno ao ponto inicial do movimento numa velocidade semelhante da qual saiu. Este padrão natural, que faz parte do cotidiano do ser humano e de todo musicista, serve também de padrão para a regência, afastando-se ou aproximando-se deste, para comunicar características e intencionalidades musicais. Para que o corpo do regente atue eficientemente e responda a estas necessidades da comunicação gestual, este precisa estar relaxado. Por exemplo, nos casos em que seja necessário imitar um movimento de queda livre, o braço do regente deverá comportar-se como tal, retirando qualquer tensionamento muscular, para no momento certo, reativar a tonicidade muscular e indicar o próximo movimento. Devemos lembrar aqui os exercícios de aquecimento corporal da aula anterior, preparação e acondicionamento que todo regente deve fazer para manter uma boa performance e preservando a saúde. TEMA 2 – GESTOS FUNDAMENTAIS O repertório gestual de um regente parte de algumas convenções universais para serem assimiladas pelas particularidades dos seus gestos. Nesta seção serão apresentadas tais convenções que permitirão a construção de uma regência sólida e clara, que pode ser aplicada e acondicionada para qualquer gênero musical. O primeiro passo é definir um plano de regência. Este plano está constituído por uma linha imaginária em alguma altura definida acima da cintura (above waist level), segundo a fisionomia de cada regente. O plano será o ponto de referência, onde os gestos se iniciam e para onde eles retornam, como se fosse o chão para uma bola de basquete rebotando. Este plano é mostrado ao grupo musical antes do início de uma interpretação, avisando a todos os músicos que a obra vai iniciar. Neste momento é que o movimento se inaugura com um gesto de preparação acompanhado da respiração do regente, isto último 4 principalmente em repertório vocal. Assim, com um leve impulso de munheca (wrist flick), a mão sai do plano de regência em movimento ascendente (upswing) acompanhada por uma inalação de ar (inhale). Ao chegar ao ponto mais alto, que pode ser perto da altura da cabeça, segundo a necessidade interpretativa, inicia-se o movimento descendente de volta ao plano de regência, finalizando com uma articulação de munheca como batendo no plano, sinalizando a execução efetiva do evento musical. A Figura 1 mostra graficamente este movimento: Figura 1 – Plano de regência e preparação Fonte: Labuta, 2008, p. 15. O discurso musical se inicia neste gesto de preparação. O movimento antagônico a isto será o gesto de corte (cut), que serve para encerrar alguma frase ou finalizar a interpretação propriamente. Geralmente utiliza-se um movimento circular, horário ou anti-horário como aparece na Figura 2: Figura 2 – Possibilidades do gesto de corte Fonte: Labuta, 2008, p. 19. 5 A modo de treino, podemos pensar num som que inicia e logo finaliza, aplicando estes dois movimentos vistos anteriormente, conjugados e a partir do plano de regência. Este exercício aparece na Figura 3, com as duas opções de corte, horário e anti-horário. O movimento pode ser treinado com ambos os braços separadamente ou juntos de maneira espelhada. Figura 3 – Gesto de preparação e corte Fonte: Labuta, 2008, p. 19. Tendo trabalhado nos gestos de início e finalização, agora cabe estudar os padrões de gestos para a marcação dos tempos durante a música. A regra geral para todos estes movimentos é a seguinte: o primeiro tempo (first) deve ser um movimento reto descendente, o penúltimo tempo (penultimate) lateralmente para fora do corpo do regente, e o último tempo (last) para dentro. Se estes movimentos forem executados pela mão direita, o gráfico ficaria como apresentado na parte superior da Figura 4: Figura 4 – Regra geral da marcação de tempos Fonte: Labuta, 2008, p. 23. 6 Na parte inferior da figura aparecem duas aplicações. A primeira aplicação é uma marcação de três tempos, a qual resume os três movimentos sinalados. A segunda aplicação é um compasso binário composto de 6/8. Nesta última percebemos a preferência em deixar o terceiro tempo na ponta interna do gesto, o que naturalmente provoca um movimento mais amplo de saída do tempo 3 em direção ao tempo 4, que está posicionado do outro lado do eixo do braço, e que merece uma acentuação maior por ser tempo forte. A partir destes padrões gestuais, na Figura 5 estão representadas as marcações de tempo das fórmulas de compasso unitário (one), binário (two), ternário (three) e quaternário (four), com suas respectivas possibilidades (alternative). Figura 5 – Representações dos gestos de marcação de tempo Fonte: Labuta, 2008, p. 24. 7 Não existe outra forma de assimilar este repertório gestual a não ser pela repetição e de preferência com um espelho na frente. A utilização do espelho permite verificar em todo momento se o plano de regência está firme, cumprindo sua função e se os gestos estão sendo orgânicos.Agora, estas marcações farão parte de um contexto estético maior, em que não só será suficiente acertar as batidas, mas cada uma delas pode ter uma atribuição e dinâmica musical diferente. Desta forma, deveremos diferenciar marcações de tempos ativos e passivos, na presença ou ausência de elementos interpretativos a serem comunicados. O gesto de um tempo ativo será identificado pela preparação deste, saído com maior velocidade do tempo anterior, desenvolvendo um arco de altura amplo, e retornando ao plano de regência enfaticamente. Em contraste, o gesto de um tempo passivo será identificado por manter a normalidade do movimento, sem chamar a atenção e dando espaço para que os tempos ativos sejam claramente identificados. Com a diferenciação de tempos ativos e passivos será possível trabalhar preparações em todos os tempos. Tais preparações podem ser utilizadas para iniciar obras anacrústicas ou acéfalas, como também mostrar entradas de elementos específicos em qualquer momento no meio da obra. TEMA 3 – GESTOS COMPLEMENTARES Uma vez que o estudante de regência tem assimilado no corpo os gestos fundamentais, é momento de aprofundar um pouco mais e adicionar alguns gestos complementares ao repertório de movimentos. Dentro destes movimentos temos as preparações em contratempos, as subdivisões, articulações, fermatas, cesuras, entradas e dinâmicas. Como regra geral, os gestos de marcação de tempo mostram os pulsos da música ao entrar em contato com o plano de regência, de acordo com a fórmula de compasso na qual a obra estiver organizada. Nesse sentido, os contratempos não se marcam no plano da regência como se fossem pulsos, a não ser em algumas exceções, mas indicamos a sua existência e expressividade na preparação do pulso anterior. Para isto, o maestro Joseph A. Labuta sugere duas possibilidades mostradas na Figura 6: 8 Figura 6 – Métodos de preparação de contratempos Fonte: Labuta, 2010, p. 34. Tanto o método de pulso único (one-count method) quanto o de dois pulsos (two-count method) são adequados para marcar os contratempos, a escolha dependerá da particularidade do trecho musical e/ou da resposta do grupo a estas duas opções. A diferença entre as duas possibilidades está em que o método de dois pulsos antecipa dois movimentos antes do contratempo a ser indicado, criando uma referência de pulso também antecipada. A respeito das subdivisões de tempo, estas são aplicadas em contextos de andamentos lentos e ataques precisos. O método consiste em passar a marcar a Figura rítmica que é a metade da indicada na fórmula de compasso, dobrando a quantidade de marcações de tempo. Na Figura 7 apresentam-se algumas possibilidades: 9 Figura 7 – Marcações de tempo em subdivisão Fonte: Labuta, 2010, p. 37. No caso das articulações, as mais utilizadas são o legato e o staccato. O legato consistirá em movimentos mais arredondados, como se estivéssemos acariciando as notas, passando uma ideia de continuidade no som. Em contraste, o staccato possuirá um gesto mais em ponta, intensificando a exatidão da batida no tempo e passando uma ideia mais percussiva. O gesto para marcar a fermata funciona como uma suspensão momentânea ou cessão do pulso. O gesto não se congela, mas se mantém em movimento lento a modo de câmera lenta para manter a intensidade. É possível utilizar uma das mãos com a palma para cima fazendo um gesto de sustentação ou indicar o movimento dinâmico desejado. Por outro lado, a cesura propõe não uma suspensão do tempo, mas uma clara interrupção e abandono do pulso, o que ocasionará a necessidade de um novo gesto de preparação para retomar a música. Em relação à marcação de entradas, estas podem acontecer em qualquer momento do percurso da música. A indicação deve ser precisa, preparada com antecipação e olhando para o músico que executará o material musical a ser introduzido. Em casos nos quais aconteçam entradas de diversos executantes juntos devemos olhar para o grupo, ou se os músicos estiverem separados espacialmente fazer uma indicação neutra e não direcionada. Em texturas contrapontísticas densas, com diversas entradas próximas e consecutivas, a 10 melhor opção será não tentar marcá-las, mas manter o mais firme possível a marcação dos tempos com clareza. Por último, para marcar dinâmicas de forma simples e eficiente basta aumentar ou diminuir a amplitude dos gestos correspondentes ao trecho musical. Para mudanças repentinas de dinâmica, a amplitude do gesto precisa ser mostrada antecipadamente. No caso de termos crescendo e diminuendos, existe a possibilidades de manter a marcação dos tempos só com um braço enquanto o outro braço indica o crescendo ou diminuendo retirando ou aproximando a mão diagonalmente a respeito do corpo. TEMA 4 – A BATUTA A batuta é um artefato que serve para amplificar o gesto do regente. Sua aplicação é específica para grupos musicais grandes, pois alguns dos músicos ficam muito afastados da posição do regente, dificultando a comunicação gestual. Desta forma podemos dizer, junto ao maestro Charles Munch, que a batuta “não é indispensável, mas serve para tornar mais visíveis e claros os movimentos do regente, devendo integrar-se a ele como se fosse um só corpo” (Munch citado por Lago, 2008, p. 201). A ideia de a batuta tornar-se um só corpo com o regente é particularmente interessante, pois ela seguirá basicamente o que a mão já fazia. Em outras palavras, a batuta não ajuda a melhorar o gesto em si. Isto significa que se o regente tem problemas com algum gesto, este fato ficará ainda mais evidente com a batuta, amplificando-o e piorando os resultados. Existem muitos formatos de batuta, algumas com a bola maior ou menor, mais redonda ou mais esticada. Esta variedade responde à infinita diversidade de formatos de mão dos seres humanos. Dois pontos são importantes aqui: o comprimento e o balanceamento. O comprimento deve ser inversamente proporcional à estatura do regente. Entende-se que uma pessoa com uma altura acima da média não precisa amplificar muito um gesto que de por si já é amplo. Pelo contrário, uma pessoa com uma altura abaixo da média precisará uma maior amplificação do gesto. A respeito do balanceamento, este se verifica deixando a batuta descansar apenas num ponto da vara, de forma que fique horizontalmente alinhada no seu centro de gravidade. Uma vez achado o ponto de balanço, este será o lugar do qual pegamos a batuta com os dedos. É desejado que ao momento de fechar a mão, a bola fique confortavelmente 11 agarrada no centro da palma da mão. Existem batutas com diferentes pontos de balanceamento para atender às diferentes medidas de mão dos regentes. TEMA 5 – EVOLUÇÃO E ESTUDO CONSTANTE O estudante de regência precisa levar muito a sério o fato de que a sua atividade é um percurso evolutivo demorado, como acontece com qualquer intérprete, cantor ou instrumentista. Na regência não existe processo apenas cognitivo e teórico, é na própria prática que se forja a regência, se expondo ante os musicistas e o público. As bases providenciadas nesta aula são um roteiro seguro para errar menos neste percurso. O maestro Carlos Alberto Figueiredo contribui também neste sentido, falando especificamente da regência coral: [...], gostaria de destacar que todo o processo de aprendizado, em todas as suas etapas, deve ser acompanhado com uma permanente postura crítica, observando, objetivamente, os bons e os maus resultados, acompanhados de uma análise dos processos envolvidos. Jamais aceitar a “autoridade pela autoridade”, de quem quer que seja. A maior autoridade é sempre a de um bom argumento, bem colocado e discutido. (Lakschevitz, 2006, p. 14) Tal complementação incide em dois aspectos. Em primeiro lugar, todo regente, principalmente estudante, deve ser humilde na sua caminhada. A postura críticana sua autoavaliação e a aceitação de críticas construtivas por parte de terceiros é de suma importância para evitar um fechamento em ideias isoladas e manter um crescimento dentro de uma comunidade de regentes e músicos. Em segundo lugar, o universo crítico de um regente se constrói a partir de argumentos e uma discussão aberta ao diálogo. Existirá a oportunidade em que algum regente receba alguma crítica com o argumento de “simplesmente não gostei”. Esta percepção de gosto pode ser até de algum colega regente com experiência comprovada e amplo curriculum, mas o gosto cabe a cada pessoa e não implica necessariamente um problema técnico, apenas contribui com a diversidade de olhares da interpretação artística e a reflexão estética. Nenhum regente deve parar com seu processo evolutivo pois é um estudo constante. Uma graduação formal em regência pode dar um maior embasamento como ponto de partida, mas isto é só o início de uma longa caminhada de trabalho interminável, de grandes alegrias, mas também de decepções. Além de treinar os gestos na frente de um espelho, outro método de estudo é a gravação em vídeo dos ensaios e concertos. Com a câmera ajustada 12 na frente do regente, em algum ponto central do grupo musical que não incomode, a ideia é ter um registro que permita uma leitura fria do desempenho gestual do próprio regente posterior ao momento musical. O calor emotivo do momento propriamente musical muitas vezes não permite que o regente tenha uma correta apreciação crítica. NA PRÁTICA Recolhendo algumas ideias do discutido até agora, analisaremos o início da obra Os planetas (The planets) do compositor inglês Gustav Holst, para orquestra sinfônica grande. Aqui já podemos intuir que o uso da batuta será necessário. Esta composição foi escrita no início do século XX, entre 1914 e 1916, junto com a irrupção da 1º Guerra Mundial, fato histórico que afetou a ordem mundial e influenciou o compositor no seu contexto, isto entre outras possíveis influências: Algumas das caraterísticas atribuídas aos planetas por Holst devem ter sido sugeridas pelo livreto de “O que é um Horóscopo? ” De Alan Leo, texto que o compositor estava lendo naquela época. Leo descreve a aqueles nascidos sobre a influência de Marte como sendo independentes, confiantes, ambiciosos, empreendedores, habilidosos na ação, cabeça dura e as vezes muito energético. (Short, 2015, p. 2085) Aqui cabe ao regente se perguntar, qual será a melhor estratégia para poder imprimir tal caráter no primeiro movimento da obra que leva por nome Marte. Uma possibilidade entre muitas seria ter uma conversa breve com a orquestra para colocar em comum o que a ideia de Marte nos remete no imaginário pessoal e coletivo. Esta sucinta exposição e partilha de ideias ajudará a ter uma coesão interpretativa da expressividade desejada no caráter deste primeiro movimento. Por outro lado, devemos ser claros que o ensaio é um espaço para fazer música. Seria contraproducente provocar uma longa aula de astrologia no meio da prática musical, embora cada integrante da orquestra nos momentos pessoais, fora do ensaio, possa investigar mais sobre este assunto visando um melhor entrosamento com a espiritualidade da obra. Retomando o clima de tensão bélica do princípio do século XX, o imaginário que o planeta Marte sugere também está relacionado ao deus da guerra da cultura greco-romana. Michael Short comenta sobre este caráter da composição: 13 Embora música de batalha já tenha sido escrita antes, notavelmente por Richard Strauss em Ein Heldenleben, nunca expressou tamanha violência e tanto terror, a intenção de Holst foi mais retratar a realidade do estado de guerra do que glorificar ações de heroísmo. A música silenciosa ao início do movimento é tensa e apreensivamente ameaçante, a expressão de algo que se torna cada vez mais urgente, finalmente explodindo no colossal acorde da coda. (Short, 2015, p. 2107,) Nesta apreciação já podem-se notar aspectos interpretativos mais concretos da obra. Para poder oportunizar essa mensagem sensorial de evocação de tensão que o estado de guerra encarna, o começo da obra precisa ser muito delicado na sua dinâmica, causando uma sensação de perigo iminente do qual não se pode escapar. Vejamos as informações que a partitura traz deste trecho nas Figuras 8, 9 e 10: Figura 8 – Os planetas, início do 1º movimento (fragmento 1) Fonte: Holst, 1921, p. 1. O andamento mostrado é allegro, o que significa ter um pulso ligeiro e leve que pode estar entre 120 e 139 bits por minuto. A fórmula de compasso é 5/4 o que pode ser percebido como uma irrupção de antecipação e insistência das tercinas presentes no primeiro tempo do ostinato percussivo (Figura 9). Segundo esta divisão rítmica, a marcação de tempo poderia ser o primeiro tempo no meio, os dois seguintes para dentro do corpo e os dois últimos seguindo a regra geral dos movimentos. 14 Figura 9 – Os planetas, início do 1º movimento (fragmento 2) Fonte: Holst, 1921, p. 1. A música começa delicadamente tensa com a dinâmica em piano. O elemento que mais vai contribuir com a tensão é o gongo (gong) que inicia quase imperceptível em pianíssimo criando uma ambiência que se revelará a partir do compasso 4. A respeito das cordas, é sinalizada a execução da técnica col legno, que significa atacar as cordas com a madeira do arco. Neste caso, em concordância com o tipo de ataque das harpas (harp) e dos tímpanos (timpani), podemos orientar às cordas para fazer um som praticamente percussivo de durações curtas. Isto significa que o gesto deve passar uma ideia de staccato. Este som será bastante sutil, tomando maior intensidade também a partir do compasso 4 em que se inicia a dinâmica de crescendo, que pode ser marcado por um dos braços em movimento diagonal se afastando do corpo e contemplando uma independência nos movimentos dos braços. 15 Figura 10 – Os planetas, início do 1º movimento (fragmento 3) Fonte: Holst, 1921, p. 1. No compasso 3 aparecem os fagotes (bassoons) e as trompas (horns). Aqui será necessária uma marcação de entrada para confirmar a adesão de tais elementos instrumentais, que será preparada com antecedência, chamando a atenção dos envolvidos com sutileza para marcar um ataque em dinâmica piano. Por meio deste exemplo, já temos uma ideia geral do papel do regente e do seu estudo interpretativo e gestual correspondente a esta primeira parte da obra. Agora, como foi mencionado anteriormente, será interessante procurar referências interpretativas para contrastar, avaliar e/ou complementar a nossa leitura interpretativa. Uma interpretação possível a tomar como referência para esta obra é a execução da BBC Symphony Orchestra e a Elysian Singers (Women's Voices), sob a direção da maestrina Susanna Mälkki (BBC, 2021), disponível no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=Zy5jChtgFYI. Podemos verificar que a maestrina interpreta o caráter da música não só no gesto de regência, mas também na expressão facial, com a intencionalidade de passar para a orquestra todas as emoções e sensações que estão no imaginário circundante ao planeta Marte. Ao verificar o vídeo1 nota-se que as opções gestuais estão bastante próximas às apresentadas linhas acima. Além disso, podemos ver um acréscimo interessante, que é a marcação inicial. A maestrina utiliza como preparação uma contagem de três tempos antes do início propriamente da música. O motivo desta decisão deve ter sido em consequência da dificuldade das tercinas iniciais, procurando maior assertividade rítmica na homogeneidade do grupo. 1 A execução integral desta interpretação está disponível aqui: <https://youtu.be/cXOanvv4plU>. Acesso em: 8 jul. 2021. 16 FINALIZANDO Como foi apresentado, muitas das decisões sobre a comunicação gestual de uma interpretação sãodefinidas antes do ensaio. Estes movimentos devem ser praticados e incorporados ao repertório gestual do regente. Por outro lado, diferentemente da coreografia de uma dança, isto não significa que os gestos previstos vão responder a todas as necessidades que possam aparecer para o grupo durante o ensaio. Em muitos casos o grupo musical não responderá a um ou outro movimento como foi previsto. Nesse momento, o regente tem o dever de reajustar o planejado e responder com novas soluções no meio do ensaio. Caso o trecho musical ainda não tenha alcançado a expressividade ou a precisão desejada pelo regente depois do ensaio, este terá que avaliar os movimentos aplicados, consultar com colegas e tentar novas opções no próximo ensaio. 17 REFERÊNCIAS BBC. Holst: The Planets, 'Mars' - BBC Proms. Disponível em: <https://youtu.be/cXOanvv4plU>. Acesso em: 8 jul 2021. HOLST, G. The Planets: Suite for Large Orchestra. London: Boosey; Hawkes, 1921. LAGO, S. Arte da regência: história, técnica e maestros. 2º Edição. São Paulo: Algol Editora, 2008. LAKSCHEVITZ, E. Ensaios: olhares sobre a música coral brasileira. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Música Coral, 2006. SHORT, M. Gustav Holst: The man and his music. Versão kindle. Hastings: Circaidy Gregory Press, 2015. ZANDER, O. Regência coral. 5 ed. Edição. Porto Alegre: Movimento, 2003.