Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

GESTALT 
AULA 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof.ª Luiza Sionek 
2 
 
 
CONVERSA INICIAL 
 
Olá, estimado aluno! Devido a psicanálise ser também uma abordagem 
da ciência psicológica, e manter com esta afinidades e diferenças, é importante 
que conheçamos um pouco sobre algumas importantes correntes teóricas e 
metodológicas desta ciência, suas influências. 
A Psicologia é marcada por diversos fundamentos teóricos e 
epistemológicos, a depender da Abordagem Psicológica que está em questão. 
Dessas abordagens se desenvolvem práticas de tratamento como, por exemplo 
a Gestalt-Terapia, que além da própria psicologia da Gestalt, tem como 
influências as filosofias Fenomenológicas, do Existencialismo e do movimento 
do Humanismo. 
Para começarmos falando sobre Gestalt-terapia, primeiro abordaremos 
sobre o estudo do ser humano e da dinâmica de suas relações sob o 
enfoque existencial fenomenológico. Isto porque o movimento que despertou 
a elaboração desta nova abordagem surgiu de uma mudança de curso perante 
as correntes psicológicas tidas como forças da época: a teoria psicanalítica e o 
behaviorismo. O que começava a ganhar vigor, então, era o movimento 
humanista na Psicologia. 
Neste percurso, estudaremos alguns temas que ajudaram a dar forma ao 
movimento humanista. Primeiramente, falaremos do surgimento da terceira onda 
em Psicologia, pautada em princípios filosóficos que também ganhavam 
potência em meados do século XX. Entre estas filosofias, investigaremos a 
Fenomenologia, o Existencialismo e o Humanismo como fundamentos para o 
estudo do ser humano e suas relações. Por fim, conheceremos como tais 
filosofias constituem elementos epistemológicos da Gestalt-terapia. 
TEMA 1 – SURGIMENTO DA TERCEIRA ONDA EM PSICOLOGIA 
 
Pode ser que você já tenha ouvido falar que a terceira força ou onda da 
Psicologia é constituída pela Fenomenologia-Existencial. De acordo com 
Evangelista (2020), este é um equívoco comum na literatura brasileira. Segundo 
o autor, o movimento da terceira onda, advindo de psicólogos humanistas 
americanos, como Carl Rogers, é composto também por tentativas de “legitimar 
científico-naturalmente suas investigações, mas, para isso, recorreram ao 
método científico-natural estatístico e generalizante” (p. 211). Não queremos 
3 
 
 
aqui julgar o que há de errado e certo nesses esforços, até porque, como falamos 
anteriormente, há influência do Humanismo, da Fenomenologia e do 
Existencialismo na construção da Gestalt-terapia. O que almejamos aqui é 
separar cada teoria e, ao fim desta aula, esclarecer como elas embasam a 
Gestalt-terapia. 
Sendo assim, independentemente de como foi feito, o movimento 
humanista tentava dar conta daquilo que os autores consideravam faltante na 
psicanálise e no behaviorismo. E aqui perguntamos: o que teria de humanista 
nessa nova onda que não tinha nas outras forças da Psicologia na época? 
Segundo Evangelista (2015, p. 59-60), 
 
A vertente americana da psicoterapia existencial é influenciada pelo 
Humanismo Individual que, quando aparece na Psicologia, configura- 
se como um retorno ao estudo da experiência consciente. Torna-se a 
“Terceira Força da Psicologia”, que se opõe à objetividade do 
behaviorismo e ao reducionismo psicanalítico do comportamento à 
dinâmica pulsional e ocorre concomitantemente às transformações do 
pós-guerra da sociedade americana, que acentuam a tolerância, a 
permissividade, a auto-expressão e o centramento no sujeito. 
 
Enxergamos, assim, que a tentativa inicial da terceira força era se 
contrapor aos ideais psicológicos mais fortes da época, como forma de dar mais 
poder à pessoa. Visava-se, então, ultrapassar a condição animalesca do ser 
humano, na qual ele estaria sob influência dos supostos “instintos”, ou pulsões 
(psicanálise), ou a previsibilidade do seu comportamento (behaviorismo). 
Tendo a pessoa como centro e reconhecendo-a como responsável por seu 
próprio espaço no mundo, o trabalho psicológico daria mais autonomia às 
escolhas e ações da pessoa na sua relação com o mundo. 
Diante disso, escolas filosóficas foram ganhando espaço no cenário da 
Psicologia, dando lugar a ideias que valorizavam a experiência imediata humana 
como única e relacional. Nesse caminho, as influências da Fenomenologia, do 
Existencialismo e do Humanismo passaram a fazer parte da Psicologia como um 
todo. Um novo olhar sobre o ser humano estava surgindo, ampliando o 
conhecimento sobre o fenômeno humano de maneira atualizada em relação ao 
que havia antes. 
TEMA 2 – O QUE É HUMANISMO? 
 
Para entendermos a origem do pensamento humanista na filosofia, é 
importante compreendermos a premissa humanista. A ideia primordial do 
4 
 
 
humanismo e de qualquer abordagem humanística é que a pessoa é o centro, 
isto é, criadora do mundo e de si mesma (Arendt, 1994, citado por Evangelista, 
2015). Nesse sentido, datamos o início do humanismo naquele conhecido 
filósofo, Sócrates, o qual inaugurou o olhar para nós humanos como detentores 
da verdade, a qual só será despertada a partir do método dialético. A partir disso, 
o homem se torna a medida de todas as coisas e deve buscar em si o sentido 
para sua vida. 
O Humanismo traz a ideia de que a pessoa é livre e responsável por si 
mesma, centro de suas próprias decisões e de seu lugar no mundo. Em algum 
grau, isto se assemelha ao pensamento individualista meritocrático que existe 
no mundo atual, em que há a ideia de que conseguiremos chegar aonde 
quisermos dependendo do nosso esforço. No entanto, estamos apenas no 
começo da aula e no começo do trabalho sobre Humanismo. Falamos sobre o 
Humanismo Individual como um dos componentes da terceira onda, mas 
lembremos que há mais de uma forma de humanismo. 
Segundo Evangelista (2015), apesar de surgir em um esforço de ir além 
do behaviorismo e da psicanálise, a Psicologia Humanista também fala de um 
momento de revolução nos Estados Unidos. O autor explica que os valores da 
sociedade americana estavam pautados em materialismo, além de vitória e 
domínio sobre outros – países e pessoas – a qualquer custo, o que também se 
demonstrava nas guerras da Coreia e do Vietnã. Diante disso, críticas começam 
a surgir nos movimentos hippie, antirracistas e no uso experimental de drogas 
(Evangelista, 2015). 
Maslow (1908-1970) aparece então como fundador da Psicologia 
Humanista e impulsionador da Terceira Força, com alguns traços em comum 
com o Existencialismo, que também ganhava vigor no pós-Guerra, 
predominantemente na sociedade europeia (Evangelista, 2015). Com 
fundamentação teórica (mas insatisfação) no behaviorismo, o psicólogo 
americano começa seus trabalhos com empenho em comprovar suas ideias com 
o método científico-natural (Evangelista, 2015). 
Destacamos, por fim, o que Evangelista (2015, p. 60) considerou alguns 
pontos em comum com o Existencialismo, filosofia que trabalharemos mais à 
frente: 
reconhecimento de que o homem é realidade e potencialidade, 
natureza e divindade; a importância de uma “antropologia filosófica” 
que diferencie radicalmente o homem; a ênfase no caráter auto- 
realizador, projetivo de si; as variáveis humanas escolha, decisão, 
5 
 
 
vontade, autonomia e responsabilidade; o papel fundamental do futuro 
no desenvolvimento. 
 
O movimento humanista surgiu como uma energia a favor de ultrapassar 
o que havia como força da época. Vimos, até agora, o que ele teve de diferente 
e até de similar às psicologias da época. Dando significado à onda que ajudou 
na elaboração da Gestalt-terapia, esta foi apenas uma das correntes filosóficas 
que dão sentido à nossa abordagem. 
TEMA 3 – O QUE É FENOMENOLOGIA? 
 
Para falarmos sobre Fenomenologia, vamos começar destrinchando a 
palavra em si. Para logia, temos o significado de “estudo, explicação”, o que 
resulta em estudo do fenômeno. E o que quer dizer fenômeno? Esta é uma 
palavra que vem do verbo grego phainesthai,o qual pode ser traduzido como 
“aquilo que se manifesta, que se mostra”. Diante disso, temos a Fenomenologia 
como o estudo daquilo que se manifesta. 
Para Dartigues (1992), a Fenomenologia nasceu propondo uma terceira 
via entre a filosofia especulativa da metafísica e a ciência positivista. “O 
pensamento positivista vai sendo questionado pela impossibilidade de haver um 
sujeito inteiramente livre de sua subjetividade. A pura subjetividade passa então 
a ser considerada uma ilusão” (Lima, 2008). 
A mudança de paradigma passa então a buscar mais do que o indivíduo 
como centro, mas como uma parte do fenômeno que está sendo observado. Isto 
é, qualquer evento que se manifesta, quando se manifesta, está coberto de 
conhecimentos apriorísticos para ser analisado. Compreender o fenômeno, logo, 
também é compreender os pré-conceitos da pessoa que está observando o 
fenômeno. 
Segundo Forghieri (1993), “a reflexão fenomenológica vai em direção ao 
‘mundo da vida’, ao mundo da vivência cotidiana imediata, no qual todos nós 
vivemos, temos aspirações e agimos” (p. 18). Sendo assim, a fenomenologia 
propõe-se a ser uma ciência descritiva das essências das vivências. “Ao invés 
de fatos, temos fenômenos. Fatos somente são obtidos por abstração. 
Fenômenos são vividos” (Holanda, 2003, p. 46). 
A fundação da Fenomenologia surgiu como uma das bases para o 
movimento da Terceira Força da Psicologia. A ruptura com as teorias 
psicológicas vigentes da época buscou ultrapassar as perspectivas 
deterministas e generalizantes das ciências da época por meio do olhar para a 
6 
 
 
experiência da pessoa como singular. Feijoo (2014) explicita dois aspectos 
essenciais para o início da Fenomenologia: a criação de método e a 
compreensão de intencionalidade. 
3.1 Método fenomenológico 
 
Precursor da Fenomenologia, o filósofo alemão Edmond Husserl (1859- 
1938) defendia que o estudo experimental revelaria a essência de maneira 
velada, cabendo à psicologia desvendá-la e compreendê-la, o que só seria 
possível havendo uma superação dos preconceitos naturalistas que embasam o 
experimentalismo (Raffaelli, 2004). A atitude natural, nesse sentido, diz respeito 
aos “juízos de realidade ou valor que espontaneamente somos levados a fazer” 
Amatuzzi, 2009, p. 95). Estes preconceitos também têm a ver com genuínos 
caminhos que fazemos em generalizar e tornar o comportamento humano 
estatística. Como vimos anteriormente, isso também foi uma tentativa da própria 
terceira onda, como forma de se afirmar como Força da Psicologia. 
E como superar esses preconceitos e transcender a atitude natural? Para 
Husserl, isto só seria possível por meio da redução fenomenológica, ou epoché. 
Fazermos a redução fenomenológica implica em abrir mão das opiniões 
preconcebidas sobre o fenômeno de maneira a olhá-lo sem o transporte 
espontâneo de nossas realidades em direção a ele (Amatuzzi, 2009). O método 
fenomenológico, logo, objetiva se aproximar do fenômeno por meio da descrição 
dele tal como aparece no momento. Esta descrição só se faz possível justamente 
com a suspensão dos valores e preconceitos que compõem o fenômeno. Com 
ela, transcende-se a atitude natural e os caminhos de acesso à verdade do 
fenômeno são traçados. 
3.2 Intencionalidade da consciência 
 
Compreendemos um pouco sobre o método fenomenológico, um método 
para se vislumbrar o fenômeno que consiste na descrição daquilo que se 
manifesta, de forma a contemplar o fenômeno tal como aparece. A partir disso, 
surge a questão da intencionalidade. No caminho de se aproximar do fenômeno 
da consciência, Husserl encontrou que a essência dele está na intencionalidade 
da consciência (Feijoo, 2014). E o que significa isso? 
O princípio da intencionalidade da consciência fala sobre como a 
consciência sempre é intencional, é sempre “consciência de” algo. Sobre isso, 
7 
 
 
Feijoo (2014, p. 443) explica que: 
Estruturas intencionais dizem sempre do caráter de cooriginariedade 
sujeito e objeto, ou seja, quando um dos pólos aparece, o outro 
imediatamente acontece, sem nenhum intervalo espaço-temporal entre 
eles. Elimina-se, assim, a ideia de intervalo espaço-temporal e, 
consequentemente, de qualquer estrutura de causalidade. A 
consciência é, para este filósofo, transcendente, nunca se retém em si 
mesma, mas se vê projetada por seus próprios atos para o campo dos 
objetos correlatos. Na medida em que a consciência se realiza através 
de seus atos, ela sempre transcende o campo de realização desses 
atos. 
 
Com isso, o que temos é uma consciência transcendental, não uma 
consciência em si. A consciência é sempre com relação a algo, mas não numa 
relação sujeito-objeto, e sim como coexistência. A transcendência vem 
justamente no sentido de não ser finita em si ou em um objeto, mas coincidente 
a ele em determinado tempo e espaço. 
Curiosamente, se falamos de Sócrates como primeiro humanista na 
história da Filosofia, aqui iremos no sentido contrário do que este propunha. 
Enquanto que para ele a razão determinaria as causas para os comportamentos 
humanos, a Fenomenologia elimina qualquer estrutura de causalidade com seus 
fundamentos. Não há relação causa e efeito à medida que o objeto não se 
encontra antes ou antes do sujeito, mas concomitante a ele no espaço-temporal. 
TEMA 4 – O QUE É EXISTENCIALISMO? 
 
Começaremos o tema 4 com uma citação de Lima (2008, p. 31): 
 
Para Husserl, a consciência era pura e a redução fenomenológica 
totalmente possível; no entanto, para a Fenomenologia existencial, já 
não é possível suspender e abstrair-se de valores e preconceitos, pois, 
como afirmou Merleau-Ponty, a consciência é constituída de 
interferências constantes do mundo, numa correlação intersubjetiva 
em constante ambigüidade [sic]. 3É a existência precedendo a 
essência. O homem passa a se constituir a partir do momento em que 
ele existe, vive, cogita e estabelece suas crenças. Os valores que vão 
sendo formulados passam a fazer parte de suas escolhas e da sua 
relação com o mundo. 
 
Se na Fenomenologia de Husserl o fenômeno da consciência era repleto 
de pré-conceitos que poderiam ser suspendidos na atitude fenomenológica, o 
que surge com o Existencialismo vem para complementar uma visão talvez 
utópica. A ideia principal do Existencialismo consiste no entendimento de que a 
existência precede a essência. Não há uma essência pré-construída que dá 
forma à existência antes que ela aconteça. Isto contraria qualquer determinismo 
ou ideia de que há algo anterior à vivência que a defina. O que dá caráter à 
8 
 
 
existência é ela própria na medida em que é vivida. 
Esta nova perspectiva filosófica passa a compreender a pessoa como um 
ser-no-mundo (Lima, 2008). Advindo de Heidegger (1889-1976) em Ser e 
Tempo, o termo ser-aí-no-mundo (ou Dasein) se constrói com a ideia de que a 
condição da pessoa é estar jogado “em contextos históricos significativos 
sedimentados (mundos) e, a partir deles, se retirar os modos de entender a si 
mesmo, outros e coisas” (Evangelista, 2015). Nossa existência é retratada 
justamente na relação com o mundo, nunca somos seres puramente isolados do 
que está à nossa volta. 
“Que significa dizer que a existência precede a essência? Significa que o 
homem primeiro existe, se encontra, surge no mundo, e que se define depois” 
(Sartre, 2009, p. 619). Nesse processo de contínua interação pessoa-mundo, os 
pensadores existencialistas nos forneceram alguns temas que ajudam nosso 
olhar sobre a existência. 
4.1 Liberdade e responsabilidade 
 
Para começarmos o estudo sobre a existência, investigaremos a questão 
da liberdade e da responsabilidade. Como não há determinismo, não há 
essência prévia à nossa existência, somos liberdade (Sartre, 2009). À medida 
que somos liberdade, podemos escolher qualquer caminho em qualquer 
situação. Se a existência é liberdade, como explicar a constatação óbvia que 
muitas pessoas fazem de sua própriarealidade, em que não se sentem livres 
em suas escolhas quer seja na vida pessoal, seja na vida profissiona? 
Como seres-no-mundo, nossa liberdade não é pura e radical. Tudo que 
fazemos afeta o mundo, assim como tudo que outros fazem nos afeta. A 
liberdade, assim, é condição primordial do comportamento humano, mas é 
realizada em um mundo repleto de outras existências. Aqui, respondemos 
apenas em parte à pergunta colocada acima. 
Nossa liberdade como seres-no-mundo não caminha sozinha. Sempre 
que aplicamos nossa liberdade em escolhas e ações, temos um papel no campo 
interacional pessoa-mundo. Este papel é conhecido como responsabilidade. Isto 
é, conforme nos colocamos no mundo com liberdade, temos responsabilidade 
por nós e pelo mundo (Sartre, 2009). Não é uma questão de controle sobre nós 
e o mundo, mas de reconhecimento do lugar que assumimos quando agimos no 
mundo. 
9 
 
 
Escolhemos diante de outros e os outros escolhem diante de nós. Nosso 
lugar no mundo é livre, mas com a condição de sermos responsáveis por este 
lugar. Nossa escolha diz respeito à nossa posição no mundo e como chegamos 
no mundo. Ser-no-mundo implica em estarmos num mundo que é anterior a nós, 
mas também em constante transformação nesse processo incessantemente 
interativo. 
Estando no mundo, podemos assumir escolhas baseados no que 
achamos que esperam de nós. De certa forma, aqui, estamos escolhendo sem 
responsabilidade e agindo, como Sartre (2009) afirma, de má-fé. “Como 
definimos a situação do homem como uma escolha livre, sem desculpas e sem 
apoio, todo homem que se refugia por trás da desculpa de suas paixões, todo 
homem que inventa um determinismo é um homem de má-fé” (Sartre, 2009, p. 
635). Má-fé não quer dizer agir de modo mau, ruim ou errado, mas agir sem 
responsabilidade, sem reconhecimento da sua liberdade como ser-no-mundo. 
Além disso, agir de má-fé não necessariamente exige uma escolha ou 
decisão. Na verdade, escolher não agir ou não se movimentar também 
representa uma ação e, se feita sem consciência da responsabilidade, pode ser 
considerada má-fé. Sobre isso, Sartre (2009, p. 633) complementa: “a escolha é 
possível em um sentido, mas o que não é possível é não escolher. Posso sempre 
escolher, mas devo saber que se eu não escolher, eu escolho ainda”. 
4.2 Angústia 
 
No tópico passado, entendemos que liberdade acompanha 
responsabilidade, certo? Pois bem, se somos sempre livres e responsáveis por 
nós e pelo mundo, isto deve gerar algum peso. Segundo Sartre (2009), somos 
condenados à liberdade. Para o autor (2009, p. 621), 
o homem que se engaja e que se dá conta de que ele é não apenas 
aquele que ele escolheu ser, mas ainda um legislador que escolhe, ao 
mesmo tempo que ele mesmo, toda a humanidade, não poderia 
escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade. 
 
Nesse sentido, encontramo-nos com a angústia da existência. A 
experiência da angústia se localiza (não de modo espaço-temporal) justamente 
no contato com a responsabilidade que temos ao reconhecer nossa liberdade. 
Exemplifiquemos: quando aceleramos o carro em um sinal amarelo quase indo 
para o vermelho, podemos causar um acidente, não é mesmo? Podemos 
também tomar uma multa, caso algum fiscal de trânsito testemunhe nosso ato. 
10 
 
 
Sabemos de todos esses riscos que fazem parte da nossa escolha, mas não 
exatamente lidaremos com isso ao agirmos. Isso pode ser um exemplo simples, 
pois fala de um momento rápido em que talvez não percebamos a angústia tão 
intensamente. No entanto, a angústia se manifesta neste não saber o que pode 
acontecer e, mesmo assim, demanda responsabilidade pela liberdade de 
escolha. 
Se estamos em uma situação de escolha que afeta diretamente o outro, 
pode ser até mais evidente o sentimento de angústia, mas ele está presente 
sempre que nos deparamos com a responsabilidade que temos sobre nossa 
existência no mundo. Estamos livres, mas à mercê das responsabilidades que 
teremos com nossas ações e isso gera angústia. 
4.3 Finitude 
 
Temos aqui um tema existencial que indica um sentido para as 
experiências do ser-no-mundo: a finitude. A existência é, implacavelmente, para 
a morte. O fato existencial de toda vida é que ela acaba na morte. Somos e 
agimos no mundo para a morte, só há vida com morte e vice-versa. Para todas 
as relações há fim. Retirando a morbidez que é falar sobre morte, entenderemos 
agora qual o sentido existencial de se falar da finitude. 
Não se pode falar fenomenologicamente da morte, mas apenas do 
morrer como aquela possibilidade singular e própria que define a 
existência humana. Existir é ser-para-a-morte, é ser-mortal. Vida e 
morte se copertencem. Ao singularizar-me, minha finitude revela que 
cada momento de minha vida é único e irrecuperável. Embora todos os 
seres da natureza acabem, somente a existência pode morrer; só o 
humano se relaciona com o morrer, refere-se à morte, fazendo com 
que ela “exista”. (Dastur, 2002, citado por Evangelista, 2015, p. 91) 
 
Com base nisso, podemos perceber que nossa existência fala também da 
morte, fala de sermos-para-a-morte. Não nos referenciamos aqui somente à 
morte física, mas simbólica de todas as relações. A questão da finitude está na 
existência para dar-lhe sentido. O movimento que fazemos para significar nossa 
existência também diz respeito a um movimento para a morte. A conjunção 
“para”, no que contamos sobre a morte, não se trata de objetivo intencional, mas 
da direção inevitável da vida. Ao tocarmos na direção, tocamos no sentido, no 
caminho a ser traçado. Existência, como um processo contínuo de interações, 
tem fim. No reconhecimento da finitude das relações existenciais, podemos, 
também, encontrar sentido. 
11 
 
 
As ideias de Sartre, ao falar sobre morte, retratavam a consciência de 
morte como essencial para que 
cada indivíduo busque suas vivências, faça suas escolhas e se permita 
viver intensamente, de acordo com o que almeja. O reconhecimento 
de sua finitude faz com que crie propósitos para o seu existir, pois a 
morte é uma experiência sobre a qual os vivos não têm informações 
concretas. Cada pessoa tem sua crença diante deste assunto, mas 
somente quem morre é que a experiencia, e ninguém pode passar pelo 
processo de morrer no lugar de um outro alguém. (Tuy, 2009, citado 
por Siman; Rauch, 2017) 
 
TEMA 5 – AS INFLUÊNCIAS DESTES SOBRE A GESTALT-TERAPIA 
 
Entendemos que com a perspectiva fenomenológica, torna-se possível 
aproximar-se da complexidade do que é ser humano sem preconcepções. 
Utilizar o método fenomenológico nos auxilia no acesso aos fenômenos 
humanos tais como eles são, singulares em determinado espaço e tempo. 
Paralelamente, o Existencialismo alicerça a atuação com pessoas à medida que 
não institui uma essência prévia para o comportamento humano. A essência de 
cada um é construída a partir da existência. É processo inacabado, em constante 
formação. 
O enfoque fenomenológico existencial nos traz a possibilidade de abertura 
para o outro como ele é enquanto constrói sua existência. Essa prática é 
fundamentada na postura do profissional que, ao atender as pessoas, jamais 
deve se ater a classificações naturalistas que as ciências estatísticas colocam 
no olhar para o humano, da mesma forma que não deve adotar uma postura 
separatista sobre as relações de sujeito-objeto, mente e corpo, que a 
perspectiva cartesiana nos traz. 
A Gestalt-terapia emprega este enfoque para o trabalho com pessoas. 
Os gestalt-terapeutas não fecham seus olhares nos princípios que regem a 
teoria no momento em que estão efetivamente com a pessoa ou grupo 
atendido. A ideia é que o trabalho se construa baseado no evento como ele se 
manifesta no aqui e agora. Objetiva-se a aquisição dos conhecimentos teóricos 
e filosóficos quando do encontro com o outro, mas este só se faz possível na 
experiência imediata com a pessoa, em sua existência singular. Assumir uma 
posturasem pré-juízos e preocupada com o momento presente diante do que 
se mostra nos atendimentos e encontros que a Psicologia nos traz é o que faz 
com que a Gestalt-terapia possa ser considerada uma abordagem 
fenomenológica existencial. 
12 
 
 
Teorias que serão estudadas mais profundamente na próxima aula e 
fundamentam a Gestalt-terapia se conectam também com o que foi trazido pelo 
olhar existencial fenomenológico. A Teoria do Campo, fundamental para a 
compreensão da relação pessoa-mundo em nossa corrente psicológica, fala do 
campo como conceito deste processo interacional também trazido pela questão 
do ser-no-mundo. O método holístico organísmico, em paralelo, é voltado ao 
que entendemos como processo de existência. Nossa existência como um todo 
e não como parte do mundo, com propósito singular de autorregulação e 
satisfação de nossas necessidades. E é nossa existência que transforma a 
essência do que temos na relação pessoa-mundo. 
NA PRÁTICA 
 
Considerando o objetivo da aula, gostaríamos de perguntar: o que pode 
ser utilizado dessas escolas filosóficas para se trabalhar com o ser humano? A 
abordagem fenomenológica nada mais é do que uma postura, um olhar a ser 
considerado quando cuidamos de pessoas. E não é só a Gestalt-terapia que 
emprega esta atitude como base de trabalho. Áreas da Psicologia, como a 
organizacional, a psicopatologia e a escolar, também podem se fundamentar na 
Fenomenologia como postura para o trabalho com pessoas. 
Temas como liberdade, angústia, responsabilidade e finitude ditam a 
existência do ser humano e nos ajudam a compreender os caminhos traçados 
pelas pessoas das quais cuidamos. Nosso trabalho não se restringe ao cuidado 
pelo outro, muito pelo contrário, volta-se para nós como pessoas. Para atender 
ao outro, devemos também estar capacitados a olhar estas questões em nós, 
com zelo e abertura. 
Em que contextos você se percebe livre? Quando se sente preso? Que 
tipo de liberdade você busca? Suas responsabilidades condicionam sua 
liberdade? O que te angustia? Como você se relaciona com relações que 
terminam? Estas são algumas perguntas que retomam um pouco dos temas 
existenciais que trabalhamos. Quando estamos diante de alguém e nossas 
questões se assemelham às vivências do outro, pode ser difícil suspender 
nossos pensamentos e juízos sobre o que está sendo trazido naquele 
momento. Não precisamos nos distanciar de nós quando estamos atendendo. 
O que a atitude 
13 
 
 
fenomenológica nos pede é que estejamos em contato com o fenômeno como 
ele aparece. E isto nos envolve também. 
Se olharmos para nós ou para outrem, sabemos que a existência imediata 
é particular, composta por sua história vivida, seus projetos e suas possibilidades 
no presente. Diante disso, faz-se impossível encaixá-la em teorias rotulantes 
repletas de juízos de realidade. A pessoa é, em um mundo, única em seus limites 
e potencialidades. É um ser relacional, existindo no espaço e no tempo com 
outros e no mundo. Sua individualidade, portanto, não é solitária, mas conectada 
com todo o mundo em que vive. 
Deixamos nossas próprias vivências em parênteses como forma de 
estarmos inteiros ao que é trazido pela pessoa atendida. Se isso não está de 
acordo com seus valores ou mesmo com o que é colocado pela sociedade, não 
misturaremos com o que está sendo colocado pela experiência do outro. É um 
movimento ativo de reconhecimento dos próprios pré-conceitos para estar aberto 
à vivência do outro. Nessa atitude, não adentramos o mundo do outro como ele, 
mas como nós mesmos, como se estivéssemos emprestando seus óculos para 
enxergar. Estamos inteiros, com valores e teorias suspensos para, no encontro 
com o outro, possibilitarmos apropriação e re-tomada de responsabilidade do 
indivíduo sobre si. 
FINALIZANDO 
 
O que trabalhamos nesta aula foi um pouco da terceira onda da 
Psicologia, uma transformação dos olhares acerca da pessoa e do mundo da 
época que contribuiu para o desenvolvimento da Gestalt-terapia. O enfoque 
existencial auxilia na fundamentação teórico-filosófica da G-t e compõe sua 
concepção de ser humano como ser relacional, livre e responsável por si e pelo 
mundo. A postura fenomenológica acompanha o Gestalt-terapeuta em seu 
trabalho e é base do olhar para a relação pessoa e mundo. Não objetivamos, 
aqui, encaixar pessoas em rótulos ou estatísticas, mas apoiar a atuação na 
abertura ao fenômeno tal qual ele se manifesta. Essa abertura não é fim, é 
descoberta e movimento, amparo para atuação e angústia criadora diante da 
liberdade de escolha. E é ela que sustenta a compreensão da pessoa como ela 
consegue ser no momento presente. 
14 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
AMATUZZI, M. M. Psicologia fenomenológica: uma aproximação teórica 
humanista. Estudos de Psicologia. Campinas, v. 26, n. 1, p. 93-100, mar. 2009. 
DARTIGUES, A. Um positivismo superior. In: DARTIGUES, A. (Org.). O que é 
fenomenologia?. São Paulo: Moraes, 1992. p. 7-28. 
EVANGELISTA, P. E. R. A. O que pode um psicólogo fenomenológico- 
existencial: questionamentos e reflexões acerca de possibilidades da prática do 
psicólogo fundamentadas na ontologia heideggeriana. 255 f. Tese (Doutorado 
em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia, 
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. 
 . A fundamentação metafísica da psicologia humanista à luz da 
fenomenologia existencial. Rev. abordagem gestalt., Goiânia, v. 26, n. 2, p. 
208-219, ago. 2020. 
FEIJOO, A. M. L. C.; MATTAR, C. M. A fenomenologia como método de 
investigação nas filosofias da existência e na psicologia. Psicologia: Teoria e 
Pesquisa, Brasília , v. 30, n. 4, p. 441-447, dec. 2014. 
FORGHIERI, Y. C. Psicologia fenomenológica – fundamentos, método e 
pesquisas. São Paulo: Pioneira, 1993. 
HOLANDA, A. F. Pesquisa fenomenológica e psicologia eidética: elementos para 
um entendimento metodológico. In: BRUNS, M. A. T. de.; HOLANDA, A. F. 
(Orgs.). Psicologia e fenomenologia: reflexões e perspectivas. Campinas: 
Alínea Editora, 2003. p. 41-64. 
LIMA, B. F. Alguns apontamentos sobre a origem das psicoterapias 
fenomenológico-existenciais. Revista da Abordagem Gestáltica. v. 14, n. 1, p. 
28-38, 2008. 
RAFFAELLI, R. Husserl e a psicologia. Estudos de Psicologia, v. 9, n. 2, p. 
211-215, 2004. 
SARTRE, J.-P. O existencialismo é um humanismo. In: MARÇAL, J. (Org.). 
Antologia de textos filosóficos. Curitiba: Seed, 2009. p. 616-619. 
15 
 
 
SIMAN, A.; RAUCH, C. S. A finitude Humana: Morte e existência sob um olhar 
fenomenológico-existencial. Faculdade Sant’Ana em Revista, Ponta Grossa, v. 
1, n. 2, p. 106-122, set. 2017.

Mais conteúdos dessa disciplina