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Explorando o Labirinto: Ensaios Críticos sobre Karl Marx


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Explorando o 
labirinto 
Ensaios críticos sobre o 
pensamento de Karl Marx 
 
 
 
Ricardo Luis Chaves Feijó 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Amazon. 
 
 
Ricardo Luis Chaves Feijó 
 
 
 
 
 
 
Explorando o labirinto 
Ensaios críticos sobre o 
pensamento de Karl Marx 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO (BR) / ORLANDO (FL – USA) 
Amazon– 2023 
 
© 2023 by Amazon. 
ISBN 9798396258907 
Capa e composição: Ricardo Luis Chaves Feijó 
 
 
 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Feijó, Ricardo Luis Chaves 
Explorando o labirinto : ensaios críticos sobre o pensamento de Karl Marx -- São 
Paulo / Orlando (USA) : Amazon, 2023. 
ISBN 9798396258907 
 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Economia : História 330.09 
2. Pensamento econômico : História 330.09 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou 
parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de 
autor (Lei no 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. 
 
 
Impresso nos Estados Unidos da América / Printed in United States 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao brilhante professor e pesquisador 
Fabio Barbieri 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Assim que você tiver feito um pensamento, ria dele. 
Lao Zi (século IV a.C.) 
 
Apresentação 
 
Quando comecei a enveredar pelo árduo e prazeroso cami-
nho de pesquisador acadêmico em filosofia e economia, meu 
primeiro desafio, como mestrando na Universidade de São Paulo, 
foi escolher o tema da minha dissertação e a orientação de um dos 
docentes do programa de mestrado. Foi então que tive a feliz ideia 
de tornar-me orientando do doutor Eleutério Prado. Este docen-
te, que tinha acumulado um bom número de “discípulos”, aceitou 
a tarefa e ainda sugeriu que eu pesquisasse um autor austríaco de 
nome Hayek, prêmio Nobel de economia em 1974 e expoente do 
pensamento liberal contemporâneo. 
Na ocasião, muito jovem e imaturo, tinha minhas predileções 
pela escola marxista, contudo, aceitei a tarefa como um grande 
desafio. Iria enriquecer a minha cultura em economia e meu 
conhecimento técnico na área investigando o polêmico autor 
liberal. Curiosamente Prado tem uma queda por Karl Marx e todo 
o seu legado, mas ele tencionava investigar autores liberais 
fazendo uma espécie de crítica marxista a esse pensamento. Foi 
nesse contexto que ele sugeriu o que seria a minha linha de 
investigação. Abracei com afinco e entusiasmo a causa. Mergulhei 
na magnífica biblioteca da FEA-USP, percorrendo a vasta obra de 
Hayek. Comecei lendo a obra A Ordem Sensorial, depois o 
Individualismo e Ordem Econômica, segui por diversos livros do 
austríaco. Percorri também uma extensa lista de referências da 
chamada literatura secundária, incluindo comentadores de as-
pectos da obra de Hayek, biógrafos, críticos e estudiosos defen-
sores de seu legado. Com isso, enveredei por temas não apenas 
econômicos, mas metodológicos e filosóficos. 
Como fruto desse esforço, elaborei minha dissertação e 
também a tese de doutorado que resultou no livro publicado pela 
editora Nobel Economia e Filosofia na Escola Austríaca. Também 
escrevi alguns poucos artigos no tema que foram aceitos em boas 
revistas científicas nacionais. 
Se Hayek e alguns autores da escola austríaca de economia 
foram-me apresentados pelo excelente acervo das bibliotecas, 
com Marx e seu legado a aproximação deu-se por influência das 
livrarias. Assim é que comecei a percorrer as obras de Marx lendo 
cuidadosamente os seus livros traduzidos pela Boitempo, pela 
Civilização Brasileira e outras boas editoras. Também encontrei 
nas librarias excelentes estudos sobre Marx oferecidos por 
autores como Aron, Attali, Bensaïd, Desai e Harvey. Calvez foi-me 
apresentado por Aron e já se encontrava na biblioteca da família 
(herança de meu pai). Ruy Fausto foi uma descoberta um pouco 
tardia, influência remota de meu orientador (e de colegas) e 
descoberto na biblioteca. Hagemann, Kosik, Losurdo, Roberts e 
Teixeira foram apresentados pelos pareceristas anônimos das 
revistas a que submeti meus trabalhos. Das livrarias, ainda trouxe 
para casa as biografias de Marx, como as de Gabriel, Heinrich, 
Jones, Mehring, Netto, Sperber e Wheen. Não apenas relatos da 
vida de Marx e de pessoas de seu círculo, mas penetrantes 
análises de suas ideias com base em material novo agora dispo-
nível aos especialistas. O biógrafo difamador Pilgrim era uma 
antiga aquisição de minha biblioteca particular. 
O estudo aprofundado sobre Marx despertou interesse por 
suas raízes filosóficas. Mergulhei em Hegel e outros filósofos 
alemães. De Hegel, li superficialmente a Ciência da Lógica e a 
Enciclopédia das Ciências Filosóficas, contudo, mesmo não sendo 
um filósofo profissional pude aprofundar os estudos desse gênio 
do pensamento alemão por meio de uma imersão séria e profun-
da no extenso tratado de Charles Taylor (Hegel: Sistema, Método 
e Estrutura). 
Considero bem sucedida minha aventura acadêmica por 
Marx e seu legado. O mais importante para a carreira universi-
tária foi que criei a disciplina de graduação “Economia Política 
Clássica” (especializada em Marx), no curso de bacharelado em 
ciências econômicas da FEA-RP. Tal disciplina vem sendo lecio-
nada por mim há muitos anos, com boa aceitação dos alunos. Não 
poderia deixar de mencionar que em algumas poucas ocasiões a 
mesma disciplina foi ensinada pelos colegas Márcio e Júlio, aos 
quais agradeço a honra da parceria no ensino. Aproveito para 
desculpar-me por ter sido um tanto “fominha” por lecioná-la anos 
seguidos. 
Outro agradável retorno de meu esforço de pesquisa foram 
os ensaios aceitos e publicados por importantes revistas cientí-
ficas nacionais como Revista de Economia Política, Política & 
Sociedade, Revista Economia da ANPEC e MISES: Revista Interdis-
ciplinar de Filosofia, Direito e Economia. Tais ensaios estão repro-
duzidos neste livro, mas não se trata necessariamente da mesma 
versão apresentada nas revistas. Optei por disponibilizar ao leitor 
a pesquisa completa, tudo o que escrevi antes dos recortes e 
acomodações feitas a fim de caber no formato das revistas. 
Naturalmente que as sugestões dos parecerista foram incorpo-
radas nas versões ampliadas aqui disponibilizadas. 
Dois ensaios do Explorando o Labirinto são inéditos: o 
Práxis e contemplação, e o Problemas na reconstrução do mate-
rialismo histórico. Tais artigos, diga-se de passagem, foram 
submetidos a mais de uma revista especializada e receberam a 
contribuição das sugestões de diversos pareceristas. 
Sinto-me realizado em disponibilizar a um público mais 
amplo o resultado de minhas investigações. O leitor terá assim 
oportunidade de julgar, por conta própria, a qualidade de minhas 
reflexões com base na leitura do material. Gosto muito dele e mal 
consigo disfarçar certo entusiasmo. De certa forma a orientação 
de Eleutério Prado de fazer uma crítica de Hayek com base em 
Marx se tornou uma crítica a Marx com base na escola austríaca. 
Mas não apenas nela. Daí o subtítulo: “ensaios críticos”. 
Por fim, agradeço o carinho e o apoio da minha companheira 
de vida, a também acadêmica professora Vera Lucia Lanchote. O 
apoio afetivo dos meus filhos Carina e Pedro é sempre impor-
tante. Também gostaria de mencionar o colega e parceiro intelec-
tual no campo da metodologia e do pensamento econômico, o 
professor Fabio Barbieri a quem dedico esta obra. 
Boa leitura! 
Do autor. 
1 
 
Ensaios 
1 As origens do anticapitalismo no jovem Marx 5 
Introdução 5 
Infância de Marx 9 
Marx na faculdade 17 
Marx jornalista liberal 28 
Marx comunista e antissemita 40 
Considerações finais 69 
Referências 88 
2 Práxis e contemplação: uma investigação biográfico-
filosófica das ideias do jovem Marx de 1844 a 1848 91 
Introdução91 
A crítica à práxis 94 
Práxis, poiésis e as concepções sobre a natureza 
humana no jovem Marx 103 
O papel da teoria e da contemplação examinados em 
duas obras do jovem Marx 115 
Conclusão 120 
Referências 123 
3 Problemas na reconstrução do materialismo 
histórico 125 
Introdução 125 
A construção do materialismo histórico no 
jovem Marx 126 
O materialismo histórico na nova versão de 
Habermas 142 
Considerações críticas na perspectiva do 
pensamento liberal 153 
Conclusão 160 
Referências 164 
2 
 
4 A ideia de ciência em Karl Marx 169 
Introdução 169 
Influência da tradição de Smith e Ricardo e da 
metodologia de Mill 175 
A relação de Marx com o pensamento econômico 
alemão do século XIX 182 
Modelo de ciência na obra Dialética da Natureza 184 
A metafísica de Marx e suas implicações para sua visão 
de ciência 186 
O paradigma de ciência adotado por Marx 191 
Os ditames da ciência pura confrontando-se com 
crenças políticas 195 
A obra de Marx como arte literária 198 
Clareza de exposição em Marx 200 
Testabilidade empírica e ausência de falseacionismo na 
ciência marxiana 201 
Considerações finais: síntese da ideia de ciência em 
Marx 209 
Referências 210 
5 Teorias essencialistas e o problema da 
transformação de valor em preços: os casos de Marx 
e Menger 213 
Introdução 213 
A visão do processo econômico: Marx versus 
Menger 215 
Teoria do Valor em Marx e Menger: uma 
comparação 235 
O problema da transformação em teorias 
essencialistas 244 
Conclusão 249 
Referências 250 
3 
 
6 Hayek × Marx: uma comparação extemporânea – 
 1º ensaio 255 
Introdução 255 
Epistemologia e visão da economia em Marx 258 
Epistemologia e visão da economia em Hayek 278 
Referências 304 
7 Hayek × Marx: uma comparação extemporânea – 
 2º ensaio 307 
Introdução 307 
Comparação sistemática entre Hayek e Marx 307 
Conclusão 318 
Referências 325 
Bibliografia geral da obra 327 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
Figura 1 – Primeira página do artigo “The origins of anti-capitalism in the young 
Marx”, publicado na Revista de Economia Política da Fundação 
Getúlio Vargas, em 2019. 
 
 
5 
 
1 
As origens do anticapitalismo 
no jovem Marx 
 
 
INTRODUÇÃO 
A última biografia lançada de Karl Marx é do ano de 2018. 
Trata-se do volume I da obra Karl Marx e o nascimento da socie-
dade moderna, de Michael Heinrich. Seu ator afirma logo no início 
da obra: 
“O que não falta são biografias de Marx, desde os primeiros 
trabalhos de Spargo e Mehring já foram publicadas quase 
trinta grandes biografias de Marx.”1 
Há muitas excelentes biografias de Marx, algumas delas verda-
deiros romances que mais parecem um thriller de ficção. Embora 
todas elas muito bem documentadas, o problema, que se coloca 
para o historiador das ideias é o de separar a verdade factual do 
que pode ser mera conjectura do autor. Escreve o biógrafo do livro 
mais recente: “... muitos biógrafos tentem a considerar como fatos 
as hipóteses que lhes parecem especialmente plausíveis, apresen-
tando-as até mesmo como tais...”2 Alguns historiadores das ideias, 
e escritores biógrafos, como Pilgrim, oferecem especulações enri-
quecidas com um pouco de psicologia vulgar, que muitas vezes 
ultrapassam o limite entre a biografia e a ficção científica.3 
Sperber propõe-se a estudar a vida de Marx numa perspectiva 
do século XIX: 
 
1 Heinrich (2018, p. 25). 
2 Heinrich (2018, p. 25). 
3 Pilgrim (1992). 
6 
 
“[...] uma figura vinculada a um passado histórico, cada vez 
mais distante de nossa época: a idade da Revolução Francesa, 
da filosofia de Hegel, dos anos iniciais da industrialização 
inglesa e da economia política daí decorrente”.4 
É evidente que todo biografado deve ser estudado no contexto 
da época e dos locais em que viveu, mas Sperber alerta contra 
autores que forçam a barra no sentido de interpretar Marx como 
um visionário, um autor que do século XIX poderia já ter pensado o 
século XX. Obviamente trata-se de uma proposição absurda. 
A pesquisa sobre a vida de Marx ainda é um campo em aberto, 
em que pesem tantas biografias a respeito, entre outras razões 
porque o conjunto de manuscritos, publicados ou não, e de cartas, 
anotações avulsas etc. desse autor, e de todos que o cercam, ainda 
não está todo ele disponível para os especialistas. A cada ano surge 
novo material. O arquivo MEGA (Marx-Engels Gesamtausgabe) 
desde 1920 pretendera disponibilizar aos estudiosos tudo o que foi 
publicado por Marx, Engels e as pessoas que com eles se relacio-
naram. Iniciado na União Soviética, a MEGA conseguiu publicar 
quase todas as obras de Marx. Infelizmente o esforço foi desconti-
nuado quando seu editor, Rjazanov, foi morto por Stalin. O esforço 
de concentrar as obras de Marx e Engels num grande arquivo 
retomou em 1975 em pareceria com os alemães (com parte dos 
arquivos se transferindo para Berlim Oriental). Depois da queda do 
muro de Berlim, cada vez mais a Academia de Ciência de Berlim-
Brandemburgo, ligada à Fundação Internacional Marx-Engels 
“[...] visa publicar tudo o que Marx e Engels escreveram ao 
longo da vida. Incluindo anotações rabiscadas nas costas de 
envelopes...”, tais detalhes não são apenas preciosismo ou 
mania de colecionar, pois “salientam pequenos detalhes que 
modificam de forma sutil a imagem que fazemos deles.”5 
 
4 Sperber (2014). 
5 Sperber (2014, p. 12). 
7 
 
É evidente que todo biógrafo busca pelos principais fatos, 
acontecimentos e dados históricos que possam influenciar a pes-
quisa da vida, da formação intelectual e da obra do biografado. No 
caso de Marx, interessam as influências do legado da Revolução 
Francesa de 1789, o papel da religião na interpretação do mundo, 
o nacionalismo e a vida familiar, dentre outros aspectos. Cabe ao 
historiador regatar o contexto intelectual e confrontá-lo com o 
arcabouço mais amplo da vida do personagem investigado. Marx 
era não acadêmico, mas “manteve muitos dos hábitos e das práticas 
características dos literatos alemães do século XIX”.6 
O objetivo deste estudo é demonstrar, com base em novas fon-
tes primárias, em correspondências de Marx recentemente trazidas 
a público e exploradas em biografias há pouco lançadas, especial-
mente as de Sperber, Heinrich e Jones, que o ensaio Sobre a Questão 
Judaica revela um elemento de antissemitismo que teve um papel 
fundamental na conversão de Marx ao comunismo. A crítica ao 
judeu serviu para embasar a tese marxiana de que o capitalismo, 
identificado com judaísmo, é mau. A tese de que esse ensaio se 
reveste de um antissemitismo radical não é nova. Aparece, por 
exemplo, em Raymond Aron, Simon Doubnov e Isaiah Berlin.7 O 
geógrafo e marxólogo Bensaïd, o biógrafo Wheen e muito outros 
refutam a tese de um jovem Marx antissemita em 1844 e de que 
esse antissemitismo teria algum papel na conversão ao comunismo 
por ele. Bensaïd considera a acusação de antissemitismo um con-
 
 
6 Sperber (2014, p. 15). 
7 Bensaïd (2010-b, p. 75): “Raymond Aron considerava também Sobre a questão 
judaica ‘o texto mais antissemita de Marx’ [...] Na literatura histórica sobre a obra, 
tal interpretação tornou-se uma ideia reconhecida. Simon Doubnov imputa a Marx 
‘uma antipatia de renegado pelo campo desertado’ e uma incompreensão teimosa 
em relação a ‘uma nação cuja história toda constitui uma refutação de sua doutrina 
estreita’. Isaiah Berlin vê em Sobre a questão judaica simplesmente uma série de 
‘clichês antissemitas’ em reação contra uma origem e uma aparecia física (de 
Marx) estigmatizadas.” 
8 
 
trassenso em relação a Marx.8 Mas todos concordam que o ensaio 
em questão representa um elo indispensável no entendimento da 
construção intelectual do jovem Marx.9 
Não obstante isso, os que refutam a tese do antissemitismo 
marxiano não conseguem sustentar a posição, e as novas fontes têm 
reforçado a suspeita, que se transforma em convicção científica, de 
que não apenas tem-se neste momento de 1843-44 um elemento 
de antissemitismonos escritos de Marx, mas a demonstração de 
que tal sentimento ocupou um papel essencial na conversão dele ao 
comunismo. É isso o que este ensaio procura provar. Para tanto, ele 
estrutura-se em quatro partes. Na primeira investiga-se a infância 
de Marx, o drama familiar e as origens de suas convicções filosó-
ficas e políticas. A segunda seção explora a formação intelectual de 
um Marx na faculdade, os anos como estudante em Bonn e Berlim. 
A outra seção examina cuidadosamente a trajetória de Marx jorna-
lista e adepto de um “liberalismo renano”. Essas duas seções irão 
demonstrar que ele, até então, não apenas deixou de aderir ao 
comunismo, em suas várias versões, como repudiou-o enquanto 
alternativa política superficial e inconsequente, carente de funda-
mento teórico e filosófico. A quarta seção investiga a conversão do 
jovem Marx ao comunismo e liga esse processo aos arroubos antis-
semitas do manuscrito em questão. Uma última seção de conside-
rações finais respalda e fortalece a tese que se retende defender 
neste ensaio. 
 
8 Bensaïd (2010-b, p. 75): “Isolado do movimento de pensamento em que se 
encontra, o artigo Sobre a Questão judaica alimentou muitas interpretações e 
controvérsias. As acusações de antissemitismo e de tendências totalitárias são as 
mais propagadas pelos procuradores desse processo. De Roman Rosdolsky a Enzo 
Traverso, leituras mais sérias examinam, no campo da problemática marxista, as 
ambiguidades e as lacunas que deram sustentação a tais contrassensos.” 
9 Bensaïd (2010-b, p. 83-84): “Muitos leitores vigilantes, de Georg Lukács a Stathis 
Kouvélakis, passando por Auguste Cornu, Georges Labica e Pierre Macherey, 
mostraram que o artigo de 1844, longe de constituir um objeto teórico à parte, 
insere-se plenamente na formação do pensamento crítico de Marx.” 
9 
 
Não se pretende sustentar a tese de que o antissemitismo 
tenha ocupado um papel primordial em todo o sistema teórico e 
filosófico de Marx, tal qual viria a desenvolver ao longo da vida nos 
anos que se seguiram a 1844. O antissemitismo de Marx era 
ciclotímico, ora demonstrava apego à tese, ora se retraia. No 
entanto, diversas declarações dele, desferidas ao longo da vida, 
deixam a impressão de uma repulsa preconceituosa ao povo de sua 
base familiar.10 
 
INFÂNCIA DE MARX 
Karl Marx nasceu em Tréveris, pequena e histórica cidade da 
Renânia que se tornara bispado desde o século III, localizada em 
uma religião onde o catolicismo encontra-se profundamente enrai-
zado. Antes da chegada das forças revolucionárias francesas era 
uma sociedade de ordens, na qual o judeu pertencia a um grupo 
específico dela. Sua posição legal era determinada por suas particu-
laridades religiosas. Estavam 
 “[...] obrigados a pagar tributos e obrigações especiais a 
seus senhores pela prerrogativa de residir no interior de terri-
tórios pertencentes a tais senhores...”, 
 E restritos a exercer ocupações profissionais em empresas 
comerciais ou financeiras. Pode-se falar em discriminação? Talvez 
não, em se tratando de uma sociedade em que membros de grupos 
 
10 A Carta a Ruge, escrita por Marx em março de 1843, é usado por Bensaïd e outros 
apologistas de Marx como uma prova de que este engajou-se pessoalmente em 
favor da igualdade cívica dos judeus e, portanto, não é contra seu povo, pelo 
contrário, queria emancipá-lo. Veremos, mais adiante, o contexto em que Marx 
defende a emancipação dos judeus, na verdade uma estratégia para a 
implementação do comunismo. No entanto, mesmo nesta Carta ele escreve “por 
maior que seja minha repugnância pela religião israelita, ...”, apud Bensaïd (2010-
b, p. 76). Ou seja, além de contrário ao comportamento prático dos judeus, que 
será criticado no ensaio Sobre a questão judaica, nessa passagem Marx diz com 
todas as letras ser contra a própria religião hebraica. 
10 
 
diferentes possuíam direitos e privilégios diferentes. O regulamen-
to dos judeus delimitava ocupações, a taxa de juros que eles podiam 
cobrar, e regulamentava as transações financeiras por eles realiza-
das. 
Marx é “descendente de longa linhagem de rabinos de Tréve-
ris”. Do lado da mãe, aparecem Aaron Lwow (século XVII) e seu 
filho Joshua Heschel (começo do XVIII) – ambos rabinos de Tréve-
ris. O neto também foi rabino da cidade (Moses Lwow). A filha de 
Moses, Chaje, foi avó de Marx. O marido dela, Mardechai Lewy, veio 
da Boêmia na República Tcheca. O avô paterno foi o primeiro da 
família a adotar o nome alemão antigo Marx (Marcos), que depois 
virou sobrenome. Muitos judeus não tinham sobrenome e foram 
obrigados a adotar algum. Marx Lewy também foi rabino em 
Tréveris e um de seus filhos abandonou o judaísmo (Heirinch – pai 
de Marx). 
As tropas da república francesa revolucionária ocupam 
Tréveris, que até então pertencera ao Sacro Império Romano-
germânico, não apenas pelas vantagens estratégicas, mas pelas 
transformações socioeconômicas, para implantar os ideais da revo-
lução. 
“Privilégio das sociedades de ordens, garantidos por 
decreto, foram substituídos por um governo no qual todos os 
cidadãos tinham os mesmos direitos perante a lei, e as bases 
da soberania passavam a ser os desejos da nação e não mais as 
propriedades hereditárias de um monarca.”11 
A elite intelectual da cidade teve forte influência do Iluminis-
mo, fortalecida com a chegada dos franceses. Ela se reunia no clube 
de leitura de Tréveris, no qual um dos membros foi Johann Wytten-
bach, diretor do colégio onde estudaria o jovem Karl e que certa-
 
11 Sperber (2014, p. 25). 
11 
 
mente iria influenciá-lo. Sobre a influência desses acontecimentos 
na formação intelectual do pai de Karl, escreve Wheen: 
“... durante os anos da dominação napoleônica, impregnara-
se das ideais libertárias francesas sobre política, religião, vida 
e arte, tornando-se ‘um verdadeiro ‘francês’ setecentista, que 
conhecia Voltaire e Rousseau de cor’”.12 
A situação dos judeus de Tréveris, em duas décadas de governo 
revolucionário e napoleônico, melhorou consideravelmente. Os 
judeus imaginaram que agora viriam a ter uma nova posição no 
Estado e na sociedade. A abolição da sociedade de ordens, a 
imposição de um regime de cidadãos livres e iguais, tudo isso pare-
cia favorecê-los. A expectativa da comunidade era a de que a 
filiação religiosa não teria mais relevância do ponto de vista políti-
co. Para infelicidade deles, no entanto, tal expectativa nunca seria 
concretizada. Pela ação dos funcionários do Estado francês na 
localidade, os judeus continuaram pagando impostos especiais e 
tolhidos no exercício de profissões, quanto ao local de residência, 
na relação com os cristãos etc. Mas, de qualquer maneira, os judeus 
não poderiam mais ser tidos como um coletivo autônomo dentro 
da sociedade de ordens. 
 Por pressão de Napoleão, os judeus deveriam se submeter às 
normas culturais da sociedade laica. Nesse sentido, aboliram-se as 
leis judaicas de pureza ritual nas forças armadas. Os judeus foram 
obrigados a adotar nomes de família (surge o sobrenome de família 
Marx (Marcos) com base no primeiro nome de Marx Lewy). 
Adotou-se compulsoriamente um sistema de consistórios baseado 
nas paróquias dos protestantes. Com o chamado “decreto infame” 
de Napoleão, de 1808, aperta-se o controle dos judeus. Agora 
estavam obrigados a obter um “certificado de moralidade” para 
atuarem no comércio. Como saída, muitas famílias judias educam 
 
12 Wheen (2001, p. 18). 
12 
 
seus filhos para ocupações mais “profícuas” e “produtivas” do que 
emprestar dinheiro ou atuar como intermediário. 
A aversão ao judeu não se alterou, “... basta ser denominado 
judeu para que se encontre rejeição em toda parte.”13 Ocorrera, 
inclusive, um pogrom em 1809 contra os judeus em Tréveris (que 
estavam decorando a Sinagoga para celebrar o aniversário de 
Napoleão). Os cristãos estavam revoltados com o alistamento mili-
tar obrigatório. 
Em 1811, a família Marx se muda para Osnabrück, no norte da 
Vestefália.Em busca de melhor salário, Heinrich, o pai, tenta se 
estabelecer somente como tradutor da corte, pois foi proibido de 
atuar como notário na redação de contratos e de testamentos. Com 
a chegada dos revolucionários franceses, Heinrich queria se 
libertar das limitadas condições sociais e políticas. Deixaria de ser 
um membro da comunidade judaica para se transformar num 
cidadão francês, seguidor da religião judaica. Queria ser um 
“cidadão produtivo”, exercer uma profissão legalizada anterior-
mente proibida. Não queria ser um agiota. 
Após a derrota de Napoleão, o Congresso de Viena (1814-15) 
reorganiza a Europa. Tréveris agora é parte da Prússia, o poder em 
Berlim. Antigos funcionários do governo de Napoleão são admiti-
dos no serviço prussiano, especialmente presente também no 
judiciário. Em 1814, Heinrich se estabelece como advogado em 
Tréveris. Atua na corte de apelação. 
A situação dos judeus na Prússia, antes da derrota de Napoleão 
era a seguinte: em 1812, o chanceler Von Hardenberg publica um 
decreto de emancipação dos judeus. Mas não concede permissão 
aos judeus de trabalharem como funcionário público. Desde 1810, 
os judeus não podiam exercer essa profissão (que incluía a de 
advogado). Heinrich tenta conseguir uma autorização em caráter 
excepcional, mas não obtém sucesso. Decide mudar de religião, 
 
13 Sperber (2014, p. 30). 
13 
 
entre o final da década de 1810 e início de 1820, mais provavel-
mente no final de 1819 ele se converte ao protestantismo. 
Judeus convertidos eram aceitos na esfera pública. Por exem-
plo, o líder parlamentar e teórico constitucional Julius Stahl era um 
judeu convertido. Nas biografias, viceja um curioso e importante 
debate sobre os efeitos dessa conversão. Três questões são aborda-
das nesse debate: a conversão dos pais foi importante na formação 
do caráter de Karl? Ele desprezava o pai por considerá-lo um 
traidor sem princípios? Isso foi importante no futuro radicalismo 
do filho? Voltaremos a esse ponto mais adiante. No momento cabe 
assinalar que: “A conversão era uma opção costumeira para os 
judeus da Europa central, interessados em tomar parte da vida 
pública”14 Na própria Tréveris, a maioria dos membros das mais 
destacadas famílias da comunidade judaica do século XVIII havia se 
convertido ao cristianismo nos anos 1830. Os judeus convertidos o 
faziam principalmente com medo de retornar às condições do 
velho regime. 
Por que Heinrich se tornou protestante e não católico? Tréve-
ris era católica, assim ele trocou uma minoria por outra. As opiniões 
dos biógrafos variam. Uns argumentam que o protestantismo era a 
religião oficial do estado prussiano e a conversão nela poderia 
facilitar a coisas para Heinrich. Pesaram as conexões entre a Igreja 
Protestante e o Estado prussiano. Outras interpretações destacam 
a visão de mundo de Heinrich, que teria maiores afinidades com o 
protestantismo. O pai de Karl era um convicto defensor do Ilumi-
nismo. Segundo a filha de Marx, Eleanor, o avô costumava ler para 
o pai dela, em voz alta, os trabalhos de Voltaire (defensor do livre 
mercado). Na biblioteca de Heinrich, havia a obra Os direitos de 
homem, de Thomas Paine. Heinrich aproxima-se das convicções 
deístas de Leibniz, Locke e Newton. As ideias racionalistas dos 
iluministas se acomodavam melhor no protestantismo (o pietismo, 
no entanto, era contra o Iluminismo). Entre os intelectuais protes-
 
14 Sperber (2014, p. 34). 
14 
 
tantes de classe média, havia o desejo de conciliar o racionalismo e 
o empirismo com os dogmas da religião protestante (protestan-
tismo iluminado e liberal, mas ainda vinculado ao deísmo). 
Em 1814, Heinrich se casa com uma moça nova, Henriette 
Presburg, de família judia estabelecida na Holanda, que atuava no 
comércio. A irmã mais nova de Henriette, Sophie, casou-se com o 
empresário Philips (avô dos fundadores da famosa empresa com 
esse nome). Este cuidou da herança da família de Heinrich depois 
da morte dele. Os Philips tornaram-se, depois, amigos do casal 
Marx e Jenny. 
Heinrich ficou em boa condição financeira, entre os 3% das 
famílias mais ricas da cidade, diferentemente do filho que viveria 
na insegurança financeira. Heinrich consegui contornar as limita-
ções da vida pública e social dos judeus em Tréveris. Tinha muito 
amigos, era querido na alta sociedade, morou numa das melhores 
casas, que hoje é um museu. A esposa só se convertera ao protes-
tantismo em 1825, depois de batizar os filhos um ano antes. 
Karl foi o terceiro filho, o primeiro tinha nome judeu (Mauritz 
Davi), o segundo era uma menina (Sophie). Os demais filhos, a 
partir de Karl, tinham nomes alemães. Há uma certa confusão sobre 
o nome de Marx: Carl Heinrich Marx ou Carl Marx ou Karl Marx. O 
correto é simplesmente este último, como ele é conhecido. 
Investiga-se a relação de Karl com seu núcleo familiar próspe-
ro e numeroso. A irmã dele, casar-se-ia com um holandês proprie-
tário de uma editora na Cidade do Cabo. Décadas depois, mostra-se 
incomodada de ser irmã de um revolucionário comunista. Diz vir 
de “uma respeitada e querida família de advogados de Tréveris”. 
Era exatamente isso! Marx não construíra sólida relação emocional 
com a mãe. Que vivia grávida. Com a morte do pai, travaram discu-
tas pelo espólio, pelas propriedades deixadas. 
Karl não frequentou a escola primaria. Teve aulas particulares. 
Em 1830, começa os estudos no ginásio de Tréveris, escola secun-
15 
 
dária famosa até hoje (“joia da coroa em termos de educação na 
Alemanha”15). Estudou clássicos, grego e latim. Os escritos de 
Marx, ao longo da vida, carregados de frases ou expressões em 
grego e latim, e com frequente alusão aos clássicos, à mitologia 
grega etc., demostram a qualidade do ensino nessa escola.16 Na 
classe, havia sete protestantes (deveria ter uns 32 alunos).17 Os 
católicos, muitos voltados à carreira na igreja, foram tidos como 
tolos por Marx. Os protestantes queriam ser funcionários do 
governo, militares e outras profissões de prestígio. Marx foi um 
bom aluno, não chega a ser brilhante, boas notas em alemão e latim, 
e mal em matemática.18 Depois do grego e do latim, escolheu o 
francês como terceira língua estrangeira (e não o hebraico). 
O pai já imaginava o filho na carreira jurídica, como ele. A 
língua e a cultura francesas sempre foram um importante acessório 
no mundo intelectual de Karl. O ginásio provavelmente seria a pri-
meira escola subversiva na vida do jovem. Diversos desses pro-
fessores defendiam causas subversivas: um único Estado-nação 
alemão, governo democrático e republicano etc. Diversos gradua-
dos do Gymnasium assumiram ideias subversivas de orientação 
esquerdista: Karl; o filho do diretor Wyttenbach, filho que foi preso 
em uma fortaleza devido a suas ideias radicais e suas atividades; 
Ludwig Simon, filho de um professor, um dos líderes da Revolução 
de 1848 – eminente membro da estrema esquerda na assembleia 
nacional alemã. Outro aluno, Victor Valdenaire, também foi ativista. 
Sem dúvida, um Karl de esquerda começa a nascer do ensino médio. 
O pai, Heinrich, frequentava clubes de leitura com os burgue-
ses mais estimados e abastados de Tréveris. O mais destacado foi o 
 
15 Sperber (2014, p. 41). 
16 Jones (2017, p. 59). 
17 Cf. Jones (2017, p.57). 
18 Jones (2017, p.59): “No geral, seu desempenho era equiparável ao de outros 
estudantes profissionais protestantes: bom, mas não excepcional. Dos 32 alunos 
que prestaram o exame final naquele ano, ele terminou em oitavo.” 
16 
 
clube Casino. Em 1834, seus membros foram acusados de cantarem 
hinos revolucionários franceses, inclusive a Marseillaise, e fazerem 
a defesa da revolução de 1830 na França. Karl, que tinha 15 anos à 
época, deve ter-se encantado com o evento. Uma revelação para ele, 
tanto no que diz respeito ao governo prussiano como em relação a 
seu pai. Heinrich conseguiu se safar da justiça. Alegou ter saído do 
Cassino antes da “bagunça”.19 
Os primeiros escritos de Marx, dos que foram preservados,foram redigidos para as disciplinas de religião e de alemão. Há 
neles uma versão iluminista do cristianismo. A divindade como luz 
moral no lugar de um deus pessoal. Notam-se influências kantianas 
passadas pelo diretor Wyttenbach. Há também influência do barão 
Johann von Westphalen, pai da futura esposa Jenny, que era 
conselheiro da administração distrital prussiana e amigo da família 
Marx. 
O tema de trabalho para a disciplina de alemão intitula-se 
Observações de um jovem a respeito da escolha da profissão.20 
Dois aspectos dessa redação chamam muito a atenção: a oposição 
entre a obediência ao que dita o coração e “nossos relacionamentos 
com a sociedade”, e o outro seria a natureza da função escolhida. A 
profissão ideal deve ser a que: “... Seja alicerçada em ideias de cuja 
verdade estejamos convencidos; ... que ofereça o campo mais amplo 
no qual atuar, visando à humanidade,” e que permita “... nos 
aproximar do objetivo universal, da completude e da perfeição.” O 
último ponto viabiliza-se na interseção entre a satisfação pessoal, 
as aptidões individuais e o aperfeiçoamento da condição humana. 
A redação faz emprego excessivo de metáforas, e revela certas 
influências do diretor e as ideias kantianas dele. Marx cita, como 
exemplos de profissão ideal, o trabalho acadêmico e as atividades 
 
19 Jones (2017, p. 49) afirma que o pai de Karl Marx não era um radical: “Apesar 
do incidente de 1834, as opiniões de Heinrich não eram as de um revolucionário, 
e, como escreveu para o filho, ele era ‘qualquer coisa, menos um fanático’ ”. 
20 Traduzido em Heinrich (2018). 
17 
 
do sábio e do poeta. Nenhum exemplo nas profissões mais cobiça-
das pela classe média: militar, administrador, homem de negócios 
ou advogado. Falaremos algo mais deste ensaio juvenil mais adian-
te. 
A família de Marx tenta se libertar do ambiente restrito e confi-
nado da “nação” judaica em troca de uma vida fundamentada nas 
doutrinas do Iluminismo: abordagem racionalista do mundo, 
religião deísta, crença na igualdade humana e nos direitos funda-
mentais, ideal da comunidade de cidadãos “produtivos”. Tal visão 
estava parcialmente em conflito com os valores prussianos. 
O legado deixado pela família, e especialmente pelo pai, e que 
se reflete na redação do jovem, é que a vida intelectual deve funcio-
nar como um meio de melhoria da condição humana. Karl, nessa 
época, não era um radical, aproximadamente pensava como o pai 
(e o futuro sogro): liberal e racionalista. 
O colega de Karl, Ludwig Simon era, sem dúvida, mais extrema-
do que ele e o demonstra, na redação como exame na mesma disci-
plina, com suas teses radicais: somente a Alemanha (terra dos 
Deutsche) poderia ser sua terra natal e nunca apenas a Prússia. 
Revela também repúdio à monarquia prussiana, dentre outros 
argumentos subversivos. Qual o tipo de revolucionário típico da 
época, como este Simon? Participou da Revolução de 1848 lutando 
nas ruas (Karl atuava no jornalismo na época dessa revolução). 
Defendia ideias revolucionárias que refletem as aspirações dos 
jacobinos (Robespierre) da Revolução Francesa de 1789 (Karl 
nunca fora um “neojacobino”). Ideias de um republicano com 
inclinação a reformas sociais, sem forte oposição ao capitalismo. 
Marx, quando revolucionário, iria demandar por mudanças na 
estrutura econômica e nas relações de propriedade. 
 
 
 
18 
 
MARX NA FACULDADE 
Em 1835, Marx inicia seus estudos universitários. De início, na 
Universidade de Bonn. Viaja para lá na passagem do cometa Halley 
no céu. Karl toma parte da liga dos poetas (incluía outros futuros 
líderes revolucionários). Discutiam temas literários e de arte. 
Escreviam poesias. Fortalece a amizade com o barão, futuro sogro: 
mesmas ideias políticas liberais, monarquistas constitucionais, se-
guiam a doutrina religiosa protestante e eram iluministas. 
Nos novos ares, a nobreza prussiana reagia, tentando recupe-
rar antigos privilégio e direitos, contra as mudanças que ameaçam 
sua posição. No entanto, a filha do barão, futura esposa de Marx, e 
o cunhado Edgar, irmão mais novo de Jenny, “eram religiosos 
racionalistas e aderentes às correntes políticas de esquerda.”21 Von 
Westphalen apresentou a Karl as obras de Shakespeare, que se 
tornaram uma paixão duradora do jovem.22 
O pedido de casamento foi o primeiro ato revolucionário de 
Marx: 
“Muito antes de formular suas teorias comunistas ou 
absorver o ideário radical e ateu dos Jovens Hegelianos, o 
pedido de casamento feito por Karl Marx foi sua primeira 
rebelião contra a sociedade burguesa do século XIX”.23 
Segundo o sogro: “um excelente, nobre e extraordinário rapaz”.24 A 
origem judaica de Marx não deve ter atrapalhado. Evangélicos 
conservadores não se opunham a judeus convertidos. 
Em 1836, Marx se transfere para a Universidade de Berlim 
(atual Universidade Humboldt). Nos primeiros meses, dedica-se a 
 
21 Sperber (2014, p. 59). 
22 Wheen (2001, p. 26): “Marx passou a conhecer grande parte de Shakespeare de 
cor – e fez bom proveito disso, salgando e apimentando seus escritos da vida 
adulta com citações e analogias oportunas extraídas das peças teatrais.” 
23 Sperber (2014, p. 62). 
24 Sperber (2014, p. 63). 
19 
 
escrever poesias. O amor por Jenny influencia a visão de mundo de 
Karl, e isso se reflete em suas poesias românticas. Frequentando a 
faculdade de direito, assiste às aulas de jurisprudência ministradas 
pelo professor Friedrich Karl von Savigny, 
“um reacionário magro e severo que, embora não fosse 
hegeliano, concordava em que o desenvolvimento das leis e do 
governo de um país era um processo orgânico, que refletia o 
caráter e a tradição de seu povo.” 
Também conheceu uma visão alternativa a respeito desses 
temas, disseminada por Eduard Gans, de quem falaremos mais 
adiante, 
“[...] um hegeliano radical que acreditava que as instituições 
deviam ser submetidas à crítica racional, e não à veneração 
mística”.25 
Durante seu primeiro ano em Berlim, Karl não prioriza a filoso-
fia, preocupado que estava em se aprofundar no estudo do direito. 
Após alguns experimentos literários frustrados, ocorre o encontro 
com as ideias de Hegel: “tão intoxicantes quanto a cerveja que Marx 
consumia”,26 tão estimulantes quanto o amor por Jenny.27 A filoso-
fia hegeliana atua como um ramo imperialista do conhecimento: 
incorpora todos os outros, seus métodos e conclusões são repro-
duzidos nessas outras formas de conhecimento que também os 
confirmam. Trata-se de um sistema filosófico que se considera 
autocomprovável. A fórmula básica desse pensamento vislumbra 
que 
 
25 Wheen (2001, p. 30). 
26 Sperber (2014, p. 64). 
27 Dentre os experimentos literários do jovem Marx, Wheen (2001, p. 32) cita a 
pequena novela humorística Escorpião e Félix, “uma torrente disparatada de 
humor esdrúxulo e chacota, obviamente redigida sob a influência do Tristam 
Shandy, de Sterne”, e o drama poético Oulanem. 
20 
 
“[...] a consciência de um sujeito em relação aos objetos 
exteriores a ele acabaria por se transformar em versão 
ampliada da autoconsciência.”28 
As ideias filosóficas de Hegel se transformam numa espécie de culto 
religioso. A conversão produz um êxtase entusiástico ao se com-
preender, o aluno, como espírito finito que é parte do espírito 
absoluto. 
Não se sabe o que levou Marx, nesses dias, a abraçar o sistema 
filosófico de Hegel. Antes, Karl rejeitara o canto de sereia de Hegel, 
“cuja melodia grotesca e áspera não me atraía”, dizia ele.29 Um 
biógrafo afirma que, nessa ocasião, Marx parece ter ficado “ligeira-
mente desequilibrado” para então descobrir afinidades entre seus 
experimentos literários e filosóficos e o sistema hegeliano.30 
Teses hegelianas são expostas por Marx em carta ao pai de 
1837: a história do mundo deve ser entendida e interpretada como 
a obra do espírito absoluto. Na história, o espírito absoluto adquire 
consciência de si mesmo. Já no primeiro ano em Berlim, Karl 
abandona o projeto de escrever uma filosofia do direitofundamen-
tada nas ideias de Kant. Vejamos alguns insights hegelianos na 
cabeça do jovem Marx (tal como expressos por ele em carta ao pai): 
a percepção e a análise também dependem do objeto: 
“quando o sujeito circunda o objeto [...] criando categorias 
arbitrárias [...] a razão da coisa, em si mesma, deve fazer um 
movimento autocontraditório à frente e descobrir em si 
própria a unidade”.31 
Marx quase enlouquece com essa conversão: 
 
28 Sperber (2014, p. 66). 
29 Apud Wheen (2001, p. 33). 
30 Vide Wheen (2001, p. 33). 
31 Sperber (2014, p. 68). 
21 
 
“[...] vaguei como um louco pelo jardim, nas águas imundas 
do Spree [...] corri para Berlim e desejei abraçar todos os 
trabalhadores sem qualificação [mendigos?] que se postavam, 
nas esquinas.”32 
Edgar, o radical, futuro cunhado, era o companheiro de Marx 
em Berlim.33 Em 1838, Marx encontra-se adoentado (tuberculose?) 
quando ocorre o falecimento do pai. Johann Schlink (advogado de 
Tréveris) torna-se seu tutor. Conhece dificuldades financeiras com 
a morte do pai, mas mantem a mesma “vida desorganizada e des-
cuidada.”34 Contrai dívidas que não seriam pagas. Começam as 
histórias do Marx caloteiro, fugindo dos credores. Marx se exercita 
na arte de mendigar apoio aos familiares e entre os amigos (que 
mantém por toda a vida). Briga com a mãe pela herança.35 
Abandona as palestras na universidade, aos poucos vai per-
dendo o entusiasmo por uma carreira no direito. Pensa na carreira 
acadêmica e começa a trabalhar na preparação de uma tese de 
doutorado (mestrado?). Aplica os métodos de Hegel no estudo da 
filosofia da antiguidade. Marx não conheceu Hegel pessoalmente. O 
filósofo morrera em 1831. Hegel arrebanhara um grupo de discípu-
 
32 Apud. Sperber (2014, p. 68). 
33 Jones (2017, p. 75): “Edgar e Karl também foram contemporâneos em 1837 em 
Berlim, ambos ostensivamente estudando jurisprudência, assim como o melhor 
amigo de Edgar, Werner von Veltheim, sobrinho da primeira mulher de Ludwig. 
Tanto Edgar como Werner sonhavam em ir para os Estados Unidos e viver em uma 
comunidade comunista.” Wheen (2001, p. 24): “O único amigo de escola dos 
tempos de Trier [Tréveris] com quem Marx manteve alguma ligação na vida adulta 
foi Edgar von Westphalen, um companheiro amável e um diletante de inclinações 
revolucionárias.” 
34 Sperber (2014, p. 72). Antes da morte do pai, Karl já demonstra problema em 
administrar dinheiro, mesmo com uma boa mesada. Escreve Jones (2017, p. 61): 
“Heinrich estava preocupado também com a atitude do filho em relação a dinheiro. 
Em janeiro de 1836, queixou-se de que as contas do filho eram ‘desconexas e 
questionáveis’ ”. 
35 Jones (2017, p. 107): “Nos cinco anos seguintes à morte do pai, as relações de 
Karl com a família, especialmente com a mãe, pioraram muito.” 
22 
 
los particularmente numeroso em Berlim, mas grande também em 
outras cidades alemãs. 
Marx recebe influências de Eduard Gans, professor de história 
jurídica.36 Gans era amigo de Alex de Tocqueville, o liberal que 
estudara os Estados Unidos da América. Marx iria estudar Tocque-
ville em 1843, como veremos adiante. Gans também conhecia e 
ensinava Saint-Simon. Foi... 
“um dos primeiros alemães a observar com atenção os são-
simonianos, primitivos socialistas [comunistas!] franceses que 
desenvolveram a ideia de propriedade coletiva, em vez de 
privada, e do planejamento industrial e econômico, em lugar 
do livre-mercado.”37 
Mas não era comunista. Defendia o cooperativismo na produção. 
“Inúmeras passagens do [futuro] Manifesto Comunista [de Marx e 
Engels] foram retiradas, quase literalmente, do trabalho de Gans”.38 
A principal influência intelectual em Marx na época foram os 
Jovens Hegelianos. Também proporcionaram as principais cone-
xões pessoais e profissionais. Ofereciam uma especulação intelec-
tual cuidadosa e mantinham um estilo de vida ruidoso e boêmio. 
Muito jovem e sem a orientação do pai, agora falecido, Karl foi se 
tornando um radical em política. Karl também tinha sido influen-
ciado por poetas politicamente radicais. Em especial, por Heinrich 
Heine, cuja poesias faziam críticas à sociedade. 
O imperialismo de Hegel, que era aplicado a todas as Wissen-
schaft, fora direcionado agora à teologia protestante. Formalmente 
Karl era um protestante. 
 
36 Jones (2017, p. 87): “Parece provável também que, nos primeiros anos de Karl 
em Berlim, Eduard Gans, um dos mais destacados membros do clube [Clube dos 
Doutores, em Berlim], o tenha ajudado a definir suas ideias sobre direito. Há 
registros de Karl assistindo a suas palestras em 1837 e em 1838.” 
37 Sperber (2014, p. 74). 
38 Sperber (2014, p. 74). 
23 
 
“O estágio do desenvolvimento no que o espírito percebe o 
objeto como o seu outro pode ser relacionado ao Deus do 
Velho Testamento [...] o espírito que percebe seu objeto como 
uma forma de autoconsciência, e se perde como parte do 
Espirito absoluto, corresponde à ideia cristã da Santíssima 
Trindade.”39 
Hegel oferecia a ideia de um deus que não é nada sem a sua criação 
em oposição ao deus pessoal do protestantismo. 
David Friedrich Strauss, notabiliza-se por sua obra A Vida de 
Jesus analisada à luz da teologia, de 1835. Era pastor protestante, 
professor na Universidade de Tübingen, e é considerado um dos 
primeiros jovens hegelianos.40 Bruno Bauer, professor de teologia 
na Universidade de Berlim, desenvolve com mais profundidade e 
contesta alguns aspectos da contribuição de Strauss. Segundo 
Bauer, este pensador ignorava a importância da autoconsciência 
religiosa. 
“Bauer estaca ficando famoso por sua radical crítica bíblica 
e sua interpretação intransigentemente secular da filosofia de 
Hegel”.41 
A Essência do Cristianismo de Feuerbach é, de longe, a obra 
mais genial desse movimento. Generaliza os insights de Strauss e 
de Bauer, e aplica de modo magistral a filosofia hegeliana na crítica 
à religião. O projeto a ser desenvolvido por Marx, de uma crítica de 
cunho hegeliano à economia política dos ingleses, sem dúvida, tem 
forte inspiração no trabalho de Feuerbach, mesmo que este tenha 
outro objeto como centro da crítica. 
Na crítica à religião cristã de Feuerbach, o crente atribui a uma 
divindade transcendente, ser mítico e supremo, os melhores atri-
 
39 Sperber (2014, p. 75). 
40 Jones (2017, p. 145): “Os jovens hegelianos tinham surgido da batalha de ideias 
que se seguiu à publicação de A vida de Jesus de David Strauss em 1835.” 
41 Jones (2017, p. 113). 
24 
 
butos da humanidade enquanto espécie. Ocorre uma alienação reli-
giosa, em que o homem se afasta de sua essência ao atribuir tudo o 
que lhe é bom a um ser exterior. Marx compra essa ideia, que viria 
a moldar seu pensamento e suas ações. Agora, ele é um ateu, que 
pretensamente entende e contesta o mecanismo de sua outrora 
religião protestante, na qual fora batizado. 
“Esse ateísmo, contudo, possuía certos traços de religião, já 
que envolvia a transferência do sentido de transcendência de 
Deus para a humanidade.” 42 
Outro idealizador dos Jovens Hegelianos é Arnold Ruge, da 
Universidade de Halle, editor do Halle Yearbooks. Faz a conexão 
entre protestantismo, racionalismo religioso e Iluminismo hegelia-
no. Por influência de Karl von Altenstein, o hegelianismo torna-se 
quase a filosofia oficial do estado prussiano. Influência já em 
declínio nos anos 1830 e que quase se extingue com sua morte em 
1840. Com o movimento Despertar de Frederico Guilherme IV, a 
política educacional e cultural do governo prussiano se volta contra 
o ideário hegeliano e contra seus proponentes. 
Em reação a isso, os Jovens Hegelianos se tornam mais 
radicais, no sentido de mais à esquerda, contudo, esquerda enten-
dida no sentido liberal e republicano, não no sentido comunista. 
Passam a colaborar com a oposição liberal na Prússia e a defender, 
com grande determinação, ideais democráticos e republicanos. 
Ateus e democratas se unem ao isolamento imposto a eles pela 
política oficial. Dos dois, Karl era do grupodos ateus. Tinha Feuer-
bach como modelo de intelectual, mas ambos nunca se encontra-
ram, nunca trabalharam juntos em um projeto intelectual. Feuer-
bach rejeitou Marx. Dos principais Jovens Hegelianos, foi Bruno 
Bauer que mais se aproximou do jovem Karl. Era tanto um ateu 
assumido como um defensor de ideias republicanas. 
 
42 Sperber (2014, p. 77). 
25 
 
“Autoconsciência era o termo central na intepretação 
baueriana de Hegel. Não se referia a uma consciência imediata 
ou particular, mas ao que Bauer chamava de ‘singularidade’, ou 
processo pelo qual o particular se elevava ao universal. Dessa 
maneira, o eu tornava-se portador de razão ou da união dialé-
tica entre o universal e o particular. O individual, possuidor de 
singularidade, tinha adquirido os atributos que Hegel conferia 
ao ‘Espírito Absoluto’ [...] Deus era encontrado exclusivamente 
na consciência humana. Deus era nada mais do que a autocons-
ciência conhecendo-se ativamente a si mesma.”43 
Maldoso, arrogante e egocêntrico,44 é possível que Bauer tenha 
inoculado certo antissemitismo em Karl. Mais de uma década 
depois, Bauer ficaria conhecido como um conservador e ardoroso 
antissemita.45 Karl conhecera Bruno no verão de 1937, quando 
entrou para o Clube dos Doutores em Berlim, liderado por este 
(embora ainda não fosse doutor).46 Marx é um protegido de Bauer, 
que tinha planos de inseri-lo no quadro docente da Universidade 
de Bonn. Incentivou-o a concluir sua tese. Antes de tentar a sorte 
em Bonn, Marx concluiu sua tese de doutorado (mestrado). Trata 
de comparar as teorias da natureza encontradas nos filósofos 
Demócrito e Epicuro. 
“Marx se propôs a demonstrar que o atomismo de Epicuro 
não apenas era original, como também mais importante e 
profundo do que o trabalho original de Demócrito”.47 
 
43 Jones (2017, p. 115). 
44 Cf. Sperber (2014, p. 79). 
45 Cf. Sperber (2014, p. 80). 
46 Wheen (2001, p. 33): “Através de um amigo da universidade, [Marx] foi 
apresentado ao Clube dos Doutores, um grupo de Jovens Hegelianos que se reunia 
com regularidade no café Hippel, em Berlim, para noitadas de ruidosa controvér-
sia, regada a bebida.” 
47 Sperber (2014, p. 81). 
26 
 
A escolha de Epicuro como objeto de seus estudos tem relação com 
o abandono de Marx de influências românticas, pois 
“Epicuro era o filósofo mais odiado pelos românticos, como 
antecessor do materialismo francês do século XVIII e de uma 
nova visão mecanicista do mundo”.48 
A tese fazia uma defesa do idealismo como filosofia contra o 
“determinismo ‘dogmático’ com base na natureza, de Demócrito.”49 
Em Epicuro, mas não em Demócrito, 
“[...] o átomo continha alguma coisa dentro dele que lhe 
permitia revidar e resistir à determinação de outro ser, e isso, 
de acordo com Karl, era o começo de uma teoria da autocons-
ciência.”50 
De modo hegeliano, Karl argumentava que o ideário de Epicuro 
representava um avanço no processo de desenvolvimento intelec-
tual da humanidade, e da autoconsciência do homem (a linguagem 
obscura e estranha também é hegeliana). “Karl apresentou Epicuro 
como precursor da filosofia da autoconsciência”.51 Com efeito, as 
ideias de Epicuro eram um estágio mais elevado de pensamento, já 
que se encontravam mais próximas da opinião de Hegel a respeito 
do movimento dialético da autoconsciência, opinião esta que se 
opunha às concepções não dialéticas de Demócrito, segundo as 
quais os conceitos relativos ao sujeito que pensa e percebe eram 
empregados para categorizar o objeto de suas percepções, mas não 
apresentavam conexões intrínsecas com ele. A influência de Bauer 
 
48 Jones (2017, p. 101). 
49 Jones (2017, p. 102). Wheen (2001, p. 38) escreve: “Apesar do tema 
aparentemente árido, o estudo comparativo que Marx fez de Demócrito e Epicuro 
foi, na verdade, um trabalho ousado e original, no qual ele se dispõe a mostrar que 
a teologia devia curvar-se ao saber superior da filosofia, e que o ceticismo triunfa-
ria sobre o dogma”. 
50 Jones (2017, p. 103). 
51 Jones (2017, p. 102). 
27 
 
em Marx convenceu este de que o que evolui não é o espírito 
absoluto, mas a autoconsciência humana. 
A tese fazia parte de um projeto maior de estudo dos filósofos 
da autoconsciência, que também incluía os estoicos e os céticos. Foi 
dedicada ao futuro sogro, o barão. No Prefácio, buscando analogia 
entre o filósofo e Prometeu, da lenda grega, diz odiar todas as 
religiões.52 É definitivamente um Marx ateu. A única divindade 
admitida seria a autoconsciência humana. 
Pergunta-se então se o ódio às religiões, além de se aplicar ao 
cristianismo, também se aplicaria ao judaísmo. Seria Marx um 
antijudaico nesta época? Teria essa postura alguma conexão com o 
antissemitismo revelado no ensaio de 1843, Sobre a Questão Judai-
ca? Voltaremos a essas questões mais adiante 
Marx tinha sido jubilado na Universidade de Berlim, após 
quatro anos. Já era um doutor. A tese foi aceita e aprovado em Jena. 
A data de aprovação é 15 de abril de 1841. Foi um doutorado à 
distância, não presencial. A Universidade de Jena era a única que 
não exigia um período de residência e uma defesa formal diante de 
uma banca. Mas não se trata de um simples diploma obtido pelo 
correio. Jena era rigorosa e a tese, de fato, um trabalho de conside-
rável erudição e conhecimento, escrito por alguém bastante apto à 
carreira acadêmica. 
 
 
 
 
 
52 Jones (2017, p. 104): “O prefácio declarava, em palavras atribuídas a Prometeu, 
que a filosofia se opunha ‘a todos os deuses celestes e terrestres que não 
reconhecem a autoconsciência humana como a mais alta divindade’. Por essa 
razão, Epicuro teria sido “o maior representante do Iluminismo grego”. 
28 
 
MARX JORNALISTA LIBERAL 
Após a conclusão do doutorado em filosofia, ocorre uma 
reviravolta na pretensão de Marx. Ele fica impossibilitado de seguir 
a carreira acadêmica e passa a se dedicar ao jornalismo contesta-
dor. Marx não teria nenhuma chance de ser aceito na carreira 
professoral em Bonn após a demissão de seu “tutor”, Bauer, em 
março de 1842. Marx encontra-se agora com 23 anos e desempre-
gado. Porém já com o título de doutor. Ele encontra uma nova 
perspectiva profissional atuando como jornalista crítico e contesta-
dor em órgãos de imprensa que faziam oposição subversiva ao 
Estado prussiano. 
Por essa época, Karl esperava se beneficiar do espólio do fale-
cido pai, mas a mãe descontou a parte que Marx teria de receber da 
volumosa quantia que lhe tinha sido adiantada nos últimos anos. 
Ficou “exposto às mais miseráveis condições”.53 Deteriora-se a 
relação dele com a família de origem. A mãe de Marx era mais presa 
ao judaísmo que o falecido pai. Foi a última a ser batizada no 
cristianismo, sob a pressão do marido e certo constrangimento com 
os familiares na Holanda. Ainda era judia num sentido religioso. O 
conflito com a mãe e os irmãos talvez tenha reforçado nele o 
antijudaísmo, como crítica ao sistema de crença da religião, e talvez 
o tenha aproximado do antissemitismo, atribuindo a aparente 
avareza da mãe, e a insistência dela em fazer contas, a um traço 
judeu estereotipado (adoradora do dinheiro, usurária etc.). A mãe, 
contudo, continuou ajudando-o financeiramente no ano seguinte, 
na expectativa de que o filho finalmente consiga uma atividade 
remunerada. 
Após uma tentativa frustrada de estabelecer-se em Colônia, 
Marx passa o ano de 1842 na Universidade de Bonn, desenvolvendo 
um trabalho voltado à carreira acadêmica, preparando sua habilita-
ção, uma tese de pós-doutorado, pré-requisito para a aceitação no 
 
53 Sperber (2014, p. 86). 
29 
 
quadro docente.54 Estrutura uma palestra sobre lógica. Enquanto 
isso, seu amigo Bauer faz algum sucesso com o lançamento do 
panfleto satírico A trombeta [O clamor das trombetas do julga-
mento final contra Hegel, o ateísta e anticristo], que fazia muitas 
referências aos jacobinos.55 Marx não trabalhara nesse panfleto, 
mas em uma continuação dele, que nunca foi publicada, a respeito 
das artes hegelianae cristã, atacando o romantismo alemão, com 
seu anacrônico resquício medieval. 
Bauer não cedeu à pressão do novo e reacionário ministro de 
assuntos educacionais e religiosos, Johann Eichhorn, para que 
contemporize em atuar em disciplinas e linhas de pesquisa menos 
polêmicas, e acabou sendo expulso da universidade.56 Marx era 
visto por todos como um colaborador, igualmente subversivo, de 
Bauer. O desligamento deste, portanto, lhe fechou as portas do 
meio universitário. 
Sem um trabalho, não poderia se casar com Jenny. A pressão 
nesse sentido era grande, pois secretamente seria possível que, 
após anos de noivado, ambos já teriam tido algum contato mais 
íntimo. A única saída que ele foi capaz de vislumbrar era atuando 
 
54 Marx acabaria por se firmar como jornalista em Colônia, trabalhando no 
periódico Gazeta Renânia. Mas em 1841 adia provisoriamente o plano de se 
estabelecer nessa cidade. Alega as razões: “Abandonei meu projeto de me 
estabelecer em Colônia, já que a vida de lá é muito tumultuada para mim e a 
profusão de bons amigos não contribui para a boa filosofia (...) Assim, Bonn 
continua a ser minha residência, por enquanto; afinal, seria uma pena não ficar 
ninguém aqui com quem os santos homens possam se zangar.” Colônia era a cida-
de maior e mais rica da Renânia, que funcionava “como um polo de atração para 
pensadores heréticos e para os insatisfeitos da Boêmia, que ofereciam sua 
profusão de conhecimentos em troca do conhecimento que os magnatas tinham 
da riqueza”. Wheen (2001, p. 40). 
55 Jones (2017, p. 123) escreve que, na Trombeta, “Hegel tornou-se um apologista 
de Robespierre: ‘Sua teoria é práxis. [...] É a própria revolução’ ”. 
56 Jones (2017, p. 117): “A perda de qualquer perspectiva realista de um emprego 
acadêmico ajuda a explicar o radicalismo crescente da crítica religiosa de Bauer 
depois de 1839.” 
30 
 
como escritor independente, em oposição ao Estado prussiano. 
Utilizando o trabalho já desenvolvido com Bauer nos seis meses 
anteriores, e escritos adicionais, propôs diversos artigo a Arnold 
Ruge que, tendo fechado o Halle Yearbooks, por imposição das 
autoridades, lançara em Dresden, na Saxônia, fora do alcance das 
autoridades de Berlim, o German Yearbooks. 
Ruge, por já considerá-lo um escritor notável, esperou pacien-
temente o envio por Marx de algum manuscrito ao jornal. Soma-se 
ao padrão de conduta de atrasar-se sempre, o fato de que Karl 
estivera envolvido simultaneamente na colaboração em um jornal 
na Renânia, o Rhineland News. Não há dúvida de que o envolvi-
mento com este jornal foi decisivo no desenvolvimento intelectual 
de Marx. Porque ele pôde exercer um ativismo político escrevendo 
para esse veículo. Segundo Jonathan Sperber, “isso o colocou em 
contato com o ideário do comunismo e estabeleceu os alicerces de 
sua autodesignação como comunista”.57 Contudo, Sperber não de-
monstra essa tese. 
Marx atua nesse jornal de outubro de 1842 até meados de 
fevereiro de 1843. Intelectuais radicais de toda a Europa passam a 
vê-lo não como um pupilo de Bruno Bauer, mas como um autor de 
mérito próprio, um grande polemista. Ao mesmo tempo, as autori-
dades prussianas começam a enxergar nele um agitador subversivo 
e perigoso. 
Marx é reconhecido como um escritor notável pela burguesia 
endinheirada de Colônia. Mas também conquista a admiração de 
outros seguimentos da sociedade. De comerciantes e banqueiros a 
membros da câmara de comércio; de republicanos radicais a 
liberais moderados; de marginalizados intelectuais boêmios a 
intelectuais de tendências comunistas, todos passaram a admirar 
as publicações de Karl. Marx se viu finalmente recompensado pelos 
 
57 Sperber (2014, p. 92). 
31 
 
esforços de estudante, e passou a nutrir em si séria pretensão no 
jornalismo de engajamento político. 
O que Marx publicou nesse periódico e o que atraiu a admira-
ção do público? Primeiramente, fez sucesso o artigo sobre liberda-
de e imprensa, depois aparece um artigo (publicado no MEGA e não 
lançado em português), formulado em tom defensivo e tratando do 
ateísmo dos jovens hegelianos. E procurando “serenar a sensibili-
dade religiosa dos católicos da Renânia”. 
O fato de os dois artigos de Marx terem sido elogiados por 
amplas camadas da população letrada já induz que, de fato, o 
conteúdo deles era não radical, mas essencialmente democrático, 
humanitário e apaziguador de conflitos. Não há nada do Marx 
radical e comunista que se notabilizaria nos anos seguintes. A 
conversão ao comunismo não começa aí; mas ao longo do ano de 
1843, nos meses em que ele já não atuava mais nesse periódico. 
O Gazeta Renana surgiu para quebrar o monopólio do único 
jornal de grande circulação na Renânia, o Cologne News (Colônia é 
a maior cidade desta região). Dois jovens intelectuais radicais, e 
bastante ricos, assumiram a missão de implementar o jornal: 
Robert Jung e Moses Hess. O jornal era subvencionado pela venda 
de participação em ações, e tinha amplo apoio na comunidade local. 
Hess era crítico aos Jovens Hegelianos e provavelmente influenciou 
Marx a se afastar de Bruno Bauer, que nos anos seguintes se 
tornaria de tutor a grande adversário intelectual. Hess reforça em 
Marx as ideias dos comunistas Henri de Saint-Simon e Charles 
Fourier, as quais, com quase toda certeza, ele já conhecia desde o 
ginásio em Tréveris. Mas não houve nenhum tipo de conversão a 
esse ideário comunista por Marx. Contudo, ali estava a ideia de que 
deveria existir uma sociedade na qual a propriedade privada fosse 
abolida. 
Tal comunismo de matiz francesa não se coadunava com o 
ideário do jovem Marx, ainda republicano, liberal, de forte apelo 
humanitário e essencialmente ateu. O comunismo da época era 
32 
 
permeado de uma aura religiosa, semelhante ao comunismo da 
igreja católica na América Latina das últimas décadas do século 
XX.58 Estava muito próximo da doutrina cristã; o próprio Hess se 
aproximou dele após rejeitar o judaísmo ortodoxo de seu pai.59 A 
maioria dos comunistas da época se envolviam em corporações, 
eram empresários (como o inglês Robert Owen) que se ariscavam 
em empreendimentos empresariais com participação dos empre-
gados nos lucros e uma forma de corresponsabilidade no sucesso 
do negócio. Uma forma de tender ao coletivismo por contágio e 
exemplo bem-sucedido. 
Marx via essas ideias e esperanças com certo desdém. Ainda 
não era comunista em 1842; embora um dos fundadores do jornal, 
Hess, o fosse. O outro fundador, Jung, e a maioria dos que apoiavam 
o Gazeta Renana, eram liberais, atuando politicamente para des-
truir o autoritarismo e os entraves burocráticos do governo prus-
siano. Foram os capitalistas, apoiadores do jornal, que impediram 
Hess de assumir a editoria dele. Tais capitalistas naturalmente não 
tinham o menor interesse em promover o ideário de Hess de 
abolição da propriedade privada. A posição de editor acabou 
ficando com um jornalista versado em economia, Gustav Höfken. É 
possível que tenha sido ele o primeiro a apresentar a Marx as ideias 
dos economistas ingleses. Höfken se mostrou um editor inepto e 
em pouco tempo foi substituído por Adolf Rutenberg, um Jovem 
Hegeliano de Berlim, cunhado de Bruno Bauer. A essa altura 
parecia que o jornal iria se abrir para o ateísmo militante de Bauer. 
Também Arnold Huge e diversos membros do Clube dos Doutores, 
 
58 Jones (2017, p. 170): “Como seria de esperar, os autores franceses, quase sem 
exceção, relutavam em associar-se ao ‘ateísmo alemão’. [...] O socialismo que 
surgiu na França a partir mais ou menos do final dos anos 1820 baseava-se, 
portanto, não apenas na visão iluminista do progresso cientifico e social, mas 
também na crítica teocrática do jacobinismo e da Revolução”. 
59 Jones (2017, p. 128): “Moses Hess, nascido em Bonn numa modesta família de 
comerciantes judeus [...]” 
33 
 
já frequentado por Marx, passaram a colaborar para o Gazeta 
Renana. 
Importa destacar os dois longos ensaios escritos por Marx e 
publicados nessejornal em 1842. Nos ensaios, nota-se a influência 
da educação clássica do ginásio de Tréveris, e a argumentação 
hegeliana que aprendera em Berlim. Percebe-se agora um estilo 
mais inflamado, sarcástico e polêmico, que iria caracterizar os 
escritos dele daí em diante. 
“Marx agregou ao estilo dos Jovens Hegelianos sua 
idiossincrasia, caracterizada pelo emprego de analogias mal-
dosamente cômicas e de uma opinião prática, anti-idealista e 
quase cínica sobre política [...]”60 
No primeiro tratado publicado, Marx revela um estilo afirma-
tivo, tecendo um elogio à liberdade de imprensa como parte de um 
louvor mais amplo à liberdade. Parece mais um liberal libertário do 
que um comunista. A metáfora do fantasma, que depois seria apli-
cada no Manifesto Comunista, aparece aqui, mas para atacar o 
governo prussiano, que, segundo Marx, pressentia fantasmas. A 
defesa da liberdade é feita na linha do ideário iluminista e dos 
revolucionários franceses de 1789, como sendo um dos direitos 
fundamentais do homem. Marx parece um revolucionário empu-
nhando ideias do iluminismo e atacando a velha sociedade de 
ordens. 
“A argumentação descrevia a imprensa livre, em estilo 
hegeliano, como a corporificação do espírito do povo – não 
uma corporificação alienada do espírito, mas uma que se reco-
nhecia como tal.”61 
Fazia também um elogio à democracia. 
 
60 Sperber (2014, p. 96). Jones (2017, p. 130): “Em suma, a melhor maneira de 
avaliar os artigos de Karl é considerá-los exercícios de filosofia aplicada.” 
61 Sperber (2014, p. 100). 
34 
 
O Gazeta Renana foi acusado de tentar substituir o cristia-
nismo pela filosofia contemporânea. Foi acusado de ateísta e em 
1842 uma ordem foi emitida pelo governo prussiano no sentido de 
fechá-lo. Mas o jornal já era um sucesso de público, conseguindo 
fazer alguma sombra ao Cologne News. O próprio governador pro-
vincial da Renânia se posicionou a favor do jornal e contra a medida 
drástica de acabá-lo. Adolf Rutenberg, que diziam se tratar de um 
alcoólatra, foi responsabilizado pelo radicalismo crescente do 
Gazeta Renana e afastado da editoria. Os fundadores do jornal, Hess 
e Jung, apoiam a indicação de Marx como editor. Hess conhecera 
Marx no ano anterior, quando do retorno desta a Renânia, e ficara 
bastante bem impressionado com o rapaz: 
“[...] meu ídolo [...] ele combina a mais profunda seriedade 
filosófica, com a mais aguda sagacidade, imaginem Rousseau, 
Voltaire, Holbach, Lessing, Heine e Hegel unidos em uma 
pessoa [...] então vocês têm o dr. Marx.”62 
Em outubro de 1842, Marx assume o posto de editor assisten-
te, Rutenberg ainda era o editor oficial, mas perdera influência. O 
mais importante para Marx é que pela primeira vez em sua vida ele 
assinara um contrato de emprego. Com essa posição ele poderia 
finalmente consumar o casamento com sua Jenny. 
Como editor auxiliar, Marx aproximou-se dos membros libe-
rais da burguesia. Oferece o jornal para a publicação de um artigo 
do presidente da câmara de comércio. Além disso, abre espaço para 
colaboradores com inclinações políticas mais moderadas, como o 
antigo estudante radical, Karl Heinrich Brüggemann. Em colabora-
ção com Marx, aquele escreveu diversos trabalhos que defendem 
enfaticamente o livre-comércio e denunciam o protecionismo. Cla-
 
62 Apud Sperber (2014, p. 103). 
35 
 
ramente agora o Gazeta Renana tinha se transformado num jornal 
liberal.63 
Ao mesmo tempo em que se aproximava do ideário liberal, 
Marx foi se afastando dos Jovens Hegelianos. Sob influência de Hess 
e de Ruge, Marx rompe com Bruno Bauer e passa a atacar aqueles 
jovens. Marx percebera que a crítica à ortodoxia religiosa não era o 
ponto; melhor estratégia seria a de atacar as circunstâncias sociais 
e políticas que estimulam e reforçam essa ortodoxia. Um plano 
geral que iria caracterizara a obra de Marx daí em diante já se 
descortina: estender a crítica à religião em direção a crítica à socie-
dade, ao Estado, à política e à economia. 
O liberalismo da Gazeta Renana, em sua nova fase, também não 
agradou o governo prussiano, que era intervencionista em muitos 
aspectos. A resistência do governo “fomentou em Marx sua 
propensão a não se conter”.64 Escreveria então dois artigos a 
respeito dos debates sobre as leis contra o roubo de madeira 
realizados na assembleia provincial. Tais artigos foram tão hostis à 
assembleia que o governador provincial exigiu a demissão do 
editor do jornal. Na condição de editor oficial, Rutenberg, que não 
tinha nada a ver com os artigos de Karl, é que foi demitido. 
A tese central dos artigos não é comunista. Utilizando-se de sua 
formação em direito, especialmente sob efeito dos ensinamentos 
do professor Gans em Berlim, Marx via o roubo de madeira como 
resultado das transformações na natureza jurídica da propriedade. 
O jovem Marx estava defendendo uma visão liberal do direito 
consuetudinário, e que ao coletar madeira no campo os aldeões 
 
63 Jones (2017, p. 134): “Embora o Rheinische Zeitung se apresentasse como um 
jornal liberal, o ‘Estado Racional’ invocado por Karl era bem distinto do Estado do 
liberalismo constitucional. Na verdade, era uma atualização da polis grega, que ele 
e Bruno Bauer tinham louvado n’A Trombeta.” 
64 Sperber (2014, p. 106). 
36 
 
estavam apenas obedecendo a uma tradição estabelecida.65 Do 
ponto de vista das vendas, a política pró-liberalismo de Marx foi 
bem-sucedida. No final de 1843 o jornal alcançara 3300 assinantes, 
quantia capaz de sustentá-lo com folga. 
O próprio Marx testemunhou que foi o período como editor do 
Gazeta Renana que o aproximou da questão social, do debate sobre 
a condição das classes menos favorecidas. É provável que a gênese 
das ideias comunistas esteja ligada a essa preocupação. Mas há algo 
mais envolvido na conversão de Marx, conforme iremos explorar 
mais adiante. E acreditamos que esse algo foi ainda mais importan-
te na formação das ideias anticapitalistas de Marx que a preocu-
pação com os pobres. Afinal, o livre mercado, inclusive no mercado 
de filantropia, é a maneira mais efetiva de se eliminar a miséria 
humana. Isso estava na cartilha liberal e o jovem Marx, a essa época, 
embora já com suas propensões ao radicalismo de esquerda, apro-
ximava-se do ideário liberal. 
Marx já tinha sido apresentado às teorias de Saint-Simon, em 
sua tenra juventude em Tréveris, pelo barão Von Westphalen, e 
depois pelo professor Gans em Berlim. Sperber aponta os últimos 
meses de 1842 como o período em que Karl inicia seus primeiros 
estudos sistemáticos sobre o comunismo. Mas o próprio Sperber 
reconhece que 
“[...] a tentativa de traçar uma ligação direta entre as 
investigações e os escritos iniciais e a posterior teoria 
comunista de Marx pode levar a conclusões bastante capcio-
sas”66 
 
65 Marx protesta contra o número crescente de condenados por furto de madeira, 
especialmente de mulheres e crianças. Sem ser comunista, o jovem Marx defende 
a revisão do direito de propriedade agrária de modo a acomodar-se à agricultura 
de subsistência dos camponeses. No entanto, além do direito de coletar madeira 
em propriedades particulares os camponeses queriam liberdade para participa-
rem do mercado de madeira. Ver comentários a respeito em Jones (2017, p. 45). 
66 Sperber (2014, p. 108). 
37 
 
Certamente os debates sobre livre comércio e protecionismo 
aproximaram Marx da economia política e não do comunismo. 
O ensaio aponta a culpa pela pobreza às políticas do governo 
prussiano, não aos capitalistas e à economia de mercado. Marx, em 
1842, era anticomunista: 
“[...] os pronunciamentos públicos iniciais que ele fez sobre o 
tema do comunismo estavam longe de ser favoráveis; na 
verdade, foram notadamente anticomunistas”.67 
Mesmo na fase comunista, a partir de 1843, Marx continuaria 
a se opor a muitos aspectos do comunismo que aprendera no ano 
anterior. 
 Na fase de coeditor do Gazeta Renana, Marx participa de um 
grupo de discussão, um círculo semanal de debate e um grupode 
leituras, envolvendo liberais e esquerdistas, sobre questões sociais 
e o próprio comunismo. Não se conhece a exata discussão destas 
reuniões, porém é aprovável que alguns comunistas (socialistas) 
franceses tenham sido debatidos, como Victor Considérant, Pierre 
Leroux e Proudhon. 
As ideias comunistas causaram uma impressão negativa no 
jovem Marx de 1842. Ele associou tal ideário aos Jovens Hegelianos 
de Berlim, com um radicalismo e um estilo de vida típico que agora 
Marx rejeitava. Karl ironiza os artigos da autoria deste grupo 
publicados em seu jornal: 
 
67 Sperber (2014, p. 108). Jones (2014, p. 164): “Naquele estágio, sua atitude [de 
Marx] para com os escritos explicitamente comunistas e socialistas ainda era de 
cautela. Em outubro de 1842, em resposta a acusações de simpatias comunistas 
feitas pelo Augsburg Allgemeina Zeitung, ele disse, em nome do Rheinische 
Zeitung, que não achava que ideias comunistas ‘em sua forma atual tenham sequer 
realidade teórica’. Declarou que escritos como os de Leroux, Considérant e acima 
de tudo ‘a obra afiada de Proudhon’ não poderiam ser rechaçados sem ‘longo e 
profundo estudo’.” Cf. Wheen (2001, p. 48). 
38 
 
“[...] espuma de cerveja impregnada por revolta global, 
contudo, negligentemente vazia de ideais e permeada por 
alguma dose de ateísmo e comunismo (os quais os cavalheiros 
nunca estudaram).”68 
Como editor, passou a rejeitar os artigos desses Jovens Hege-
lianos.69 Escreve Marx num texto publicado na Gazeta Renana: 
“[...] exigi [deles] um debate completamente diferente, e 
mais profundo, a respeito do comunismo, se há necessidade de 
uma discussão.”70 
Marx estava se referindo e criticando a dois artigos publicados na 
revista em defesa do comunismo, do fim da propriedade privada. 
Em vez de aderir a essa bandeira, Marx oferecia um arsenal de 
críticas liberais às condições vigentes na Alemanha, culpava a 
intervenção do Estado e a burocracia pela situação. Um dos argu-
mentos contra o comunismo, lançado em sua réplica, é bastante 
conhecido. Dizia que o jornal não reconhece no comunismo qual-
quer realidade teórica, menos ainda qualquer esforço no sentido de 
uma realização prática. A implementação intelectual do comunis-
mo seria um perigo, pois isso poderia “derrotar nossa inteligência, 
dominar nossos sentimentos”.71 Para enfrentar esse perigo, propu-
nha um estudo cuidadoso dos trabalhos de comunistas proeminen-
tes, estudo que ele mesmo ainda não havia feito.72 
 
68 Sperber (2014, p. 109). 
69 Wheen (2001, p. 48): “[...] a assunção da responsabilidade editorial havia 
exercido um maravilhoso poder de concentração em sua mente [de Marx]: as 
caçoadas juvenis já não eram aceitáveis [...] o novo editor deixou claro que não 
mais permitiria que eles acharcassem o jornal numa torrente verborrágica”. 
70 Sperber (2014, p. 109). 
71 Sperber (2014, p. 111). 
72 Em carta a Arnold Ruge, de maio de 1843, Marx escreve: “Sendo assim, não sou 
favorável a que finquemos uma bandeira dogmática; ao contrário. Devemos 
procurar ajudar os dogmáticos a obter clareza quanto às suas proposições. Assim, 
sobretudo o comunismo é uma abstração dogmática, e não tenho em mente algum 
39 
 
Marx pensava as questões sociais segundo o modelo de um 
liberalismo do século XIX, pró-capital e pró-livre-mercado, talvez 
mais preocupado com os pobres do que outros liberais. Ao exercer 
o cargo de editor do jornal, revelou suas aptidões jornalísticas, seu 
talento polemico, “que inspirava os amigos e enfurecia os inimi-
gos.”73 
Apesar do sucesso alcançado por suas publicações, e de elogios 
à sua atuação como editor do jornal, ele se cansou de todo os seus 
esforços para apaziguar as autoridades, para evitar as críticas e os 
cortes do censor. Mesmo ideias moderadas eram censuradas. Frus-
trado, escreve a Ruge: 
“É difícil levar adiante os deveres de um servo, mesmo pela 
causa da liberdade, e lutar com uma mão atada às costas. Eu 
me cansei da hipocrisia, da estupidez de autoridades rudes e 
de nossa predisposição em se curvar, adular, virar as costas e 
procurar as palavras certas”.74 
 
comunismo imaginário ou possível, mas o comunismo realmente existente, como 
ensinado por Cabet, Dézamy, Weitling etc.” Apud Bensaïd (2015-a, p. 11). Wheen 
(2001, p. 49) observa que “a possibilidade de o próprio Marx [à época] discutir o 
comunismo era prejudicada pelo fato de ele não saber coisa alguma a esse 
respeito. Seus anos de estudos acadêmicos haviam-lhe ensinado toda a filosofia, 
teologia e direito de que um dia poderia precisar, mas na política e na economia, 
ele ainda era novato.” Para Wheen, o artigo sobre o furto de madeira em florestas 
particulares foi a primeira incursão de Marx no território inexplorado da política 
e da economia. “Esse roubo legalizado obrigou Marx, pela primeira vez, a pensar 
nas questões da classe, da propriedade provada e do Estado.” 
73 Sperber (2014, p. 117). Wheen (2001, p. 52): “O importante era que, aos vinte e 
quatro anos de idade, ele já manejava uma pena capaz de aterrorizar as cabeças 
coroadas da Europa.” 
74 Apud Sperber (2014, p. 119). Ver também a carta que Marx escreve a Ruge, 
comunicando seu afastamento da Gazeta Renana, que de qualquer maneira tinha 
sido fechado pelo governo: “É muito ruim ter que fazer trabalhos subalternos 
mesmo em nome da liberdade; de lutar com alfinetadas, e não com porretes. Estou 
cansado de hipocrisia, de estupidez, de flagrantes arbitrariedades, e das nossas 
40 
 
MARX COMUNISTA E ANTISSEMITA 
Marx queria expressar suas ideias democráticas e republi-
canas, e mesmo ideias radicais. Em contato com Ruge, lhe é ofereci-
da a editoria de um jornal publicado no exterior, livre das garras do 
censor prussiano. Pensou-se inicialmente em publicar a revista em 
Zurique, com distribuição por toda a Alemanha. Por fim, acertaram 
que o novo jornal seria publicado na França, os Anais Franco-
alemães. E que Marx deveria se mudar para Paris. Marx receberia 
um bom salário de 550 Táleres anuais, quase a metade da renda de 
seu falecido pai. Acrescido ainda de honorários para cada artigo 
publicado. O apoio financeiro a uma vida burguesa estava resolvi-
do. 
Feito o contrato de emprego, Marx viaja com sua noiva, 
acompanhado de um pequeno séquito, à cidade balneária de Kreuz-
nach, a fim de se casarem. Em 19 de junho de 1843, ocorre uma 
primeira cerimônia, como exigido pelo código napoleônico, ainda 
vigente, seguido por uma solenidade religiosa na igreja protestante 
da localidade. Após a lua-de-mel, permanecem em Kreuznach até 
meados de outubro, antes de partirem para Paris. Nesses meses, 
dividem a casa com a mãe de Jenny e o cunhado Edgar, um obtuso 
comunista no estilo francês. 
Nesses primeiros meses de casado, Marx teve tempo livre para 
se dedicar ao trabalho intelectual e escrever uma análise crítica ao 
livro de Hegel Filosofia do Direito. Não confundir com a Introdução 
escrita no ano seguinte e publicada nos Anais Franco-alemães. Na 
cidade balneária, Karl pôde contar com a excelente biblioteca que 
havia por lá. Além de escrever o livro, ele fez extensas anotações, 
muito mais do que o exigido para a obra em si. Confeccionou 
amplos testos sobre a história dos Estados Unidos e dos principais 
países europeus. Na ocasião, mesmo sem escrever sobre isso, 
 
mesuras e vênias, de nossas negaças e sofismas sobre o uso de palavras. 
Consequentemente, o governo me devolveu a liberdade.” Jones (2017, p. 143). 
41 
 
estudou clássicos da teoria política, incluindo-se trabalhos de Mon-
tesquieu, Maquiavel e Rousseau. O manuscrito sobre a teoria do 
direito de Hegel, mesmo inacabado, como tantas das empreitadas 
intelectuais de Marx, foi sua primeira incursão no campo da teoria. 
A Crítica da filosofia do direito de Hegel, além de apresentar as 
reflexões hegelianas a respeito do Direito, trata de questões 
políticas, já trabalhadas enquanto editor do Gazeta Renana no ano 
anterior, agora sob forte influência do ideário de Ludwig Feuer-
bach. 
O ponto de

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